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Age, Creatinine and Ejection Fraction Score no Brasil: Comparação com o InsCor e o EuroSCORE

Resumo

Fundamento:

Escores de risco para cirurgia cardíaca não podem continuar sendo neglicenciados.

Objetivo:

Avaliar o desempenho do Age, Creatinine and Ejection Fraction Score (ACEF Score) na predição de mortalidade dos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e/ou valvar eletiva, e compará-lo a outros escores.

Métodos:

Estudo de coorte prospectivo no banco de um centro terciário brasileiro. Foram avaliados 2.565 pacientes operados de maneira eletiva entre maio de 2007 e julho de 2009. Para uma análise mais detalhada, o desempenho do ACEF Score foi comparado ao do InsCor e ao do EuroSCORE por meio de testes de correlação, calibração e discriminação.

Resultados:

Os pacientes foram estratificados em leve, moderado e grave para todos os modelos. A calibração foi inadequada para o ACEF Score (p = 0,046) e adequada para o InsCor (p = 0,460) e o EuroSCORE (p = 0,750). Na discriminação, a área abaixo da curva ROC apresentou-se questionável para o ACEF Score (0,625) e apropriada para o InsCor (0,744) e o EuroSCORE (0,763).

Conclusão:

Embora simples e prático, o ACEF Score, ao contrário do InsCor e do EuroSCORE, não se mostrou acurado para predizer mortalidade nos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e/ou valvar eletiva em centro terciário brasileiro. (Arq Bras Cardiol. 2015; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave
Procedimentos Cirúrgicos Cardíacos / mortalidade; Revascularização Miocárdica; Probabilidade; Doenças das Valvas Cardíacas / cirurgia; Estudos de Coortes

Abstract

Background:

Risk scores for cardiac surgery cannot continue to be neglected.

Objective:

To assess the performance of “Age, Creatinine and Ejection Fraction Score” (ACEF Score) to predict mortality in patients submitted to elective coronary artery bypass graft and/or heart valve surgery, and to compare it to other scores.

Methods:

A prospective cohort study was carried out with the database of a Brazilian tertiary care center. A total of 2,565 patients submitted to elective surgeries between May 2007 and July 2009 were assessed. For a more detailed analysis, the ACEF Score performance was compared to the InsCor’s and EuroSCORE’s performance through correlation, calibration and discrimination tests.

Results:

Patients were stratified into mild, moderate and severe for all models. Calibration was inadequate for ACEF Score (p = 0.046) and adequate for InsCor (p = 0.460) and EuroSCORE (p = 0.750). As for discrimination, the area under the ROC curve was questionable for the ACEF Score (0.625) and adequate for InsCor (0.744) and EuroSCORE (0.763).

Conclusion:

Although simple to use and practical, the ACEF Score, unlike InsCor and EuroSCORE, was not accurate for predicting mortality in patients submitted to elective coronary artery bypass graft and/or heart valve surgery in a Brazilian tertiary care center. (Arq Bras Cardiol. 2015; [online].ahead print, PP.0-0)

Keywords:
Cardiac Surgical Procedures / mortality; Myocardial Revascularization; Probability; Heart Valve Diseases / surgery; Cohort Studies

Introdução

A cirurgia cardíaca representa um grande impacto no sistema de saúde pela utilização considerável de recursos humanos e financeiros. Assim, a estratificação do risco torna-se cada vez mais importante1Mejía OA, Lisboa LA, Dallan LA, Pomerantzeff PM, Trindade EM, Jatene FB, et al. Estratificação de risco cirúrgico como instrumento de inovação em programas de cirurgia cardíaca no Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo: Estudo SP-Score-SUS. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2013;28(2):263-9..

Na prática clínica, existem três formas de utilizar um escores de risco em uma população específica. A mais simples, mas também a menos ideal, é a aplicação imediata de um escore externo, sem nenhuma adaptação do modelo. A recalibração, que mantém as mesmas variáveis do modelo, tem seus pesos ajustados com base em seus próprios dados. O remodelamento é a escolha de novas variáveis em função dos fatores de risco locais. Sem dúvidas, essa última opção oferece a melhor acurácia e o melhor desempenho2Ivanov J, Tu JV, Naylor CD. Ready-made, recalibrated, or remodeled? Issues in the use of risk indexes for assessing mortality after coronary artery bypass graft surgery. Circulation. 1999;99(16):2098-104..

No Brasil, a formulação do InsCor3Mejía OA, Lisboa LA, Puig LB, Moreira LF, Dallan LA, Pomerantzeff PM, et al. InsCor: a simple and accurate method for risk assessment in heart surgery. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):246-54. de dez variáveis, produto do remodelamento de dois modelos internacionais4Nashef SA, Roques F, Michel P, Gauducheau E, Lemeshow S, Salamon R; the EuroSCORE study group. European system for cardiac operative risk evaluation (EuroSCORE). Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):9-13.,5Bernstein AD, Parsonnet V. Bedside estimation of risk as an aid for decision-making in cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2000;69(3):823-8., traz informações sobre o impacto dos fatores de risco locais. No entanto, o EuroSCORE, de 17 variáveis, permanece o mais utilizado no país6Moraes F, Duarte C, Cardoso E, Tenório E, Pereira V, Lampreia D, et al. Avaliação do EuroSCORE como preditor de mortalidade em cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(1):29-34.

Andrade IN, Moraes Neto FR, Oliveira JP, Silva IT, Andrade TG, Moraes CR. Assessment of the EuroSCORE as a predictor for mortality in valve cardiac surgery at the Heart Institute of Pernambuco. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(1):11-8.
-8Mejía OA, Lisboa LA, Puig LB, Dias RR, Dallan LA, Pomerantzeff PM, et al. The 2000 Bernstein-Parsonnet score and EuroSCORE are similar in predicting mortality at the Heart Institute, USP. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011;26(1):1-6.. Com o tempo, controvérsias relacionadas à superestimação do EuroSCORE levaram ao desenvolvimento do EuroSCORE II9Nashef SA, Roques F, Sharples LD, Nilsson J, Smith C, Goldstone AR, et al. EuroSCORE II. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(4):734-44.. Esse modelo, ainda mais complexo, teve problemas relacionados à sua validação externa, inclusive no Brasil1010 Lisboa LA, Mejia OA, Moreira LF, Dallan LA, Pomerantzeff PM, Dallan LR, et al. EuroSCORE II and the importance of a local model, InsCor and the future SP-SCORE. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2014;29(1):1-8., o que levou a repensar sobre a escolha de escores internacionais e pela preferência de modelos cada vez mais simples.

O Age, Creatinine and Ejection Fraction Score (ACEF Score) foi proposto em 2009 para predizer mortalidade em pacientes adultos submetidos à cirurgia cardíaca eletiva1111 Ranucci M, Castelvecchio S, Menicanti L, Frigiola A, Pelissero G. Risk of assessing mortality risk in elective cardiac operations. Age, creatinine, ejection fraction and the law of parsimony. Circulation. 2009;119(24):3053-61.. A característica principal desse escore é sua praticidade, pois a razão entre a idade e a fração de ejeção é a base do cálculo, somando-se um ponto adicional quando a creatinina pré-operatória for > 2,0 mg/dL. O ACEF Score foi desenvolvido e validado unicamente na Itália1212 Ranucci M, Castelvecchio S, Conte M, Megliola G, Speziale G, Fiore F, et al. The easier, the better: age, creatinine, ejection fraction score for operative mortality risk stratification in a series of 29,659 patients undergoing elective cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2011;142(3):581-6., onde obteve boa acurácia, excelente calibração e parcimônia na aplicação clínica. Esse modelo, que obteve desempenho similar ao do EuroSCORE, nunca foi validado fora da Itália, nem muito menos comparado com algum modelo brasileiro.

O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho do ACEF Score e comparar seu desempenho com o InsCor e o EuroSCORE na predição de mortalidade dos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e/ou valvar eletiva em centro terciário brasileiro.

Métodos

Amostra

Estudo retrospectivo e observacional realizado a partir de banco de dados prospectivo do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Antes de iniciar esta análise, a hipótese de que o registro incluía dados para todas as variáveis dos modelos escolhidos teve que ser confirmada. Assim, para a realização da validação estatística, o tamanho da amostra deveria incluir, no mínimo, cem óbitos. Dados publicados pelo InCor mostraram uma mortalidade de 4,8% para cirurgia coronária eletiva e de 8,4% para cirurgia valvar eletiva1313 Lisboa LA, Moreira LF, Mejia OV, Dallan LA, Pomerantzeff PM, Costa R, et al. Evolution of cardiovascular surgery at the Instituto do Coração: analysis of 71,305 surgeries. Arq Bras Cardiol. 2010;94(2):162-8.; desse modo, o número mínimo de pacientes seria de 2.084. Optamos, então, pelo número de pacientes operados consecutivamente de forma eletiva entre maio de 2007 e julho de 2009, o que perfez um total de 2.565 pacientes.

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão no estudo foram ter idade ≥ 18 anos e ter passado por cirurgia valvar (troca ou plástica), Cirurgia de Revascularização Miocárdica (CRM; com ou sem a utilização de circulação extracorpórea) ou cirurgia associada (CRM e cirurgia valvar), de forma eletiva, no período estabelecido.

Coleta, definição e organização dos dados

A coleta de dados dos pacientes incluídos neste registro foi realizada por um médico pós-graduando e supervisionado por dois médicos assistentes do Departamento de Cirurgia Cardiovascular do InCor. Na época, uma planilha foi confeccionada para contemplar todas as variáveis descritas pelos modelos 2000 Bernstein-Parsonnet e EuroSCORE1414 Mejía OA, Lisboa LA, Dallan LA, Pomerantzeff PM, Moreira LF, Jatene FB, et al. Validation of the 2000 Bernstein-Parsonnet and EuroSCORE at the Heart Institute - USP. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):187-94.. Nesta análise, foram coletadas 60 variáveis pré-operatórias por paciente e colocadas numa interface criada em Excel. Após o registro ser avaliado, observou-se que ele também poderia proporcionar informação para a validação do ACEF Score − e, mais ainda, poderia comparar seu desempenho ao do InsCor e do EuroSCORE.

O valor do ACEF Score foi calculado por paciente seguindo a equação disponível na publicação do modelo.

Age (y) /EF (%) + 1 (if preoperative serum creatinine value> 2.0 mg/dL

O valor aditivo do InsCor foi calculado a partir de um gráfico com sistema de pontuação própria e o do EuroSCORE, a partir do site http://www.euroscore.org/calc.html. Foram respeitadas todas as definições atribuídas às variáveis dos modelos (Quadro 1) junto a seus respectivos valores e classificadas segundo sua importância com o evento morte. O seguimento se limitou à fase hospitalar, tendo como desfecho primário a mortalidade hospitalar, que compreendeu o período entre a cirurgia e a alta hospitalar. Para otimização e completude dos dados, todas as informações registradas no Departamento de Cirurgia Cardiovascular foram confinadas ao Serviço de Informática do Incor.

Quadro 1
Modelos e suas respectivas variáveis

Análise estatística

Para avaliar o desempenho do ACEF Score, do EuroSCORE e do InsCor na predição de mortalidade, foi realizada a validação preditiva dos modelos em 2.565 pacientes. A validação foi feita mediante testes de calibração e discriminação. A calibração foi calculada utilizando o teste de Hosmer-Lemeshow (H-L), que mostra o grau em que o modelo se adapta aos dados. Desse modo, ele tem uma interpretação diferente, se o teste de H-L não é significativo (p > 0,05), o modelo tem ajuste adequado. Modelos bem ajustados não mostram significância no teste, indicando que a previsão do modelo não é significativamente diferente dos valores observados.

A discriminação que distingue entre pacientes de baixo e alto risco foi medida pela área abaixo da curva Característica de Operação do Receptor (ROC, sigla do inglês Receiver Operating Characteristic). As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão, e as variáveis categóricas, como percentagens. O desempenho dos modelos foi medido pela comparação entre mortalidade observada e esperada nos grupos de risco estabelecidos pelos modelos. O teste exato de Fisher foi utilizado para as tabelas de contingência. Valor de p < 0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi realizada com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences(SPSS), Statistics Desktop, versão 22.0, para Windows (IBM Corporation Armonk, Nova Iorque, Estados Unidos).

Ética e Termo de Consentimento

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi dispensado por incluir unicamente dados sem identificação.

Resultados

Casuística

Dos 2.565 pacientes analisados, 167 pacientes (6,5%) morreram. A média das idades foi de 59,62 ± 13,35 anos, e 913 (35,59%) pacientes eram do sexo feminino. O valor médio da fração de ejeção foi de 56,62% ± 12,99%. O valor médio dos escores na amostra foi de 1,18 ± 0,54, 3,48 ± 3,31 e 3,78 ± 2,87 para o ACEF Score, InsCor e EuroSCORE, respectivamente. Foram realizadas 1.130 (44,1%) CRM isoladas; 679 (26,5%) cirurgias da valva mitral; 580 (22,6%) cirurgias da valva aórtica e 176 (6,86%) CRM + cirurgia valvar. Assim mesmo, foram registrados 449 (17,5%) casos de reoperação e 100 (3,9%) pacientes com creatinina > 2 mg/dL.

Adequacidade dos modelos

Houve correlação positiva alta entre EuroSCORE e InsCor (Spearman, r = 0,770; p <0,0001), moderada entre EuroSCORE e ACEF Score (Spearman, r = 0,527; p < 0,0001) e baixa entre InsCor e ACEF Score (Spearman, r = 0,301; p < 0,0001) para predizer mortalidade na amostra estudada.

Calibração

O ACEF Score apresentou associação com óbito (p < 0,0001). No entanto, o teste H-L não mostrou um bom ajuste do modelo (p = 0,046) (Tabela 1). Para uma melhor análise, o ACEF Score foi dividido em três categorias (Tabela 2). Por outro lado, o InsCor, além de mostrar associação com óbito (p < 0,0001), apresentou bom ajuste (p = 0,460) no teste H-L, (Tabela 3). Na tabela 4, o InsCor foi dividido em três categorias. Ainda assim, o EuroSCORE teve associação com óbito (p < 0,0001) e bom ajuste (p = 0,750) no teste H-L (Tabela 5). Na tabela 6, o EuroSCORE foi dividido em três categorias.

Tabela 1
Associação entre o ACEF Score, óbito e o teste de Hosmer-Lemeshow
Tabela 2
ACEF Score dividido em risco leve, moderado e grave
Tabela 3
Associação entre o InsCor, óbito e o teste de Hosmer-Lemeshow
Tabela 4
InsCor dividido em risco leve, moderado e grave
Tabela 5
Associação entre o EuroSCORE, óbito e o teste de Hosmer-Lemeshow
Tabela 6
EuroSCORE dividido em risco leve, moderado e grave

Discriminação

A área abaixo da curva ROC foi de 0,625 (IC 95% 0,58-0,67; p < 0,0001) para o ACEF Score, de 0,744 (IC 95% 0,70-0,79; p < 0,0001) para o InsCor e de 0,763 (IC 95% 0,72-0,80; p < 0,0001) para o EuroSCORE (Figura 1). Observou-se sobreposição entre as curvas ROC do EuroSCORE e do InsCor. No entanto, o ACEF Score apresentou a menor área e esta não se sobrepôs a dos outros modelos.

Figure 1
Curva ROC para o ACEF score, InsCor e EuroSCORE na avaliação do poder de discriminação realizada em 2565 pacientes. EURO: EuroSCORE; ACEF Score: Age, Creatinine and Ejection Fraction Score.

Discussão

Escores de risco devem ser fórmulas lineares e simplificadas para predição de mortalidade ou morbidades à beira do leito e sem a necessidade de calculadoras ou de outros assistentes pessoais1515 Hannan EL, Racz M, Culliford AT, Lahey SJ, Wechsler A, Jordan D, et al. Risk score for predicting in-hospital/30-day mortality for patients undergoing valve and valve/coronary artery bypass graft surgery. Ann Thorac Surg. 2013;95(4):1282-90..

Esses instrumentos são normalmente avaliados em termos de precisão (poder discriminatório), calibração e desempenho clínico. Muitos autores têm destacado que o nível de precisão raramente ultrapassa uma área sob a curva ROC de 0,75 (valor que é inadequado para fins clínicos), e que a calibração pode ser imprecisa para os grupos de baixo e alto risco1616 Mejía OA, Lisboa LA. The risk of risk scores and the dream of BraSCORE. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(2):xii-xiii.. Escores de risco são desenvolvidos por meio de métodos estatísticos e validados posteriormente em outras populações, para avaliar sua aplicabilidade clínica. Eles são desenvolvidos para serem utilizados em grandes populações, como é o caso do EuroSCORE, construído a partir de 19.030 pacientes com quase 450 eventos. Isso, evidentemente, permite a inclusão de um número muito grande de preditores independentes no modelo (consideram-se dez eventos por preditor)1717 Peduzzi P, Concato J, Kemper E, Holford TR, Feinstein AR. A simulation study of the number of events per variable in logistic regression analysis. J Clin Epidemiol. 1996;49(12):1373-9.. Entretanto, a publicação do ACEF Score confirma a hipótese experimental de que um escore de risco pode ser desenvolvido com base em um número muito limitado de fatores de risco. A evidência de que o risco de mortalidade em cirurgias cardíacas eletivas pode ser previsto com apenas três fatores de risco parece entrar em conflito com a hipótese geral de que quanto mais fatores de risco considerados, mais preciso e melhor calibrado será o modelo. No entanto, uma série de considerações clínicas, práticas e matemáticas pode justificar esse aparente paradoxo.

Wells e cols.1818 Wells CK, Feinstein AR, Walter SD. A comparison of multivariable mathematical methods for predicting survival - III. Accuracy of predictions in generating and challenge sets. J Clin Epidemiol. 1990;43(4):361-72. concluíram que “menos é mais” na análise multivariada. Assim, em vez de incluir muitas variáveis, modelos poderiam ser mais consistentes e eficazes, quando confinados a poucas variáveis (bons preditores). Neste estudo, contudo, os três fatores de risco utilizados na pontuação do ACEF Score foram também incluídos no InsCor e EuroSCORE. Talvez uma vantagem do ACEF Score, além de sua simplicidade, seja que as variáveis idade e fração de ejeção são utilizadas em sua forma contínua − ao invés da forma categórica dos outros dois modelos. A inclusão de um grande número de variáveis independentes aumenta o risco de multicolinearidade, o que, em termos práticos, seria o risco de informação redundante no modelo1919 Tu JV, Sykora K, Naylor CD. Assessing the outcomes of coronary artery bypass graft surgery: how many risk factors are enough? Steering Committee of the Cardiac Care Network of Ontario. J Am Coll Cardiol. 1997;30(5):1317-23.. No entanto, para casos individuais e, principalmente, nos complexos, simplificar muito um modelo pode ser arriscado.

A pergunta seria: escore nacional ou internacional; simples, intermediário ou complexo − o que será mais fácil, barato e apropriado?

Após publicação do banco de dados administrativo do Sistema Único de Saúde (SUS), mostrando uma mortalidade em cirurgia cardíaca de 8% no Brasil2020 Ribeiro AL, Gagliardi SP, Nogueira JL, Silveira LM, Colosimo EA, Nascimento CA. Mortality related to cardiac surgery in Brazil, 2000-2003. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(4):907-9., foram feitos esforços relacionados à validação de modelos de risco internacionais2121 Ikeoka DT, Fernandes VA, Gebara O, Garcia JC, Barros e Silva PG, Rodrigues MJ, et al. Evaluation of the Society of Thoracic Surgeons score system for isolated coronary bypass graft surgery in a Brazilian population. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2014;29(1):51-8 e à formulação de modelos nacionais2222 Cadore MP, Guaragna JC, Anacker JF, Albuquerque LC, Bodanese LC, Piccoli JC, et al. Proposição de um escore de risco cirúrgico em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4):447-56..

Comparar resultados brutos de um banco de dados administrativo com um banco de dados clínico, e ainda voluntário, como o da Society Thoracic Surgery(STS), nos Estados Unidos, é inaceitável. Ressalte-se que o registro do STS representa 10% do total das cirurgias realizadas anualmente nos hospitais de referência dos Estados Unidos2323 Gomes WJ, Mendonça JT, Braile DM. Cardiovascular surgery outcomes opportunity to rediscuss medical and cardiological care in the Brazilian public health system. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(4):III-VI..

Nesse contexto, são importantes os dados do serviço público de saúde da Itália. Na região da capital, Roma, a mortalidade em CRM no mesmo período em que se realizou a análise brasileira foi de 5,4%. Quando se dividiu a mortalidade por status socioeconômico (nos mesmos hospitais), a mortalidade no grupo socioeconômico mais elevado (mais favorecidos economicamente e mais instruídos) foi de 4,8%. No grupo mais desfavorecido (os mais pobres e menos instruídos), a mortalidade foi de 8,2%2424 Ancona C, Agabiti N, Forastiere F, Arca M, Fusco D, Ferro S, et al. Coronary artery bypass graft surgery: socioeconomic inequalities in access and in 30 day mortality. A population-based study in Rome, Italy. J Epidemiol Community Health. 2000;54(12):930-5..

Não existem dúvidas de que o SUS inclui a faixa de pacientes mais carentes submetidos à cirurgia cardíaca no Brasil, onde menos de 30% dos procedimentos são realizados pelo setor privado2525 Piegas LS, Bittar OJ, Haddad N. Myocardial revascularization surgery (MRS): results from national health system (SUS). Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):555-60.. O cenário atual é extremamente oportuno, pois propicia espaço para a procura de escores de risco mais acurados em nossa realidade, sabendo que quanto mais simples e eficaz um modelo, melhor custo-efetividade terá o sistema.

Por todas essas razões, o ACEF Score, validado na Itália, foi escolhido para ser validado no Brasil, seguindo todas as recomendações de seus autores (on label). No entanto, embora o ACEF Score tenha se mostrado comparável ao EuroSCORE, ele se revelou inferior ao InsCor e ao EuroSCORE e, inclusive, foi inadequado para nossa realidade.

Por outro lado, o EuroSCORE confirmou seu bom desempenho no Brasil6Moraes F, Duarte C, Cardoso E, Tenório E, Pereira V, Lampreia D, et al. Avaliação do EuroSCORE como preditor de mortalidade em cirurgia de revascularização miocárdica no Instituto do Coração de Pernambuco. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(1):29-34.,7Andrade IN, Moraes Neto FR, Oliveira JP, Silva IT, Andrade TG, Moraes CR. Assessment of the EuroSCORE as a predictor for mortality in valve cardiac surgery at the Heart Institute of Pernambuco. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(1):11-8.. No entanto, por ser mais complexo e apresentar a mesma acurácia que o InsCor (áreas das curvas ROC sobrepostas), deve ser preferido unicamente para avaliações individuais.

O EuroSCORE foi recentemente remodelado9Nashef SA, Roques F, Sharples LD, Nilsson J, Smith C, Goldstone AR, et al. EuroSCORE II. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(4):734-44. e passou a ser chamado “EuroSCORE II”. No entanto, essa versão não foi escolhida para este estudo, porque, além de ser mais complexa, ela trouxe para o Brasil1010 Lisboa LA, Mejia OA, Moreira LF, Dallan LA, Pomerantzeff PM, Dallan LR, et al. EuroSCORE II and the importance of a local model, InsCor and the future SP-SCORE. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2014;29(1):1-8. as mesmas dificuldades que apresentou em vários centros no mundo2626 Chalmers J, Pullan M, Fabri B, McShane J, Shaw M, Mediratta N, et al. Validation of EuroSCORE II in a modern cohort of patients undergoing cardiac surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2013;43(4):688-94.

27 Carnero-Alcázar M, Silva Guisasola JA, Reguillo Lacruz FJ, Maroto Castellanos LC, Cobiella Carnicer J, Villagrán Medinilla E, et al. Validation of EuroSCORE II on a single-center 3800 patient cohort. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2013;16(3):293-300.
-2828 Kunt AG, Kurtcephe M, Hidiroglu M, Cetin L, Kucuker A, Bakuy V, et al. Comparison of original EuroSCORE, EuroSCORE II and STS risk models in a Turkish cardiac surgical cohort. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2013;16(5):625-9..

Neste estudo, pudemos observar que o ACEF Score, mesmo aplicado on label, mostrou sua deficiência para uma população hipoteticamente com características similares às da população que o originou.

Assim, a acurácia do InsCor de dez variáveis foi melhor que à do ACEF Score de três variáveis e similar à do EuroSCORE de 17 variáveis, mostrando que modelos de complexidade intermediária possam ser preferidos.

Limitações

Primeiro, como não havia registro de pacientes, o cálculo do ACEF Score foi realizado retrospectivamente. No entanto, os responsáveis pelo cálculo não tinham conhecimento dos desfechos. Segundo, embora seja um registro com pacientes provenientes de várias regiões do Brasil, os dados foram coletados de um único centro terciário, caracterizando o estudo como unicêntrico.

Conclusão

O ACEF Score, embora simples e prático, não conseguiu predizer mortalidade nos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e/ou valvar eletiva em centro terciário brasileiro.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2015
  • Data do Fascículo
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2014
  • Revisado
    14 Fev 2015
  • Aceito
    19 Fev 2015
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