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Mortalidade por Doenças Cardiovasculares em Mulheres e Homens nas cinco Regiões do Brasil, 1980-2012

Resumo

Fundamento:

Estudos mostraram diferentes mortalidades por doenças cardiovasculares (DCV), doença isquêmica do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) nas cinco regiões do Brasil. Particularidades socioeconômicas entre as cinco regiões são frequentemente usadas para justificar diferenças na mortalidade por essas doenças. Estudos também mostraram redução das diferenças entre as taxas de mortalidade das cinco regiões do Brasil.

Objetivo:

Atualizar os dados de mortalidade por DCV em mulheres e homens nas cinco regiões do país.

Métodos:

Os dados populacionais e de mortalidade foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério da Saúde. O risco de morte foi ajustado pelo método da padronização direta, tendo como referência a população mundial em 2000. Foram analisadas as tendências da mortalidade por DCV, DIC e DCbV em mulheres e homens com ≥ 30 anos de idade nas cinco regiões do Brasil no período de 1980-2012.

Resultados:

Observou-se na mortalidade: 1) por DCV: redução nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste; aumento na região Nordeste; 2) por DIC: redução nas regiões Sudeste e Sul; aumento na região Nordeste; e inalterada nas regiões Norte e Centro-Oeste; 3) por DCbV: redução nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste; aumento na região Nordeste; e inalterada na região Norte. Observou-se também convergência das tendências da mortalidade por DCV, DIC e DCbV nas cinco regiões.

Conclusão:

As regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste tiveram as maiores taxas de mortalidade por DCV comparadas às regiões Sudeste e Sul. (Arq Bras Cardiol. 2016; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave:
Doenças Cardiovasculares; Mortalidade; Epidemiologia; Brasil; Acidente Vascular Cerebral (AVC); Doença Isquêmica do Coração

Abstract

Background:

Studies have shown different mortalities due to cardiovascular diseases (CVD), ischemic heart disease (IHD) and cerebrovascular diseases (CbVD) in the five Brazilian regions. Socioeconomic conditions of those regions are frequently used to justify differences in mortality due to those diseases. In addition, studies have shown a reduction in the differences between the mortality rates of the five Brazilian regions.

Objective:

To update CVD mortality data in women and men in the five Brazilian regions.

Methods:

Mortality and population data were obtained from the Brazilian Institute of Geography and Statistics and Ministry of Health. Risk of death was adjusted by use of the direct method, with the 2000 world standard population as reference. We analyzed trends in mortality due to CVD, IHD and CbVD in women and men aged ≥ 30 years in the five Brazilian regions from 1980 to 2012.

Results:

Mortality due to: 1) CVD: showed reduction in the Northern, West-Central, Southern and Southeastern regions; increase in the Northeastern region; 2) IHD: reduction in the Southeastern and Southern regions; increase in the Northeastern region; and unchanged in the Northern and West-Central regions; 3) CbVD: reduction in the Southern, Southeastern and West-Central regions; increase in the Northeastern region; and unchanged in Northern region. There was also a convergence in mortality trends due to CVD, IHD, and CbVD in the five regions.

Conclusion:

The West-Central, Northern and Northeastern regions had the worst trends in CVD mortality as compared to the Southeastern and Southern regions. (Arq Bras Cardiol. 2016; [online].ahead print, PP.0-0)

Keywords:
Cardiovascular Diseases; Mortality; Epidemiology; Brazil; Stroke; Myocardial Ischemia

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são as principais causas de morte em homens e mulheres nas cinco regiões do Brasil.11 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40. As regiões Sudeste e Sul tiveram os maiores coeficientes ajustados de mortalidade por DCV, doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) comparadas com as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.11 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40. A mortalidade por DCV nas regiões Sudeste e Sul tem padrão semelhante ao observado nos países mais desenvolvidos, onde as DCV têm maior participação na mortalidade geral da população e predomina a mortalidade por DIC sobre as DCbV.22 Finegold JA, Asaria P, Francis DP. Mortality from ischaemic heart disease by country, region, and age: statistics from World Health Organisation and United Nations. Int J Cardiol. 2013;168(2):934-45.,33 Moran AE, Forouzanfar MH, Roth GA, Mensah GA, Ezzati M, Murray CJ, et al. Temporal trends in ischemic heart disease mortality in 21 world regions, 1980 to 2010: the Global Burden of Disease 2010 study. Circulation. 2014;129(14):1483-92. Do outro lado, a mortalidade por DCV nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tem padrão semelhante ao observado nos países em desenvolvimento, onde as DCV têm proporcionalmente menor participação na mortalidade geral da população e predomina a mortalidade por DCbV sobre as DIC.11 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40.

2 Finegold JA, Asaria P, Francis DP. Mortality from ischaemic heart disease by country, region, and age: statistics from World Health Organisation and United Nations. Int J Cardiol. 2013;168(2):934-45.
-33 Moran AE, Forouzanfar MH, Roth GA, Mensah GA, Ezzati M, Murray CJ, et al. Temporal trends in ischemic heart disease mortality in 21 world regions, 1980 to 2010: the Global Burden of Disease 2010 study. Circulation. 2014;129(14):1483-92. Da mesma forma, a redução da mortalidade por DCV, DIC e DCbV foi significativamente maior nas regiões Sudeste e Sul quando comparadas com as regiões Norte e Centro-Oeste, enquanto que na região Nordeste observou-se um aumento na mortalidade por essas doenças.11 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40.,44 Baena CP, Chowdhury R, Schio NA, Sabbag AE Jr, Guarita-Souza LC, Olandoski M, et al. Ischaemic heart disease deaths in Brazil: current trends, regional disparities and future projections. Heart. 2013;99(18):1359-64. Esses dois estudos mostraram uma aproximação das linhas de tendência da mortalidade por DCV entre as cinco regiões. Porém, Souza et al.11 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Serial temporal analysis of ischemic heart disease and stroke death risk in five regions of Brazil from 1981 to 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40. analisaram os dados de mortalidade por DCV até o ano 2006 e Baena et al.44 Baena CP, Chowdhury R, Schio NA, Sabbag AE Jr, Guarita-Souza LC, Olandoski M, et al. Ischaemic heart disease deaths in Brazil: current trends, regional disparities and future projections. Heart. 2013;99(18):1359-64. reportaram dados de mortalidade nas cinco regiões somente para as DIC até o ano de 2010.

Este estudo teve como objetivo analisar as tendências de mortalidade por DCV, DIC e DCbV, isto é, se as tendências ainda se mantêm, assim como atualizar os dados de mortalidade por DCV em homens e mulheres nas cinco regiões do Brasil no período de 1980 a 2012.

Métodos

Este estudo ecológico, retrospectivo, baseado nas séries temporais analisou a mortalidade por DC, DIC e DCbV na população com idade ≥30 anos nas cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) de 1980 até 2012. Os dados sobre a mortalidade foram obtidos no portal do Ministério da Saúde, www.datasus.gov.br.55 Ministério da Saúde. Datasus. Mortalidade Brasil. [Citado em 2015 Dez 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/niuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
Os dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram obtidos no mesmo portal. Os óbitos de 1990 a 1995 foram classificados de acordo com o CID-9, 9a Conferência de Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID), de 1975, e adotado pela 20a Assembleia Mundial da Saúde. Os dados de mortalidade a partir do ano de 1996 foram obtidos da 10a revisão da CID. As doenças do aparelho circulatório (DC) foram agrupadas nos códigos 390 a 459, as DIC, códigos 410 a 414, e as DCbV, códigos 430 a 438, da 9a Revisão da CID. A mortalidade a partir do ano de 1996 foi classificada pela 10ª revisão da CID. As DC estão agrupadas nos códigos I00 a I99, as DIC, códigos I20 a I25 e as DCbV, nos códigos I60 a I69. Para fins de comparação, a mortalidade, por 100.000 habitantes, foi ajustada pelo método da padronização direta, tendo como referência a população mundial padrão do ano 2000.66 Segi M, Fujisaku S, Kurihara M, Narai Y, Sasajima K. The age-adjusted death rates for malignant neoplasms in some selected sites in 23 countries in 1954-1955 and their geographical correlation. Tohoku J Exp Med. 1960;72:91-103. O modelo de regressão linear simples foi usado para análise e comparações das tendências de mortalidade. As variáveis dependentes foram DC, DIC e DCbV, e a variável independente foi o ano. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p < 0,05). O programa estatístico usado foi o SAS (SAS Institute Inc., 1989-1996, Cary, NC, EUA), versão 9.2.

Resultados

A mortalidade total em homens e em mulheres por DCV, DIC e DCbV, assim como, os resultados das análises de regressão linear simples, encontram-se, respectivamente, nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.

Tabela 1
Risco de morte* * ajustada pelo método direto para a população padronizada mundial de 2000; var (%): variação percentual (2012/1980). por 100 mil habitantes por doenças cardiovasculares (DCV) e variação total no período de observação (1980-2012) na população total e em homens e mulheres nas 5 regiões do Brasil
Tabela 2
Risco de morte* * ajustada pelo método direto para a população padronizada mundial de 2000; var (%): variação percentual (2012/1980). por 100 mil habitantes por doenças cardiovasculares (DCV) e variação total no período de observação (1980-2012) na população total e em homens e mulheres nas 5 regiões do Brasil
Tabela 3
Risco de morte* * ajustada pelo método direto para a população padronizada mundial de 2000; var (%): variação percentual (2012/1980). por 100 mil habitantes por doenças cerebrovasculares (DCbV) e variação total no período de observação (1980-2012) na população total e em homens e mulheres nas 5 regiões do Brasil
Tabela 4
Modelo de regressão linear simples para mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV), doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) no período de observação (1980-2012) em homens e mulheres nas 5 regiões do Brasil

A mortalidade por DCV aumentou na região Nordeste no período de 1980 a 2012, como se segue: 27% na população total, 33% nos homens e 18% nas mulheres. Nas demais regiões, observou-se uma redução da mortalidade na população total, nos homens e nas mulheres. As reduções foram mais significativas nas regiões Sul e Sudeste com reduções acima de 95% na mortalidade para o período de 1980 a 2012 (Tabela 1, Figura 1).

Figura 1
Análise de regressão linear simples da mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV) em indivíduos com ≥ 30 anos nas cinco regiões do Brasil no período de 1980 a 2012.

A análise de regressão linear simples mostrou: a mortalidade por DIC ficou inalterada nas regiões Norte (β = 0,02; Raj2 = 0,045; p = 0,237) e Centro-Oeste (β = 0,01; Raj2 = 0,016; p = 0,478); aumentou na região Nordeste (β = 1,98; Raj2 = 0,897; p < 0,0001); e diminuiu nas regiões Sudeste (β = -4,63; Raj2 = 0,973; p < 0,0001) e Sul (β = -3,27; Raj2 = 0,851; p < 0,0001) no período de 1980 a 2012 (Tabelas 2 e 4; Figura 2). Nos homens, a mortalidade por DIC aumentou nas regiões Norte (β = 0,45; Raj2 = 0,160; p = 0,012), Nordeste [ β = 2,41 (IC95%: 2,10-2,75); Raj2 = 0,883; p < 0,0001] e Centro-Oeste (β = 0,43; Raj2 = 0,131; p = 0,039). O aumento mais importante foi na região Nordeste (128%), seguido das regiões Centro-Oeste (22%) e Norte (7%) (Tabelas 2e 4, Figura 3). Nas mulheres, a mortalidade por DIC aumentou na região Nordeste (β = 1,54; Raj2 = 0,900; p < 0,0001), tendo permanecido inalterada, mas com tendência de queda, nas regiões Norte (β = -0,17; Raj2 = 0,071; p = 0,071) e Centro-Oeste (β = -0,76; Raj2 = 0,061; p = 0,089). A região Nordeste teve o maior aumento na mortalidade por DIC (55%) (Tabelas 2 e 4, Figura 3).

Figura 2
Análise de regressão linear simples da mortalidade por doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) em indivíduos com ≥ 30 anos nas cinco regiões do Brasil no período de 1980 a 2012.

Figura 3
Análise de regressão linear simples da mortalidade por doenças isquêmicas do coração (DIC) em homens (H) e mulheres (M) com ≥ 30 anos nas cinco regiões do Brasil no período de 1980 a 2012.

A análise de regressão linear simples mostrou que a mortalidade por DCbV ficou inalterada, mas com tendência de queda, na região Norte (β = -0,24; Raj2 = 0,840; p = 0,056), aumentou na região Nordeste (β = 0,56; Raj2 = 0,381; p < 0,0001), e teve redução importante nas regiões Sudeste (β = -7,5; Raj2 = 0,924; p < 0,0001), Sul (β = -3,85; Raj2 = 0,905; p < 0,0001) e Centro-Oeste (β = -1,81; Raj2 = 0,562; p < 0,00) no período de 1980 a 2012. O aumento da mortalidade na região Nordeste foi de 15% e a redução foi mais importante nas regiões Sudeste e Sul, respectivamente, de 240% e 101% (Tabelas 3 e 4, Figura 2). Nos homens, a mortalidade por DCbV aumentou na região Nordeste (β = 0,95; Raj2 = 0,616; p < 0,0001), permaneceu inalterada na região Norte (β = 0; Raj2 = 0,020; p = 0,438), e diminuiu nas regiões Sudeste (β = -8,27; Raj2 = 0,911; p < 0,0001), Sul (β = -4,13; Raj2 = 0,881; p < 0,0001) e Centro-Oeste (β = -1,72; Raj2 = 0,455; p < 0,0001). O aumento da mortalidade por DCbV na região Nordeste foi de 26%, tendo as reduções mais significativas ocorrido nas regiões Sudeste e Sul, respectivamente, de 216% e 88% (Tabelas 3 e 4, Figura 4). Nas mulheres, a mortalidade por DCbV permaneceu inalterada na região Nordeste (β = 0; Raj2 = 0,044; p = 0,241) e diminuiu nas regiões Norte (β = -0,60; Raj2 = 0,470; p < 0,001), Sudeste (β = -6,74; Raj2 = 0,937; p < 0,0001), Sul (β = -3,56; Raj2 = 0,921; p < 0,0001) e Centro-Oeste (β = -1,91; Raj2 = 0,061; p < 0,0001). A redução da mortalidade por DCbV nas mulheres foi mais importante nas regiões Sudeste (274%) e Sul (119%) (Tabelas 3e 4, Figura 4). A convergência das tendências de mortalidade por DIC e DCbV observada para as cinco regiões do Brasil ocorreu principalmente devido à redução da mortalidade dessas doenças nas regiões Sudeste e Sul. A convergência da mortalidade por DCbV foi significativa a partir de 1997, enquanto que, para DIC, ocorreu somente a partir do ano de 2007 (Figura 5).

Figura 4
Análise de regressão linear simples da mortalidade por doenças cerebrovasculares (DCbV) em homens (H) e mulheres (M) com ≥ 30 anos nas cinco regiões do Brasil no período de 1980 a 2012.

Figura 5
Convergência das tendências de mortalidade por doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCbV) nas cinco regiões do Brasil de 1980 a 2012.

Discussão

Este estudo mostrou que as regiões Sudeste e Sul tiveram as maiores reduções na mortalidade por DCV, DIC e DCbV, tendo a região Nordeste apresentado um aumento da mortalidade por essas doenças. Os resultados foram variáveis para as regiões Norte e Centro-Oeste. Esses achados mostram que as regiões Sudeste e Sul tiveram um comportamento semelhante ao dos países mais desenvolvidos, isto é, a persistente tendência de redução da mortalidade por DCV.77 Nichols M, Townsend N, Scarborough P, Rayner M. Cardiovascular disease in Europe 2014: epidemiological update. Eur Heart J. 2014;35(42):2950-9. Erratum in: Eur Heart J. 2015;36(13):794.,88 Roth GA, Forouzanfar MH, Moran AE, Barber R, Nguyen G, Feigin VL, et al. Demographic and epidemiologic drivers of global cardiovascular mortality. N Engl J Med. 2015;372(14):1333-41.

Por outro lado, o comportamento das tendências de mortalidade das demais regiões foi semelhante ao de países em desenvolvimento. O menor acesso da população a um sistema de saúde mais adequado e aspectos socioeconômicos e culturais podem justificar essas tendências. Por exemplo, o controle dos fatores de risco foi responsável por pelo menos 50% da redução da mortalidade por DCV nos países mais desenvolvidos.99 Ford ES, Ajani UA, Croft JB, Critchley JA, Labarthe DR, Kottke TE, et al. Explaining the decrease in U.S. deaths from coronary disease, 1980-2000. N Engl J Med. 2007;356(23):2388-98.

Relatório recente da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 mostrou melhor desempenho das regiões Sudeste e Sul no diagnóstico e tratamento dos principais fatores de risco para as DCV.1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde. [Citado em 2015 Jun 10]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/PNS/2013/pns2013.pdf
ftp://ftp.ibge.gov.br/PNS/2013/pns2013.p...
Os dados da PNS mostraram maior consumo de frutas, verduras e atividade física nas regiões Sudeste e Sul. Em relação aos fatores de risco [hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia e diabetes], as regiões Sudeste e Sul tiveram: maior proporção de indivíduos com ≥ 18 anos de idade com medida da pressão arterial, maior uso de medicação anti-hipertensiva, maior acesso a pelo menos uma medicação obtida do Programa de Farmácia Popular, e mais análise sérica da glicose, do colesterol total e dos triglicérides.1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde. [Citado em 2015 Jun 10]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/PNS/2013/pns2013.pdf
ftp://ftp.ibge.gov.br/PNS/2013/pns2013.p...
Em resumo, o acesso ao sistema de saúde pela população foi melhor nas regiões Sudeste e Sul.

Da mesma forma, o relatório da PNS mostrou melhor desempenho das mulheres nas avaliações dos fatores de risco do que dos homens, fato esse que pode inclusive intensificar a já existente proteção natural das mulheres para o processo da aterosclerose e, consequentemente, para os eventos cardiovasculares.

O melhor acesso ao sistema de saúde nas regiões Sudeste e Sul pode também justificar a maior redução da mortalidade por DCbV comparada às DIC. Isso porque a logística envolvida no diagnóstico e tratamento da HAS, principal fator de risco para as DCbV, é significantemente menos complexa do que a necessária para as DIC. Essas últimas têm mais fatores de risco, como dislipidemia, tabagismo, diabetes e HAS, envolvidos e muitas vezes o diagnóstico depende de exames complementares mais complexos.

Além da complexidade do tratamento medicamentoso, observa-se também limitada disponibilidade do tratamento intervencionista restrito aos grandes centros urbanos. Essas limitações diagnósticas e terapêuticas podem justificar a heterogeneidade do risco de morte por infarto agudo do miocárdio nas diferentes regiões do Brasil.1111 Nicolau JC, Franken M, Lotufo PA, Carvalho AC, Marin Neto JA, Lima FG, et al. Use of demonstrably effective therapies in the treatment of acute coronary syndromes: comparison between different Brazilian regions. Analysis of the Brazilian Registry on Acute Coronary Syndromes (BRACE). Arq Bras Cardiol. 2012;98(4):282-9.

Da mesma forma, as desigualdades sociais e a baixa escolaridade são condições adicionais associadas com maior mortalidade por DCV.1212 Ishitani LH, Franco GC, Perpétuo IH, França E. [Socioeconomic inequalities and premature mortality due to cardiovascular diseases in Brazil]. Rev Saúde Pública. 2006;40(4):684-91.

13 Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):403-12.
-1414 Polanczyk CA, Ribeiro JP. Coronary artery disease in Brazil: contemporary management and future perspectives. Heart. 2009;95(11):870-6. As regiões Sul e Sudeste têm os maiores índices de desenvolvimento urbano, que é avaliado pelo progresso das regiões em três dimensões básicas: renda, educação e saúde.1515 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). [Citado em 2015 Nov 11]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx
http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx...
,1616 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Brasil. [Citado em 2015 Dez 8]. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/idhm-2013/platb/
http://g1.globo.com/brasil/idhm-2013/pla...
Metade da mortalidade por DCV antes do 65 anos pode ser atribuída à pobreza.1313 Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):403-12. Da mesma forma, a escolaridade tem uma relação inversa com a mortalidade por DCV. Alimentação inadequada, baixa atividade física, consumo de álcool e tabagismo são outros importantes fatores de risco para as DVC e mais prevalentes nas classes sociais menos favorecidas da população.1717 Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. Portanto, programas de prevenção primária e secundária nessa camada da população podem ter impacto significativo na morbimortalidade por DCV. Por exemplo, o programa "Estratégia Saúde da Família" facilitou ações de promoção da saúde e aperfeiçoou o processo de prevenção e diagnóstico precoce dos principais fatores de risco para DCV.1818 Ceccon RF, Meneghel SN, Viecili PR. Hospitalization due to conditions sensitive to primary care and expansion of the Family Health Program in Brazil: an ecological study. Rev Bras Epidemiol. 2014;17(4):968-77.

Outro ponto importante observado em nosso estudo foi a convergência das tendências de mortalidade pelas DIC e DCbV das regiões brasileiras. A convergência das tendências de mortalidade por DIC ocorreu a partir de 2007, enquanto que, para as DCbV, foi 10 anos mais precoce. Esse comportamento refletiu na queda mais precoce e acentuada da mortalidade por DCbV, resultando no fenômeno da transição epidemiológica, que é o predomínio da mortalidade por DIC sobre as DCbV.1919 Mansur AP, Lopes AI, Favarato D, Avakian SD, César LA, Ramires JA. Epidemiologic transition in mortality rate from circulatory diseases in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):506-10.

As principais limitações deste estudo estão relacionadas à qualidade dos dados brasileiros de mortalidade, tais como erros relacionados com o diagnóstico e precisão dos atestados de óbito, mortes associadas com causas desconhecidas e erros de entrada de dados. O número de certidões de óbito com sintomas, sinais e condições de saúde mal definidas como diagnóstico para a causa da morte é indicador indireto da qualidade-padrão dos dados. Tal número de certificados, apesar da melhora progressiva, ainda é significativo nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.2020 França E, de Abreu DX, Rao C, Lopez AD. Evaluation of cause-of-death statistics for Brazil, 2002-2004. Int J Epidemiol. 2008;37(4):891-901.,2121 Gaui EN, Oliveira GM, Klein CH. Mortality by heart failure and ischemic heart disease in Brazil from 1996 to 2011. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):557-65.

Estudos de validação para os dados de taxa de mortalidade não estão também disponíveis na maioria dos estados ou cidades no Brasil. Da mesma forma, a redução no número de certidões de óbito com sintomas, sinais e condições de saúde mal definidas como diagnóstico para a causa da morte pode redirecionar para o aumento do número de certidões de óbito por DCV e, consequentemente, refletir artificialmente como aumento da mortalidade por DCV das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Conclusão

A manutenção dessas tendências de mortalidade nas cinco regiões do Brasil levará em poucos anos a inversão do risco de morte entre as regiões, tornando a região Nordeste e, em menor grau, as regiões Norte e Centro-Oeste, as regiões do Brasil com maiores coeficientes de mortalidade por DCV. Portanto, intensificação de políticas de saúde pública de prevenção das DCV e melhorias das condições socioeconômicas, em especial da região Nordeste, poderão resultar em semelhantes coeficientes de mortalidade para as cinco regiões do Brasil.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2016
  • Data do Fascículo
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2015
  • Revisado
    01 Abr 2016
  • Aceito
    01 Abr 2016
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