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Evolução da Mortalidade por Doenças do Aparelho Circulatório e do Índice de Desenvolvimento Humano nos Municípios do Estado do Rio de Janeiro

Resumo

Fundamentos:

As doenças do aparelho circulatório (DAC) são a principal causa de morte no Brasil e no Mundo.

Objetivo:

Correlacionar taxas de mortalidade compensadas e ajustadas por DAC nos Municípios do Estado do Rio de Janeiro (ERJ) entre 1979 e 2010 com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a partir de 1970.

Métodos:

Populações e óbitos obtidos no DATASUS/MS. Calcularam-se taxas de mortalidade por Doenças Isquêmicas do Coração (DIC), Doenças Cerebrovasculares (DCBV) e DAC ajustadas pelo método direto e compensadas por causas mal definidas. Dados de IDH foram obtidos no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. As taxas de mortalidade e o IDH foram correlacionados pela estimação de coeficientes lineares de Pearson. Os coeficientes de correlação entre as taxas de mortalidade dos anos censitários de 1991, 2000 e 2010 e IDH nos anos censitários de 1970, 1980 e 1991 foram calculados com a defasagem de dois censos demográficos. Foram estimados os coeficientes de inclinação da regressão entre a variável dependente doença e a variável independente IDH.

Resultados:

Nas últimas décadas, houve redução da mortalidade por DAC em todos os municípios do ERJ principalmente por queda da mortalidade por DCBV e foi precedida por elevação do IDH, havendo forte correlação entre o indicador socioeconômico e as taxas de mortalidade.

Conclusão:

A variação evolutiva do IDH demonstrou elevada correlação com a redução da mortalidade por DAC. Essas relações sinalizam a importância na melhoria das condições de vida da população para reduzir a mortalidade cardiovascular.

Palavras-chave:
Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Encefalopatias/mortalidade; Epidemiologia; Indicadores Econômicos; Condições Sociais; Indicadores Sociais; Censo

Abstract

Background:

Diseases of the circulatory system (DCS) are the major cause of death in Brazil and worldwide.

Objective:

To correlate the compensated and adjusted mortality rates due to DCS in the Rio de Janeiro State municipalities between 1979 and 2010 with the Human Development Index (HDI) from 1970 onwards.

Methods:

Population and death data were obtained in DATASUS/MS database. Mortality rates due to ischemic heart diseases (IHD), cerebrovascular diseases (CBVD) and DCS adjusted by using the direct method and compensated for ill-defined causes. The HDI data were obtained at the Brazilian Institute of Applied Research in Economics. The mortality rates and HDI values were correlated by estimating Pearson linear coefficients. The correlation coefficients between the mortality rates of census years 1991, 2000 and 2010 and HDI data of census years 1970, 1980 and 1991 were calculated with discrepancy of two demographic censuses. The linear regression coefficients were estimated with disease as the dependent variable and HDI as the independent variable.

Results:

In recent decades, there was a reduction in mortality due to DCS in all Rio de Janeiro State municipalities, mainly because of the decline in mortality due to CBVD, which was preceded by an elevation in HDI. There was a strong correlation between the socioeconomic indicator and mortality rates.

Conclusion:

The HDI progression showed a strong correlation with the decline in mortality due to DCS, signaling to the relevance of improvements in life conditions.

Keywords:
Cardiovascular Diseases/mortality; Brain Diseases/mortality; Epidemiology; Economic Indexes; Social Conditions; Social Indicators; Censuses

Introdução

O índice de desenvolvimento humano (IDH) é constituído por três grandes pilares, saúde, educação e renda, na tentativa de medir vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida. O IDH foi criado em 1990 por dois economistas, o paquistanês Mahbub ul Haq e o indiano Amartya Sen, com a pretensão inicial de ser uma medida geral e sintética do desenvolvimento humano.11 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Brasil. [Acesso em 2015 set. 12]. Disponível em www.pnud.org.br.
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,22 United Nations Development Programme. Human Development Reports. [Accessed in 2015 Sept 23]. Available from: www.undp.org.
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Inicialmente, media-se saúde por expectativa de vida ao nascer, educação por alfabetização e taxa de escolaridade, e renda por produto interno bruto per capita (PIBpc). O indicador era calculado pela média geométrica dos três componentes. A partir de 2009 houve modificações, passando o componente 'educação' a ser medido por anos médios de estudo e esperados de estudo e o componente 'econômico' a ser medido por renda per capita.33 Klugman J, Rodríguez F, Choi HJ. The HDI 2010. New Controversies, Old Critiques. United Nations Development Programme. New York; 2011. (Human Development Research Paper 2011/01)

No Brasil, números de IDH dos municípios foram publicados pela primeira vez em 1998, retrospectivamente, a partir dos dados dos Censos Demográficos44 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE) . [Acesso em 2015 set 12]. Disponível em: www.ibge.gov.br.
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de 1970, 1980 e 1991. Posteriormente, novos relatórios foram publicados em 2003 e 2013 com os dados dos Censos de 2000 e 2010, respectivamente. Esse indicador compõe o Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil,55 Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil. Programa das Nações. Unidas para o Desenvolvimento. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Fundação João Pinheiro. [Acesso em 2015 out 30]. Disponível em www.atlasbrasil.org.br.
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organizado e disponibilizado em conjunto por três instituições, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),11 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Brasil. [Acesso em 2015 set. 12]. Disponível em www.pnud.org.br.
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o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)66 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). IPEADATA. [Acesso em 2015 set 30]. Disponível em: www.ipeadata.gov.br.
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e a Fundação João Pinheiro.77 Governo de Minas Gerais. Fundação João Pinheiro. [Acesso em 2015 out 12]. Disponível em: www.fjp.mg.gov.br.
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De acordo com os dados conhecidos a partir de 1979, as taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório (DAC) e seus dois principais subgrupos, doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças isquêmicas do coração (DIC), apresentaram progressiva queda nos municípios do Estado do Rio de Janeiro (ERJ).88 Soares GP, Klein CH, Silva NA, Oliveira GM. Evolution of Cardiovascular Diseases Mortality in the Counties of the State of Rio de Janeiro from 1979 to 2010. Arq Bras Cardiol. 2015;104(5):356-65. As condições de saúde das populações são determinadas de forma complexa por componentes sociais, como distribuição de renda, riqueza e nível de conhecimento.99 Moonesinghe R, Bouye K, Penman-Aguilar A. Difference in health inequity between two population groups due to a social determinant in health. Int J Environ Res Public Health. 2014;11(12):13074-83.

O objetivo deste estudo é correlacionar as taxas de mortalidade por DAC, DCBV e DIC com a evolução do IDH nos municípios do ERJ.

Métodos

Foram coletados dados de IDH e de mortalidade nos municípios do ERJ. Os municípios do ERJ foram constituídos de acordo com a estrutura geopolítica do ano de 1950, agrupando os municípios emancipados a partir desta data com sua sede original. Essas agregações municipais implicaram na redução do número total de municípios existentes em 2010 no ERJ, que era de 92, para 56 agregados para fins de análise neste estudo.

Os agregados municipais também foram agrupados nas regiões propostas pela Secretaria Estadual de Saúde do ERJ, com o desmembramento da região Metropolitana, em Cinturão Metropolitano, que compreende todos os municípios da região, excetuados os do Rio de Janeiro e de Niterói, que, por sua vez, passaram a se constituir em outras duas regiões autônomas. As demais regiões, Médio-Paraíba, Serrana, Norte, Baixada Litorânea, Noroeste, Centro-Sul e Baía da Ilha Grande são as mesmas definidas pela Secretaria Estadual de Saúde1010 Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Deliberação CIB no 1452 de 09 de novembro de 2011. Publicada no D.O. de 22 de novembro de 2011. [Acesso em 2015 set 24]. Disponível em: www.cib.rj.gov.br/deliberacoes-cib-80-2011/novembro/1221-deliberacoes-cib-no-1452-de-09-de-novembro-de-2011.html
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do ERJ.

Os dados do IDH foram obtidos no site do IPEA66 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). IPEADATA. [Acesso em 2015 set 30]. Disponível em: www.ipeadata.gov.br.
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para os anos de Censo Demográfico de 1970, 1980 e 1991. Para estimar o IDH dos municípios-sede respeitando a estrutura geopolítica do ERJ em 1950 foram estimadas médias aritméticas com composição ponderada pelo tamanho da população de cada município emancipado. Isso pode ser exemplificado como a seguir: IDH município-sede = [(população do município emancipado A x IDH) + (população do município emancipado B x IDH)] / (população do município emancipado A + população do município emancipado B). Os dados populacionais são provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística44 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE) . [Acesso em 2015 set 12]. Disponível em: www.ibge.gov.br.
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para os anos de recenseamento geral (1991, 2000 e 2010) e de contagem e foram obtidos no site do DATASUS-MS.1111 DATASUS. Informações de saúde: estatísticas vitais. [Acesso em 2014 ago 13]. Disponível em: www.datasus.gov.br.
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Para construção das taxas de mortalidade foram analisados os dados dos óbitos restritos aos adultos com 20 anos ou mais, provenientes do DATASUS-MS.1111 DATASUS. Informações de saúde: estatísticas vitais. [Acesso em 2014 ago 13]. Disponível em: www.datasus.gov.br.
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Esses dados foram discriminados nas frações de interesse principal do estudo: DAC, correspondentes àquelas registradas nos capítulos VII da CID-91212 Organização Mundial de Saúde OMS - Manual da classificação Internacional de Doenças, lesões e causas de óbitos. 9a rev. São Paulo: Centro da OMS para Classificação de Doenças em Portugues; 1978. ou IX da CID-10;1313 Organização Mundial de Saúde. (OMS). Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. 10ª rev. São Paulo: EDUSP; 1995. DIC, correspondentes aos códigos 410-414 da CID-9 ou I20-I25 da CID-10; DCBV, correspondentes aos códigos 430-438 da CID-9 ou I60-I69 da CID-10. Também foram utilizados para análise os óbitos por Causas Mal Definidas (CMD), abrigados no capítulo XVI da CID-9 e XVIII da CID-10, e o total de óbitos por Todas as Causas (TC). A CID-9 vigorou até o ano de 1995, e a CID-10, a partir de 1996. Foram calculadas as taxas brutas e ajustadas de mortalidade, por sexo e idade, pelo método direto,1414 Vermelho LL, Costa AJL, Kale PL. Indicadores de saúde. In: Medronho RA. Epidemiologia. São Paulo: Editora Fiocruz; 2008. por 100 mil habitantes. Como as taxas de mortalidade por CMD no ERJ aumentaram de forma relevante a partir de 1990,1515 Soares GP, Brum JD, Oliveira GM, Klein CH, Souza e Silva NA. Mortality due to ischemic heart diseases, cerebrovascular diseases and Ill Defined causes of death in regions of Rio de Janeiro State, Brazil 1980-2007. Rev SOCERJ. 2009;22(3):142-50. optou-se pela realização de compensação, que consistiu em somar ao número de óbitos declarados por uma causa determinada específica um certo número de óbitos de CMD, que corresponde à proporção dos óbitos específicos em relação ao total desses últimos. Exemplificando, se 30% dos óbitos especificados são por DAC, 30% dos óbitos por CMD são somados aos óbitos por DAC. A compensação foi realizada para todos os anos da série. Para os óbitos por DAC, DIC e DCBV foram somadas partes dos óbitos por CMD, correspondente às suas frações observadas entre os óbitos definidos, isto é, excluídos os de CMD. Após a compensação dos óbitos por DAC, DIC e DCBV pelos de CMD, foram estimadas taxas de mortalidade, ajustadas por sexo e idade. A população padrão para os ajustamentos foi a do ERJ registrada em 2000 pelo recenseamento, estratificada em sete grupos etários (20 a 29 anos; 30 a 39 anos; 40 a 49 anos; 50 a 59 anos; 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; e 80 anos ou mais) em cada um dos sexos. Essas taxas foram denominadas compensadas e ajustadas. As taxas de mortalidade para os anos censitários de 1991 e 2000, foram calculadas por médias móveis de 3 anos e por médias móveis de 2 anos para o ano de 2010.

Foram construídos gráficos de dispersão com as taxas de mortalidade por DAC, DIC e DCBV nas ordenadas e os valores de IDH nas abscissas com a defasagem de dois censos demográficos. As taxas de mortalidade dos anos de 1991, 2000 e 2010 foram respectivamente relacionadas com os valores do IDH de 1970, 1980 e 1991. Também foi calculada a correlação de Pearson1616 Pagano M, Gauvreau K. Princípios de bioestatística. São Paulo: Pioneira Thompson Learning; 2004. entre DAC, DCBV ou DIC com o IDH defasado em dois censos demográficos. Foram estimados coeficientes de regressão linear e R2 dos modelos de regressão linear com DAC, DCBV ou DIC como variáveis dependentes e IDH como independente, essa última com unidades de 0,1. Optou-se por realizar a defasagem de dois Censos demográficos devido aos resultados encontrados em estudo anterior, onde as taxas de mortalidade foram correlacionadas com PIBpc e a defasagem temporal ótima entre as taxas de mortalidade e o indicador socioeconômico foi, em média, próximo a 20 anos, assim defasagem semelhante foi aplicada neste estudo.

Os procedimentos quantitativos foram realizados com os programas Excel-Microsoft1717 Microsoft Excel. Microsoft Corporation. Versão 2007. Redmond, Washington, 2007. e STATA.1818 Statistics/Data Analysis. STATA Corporation: STATA, Version 12.1. University of Texas, USA, 2011.

Resultados

As figuras 1, 2 e 3 demonstram que a maioria dos municípios do ERJ apresentou elevação do IDH de acordo com os Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991. Apenas em sete, Itaocara, Santa Maria Madalena, São Fidélis, São João da Barra, São Sebastião do Alto, Sumidouro e Trajano de Morais, ocorreu queda do IDH.

Figura 1
Mortalidade por 100 mil habitantes por doenças do aparelho circulatório (DAC) nos anos censitários de 1991, 2000 e 2010, segundo o Índice de desenvolvimento humano (IDH) dos anos censitários de 1970, 1980 e 1991.

Figura 2
Mortalidade por 100 mil habitantes por doenças cerebrovasculares (DCBV) nos anos censitários de 1991, 2000 e 2010, segundo o Índice de desenvolvimento humano (IDH) dos anos censitários de 1970, 1980 e 1991.

Figura 3
Mortalidade por 100 mil habitantes por doenças isquêmicas do coração (DIC) nos anos censitários de 1991, 2000 e 2010, segundo o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos anos censitários de 1970, 1980 e 1991.

Todos os municípios apresentaram redução das taxas de mortalidade por DAC, DCBV e DIC quando comparamos as taxas iniciais, ano de 1991, com as taxas finais, ano de 2010 (Figuras 1, 2 e 3).

Há correlação negativa das taxas de mortalidade com o IDH, ou seja, o aumento do IDH está relacionado com redução das taxas de mortalidade pelos três grupos de causas analisados. O coeficiente de correlação entre as taxas e o IDH, quando calculado com o conjunto global de municípios (Tabela 1) foi mais próximo do valor mínimo extremo para DCBV (-0,45), seguido de DAC (-0,39) e DIC (-0,22). O valor de R2 , indicador do grau de explicação da variabilidade da mortalidade pelo IDH, foi maior para DCBV (0,20), seguido da DAC (0,15) e pela DIC (0,05). Na Tabela 1, ainda pode ser vista uma medida de redução da mortalidade por DAC, DCBV e DIC a cada aumento de 0,1 unidade de IDH, descrita pelo coeficiente de regressão de ajustes lineares. Nos gráficos de dispersão (Figura 4), observa-se maior inclinação da reta e menor dispersão dos pontos em relação à reta no caso da DCBV, enquanto que menor inclinação e maior dispersão em relação à reta ocorreu com a DIC, apresentando a DAC um padrão intermediário, porém mais próximo da DCBV.

Tabela 1
Correlação de Pearson, coeficiente de regressão linear* e R2 da relação entre mortalidade por 100 mil habitantes por doenças do aparelho circulatório (DAC), doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças isquêmicas do coração (DIC) de 1991, 2000 e 2010 com índice de desenvolvimento humano (IDH) defasado por dois censos - Municípios do Rio de Janeiro

Figura 4
Diagramas de dispersão e ajuste linear da mortalidade por 100 mil habitantes por doenças do aparelho circulatório (DAC), doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças isquêmicas do coração (DIC) nos anos censitários de 1991, 2000 e 2010, segundo o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos anos censitários de 1970, 1980 e 1991.

Em nosso estudo, demonstramos que a redução nas taxas de mortalidade por DAC, DCBV e DIC no ERJ nas últimas décadas foi precedida por elevação no IDH, com números bem expressivos, pois o incremento de 0,1 ponto no IDH correlacionou-se com reduções de 53,5 óbitos por 100 mil habitantes por DAC, 30,2 por DCBV e 10,0 por DIC.

Apesar de os valores dos coeficientes de correlação não serem tão próximos ao limite mínimo extremo, na análise individualizada de municípios, nas correlações de IDH com DAC, 47 municípios apresentaram coeficiente de correlação inferior a -0,7, tendo apenas 9 municípios apresentado coeficiente superior a -0,7: Bom Jardim, Itaocara, Santa Maria Madalena, Sumidouro, São Fidélis, São João da Barra, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Três Rios. Nas correlações de IDH com DCBV, o coeficiente foi superior a -0,7 em 11 dos 56 municípios: Bom Jardim, Cambuci, Itaocara, Santa Maria Madalena, Sapucaia, Sumidouro, São Fidelis, São João da Barra, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Três Rios. Nas correlações de IDH com DIC, 10 municípios apresentaram coeficiente superior a -0,7: Bom Jardim, Itaocara, Miracema, Porciúncula, Santa Maria Madalena, Sumidouro, São Fidélis, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Três Rios. Do total, apenas 8 municípios (Bom Jardim, Itaocara, Santa Maria Madalena, Sumidouro, São Fidélis, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Três Rios) apresentaram coeficientes de correlação maiores do que -0,7 para os 3 grupos de causa (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos municípios do Estado do Rio de Janeiro de acordo com o Coeficiente de Correlação de Pearson, se inferior ou superior a -0,7, entre doenças do aparelho circulatório (DAC), doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças isquêmicas do coração (DIC) de 1991, 2000 e 2010, com índice de desenvolvimento humano defasado por dois censos

Todos os municípios com coeficientes de correlação entre as taxas de mortalidade e o IDH maiores do que -0,7 são pequenos em termos populacionais, com menos de 40 mil habitantes em 2000, com exceção de São João da Barra e Três Rios, que tinham menos de 100 mil habitantes. Todos somados não representam 10% da população do Estado.

Discussão

Durante o século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, observou-se em todo o mundo desenvolvido, e um pouco mais tarde nos países em desenvolvimento, melhorias nos indicadores socioeconômicos, seguida de queda nas taxas de mortalidade,1919 Prata PR. The epidemiologic transition in Brazil. Cad Saude Publ. 1992;8(2):168-75.,2020 Yunes J, Ronchezel VS. Evolução da mortalidade geral, infantil e proporcional no Brasil. Rev Saude Publica. 1974;8(supl):3-48. notadamente com redução dos óbitos por DAC.2121 Soares GP, Brum JD, Oliveira GM, Klein CH, Silva NA. [All-cause and cardiovascular diseases mortality in three Brazilian states, 1980 to 2006]. Rev Panam Salud Publica. 2010;28(4):258-66.

Vários estudos têm demonstrado correlação inversa do IDH com mortalidade por neoplasias,2222 Hu QD, Zhang Q, Chen W, Bai XL, Liang TB. Human development index is associated with mortality-to-incidence ratios of gastrointestinal cancers. World J Gastroenterol. 2013;19(32):5261-70.,2323 Ghoncheh M, Mohammadian-Hafshejani A, Salehiniya H. Incidence and mortality of breast cancer and their relationship to development in Asia. Asian Pac J Cancer Prev. 2015;16(14):6081-7. doenças infecto-contagiosas,2424 Lou LX, Chen Y, Yu CH, Li YM, Ye J. National HIV/AIDS mortality, prevalence, and incidence rates are associated with the Human Development Index. Am J Infect Control. 2014;42(10):1044-8. DCBV2525 Wu SH, Woo J, Zhang XH. Worldwide socioeconomic status and stroke mortality: an ecological study. Int J Equity Health. 2013;12:42. ou até mesmo como preditor para outros indicadores, como mortalidade infantil e mortalidade materna.2626 Lee KS, Park SC, Khoshnood B, Hsieh HL, Mittendorf R. Human development index as a predictor of infant and maternal mortality rates. J Pediatr. 1997;131(3):430-3. Portanto, elevações do IDH estão relacionadas com redução do número de óbitos por diversas causas. A própria mortalidade geral tem relação direta com IDH, pois o primeiro componente desse indicador é a esperança de vida ao nascer, se há redução do número de óbitos por qualquer causa, há aumento no IDH.

Melhorias socioeconômicas precederam a queda da mortalidade pelas doenças cardiovasculares, que correspondem a quase metade dos óbitos por causas endógenas nos adultos.2121 Soares GP, Brum JD, Oliveira GM, Klein CH, Silva NA. [All-cause and cardiovascular diseases mortality in three Brazilian states, 1980 to 2006]. Rev Panam Salud Publica. 2010;28(4):258-66. Os municípios do ERJ apresentavam heterogeneidade de valores de IDH: no ano de 1970, havia municípios, como Duas Barras, Parati, Rio Claro e Silva Jardim, que apresentavam IDH próximo a 0,4, comparável ao IDH de países como Etiópia e Moçambique. Outros municípios, como Rio de Janeiro, Niterói e Resende, possuíam IDH bem mais elevados mais "escandinavos".22 United Nations Development Programme. Human Development Reports. [Accessed in 2015 Sept 23]. Available from: www.undp.org.
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Muitos municípios que iniciaram a série com valores baixos de IDH apresentaram elevações nos anos censitários seguintes e redução progressiva da mortalidade cardiovascular, demonstrando que não somente o valor do IDH, mas a melhoria progressiva desse índice estão relacionados com a redução das taxas de mortalidade.

As principais limitações deste estudo devem-se à disponibilidade apenas dos valores de IDH municipais para os anos censitários a partir de 1970. Além disso, foram calculados retrospectivamente para todos os anos e com mudanças no método de cálculo a partir de 2009.33 Klugman J, Rodríguez F, Choi HJ. The HDI 2010. New Controversies, Old Critiques. United Nations Development Programme. New York; 2011. (Human Development Research Paper 2011/01) Este trabalho limitou-se a utilizar o IDH calculado para os anos censitários de 1970, 1980 e 1991, porque esses valores guardam homogeneidade de método de cálculo. Os valores estimados a partir do censo de 2000 passaram a utilizar outros métodos de cálculo, com mudanças nos componentes do IDH e, por isso, não foram utilizados neste trabalho. Outra limitação decorre do fato de haver no conjunto de municípios unidades com populações de pequeno porte, menos de 40 mil habitantes, que ficam sujeitas a flutuações consideráveis na ocorrência anual de qualquer evento de baixa frequência, como é o caso dos óbitos. Na tentativa de minimizar essas ocorrências, as taxas de mortalidade foram calculadas por médias móveis de três anos para todos os agregados municipais. As outras limitações são decorrentes do uso de dados de mortalidade que podem ter influência de fatores como o preenchimento inadequado do atestado de óbito e da manobra de compensação por CMD, o que pode ter subestimado ou superestimado os óbitos pelas causas definidas.

Nas últimas décadas houve importante redução das taxas de mortalidade nos municípios do ERJ por DAC e, especialmente, por DCBV, o que foi precedido por períodos de elevação no IDH. Isso demonstra a importante correlação desse indicador com a redução daquelas taxas de mortalidade, sinalizando para a relevância da melhoria das condições de vida.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Doutorado de Gabriel Porto Soares pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2015
  • Revisado
    16 Maio 2016
  • Aceito
    01 Jun 2016
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