Acessibilidade / Reportar erro

Reprodutibilidade e Confiabilidade das Medidas de QTc e DQTc e suas Relações com a Hipertrofia Ventricular Esquerda em Pacientes em Hemodiálise

Resumo

Fundamentos:

A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) é muito comum em pacientes em hemodiálise e um fator de risco independente de mortalidade nessa população. O remodelamento do miocárdio, subjacente à HVE, pode afetar a repolarização ventricular, causando anormalidades no intervalo QT.

Objetivo:

avaliar a reprodutibilidade e confiabilidade das medidas do intervalo QT corrigido (QTc) e sua dispersão (QTcd), e correlacionar esses parâmetros com HVE em pacientes em hemodiálise.

Métodos:

Estudo caso-controle envolvendo pacientes em hemodiálise e um grupo controle. Foram realizados avaliação clínica, coleta de sangue, ecocardiografia transtorácica, e eletrocardiograma. Testes de correlação e concordância intraobservador e interobservador foram realizados por correlação de Pearson, coeficiente kappa de Cohen e diagrama de Bland Altman. A regressão linear foi usada para analisar a associação entre QTc ou QTcd e HE.

Resultados:

Quarenta e um pacientes em hemodiálise e 37 controles completaram o estudo. Houve uma tendência de os pacientes apresentarem valores mais altos de QTc, QTcd e de índice de massa ventricular esquerda que os controles, mas sem significância estatística. Os testes de correlação e de concordância apresentaram melhores resultados para QTc que para QTcd. Em pacientes em hemodiálise, uma correlação fraca, mas significativa foi encontrada entre QTc e IMVE (R2 = 0,12; p = 0,03). Não foi encontrada correlação entre QTcd e IMVE (R2 = 0,00; p=0,940). Para o grupo controle, esses valores correspondentes foram R2 = 0,00; p = 0,67 e R2 = 0,00; p = 0,94, respectivamente.

Conclusão:

o intervalo QTc, diferentemente do intervalo QTcd, é uma medida reprodutível e confiável, e apresentou uma correlação fraca, mas positiva com o IMVE em pacientes em hemodiálise.

Palavras-chave:
Eletrocardiografia; Hipertrofia Ventricular Esquerda; Doença da Artéria Coronariana; Cardiomiopatia Hipertrófica; Diálise Renal

Abstract

Background:

Left ventricular hypertrophy (LVH) is very common in hemodialysis patients and an independent risk factor for mortality in this population. The myocardial remodeling underlying the LVH can affect ventricular repolarization causing abnormalities in QT interval.

Objective:

to evaluate the reproducibility and reliability of measurements of corrected QT interval (QTc) and its dispersion (QTcd) and correlate these parameters with LVH in hemodialysis patients.

Methods:

Case-control study involving hemodialysis patients and a control group. Clinical examination, blood sampling, transthoracic echocardiogram, and electrocardiogram were performed. Intra- and interobserver correlation and concordance tests were performed by Pearson´s correlation, Cohen’s Kappa coefficient and Bland Altman diagram. Linear regression was used to analyze association of QTc or QTcd with HVE.

Results:

Forty-one HD patients and 37 controls concluded the study. Hemodialysis patients tended to have higher values of QTc, QTcd and left ventricular mass index (LVMi) than controls but statistical significance was not found. Correlation and concordance tests depicted better results for QTc than for QTcd. In HD patients, a poor but significant correlation was found between QTc and LVMi (R2 = 0.12; p = 0.03). No correlation was found between values of QTcd and LVMi (R2= 0.00; p=0.940). For the control group, the correspondent values were R2= 0.00; p = 0.67 and R2= 0.00; p = 0.94, respectively.

Conclusion:

We found that QTc interval, in contrast to QTcd, is a reproducible and reliable measure and had a weak but positive correlation with LVMi in HD patients.

Keywords:
Electrocardiography; Hypertrophy, Left Ventricular; Coronary Artery Disease; Cardiomyopathy, Hypertrophic; Renal Dialysis

Introdução

Apesar da melhora na qualidade da diálise ao longo dos anos, pacientes com insuficiência renal crônica ainda têm uma alta taxa de mortalidade. A doença cardíaca continua sendo a principal causa de morte nesses pacientes, e as anormalidades cardiovasculares mais comuns são a doença arterial coronariana e a hipertrofia ventricular esquerda (HVE). A HVE é muito comum em pacientes em hemodiálise (HD), e um fator de risco independente de mortalidade nessa população.11 Harnett JD, Foley RN, Kent GM, Barre PE, Murray D, Parfrey PS. Congestive heart failure in dialysis patients: prevalence, incidence, prognosis and risk factors. Kidney Int. 1995;47(3):884-90.,22 Di Lullo L, Gorini A, Russo D, Santoboni A, Ronco C. Left ventricular hypertrophy in chronic kidney disease patients: from pathophysiology to treatment. Cardiorenal Med. 2015;5(4):254-66. O remodelamento do miocárdio não é um fenômeno homogêneo e pode afetar a repolarização ventricular, causando anormalidades não homogêneas no intervalo QT (QT).33 Dimopoulos S, Nicosia F, Donati P, Prometti P, De Vecchi M, Zulli R, et al. QT dispersion and left ventricular hypertrophy in elderly hypertensive and normotensive patients. Angiology. 2008;59(5):605-12.

O QT representa a sístole ventricular elétrica e a dispersão do intervalo (QTd), definida como a diferença entre o QT máximo e mínimo no eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações, reflete a heterogeneidade regional da repolarização do miocárdio. Vários estudos relataram uma associação entre valores aumentados de qualquer desses parâmetros e mortalidade por todas as causas, morte súbita, arritmias ventriculares e doença arterial coronariana.44 Okin PM, Devereux RB, Howard BV, Fabsitz RR, Lee ET, Welty TK. Assessment of QT interval and QT dispersion for prediction of all-cause and cardiovascular mortality in American Indians. The Strong Heart Study. Circulation. 2000;101(1):61-6.,55 Niemeijer MN, van den Berg ME, Eijgelsheim M, van Herpen G, Stricker BH, Kors JA, et al. Short-term QT variability markers for the prediction of ventricular arrhythmias and sudden cardiac death: a systematic review. Heart. 2014;100(23):1831-6. A medida do QT não é uma tarefa fácil e envolve dificuldades no reconhecimento do início do complexo QRS e especialmente do final da onda T, as derivações escolhidas para medir o intervalo QT variam entre os estudos, existe mais de uma fórmula para ajustar o intervalo QT para a frequência cardíaca e, finalmente, os valores de corte tanto do QT como do QTd não são bem definidos, e o ajuste por sexo nesse sentido é questionável.66 Davey P. A new physiological method for heart rate correction of the QT interval. Heart. 1999;82(2):183-6.,77 Sagie A, Larson MG, Goldberg RJ, Bengtson JR, Levy D. An improved method for adjusting the QT interval for heart rate (the Framingham Heart Study). Am J Cardiol. 1992;70(7):797-801.

Enquanto o ECG está disponível na maioria dos centros de diálise, o ecocardiograma (ECO), método padrão ouro para o diagnóstico de HVE, não está. Diante disso, decidimos investigar a reprodutibilidade e a confiabilidade de medidas do QT corrigido (QTc) e sua dispersão (QTcd) e sua relação com HVE em pacientes em HD.

Métodos

População do estudo

Neste estudo, utilizamos o banco de dados gerado em um estudo prévio.88 Carreira MA, Nogueira AB, Pena FM, Kiuchi MG, Rodrigues RC, Rodrigues RR, et al. Detection of autonomic dysfunction in hemodialysis patients using the exercise treadmill test: the role of the chronotropic index, heart rate recovery, and R-R variability. PLoS One. 2015;10(6):e0128123. O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (número 0125.0258.000-10/2010), e um consentimento informado por escrito foi obtido de cada paciente. Realizamos um estudo caso-controle com pacientes em HD recrutados de um único centro de diálise, e um grupo controle pareado por sexo e idade, sem evidência de doença renal. Os pacientes em hemodiálise deveriam estar em tratamento por no mínimo 3 meses, em sessões de 4 horas de duração, 3 vezes por semana. O grupo controle consistiu em indivíduos encaminhados ao hospital universitário para realizarem teste de exercício. Os participantes deveriam ter idade entre 18 e 70 anos. Os critérios de exclusão foram: arritmias que prejudicariam a avaliação adequada da frequência cardíaca, presença de doença cardíaca sintomática e, no grupo controle, uma taxa de filtração glomerular estimada pela equação CKD-EPI99 Levey AS, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Castro AF 3rd, Feldman HI, et al; CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration). A new equation to estimate glomerular filtration rate. Ann Intern Med. 2009;150(9):604-12. Erratum in: Ann Intern Med. 2011;155(6):408. menor que 60 ml/min/1,73 m2. O uso regular de medicamentos não foi interrompido para o estudo. A avaliação cardíaca foi realizada no intervalo entre as sessões de diálise no meio da semana, e consistiu de exames clínicos, ECO transtorácico, e ECG. As amostras de sangue foram coletadas antes da sessão de HD para a determinação da proteína C-reativa e hemoglobina. A taxa de redução da ureia (URR) foi calculada como a média das três últimas medidas antes da inclusão no estudo. No grupo controle, a coleta de sangue (para determinação de proteína C-reativa, creatinina e hemoglobina), e a avaliação cardíaca foram realizadas 30 minutos antes do teste de exercício. A proteína C-reativa foi analisada por imunoturbidimetria (Dimension RxLMax, Siemens, Berlim, Alemanha).

Ecocardiograma

Um ECO transtorácico bidimensional System (General Electric Company, EUA) foi realizado por um ecocardiografista experiente, sem conhecimento prévio dos resultados dos outros testes, utilizando o sistema GE VIVID 7. Foram determinados o tamanho interno da câmara e a função sistólica global e segmentar. O critério de diagnóstico de HVE em pacientes e controles foi a presença de um índice de massa do ventrículo esquerdo (IMVE) maior que 88g/m2 em mulheres e 102 g/m2 em homens.1010 Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L, et al. Recommendations for cardiac chamber quantification by echocardiography in adults: an update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2015;16(3):233-70.

Eletrocardiograma e medida do QT

Os traçados eletrocardiográficos foram registrados por um aparelho de 3 canais (Ergo 13, Heart Ware Co., Minas Gerais, Brasil). As doze derivações eletrocardiográficas foram registradas em papel a velocidade de 25 mm/s com os pacientes em repouso. Dois observadores (cada um desconhecia os resultados do outro) mediram o QT e sua dispersão manualmente, nos mesmos traçados eletrocardiográficos em dois momentos, com um intervalo de uma semana entre as medidas. Os intervalos foram medidos pelo método da tangente, em que o final da onda T é definido no ponto de interseção da linha tangente, desenhada no ponto de maior inclinação da porção final da onda T, com a linha de base.1111 Postema PG, De Jong JS, Van der Bilt IA, Wilde AA. Accurate electrocardiographic assessment of the QT interval: Teach the tangent. Heart Rhythm. 2008;5(7):1015-8. Na presença da onda U, a tangente foi desenhada atravessando-se o ponto de encontro entre as ondas U e T. As derivações escolhidas foram DII ou V5 (que apresentou o maior valor do QT), e o valor de corte para um QTc aumentado foi ≥ 450 ms para homens e ≥ 460 ms para mulheres.1212 Rautaharju PM, Surawicz B, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, et al; American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; American College of Cardiology Foundation; Heart Rhythm Society. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part IV: the ST segment, T and U waves, and the QT interval: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. J Am CollCardiol. 2009;53(11):982-91. As derivações em que não foi possível traçar uma tangente devido à má definição da morfologia da onda T foram excluídas das análises. A correção do QT para a frequência cardíaca foi realizada pelo método de Hodges,1212 Rautaharju PM, Surawicz B, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, et al; American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; American College of Cardiology Foundation; Heart Rhythm Society. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part IV: the ST segment, T and U waves, and the QT interval: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. J Am CollCardiol. 2009;53(11):982-91. utilizando-se a seguinte fórmula: QTc = QT + 1,75 (intervalo RR - 60). A dispersão do QT foi obtida pelo método usual, i.e., como a diferença entre o valor mais alto e o valor mais baixo do QT em um ECG de 12 derivações. Valores de QTcd > 60 ms foram considerados anormais.1313 Salles GF, Cardoso CRL, Deccache W. Multivariate associates of QT interval parameters in diabetic patients with arterial hypertension: importance of left ventricular mass and geometric patterns. J Hum Hypertens. 2003;17(8):561-7.,1414 Guney M, Ozkok A, Caliskan Y, Pusuroglu H, Yazici H, Tepe S, et al. QT dispersion predicts mortality and correlates with both coronary artery calcification and atherosclerosis in hemodialysis patients. Int Urol Nephrol. 2014;46(3):599-605.

Análise estatística

Os resultados foram expressos em média e desvio padrão para dados com distribuição normal ou em mediana e intervalo para dados sem distribuição normal. As variáveis categóricas foram expressas em frequências e comparadas pelo teste de Fisher. Comparações entre duas variáveis contínuas foram realizadas pelo teste T não pareado (se distribuição normal) ou seu equivalente não paramétrico (teste de Mann-Whitney). Para avaliação da reprodutibilidade e confiabilidade das medidas de QTc e QTcd, concordância intra e interobservadores e testes de concordância, foram aplicados a correlação de Pearson, o coeficiente de Cohen Kappa, e o diagrama de Bland Altman, respectivamente. A regressão linear foi usada para avaliar a associação de QTc e QTcd com HVE. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. Análises foram realizadas usando o programa SPSS para Windows, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e MedCalcversion 16.4.3 (Medcalcsoftware bvba, Bélgica).

Resultados

De um total de 125 pacientes de um centro de diálise, após aplicação dos critérios de exclusão, 51 concordaram em participar e assinaram o termo de consentimento. Dez pacientes não compareceram para os exames, resultando 41 pacientes em HD que concluíram o estudo. Dos 41 pacientes controle inicialmente selecionados, 4 foram excluídos: 2 por dados incompletos e 2 por apresentaram taxa de filtração glomerular estimada < 60 mL/min/1,73 m2. Os dados de IMVE estavam disponíveis de 38 pacientes em HD e 30 controles. As características gerais dos participantes encontram-se na Tabela 1. As etiologias mais comuns da doença renal foram: nefrosclerose hipertensiva (56%), glomerulonefrite crônica (17%), doença renal policística (10%), e nefropatia diabética (7%).

Tabela 1
Características gerais de 41 pacientes e 37 controles e dados de ecocardiografia disponíveis de 38 pacientes e 30 controles

A função sistólica do ventrículo esquerdo, analisada pela fração de ejeção, foi similar entre os grupos (66,1 ± 10,1% vs. 68,6 ± 5,4% para pacientes em hemodiálise e controles, respectivamente, p = 0,167). O IMVE médio e a prevalência de HVE tenderam a ser maior nos pacientes em hemodiálise que nos controles, sem diferença estatística (128±52 g/m2 vs. 107 ± 30 g/m2, p = 0,054 e 71% vs. 46%, p = 0,165, respectivamente).

O observador 1 excluiu das análises 11 derivações na primeira medição e 22 derivações na segunda medição no grupo HD, e 36 derivações na primeira medida e 44 na segunda no grupo controle. O observador 2 excluiu das análises 13 derivações na primeira medição e 22 derivações na segunda medição no grupo HD, e 28 derivações na primeira medida e 16 na segunda medição no grupo controle.

Em pacientes em HD, as médias de QTc e QTcd foram 416,6 ± 29,5 ms e 48,3 ± 17,4 ms, respectivamente, pelo observador 1, e 408 ± 30,0 ms e 47 ± 17,3 ms, respectivamente, pelo observador 2. No grupo controle, as médias de QTc e QTcd foram 408,6 ± 30 ms e 47,0 ± 17,3 ms, respectivamente, pelo observador 1, e 406,2 ± 27 ms e 54,6 ± 28,6 ms, respectivamente, pelo observador 2.

As distribuições de frequência das medidas de QTc e QTcd dos pacientes e controles encontram-se na Figura 1, e os coeficientes de correlação linear intraobservador e interobservador para QTc e QTcd de pacientes em HD e controles na Tabela 2. A concordância intraobservador e interobservador (índice de concordância entre avaliadores) das medidas de QTc e QTcd para cada grupo encontra-se na Tabela 3. Os diagramas de Bland Altman representando a concordância intraobservador e interobservador para essas variáveis encontram-se nas Figuras 2 e 3, respectivamente.

Figura 1
Distribuição de frequência do intervalo QT corrigido, QTc (A) e dispersão do QTc, QTcd (B) nos 41 pacientes em hemodiálise e 37 controles do estudo; dados referentes aos valores médios dos dois avaliadores.

Tabela 2
Coeficientes de correlação linear intraobservador e interobservador para QTc e QTcd de 41 pacientes em hemodiálise e 37 controles
Tabela 3
Concordância intraobservador e interobservador das medidas de QTc e QTcd (índice de concordância entre avaliadores) em 41 pacientes em hemodiálise e 37 controles

Figura 2
Concordância intraobservador (análise de concordância de Bland Altman) das medidas do intervalo QT corrigido, QTc (A) e dispersão do QTc, QTcd (B) em 41 pacientes e 37 controles. Dados referente ao observador 1. O número de marcadores pode ser menor que o número de participantes devido à sobreposição dos marcadores.

Figura 3
Regressão linear do índice de massa ventricular esquerda com intervalo QT corrigido, QTc (A) e dispersão do QTc, QTcd (B) em 38 pacientes em hemodiálise e 30 controles; dados referentes ao observador 1.

A associação do QTc e do QTcd com HVE foi avaliada por análise de regressão linear (Figura 3). No grupo HD, foi observada uma correlação baixa, porém significativa entre os valores de QTc e IMVE (R2= 0,12; p = 0,033). Por outro lado, não foi observada correlação entre valores de QTcd e IMVE (R2 = 0,00; p = 0,940). Para o grupo controle, os valores correspondentes foram R2 = 0,00; p = 0,67 e R2= 0,00; p = 0,94, respectivamente.

Discussão

A HVE é uma condição anormal frequente e um marcador de eventos cardiovasculares e morte em pacientes em HD.11 Harnett JD, Foley RN, Kent GM, Barre PE, Murray D, Parfrey PS. Congestive heart failure in dialysis patients: prevalence, incidence, prognosis and risk factors. Kidney Int. 1995;47(3):884-90.,22 Di Lullo L, Gorini A, Russo D, Santoboni A, Ronco C. Left ventricular hypertrophy in chronic kidney disease patients: from pathophysiology to treatment. Cardiorenal Med. 2015;5(4):254-66. Apesar de alterações no QT estarem também associadas com mortalidade global e eventos cardiovasculares na população geral,44 Okin PM, Devereux RB, Howard BV, Fabsitz RR, Lee ET, Welty TK. Assessment of QT interval and QT dispersion for prediction of all-cause and cardiovascular mortality in American Indians. The Strong Heart Study. Circulation. 2000;101(1):61-6.,1515 de Bruyne MC, Hoes AW, Kors JA, Hofman A, Van Bemmel JA, Grobbee DE. Prolonged QT interval predicts cardiac and all-cause mortality in the elderly. Eur Heart J. 1999;20(4):278-84. estudos correlacionando a HVE e alterações no QT em pacientes em HD são escassos. No presente estudo, nós analisamos a reprodutibilidade e a confiabilidade do QTc e QTcd e sua relação com HVE diagnosticado por ECO em pacientes em HD e em um grupo controle. Para isso, recorremos a uma base de dados de um estudo que incluiu pacientes em HD capazes de participarem em um teste de exercício na esteira.88 Carreira MA, Nogueira AB, Pena FM, Kiuchi MG, Rodrigues RC, Rodrigues RR, et al. Detection of autonomic dysfunction in hemodialysis patients using the exercise treadmill test: the role of the chronotropic index, heart rate recovery, and R-R variability. PLoS One. 2015;10(6):e0128123. A idade média, a distribuição por gênero, cor de pele e índice de massa corporal dos pacientes e controles foram similares. Alguns dos pacientes foram considerados não aptos a participarem do teste de esforço, o que pode explicar, em parte, por que pacientes diabéticos tiveram baixa representatividade na nossa amostra quando comparados a dados nacionais1616 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian Chronic Dialysis Census 2014. J Bras Nefrol. 2016;38(1):54-61. e internacionais.1717 United States Renal Data System. 2011 Annual Data Report. Collins AJ, Foley RN, Chavers B, Gilbertson D, Herzog C, Johansen K, et al. Atlas of chronic kidney disease & end-stage renal disease in the United States: incidence, prevalence, patient characteristics, and treatment modalities. Am J Kidney Dis. 2012;59(1 Suppl 1):e1-420. Em concordância com a maioria das séries relatadas, um número notável de pacientes em HD usavam medicamentos para controle de pressão sanguínea.1616 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian Chronic Dialysis Census 2014. J Bras Nefrol. 2016;38(1):54-61.,1717 United States Renal Data System. 2011 Annual Data Report. Collins AJ, Foley RN, Chavers B, Gilbertson D, Herzog C, Johansen K, et al. Atlas of chronic kidney disease & end-stage renal disease in the United States: incidence, prevalence, patient characteristics, and treatment modalities. Am J Kidney Dis. 2012;59(1 Suppl 1):e1-420. Níveis séricos de proteína C-reativa foram maiores em pacientes em HD, o que é bem reconhecido dado seu estado inflamatório crônico.1818 Vega A, Pérez García R, Abad S, Verde E, López Gómez JM, Jofré R, et al. Peripheral vascular disease: prevalence, mortality and relationship with inflammation in hemodialysis. Nefrologia. 2008;28(3):311-6. Deve-se ressaltar que os pacientes em HD receberam tratamento dialítico padrão, evidenciado pelos valores médios de URR e hemoglobina.1919 Alseiari M, Meyer KB, Wong JB. Evidence Underlying KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes) guideline recommendations: a systematic review. Am J Kidney Dis. 2016;67(3):417-22.

A taxa de prevalência de HVE encontrada no ECO de pacientes em HD (71%) está de acordo com o relatado em um estudo prévio,11 Harnett JD, Foley RN, Kent GM, Barre PE, Murray D, Parfrey PS. Congestive heart failure in dialysis patients: prevalence, incidence, prognosis and risk factors. Kidney Int. 1995;47(3):884-90. e tendeu a ser maior que nos indivíduos controles (46%), o que também está de acordo com um estudo prévio.2020 Jakubovic BD, Wald R, Goldstein MB, Leong-Poi H, Yuen DA, Perl J, et al. Comparative assessment of 2-dimensional echocardiography vs cardiac magnetic resonance imaging in measuring left ventricular mass in patients with and without end-stage renal disease. Can J Cardiol. 2013;29(3):384-90. Por outro lado, a função sistólica ventricular esquerda foi similar em ambos os grupos, talvez devido aos nossos critérios de inclusão, que privilegiaram indivíduos mais saudáveis, capazes de participarem em um teste de esforço.

Os valores médios de QTc e QTcd na nossa amostra foram inferiores aos relatados nos principais estudos internacionais com pacientes em HD.2121 Stewart GA, Gansevoort RT, Mark PB, Rooney E, McDonagh TA, Dargie HJ, et al. Electrocardiographic abnormalities and uremic cardiomyopathy. Kidney Int. 2005;67(1):217-26.

22 Familoni OB, Alebiosu CO, Ayodele OE. Effects and outcome of haemodialysis on QT intervals and QT dispersion in patients with chronic kidney disease. Cardiovasc J S Afr. 2006;17(1):19-23.

23 Bignotto LH, Kallás ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.

24 Valentim B, Pereira A, Coelho P, Pereira T. Study of ventricular electrical systole in patients with end-stage kidney disease on hemodialysis. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):261-8.

25 Nie Y, Zou J, Liang Y, Shen B, Liu Z, Cao X, et al. Electrocardiographic abnormalities and QTc interval in patients undergoing hemodialysis. PLoS One. 2016;12;11(5):e0155445.
-2626 Lorincz I, Mátyus J, Zilahi Z, Kun C, Karányi Z, Kakuk G. QT dispersion in patients with end-stage renal failure and during hemodialysis. J Am Soc Nephrol. 1999;10(6):1297-302. Mais uma vez, uma das possíveis razões para essa diferença foi nosso critério de inclusão, que excluiu pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca, os quais têm maior tendência a apresentarem alterações no QT. Corroborando estudos prévios, os valores médios de QTc e QTcd e a frequência de aumento em cada um desses dois parâmetros tenderam a ser maior nos pacientes em HD que em controles.2727 Schouten EG, Dekker JM, Meppelink P, Kok FJ, Vandenbroucke JP, Pool J. QT interval prolongation predicts cardiovascular mortality in an apparently healthy population. Circulation. 1991;84(4):1516-23. Outra possível explicação para a discrepância de nossos resultados em comparação aos da literatura encontra-se na metodologia escolhida para medir o QT e o momento em que o ECG foi realizado. Decidimos não utilizar a fórmula tradicional de Bazett para o cálculo do QT corrigido pela frequência cardíaca, com base nas recomendações atuais para interpretação do ECG,1212 Rautaharju PM, Surawicz B, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, et al; American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; American College of Cardiology Foundation; Heart Rhythm Society. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part IV: the ST segment, T and U waves, and the QT interval: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. J Am CollCardiol. 2009;53(11):982-91. que enfatiza que tal fórmula não é capaz de corrigir adequadamente o QT para a frequência cardíaca.77 Sagie A, Larson MG, Goldberg RJ, Bengtson JR, Levy D. An improved method for adjusting the QT interval for heart rate (the Framingham Heart Study). Am J Cardiol. 1992;70(7):797-801. Sabe-se há muito tempo que o uso da fórmula de Bazett superestima o QT quando a frequência cardíaca é elevada, e o subestima quando a frequência é baixa.77 Sagie A, Larson MG, Goldberg RJ, Bengtson JR, Levy D. An improved method for adjusting the QT interval for heart rate (the Framingham Heart Study). Am J Cardiol. 1992;70(7):797-801. Um estudo recente, bem delineado, encontrou que a fórmula de Hodges está associada com menor variabilidade do QTc no intervalo de frequência cardíaca investigado, e parece ser mais preciso na determinação de um QTc correto.2828 Chiladakis J, Kalogeropoulos A, Arvanitis P, Koutsogiannis N, Zagli F, Alexopoulos D. Preferred QT correction formula for the assessment of drug-induced QT interval prolongation. J CardiovascElectrophysiol. 2010;21(8):905-13. Para a medida do QT, preferimos utilizar a técnica da tangente do que a metodologia convencional.1111 Postema PG, De Jong JS, Van der Bilt IA, Wilde AA. Accurate electrocardiographic assessment of the QT interval: Teach the tangent. Heart Rhythm. 2008;5(7):1015-8. Um estudo conduzido em um laboratório central de ECG concluiu que quando os ECGs são interpretados por pessoas treinadas, por meio de ferramentas sofisticadas e aparelhos digitais de ECGs de alta qualidade, os resultados são comparáveis aos obtidos pelo método da tangente e o método convencional. No entanto, o QT medido pelo método da tangente pode ser menor em até 10 ms em comparação ao medido pelo método convencional.2929 Hingorani P, Karnad DR, Panicker GK, Deshmukh S, Kothari S, Narula D. Differences between QT and RR intervals in digital and digitized paper electrocardiograms: contribution of the printer, scanner, and digitization process. J Electrocardiol. 2008;41(5):370-5. Quando os valores de QT foram avaliados manualmente por pessoas inexperientes, utilizando impressos de ECGs de 12 derivações, os resultados foram favoráveis ao método da tangente.1111 Postema PG, De Jong JS, Van der Bilt IA, Wilde AA. Accurate electrocardiographic assessment of the QT interval: Teach the tangent. Heart Rhythm. 2008;5(7):1015-8. Ainda, escolhemos registrar o eletrocardiograma no período interdialítico e não durante a HD, diferentemente da maioria dos estudos que abordaram a relação entre distúrbios eletrolíticos e mudanças no QT.2323 Bignotto LH, Kallás ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.,2424 Valentim B, Pereira A, Coelho P, Pereira T. Study of ventricular electrical systole in patients with end-stage kidney disease on hemodialysis. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):261-8.,2626 Lorincz I, Mátyus J, Zilahi Z, Kun C, Karányi Z, Kakuk G. QT dispersion in patients with end-stage renal failure and during hemodialysis. J Am Soc Nephrol. 1999;10(6):1297-302.

Ao observarmos o padrão da frequência de distribuição de QTc, pode-se perceber que os valores basais de QTc são maiores nos pacientes que nos controles. Esses achados são consistentes com os de outros estudos, e podem estar relacionados com a maior prevalência de HVE e desequilíbrio eletrolítico em pacientes em HD.3030 Hashemi SR, Noshad H, Yazdaninia I, Sohrabi B, Separham A. QT dispersion in the electrocardiogram in hemodialysis and peritoneal dialysis patients. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2014;25(3):524-9. Por outro lado, as distribuições de frequência de QTcd pareceram muito similar para pacientes e controles. Deve-se mencionar que muitos medicamentos, incluindo algumas drogas anti-hipertensivas, prolongam o QT.3131 Tisdale JE. Drug-induced QT interval prolongation and torsades de pointes: role of the pharmacist in risk assessment, prevention and management. Can Pharm J (Ott). 2016;149(3):139-52.,3232 Schwartz PJ, Woosley RL. Predicting the unpredictable: drug-induced QT prolongation and Torsades de Pointes. J Am Coll Cardiol. 2016;67(13):1639-50. De fato, a frequência do uso de clonidina e de alfabloqueadores foi maior nos pacientes em HD que nos controles, e poderia ter sido a causa das diferenças no QT entre os grupos. No entanto, ao consultar um site conhecido por ser uma excelente fonte de informações sobre medicamentos que possam afetar o QT,3131 Tisdale JE. Drug-induced QT interval prolongation and torsades de pointes: role of the pharmacist in risk assessment, prevention and management. Can Pharm J (Ott). 2016;149(3):139-52. tais medicamentos não foram encontrados em nenhuma dessas quatro categorias listadas.3333 CREDIBLEMEDS. Qt drugs list (registration required). [Internet]. [Cited in 2016 Dec 10]. Available from: https://crediblemeds.org/index.php/login/dicheck
https://crediblemeds.org/index.php/login...

O principal objetivo de nosso estudo foi avaliar a confiabilidade e a reprodutibilidade das medidas de QTc e QTcd. Uma boa correlação intraobservador foi encontrada para as medidas dos valores de QTc, tanto de pacientes como de controles. No entanto, a correlação intraobservador dos valores de QTcd foi baixa para ambos os grupos. Os valores interobservadores seguiram a mesma tendência, mas, de modo geral, a correlação tendeu a ser um pouco melhor que para as medidas intraobservador, provavelmente porque utilizou-se a média das duas medidas realizadas por cada observador para comparações.

Os valores do coeficiente kappa mostraram uma forte concordância intraobservador e interobservador para os valores QTc, e uma fraca concordância entre as medidas de QTcd para ambos os grupos. Nos gráficos de Bland-Altman, nossos resultados mostraram concordância entre as medidas de QTc, exceto pela análise intraobservador do grupo de pacientes. Para QTcd, encontramos um viés de proporção na análise interobservador do grupo controle e ausência de concordância na análise interobservador do grupo de pacientes. Em resumo, as análises de reprodutibilidade e confiabilidade do QTcd mostraram resultados significativamente piores que QTc, em acordo com estudos prévios realizados com indivíduos saudáveis,3434 Kautzner J, Yi G, Camm AJ, Malik M. Short- and long-term reproducibility of QT, QTc, and QT dispersion measurement in healthy subjects. Pacing Clin Electrophysiol. 1994;17(5 Pt 1):928-37.,3535 Gang Y, Guo XH, Crook R, Hnatkova K, Camm AJ, Malik M. Computerised measurements of QT dispersion in healthy subjects. Heart. 1998;80(5):459-66. pacientes com doença cardiovascular,3636 Savelieva I, Yap YG, Yi G, Guo X, Camm AJ, Malik M. Comparative reproducibility of QT, QT peak, and T peak-T end intervals and dispersion in normal subjects, patients with myocardial infarction, and patients with hypertrophic cardiomyopathy. Pacing Clin Electrophysiol. 1998;21(11 Pt 2):2376-81. e pacientes em HD,3737 Kyriazis J, Pikounis V, Smirnioudis N. Use of the QTc interval and QTc dispersion in patients on haemodialysis: assessment of reproducibility. Nephrol Dial Transplant. 2004;19(2):516-7. o que desencoraja o uso do QTcd como rotina. Por outro lado, o QTc parece ser uma medida confiável e reprodutível.

Uma regressão linear foi aplicada para avaliar a relação de QTc ou QTcd com HVE. Nos pacientes, uma correlação fraca, porém significativa foi encontrada entre os valores do intervalo QTc e IMVE, e não foi observada correlação para os valores de QTcd. No grupo controle, não houve correlação entre QTc ou QTcd e IMVE. A ausência de correlação entre HVE e QTc no grupo controle pode ser devido ao fato de que nós incluímos voluntários recrutados para se submeterem a um teste de esforço na esteira, com alta chance de apresentarem doença arterial coronariana. Fatores de risco predisponentes ao prolongamento do QTc incluem idade, HVE, insuficiência cardíaca, isquemia do miocárdio, hipertensão, diabetes mellitus, colesterol sérico elevado, alto índice de massa corporal, baixa frequência cardíaca, desequilíbrio eletrolítico (incluindo hipocalemia e hipomagnesemia), e drogas.3838 Al-Khatib SM, LaPointe NM, Kramer JM, Califf RM. What clinicians should know about the QT interval. JAMA. 2003;289(16):2120-7. Erratum in: JAMA. 2003;290(10):1318 No grupo controle, no qual a prevalência de HVE não foi tão alta como nos pacientes em hemodiálise, alterações isquêmicas podem ter sido mais frequentes que a hipertrofia muscular como mecanismo de distúrbio da repolarização.

A ligação entre HVE e QT prolongado nos pacientes em HD no presente estudo foi previamente demonstrada por muitos autores em pacientes com hipertensão e cardiomiopatia hipertrófica1313 Salles GF, Cardoso CRL, Deccache W. Multivariate associates of QT interval parameters in diabetic patients with arterial hypertension: importance of left ventricular mass and geometric patterns. J Hum Hypertens. 2003;17(8):561-7. e em pacientes em hemodiálise.2121 Stewart GA, Gansevoort RT, Mark PB, Rooney E, McDonagh TA, Dargie HJ, et al. Electrocardiographic abnormalities and uremic cardiomyopathy. Kidney Int. 2005;67(1):217-26.,2323 Bignotto LH, Kallás ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.,2424 Valentim B, Pereira A, Coelho P, Pereira T. Study of ventricular electrical systole in patients with end-stage kidney disease on hemodialysis. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):261-8. No entanto, a correlação entre QTcd e HVE nos pacientes em hemodiálise ainda é incerta, uma vez que alguns estudos relataram uma correlação positiva,1414 Guney M, Ozkok A, Caliskan Y, Pusuroglu H, Yazici H, Tepe S, et al. QT dispersion predicts mortality and correlates with both coronary artery calcification and atherosclerosis in hemodialysis patients. Int Urol Nephrol. 2014;46(3):599-605.,2121 Stewart GA, Gansevoort RT, Mark PB, Rooney E, McDonagh TA, Dargie HJ, et al. Electrocardiographic abnormalities and uremic cardiomyopathy. Kidney Int. 2005;67(1):217-26.,2424 Valentim B, Pereira A, Coelho P, Pereira T. Study of ventricular electrical systole in patients with end-stage kidney disease on hemodialysis. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):261-8. enquanto outros indicaram ausência de correlação entre essas variáveis, corroborando nossos achados.2222 Familoni OB, Alebiosu CO, Ayodele OE. Effects and outcome of haemodialysis on QT intervals and QT dispersion in patients with chronic kidney disease. Cardiovasc J S Afr. 2006;17(1):19-23.,3030 Hashemi SR, Noshad H, Yazdaninia I, Sohrabi B, Separham A. QT dispersion in the electrocardiogram in hemodialysis and peritoneal dialysis patients. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2014;25(3):524-9. A revisão atual da literatura acerca da heterogeneidade elétrica na HVE nos permite concluir que distúrbios elétricos podem indicar anormalidades na estrutura ventricular.3939 Gao C, Yang D. Electrical inhomogeneity in left ventricular hypertrophy. Cell Biochem Biophys. 2014;69(3):399-404. Apesar de a relação entre HVE e QTc prolongado ter uma base biológica racional, a causa desse fenômeno não foi completamente definida. No miocárdio hipertrófico, podem ocorrer muitas mudanças patológicas, tais como fibrose miocárdica, hipertrofia do miócito, morte celular, e desregulação neuro-hormonal que podem ter um efeito importante sobre o prolongamento do QTc.4040 Kang YJ. Cardiac hypertrophy: a risk factor for QT-prolongation and cardiac sudden death. Toxicol Pathol. 2006;34(1):58-66. As razões para os resultados contraditórios da ligação entre QTcd e HVE na literatura provavelmente podem ser explicados pela baixa reprodutibilidade e confiabilidade do QTcd.

O presente estudo possui algumas limitações, tais como o número relativamente pequeno de pacientes e os critérios de exclusão. Outros estudos envolvendo populações maiores são necessários para determinar associações entre alterações no intervalo QTc ou seu intervalo e HVE, e para determinar o melhor tempo para medir esses parâmetros (antes, durante ou após a diálise), bem como a padronização dos pontos de corte para esses parâmetros, técnicas de medidas e correção para a frequência cardíaca.

Conclusão

Em conclusão, o intervalo QTc, diferentemente do QTcd, é uma medida reprodutível e confiável, e teve uma correlação fraca, mas positiva com o IMVE em pacientes em HD. Nossos achados sugerem que a precisão da medida pode ser melhorada se a média de duas medidas for obtida usando a técnica da tangente, e pela aplicação da fórmula de Hodges para corrigir o intervalo QT.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Maria Angélica Gonçalves Alonso pela Universidade Federal Fluminense.

References

  • 1
    Harnett JD, Foley RN, Kent GM, Barre PE, Murray D, Parfrey PS. Congestive heart failure in dialysis patients: prevalence, incidence, prognosis and risk factors. Kidney Int. 1995;47(3):884-90.
  • 2
    Di Lullo L, Gorini A, Russo D, Santoboni A, Ronco C. Left ventricular hypertrophy in chronic kidney disease patients: from pathophysiology to treatment. Cardiorenal Med. 2015;5(4):254-66.
  • 3
    Dimopoulos S, Nicosia F, Donati P, Prometti P, De Vecchi M, Zulli R, et al. QT dispersion and left ventricular hypertrophy in elderly hypertensive and normotensive patients. Angiology. 2008;59(5):605-12.
  • 4
    Okin PM, Devereux RB, Howard BV, Fabsitz RR, Lee ET, Welty TK. Assessment of QT interval and QT dispersion for prediction of all-cause and cardiovascular mortality in American Indians. The Strong Heart Study. Circulation. 2000;101(1):61-6.
  • 5
    Niemeijer MN, van den Berg ME, Eijgelsheim M, van Herpen G, Stricker BH, Kors JA, et al. Short-term QT variability markers for the prediction of ventricular arrhythmias and sudden cardiac death: a systematic review. Heart. 2014;100(23):1831-6.
  • 6
    Davey P. A new physiological method for heart rate correction of the QT interval. Heart. 1999;82(2):183-6.
  • 7
    Sagie A, Larson MG, Goldberg RJ, Bengtson JR, Levy D. An improved method for adjusting the QT interval for heart rate (the Framingham Heart Study). Am J Cardiol. 1992;70(7):797-801.
  • 8
    Carreira MA, Nogueira AB, Pena FM, Kiuchi MG, Rodrigues RC, Rodrigues RR, et al. Detection of autonomic dysfunction in hemodialysis patients using the exercise treadmill test: the role of the chronotropic index, heart rate recovery, and R-R variability. PLoS One. 2015;10(6):e0128123.
  • 9
    Levey AS, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Castro AF 3rd, Feldman HI, et al; CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration). A new equation to estimate glomerular filtration rate. Ann Intern Med. 2009;150(9):604-12. Erratum in: Ann Intern Med. 2011;155(6):408.
  • 10
    Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L, et al. Recommendations for cardiac chamber quantification by echocardiography in adults: an update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2015;16(3):233-70.
  • 11
    Postema PG, De Jong JS, Van der Bilt IA, Wilde AA. Accurate electrocardiographic assessment of the QT interval: Teach the tangent. Heart Rhythm. 2008;5(7):1015-8.
  • 12
    Rautaharju PM, Surawicz B, Gettes LS, Bailey JJ, Childers R, Deal BJ, et al; American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; American College of Cardiology Foundation; Heart Rhythm Society. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part IV: the ST segment, T and U waves, and the QT interval: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. J Am CollCardiol. 2009;53(11):982-91.
  • 13
    Salles GF, Cardoso CRL, Deccache W. Multivariate associates of QT interval parameters in diabetic patients with arterial hypertension: importance of left ventricular mass and geometric patterns. J Hum Hypertens. 2003;17(8):561-7.
  • 14
    Guney M, Ozkok A, Caliskan Y, Pusuroglu H, Yazici H, Tepe S, et al. QT dispersion predicts mortality and correlates with both coronary artery calcification and atherosclerosis in hemodialysis patients. Int Urol Nephrol. 2014;46(3):599-605.
  • 15
    de Bruyne MC, Hoes AW, Kors JA, Hofman A, Van Bemmel JA, Grobbee DE. Prolonged QT interval predicts cardiac and all-cause mortality in the elderly. Eur Heart J. 1999;20(4):278-84.
  • 16
    Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Brazilian Chronic Dialysis Census 2014. J Bras Nefrol. 2016;38(1):54-61.
  • 17
    United States Renal Data System. 2011 Annual Data Report. Collins AJ, Foley RN, Chavers B, Gilbertson D, Herzog C, Johansen K, et al. Atlas of chronic kidney disease & end-stage renal disease in the United States: incidence, prevalence, patient characteristics, and treatment modalities. Am J Kidney Dis. 2012;59(1 Suppl 1):e1-420.
  • 18
    Vega A, Pérez García R, Abad S, Verde E, López Gómez JM, Jofré R, et al. Peripheral vascular disease: prevalence, mortality and relationship with inflammation in hemodialysis. Nefrologia. 2008;28(3):311-6.
  • 19
    Alseiari M, Meyer KB, Wong JB. Evidence Underlying KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes) guideline recommendations: a systematic review. Am J Kidney Dis. 2016;67(3):417-22.
  • 20
    Jakubovic BD, Wald R, Goldstein MB, Leong-Poi H, Yuen DA, Perl J, et al. Comparative assessment of 2-dimensional echocardiography vs cardiac magnetic resonance imaging in measuring left ventricular mass in patients with and without end-stage renal disease. Can J Cardiol. 2013;29(3):384-90.
  • 21
    Stewart GA, Gansevoort RT, Mark PB, Rooney E, McDonagh TA, Dargie HJ, et al. Electrocardiographic abnormalities and uremic cardiomyopathy. Kidney Int. 2005;67(1):217-26.
  • 22
    Familoni OB, Alebiosu CO, Ayodele OE. Effects and outcome of haemodialysis on QT intervals and QT dispersion in patients with chronic kidney disease. Cardiovasc J S Afr. 2006;17(1):19-23.
  • 23
    Bignotto LH, Kallás ME, Djouki RJ, Sassaki MM, Voss GO, Soto CL, et al. Electrocardiographic findings in chronic hemodialysis patients. J Bras Nefrol. 2012;34(3):235-42.
  • 24
    Valentim B, Pereira A, Coelho P, Pereira T. Study of ventricular electrical systole in patients with end-stage kidney disease on hemodialysis. Arq Bras Cardiol. 2013;100(3):261-8.
  • 25
    Nie Y, Zou J, Liang Y, Shen B, Liu Z, Cao X, et al. Electrocardiographic abnormalities and QTc interval in patients undergoing hemodialysis. PLoS One. 2016;12;11(5):e0155445.
  • 26
    Lorincz I, Mátyus J, Zilahi Z, Kun C, Karányi Z, Kakuk G. QT dispersion in patients with end-stage renal failure and during hemodialysis. J Am Soc Nephrol. 1999;10(6):1297-302.
  • 27
    Schouten EG, Dekker JM, Meppelink P, Kok FJ, Vandenbroucke JP, Pool J. QT interval prolongation predicts cardiovascular mortality in an apparently healthy population. Circulation. 1991;84(4):1516-23.
  • 28
    Chiladakis J, Kalogeropoulos A, Arvanitis P, Koutsogiannis N, Zagli F, Alexopoulos D. Preferred QT correction formula for the assessment of drug-induced QT interval prolongation. J CardiovascElectrophysiol. 2010;21(8):905-13.
  • 29
    Hingorani P, Karnad DR, Panicker GK, Deshmukh S, Kothari S, Narula D. Differences between QT and RR intervals in digital and digitized paper electrocardiograms: contribution of the printer, scanner, and digitization process. J Electrocardiol. 2008;41(5):370-5.
  • 30
    Hashemi SR, Noshad H, Yazdaninia I, Sohrabi B, Separham A. QT dispersion in the electrocardiogram in hemodialysis and peritoneal dialysis patients. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2014;25(3):524-9.
  • 31
    Tisdale JE. Drug-induced QT interval prolongation and torsades de pointes: role of the pharmacist in risk assessment, prevention and management. Can Pharm J (Ott). 2016;149(3):139-52.
  • 32
    Schwartz PJ, Woosley RL. Predicting the unpredictable: drug-induced QT prolongation and Torsades de Pointes. J Am Coll Cardiol. 2016;67(13):1639-50.
  • 33
    CREDIBLEMEDS. Qt drugs list (registration required). [Internet]. [Cited in 2016 Dec 10]. Available from: https://crediblemeds.org/index.php/login/dicheck
    » https://crediblemeds.org/index.php/login/dicheck
  • 34
    Kautzner J, Yi G, Camm AJ, Malik M. Short- and long-term reproducibility of QT, QTc, and QT dispersion measurement in healthy subjects. Pacing Clin Electrophysiol. 1994;17(5 Pt 1):928-37.
  • 35
    Gang Y, Guo XH, Crook R, Hnatkova K, Camm AJ, Malik M. Computerised measurements of QT dispersion in healthy subjects. Heart. 1998;80(5):459-66.
  • 36
    Savelieva I, Yap YG, Yi G, Guo X, Camm AJ, Malik M. Comparative reproducibility of QT, QT peak, and T peak-T end intervals and dispersion in normal subjects, patients with myocardial infarction, and patients with hypertrophic cardiomyopathy. Pacing Clin Electrophysiol. 1998;21(11 Pt 2):2376-81.
  • 37
    Kyriazis J, Pikounis V, Smirnioudis N. Use of the QTc interval and QTc dispersion in patients on haemodialysis: assessment of reproducibility. Nephrol Dial Transplant. 2004;19(2):516-7.
  • 38
    Al-Khatib SM, LaPointe NM, Kramer JM, Califf RM. What clinicians should know about the QT interval. JAMA. 2003;289(16):2120-7. Erratum in: JAMA. 2003;290(10):1318
  • 39
    Gao C, Yang D. Electrical inhomogeneity in left ventricular hypertrophy. Cell Biochem Biophys. 2014;69(3):399-404.
  • 40
    Kang YJ. Cardiac hypertrophy: a risk factor for QT-prolongation and cardiac sudden death. Toxicol Pathol. 2006;34(1):58-66.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2017
  • Data do Fascículo
    Set 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2016
  • Revisado
    08 Mar 2017
  • Aceito
    29 Mar 2017
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br