Acessibilidade / Reportar erro

Preditores de Recrutamento Familiar em um Programa de Rastreamento Genético em Cascata para Hipercolesterolemia Familiar

Resumo

Fundamento:

O rastreamento genético em cascata é o método mais economicamente viável para a identificação de indivíduos com hipercolesterolemia familiar, mas as melhores estratégias para o recrutamento de indivíduos em risco em um programa de rastreamento deste tipo não são inteiramente conhecidas.

Objetivo:

Identificar os melhores preditores de recrutamento familiar em rastreamento genético, usando características derivadas de probandos testados.

Métodos:

Foram inscritos 183 casos índices com resultado genético positivo, que tiveram familiares rastreados de janeiro de 2011 a julho de 2015. A variável de resposta foi o número de familiares para cada caso índice inscrito. Todas as variáveis do estudo foram baseadas em características clínicas e socioeconômicas derivadas dos casos índices. O tamanho do efeito das variáveis preditoras foi obtido de modelo linear geral utilizando função de associação de regressão binomial negativa. A significância foi considerada com p < 0,05.

Resultados:

A média de idade dos casos índices ao ingressar no programa foi de 50 anos; 78,1% dos indivíduos relataram conhecimento de familiares com dislipidemia. O nível médio de LDL-colesterol inicial foi de 316 ± 90 mg/dL. Origem de referência por meio do site do programa em cascata vs. cuidados terciários, LDL-colesterol do caso índice e história familiar de níveis elevados de LDL-colesterol foram preditores independentes associados a um maior número de familiares inscritos.

Conclusões:

Programas de rastreamento genético em cascata da hipercolesterolemia familiar podem prever o recrutamento da família com base nas características do caso índice. Esta informação pode ser útil para criar abordagens de rastreamento melhores e mais eficazes para indivíduos em risco.

Palavras-chave:
Hiperlipoproteinemia Tipo II/genética; Programas de Rastreamento; Dislipidemias / genética; Hipercolesterolemia; Testes Genéticos; Colesterol

Abstract

Background:

Genetic cascade screening is the most cost-effective method for the identification of individuals with familial hypercholesterolemia (FH), but the best strategies for the enrollment of at-risk individuals in a FH screening program are not fully known.

Objective:

The aim of this study is to identify the best predictors of familial enrollment into genetic screening, using features derived from tested probands.

Methods:

One hundred and eighty-three index-cases (ICs) with a positive genetic result that had relatives screened from 01/2011 to 07/2015 were included. The response variable was the number of relatives for each enrolled IC. All variables in the study were based on ICs’ derived clinical and socioeconomical features. The effect size of predictor variables were obtained through a general linear model using a negative binomial regression link function. Significance was considered with a p < 0.05.

Results:

Mean IC age when enrolling into the program was 50 years old; 78.1% of individuals reported knowledge of relatives with dyslipidemia. Mean baseline LDL-cholesterol level was 316 ± 90 mg/dL. Referral origin through the cascade program website vs. tertiary care, IC LDL-cholesterol and familial history of high LDL-cholesterol levels were independent predictors associated with a higher number of enrolled relatives.

Conclusions:

Our data suggest that FH cascade screening programs can predict family enrollment based on IC features. This information may be useful for devising better and more effective screening approaches for at-risk individuals.

Keywords:
Hypelipoproteinemia Type II/genetics; Mass Screening; Dyslipidemias/genetics; Hypercholesterolemia; Genetic Testing; Cholesterol

Introdução

A Hipercolesterolemia Familiar (HF) é uma doença genética caracterizada por níveis elevados de Lipoproteína de Baixa Densidade-Colesterol (LDL-c) no sangue. É geralmente causada por mutações no gene que codifica o Receptor do LDL (LDLR) e menos frequentemente (~ 5% dos casos) por mutações em genes que codificam a Apolipoproteína-B (APOB) ou da Pró-Proteína Convertase Subtilisina/Kexina Tipo 9 (PCSK9). Indivíduos portadores destas mutações são expostos a altos níveis lipídicos e apresentam maior risco de desenvolver doença cardiovascular aterosclerótica e mortalidade precoces.11 Santos RD, Gidding SS, Hegele RA, Cuchel MA, Barter PJ, Watts GF, et al. Defining severe familial hypercholesterolaemia and the implications for clinical management : a consensus statement from the International Atherosclerosis Society Severe Familial Hypercholesterolemia Panel. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(10):850-61.,22 Silva P, Jannes CE, Marsiglia JDC, Krieger JE, Santos RD, Pereira AC. Predictors of cardiovascular events after one year of molecular screening for Familial hypercholesterolemia. Atherosclerosis. 2016 Jul;250:144-50.

A prevalência mundial da HF em sua forma heterozigótica está entre 1:200 e 1:500 indivíduos, variando em alguns países.33 Nordestgaard BG, Chapman MJ, Humphries SE, Ginsberg HN, Masana L, Descamps OS, et al. Familial hypercholesterolaemia is underdiagnosed and undertreated in the general population: Guidance for clinicians to prevent coronary heart disease. Eur Heart J. 2013;34(45):3478-90a.,44 Pajak A, Szafraniec K, Polak M, Drygas W, Piotrowski W, Zdrojewski T, et al. Prevalence of familial hypercholesterolemia: A meta-analysis of six large, observational, population-based studies in Poland. Arch Med Sci. 2016;12(4):687-96. A HF é uma doença subdiagnosticada, e os indivíduos mais afetados não têm acesso ao tratamento adequado até mais tarde na vida.55 Benn M, Watts GF, Tybjaerg-Hansen A, Nordestgaard BG. Familial hypercholesterolemia in the danish general population: prevalence, coronary artery disease, and cholesterol-lowering medication. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(11):3956-64.

O diagnóstico da HF geralmente envolve a identificação de sinais clínicos típicos da doença, como níveis elevados de LDL-c (> 190 mg/dL), deposição de colesterol nos tecidos (por exemplo, xantomas tendinosos e arcos corneais quando detectados em indivíduos com menos de 45 anos), história familiar de altos níveis de colesterol e/ou doença aterosclerótica precoce.66 Santos RD, Gagliardi AC, Xavier HT, Casella Filho A, Araujo DB, Cesena FY, et al. [First Brazilian Guidelines for Familial Hypercholesterolemia]. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2 Suppl 2):1-28.

Muitas vezes, um Caso Índice (CI) típico de HF é diagnosticado clinicamente após o início de um evento cardiovascular aterosclerótico. Devido à sua transmissão autossômica dominante, a HF pode e deve ser diagnosticada precocemente em familiares assintomáticos para iniciar o tratamento de redução do LDL-c, com o objetivo de prevenir o início da doença cardiovascular. Testes genéticos são importantes não apenas para confirmação diagnóstica de casos índice e em familiares, mas também como ferramenta prognóstica, uma vez que evidências recentes confirmam que a presença de mutações causadoras de HF implica maior risco cardiovascular, mesmo em comparação com outros indivíduos hipercolesterolêmicos.77 Brautbar A, Leary E, Rasmussen K, Wilson DP, Steiner RD, Virani S. Genetics of familial hypercholesterolemia. Curr Atheroscler Rep. 2015;17(4):491.,88 Khera A V, Won HH, Peloso GM, Lawson KS, Bartz TM, Deng X, et al. Diagnostic yield and clinical utility of sequencing familial hypercholesterolemia genes in patients with severe hypercholesterolemia. J Am Coll Cardiol. 2016;67(22):2578-89.

Atualmente, o rastreamento genético em cascata é o método mais custo-efetivo para o diagnóstico da HF.99 Santos RD, Bourbon M, Alonso R, Cuevas A, Vásquez-Cárdenas A, Pereira AC, et al. Clinical and molecular aspects of familial hypercholesterolemia in Ibero-American countries. J Clin Lipidol. 2016;11(1):160-6.

10 Henderson R, O’Kane M, McGilligan V, Watterson S. The genetics and screening of familial hypercholesterolaemia. J Biomed Sci. 2016 Apr 16;23:39.

11 Kerr M, Pears R, Miedzybrodzka Z, Haralambos K, Cather M, Watson M, et al. Cost effectiveness of cascade testing for familial hypercholesterolaemia, based on data from familial hypercholesterolaemia services in the UK. Eur Heart J. 2017;38(23):1832-9.
-1212 Lázaro P, Pérez de Isla L, Watts GF, Alonso R, Norman R, Muñiz O, et al. Cost-effectiveness of a cascade screening program for the early detection of familial hypercholesterolemia. J Clin Lipidol. 2017;11(1):260-71. Ele tem início com o diagnóstico clínico e genético de um CI; em seguida, todos os familiares de primeiro grau são rastreados para a mesma mutação. Após a identificação de todos os familiares afetados, a cascata dá sequência a todos os familiares de segundo grau, e assim sucessivamente. Mais importante ainda, quanto maior o número de familiares rastreados, mais custo-efetiva a cascata se torna.1313 Jannes CE, Santos RD, de Souza Silva PR, Turolla L, Gagliardi ACM, Marsiglia JDC, et al. Familial hypercholesterolemia in Brazil: Cascade screening program, clinical and genetic aspects. Atherosclerosis. 2015;238(1):101-7.,1414 Bell DA, Pang J, Burrows S, Bates TR, van Bockxmeer FM, Hooper AJ, et al. Effectiveness of genetic cascade screening for familial hypercholesterolaemia using a centrally co-ordinated clinical service: an Australian experience. Atherosclerosis. 2015;239(1):93-100.

Curiosamente, apesar de ser reconhecida como a estratégia mais eficaz, em termos de custo para a identificação da HF em toda a população, pouco se sabe sobre as melhores estratégias para maximizar o recrutamento de indivíduos em risco em um programa de rastreamento em cascata. Pode-se argumentar que esta informação é ainda mais importante do que planejar formas de identificar casos índices a serem testados da população geral.

O objetivo deste estudo foi identificar os principais preditores de recrutamento familiar em um rastreamento em cascata, utilizando o CI como ponto de partida.

Métodos

O programa de rastreamento genético em cascata para HF no Brasil (Hipercol Brasil) é realizado pelo Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética institucional (CAPPesq 3757/12/013). Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado autorizando o estudo.

Os participantes inscritos em nossa análise foram previamente cadastrados no programa Hipercol Brasil, tendo sido encaminhados por médicos institucionais ou por outros colaboradores. Indivíduos que contataram espontaneamente o programa por telefone ou pelo site também foram inscritos. Quando os critérios de inclusão foram atendidos, os participantes foram encaminhados para testes genéticos moleculares.

População do estudo e critérios de inclusão

O critério de inclusão para participar do programa foi a presença de um valor de LDL-c basal ≥ 210 mg/dL. No entanto, alguns indivíduos com LDL-c < 210 mg/dL também foram inscritos, quando sinais sugestivos de HF foram detectados pelos médicos. Todos os CI com testes genéticos positivos (indivíduos nos quais foram identificadas mutações patogênicas ou prováveis mutações patogênicas) que autorizaram o rastreamento de seus familiares de janeiro de 2011 a julho de 2015 foram inscritos no presente estudo.

Uma amostra de sangue total foi coletada após o exame físico, e um questionário padronizado foi aplicado por pessoal treinado da equipe do Hipercol Brasil. No caso de um resultado genético positivo, o CI foi contatado e informado da importância dos resultados genéticos e da possibilidade de rastreamento familiar livre de custo. Após explicação abrangente dos riscos da doença e dos benefícios do diagnóstico precoce, solicitou-se ao CI que fornecesse informações sobre todos os familiares de primeiro grau em risco. Estes foram, então, contatados por telefone e convidados a participar do programa em cascata por profissionais de saúde especializados e treinados. O rastreamento em familiares é restrito à mesma mutação encontrada no CI, apesar da presença ou não de características clínicas da HF. Todos os familiares também assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado e foram submetidos à aplicação do mesmo questionário padronizado.

Variáveis do estudo

Possíveis variáveis preditoras dos CIs foram obtidas antes que os resultados dos testes genéticos estivessem disponíveis. O questionário padronizado consistiu em variáveis socioeconômicas, clínicas e bioquímicas.

As informações sobre a situação de emprego consistiam em três categorias: empregado (idade ativa, indivíduo atualmente trabalhando); desempregados (idade ativa, indivíduos que não trabalham atualmente) e inativos (estudantes, idosos e/ou aposentados, e pessoas portadoras de necessidades especiais, impossibilitados de trabalhar). O nível educacional foi definido como analfabeto, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior.

A origem dos CI foi definida de acordo com quem encaminhou o paciente para o programa ou de onde ele foi encaminhado. Os CI podiam ter sido encaminhados por médicos da Clínica de Lipídeos do Instituto do Coração, que é um centro de referência de lipídeos estreitamente associado ao programa Hipercol Brasil; de centros parceiros localizados em outras instituições de atendimento terciário; de médicos particulares; pelo próprio paciente, por meio do site do programa (www.hipercolesterolemia.com.br); ou por uma unidade de cuidados primários de saúde. Os critérios de recrutamento foram os mesmos para todos os CI, independentemente da origem. A participação de outros centros parceiros no estudo foi aprovada pelo comitê de ética institucional (CAAE 00594212.0.0000.0068/n:1.213.994).

A informação clínica solicitada foi: ocorrência de história de doença aterosclerótica ou de doença cardiovascular aterosclerótica precoce familiar e/ou alteração dos níveis lipídicos; sinais clínicos, como arco córneo, xantelasmas ou xantomas. Os resultados de exames bioquímicos foram obtidos de prontuários médicos ou de exames prévios trazidos pelo paciente. Os seguintes valores foram registrados: Colesterol Total (CT), LDL-c, Lipoproteína de Alta Densidade-Colesterol (HDL-c), Triglicerídeos (TG) e glicemia de jejum. O escore Dutch Lipid Clinic Network (DLNC) e os critérios de Simon Broome foram calculados utilizando as informações disponíveis na consulta inicial. Sempre que possível, o valor basal do LDL-c foi utilizado. No caso de um paciente recebendo tratamento hipolipemiante com valores basais de LDL-c indisponíveis, o valor atual foi utilizado para calcular o escore. Esses escores clínicos foram aplicados apenas com a intenção de coletar e armazenar dados, não tendo sido utilizados como critérios para inclusão no programa.

Testes genéticos

Amostras de CI foram sequenciadas para seis genes relacionados à HF: LDLR, APOB, PCSK9, LDLRAP1, LIPA e APOE. As regiões-alvo foram consideradas como éxons de codificação mais 10pb de íntrons upstream e downstream, e capturadas utilizando reagente enriquecedor especialmente criado. Os modelos foram preparados no sistema Ion OneTouch e sequenciados na plataforma Ion Torrent PGM, com 32 amostras por corrida em um Ion Chip 316v2. As análises de bioinformática foram realizadas em um CLC Genomics Workbench 9.5 (QIAGEN) utilizando pipeline personalizado. Os requisitos mínimos de qualidade para a identificação das variantes foram: qualidade de base de PhredQ ≥ 20; cobertura da região-alvo ≥ 10 vezes; frequência do alelo variante ≥ 20% e presença bidirecional do alelo variante.

Após a filtragem utilizando MAF (frequência do alelo menos comum) ≤ 0,002 com populações-controle (NHLBI-ESP6500, AbraOM, ExAC e 1000Genomes), todas as mutações potenciais foram consultadas em relação à sua descrição prévia nas bases de dados ClinVar (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/clinvar/), Human Genome Mutation Database (HGMD®; http://www.hgmd.cf.ac.uk/ac/index.php), British Heart Foundation (https://www.bhf.org.uk) e Jojo Genetics (http://www.jojogenetics.nl/wp/). A predição do impacto funcional foi realizada com SIFT (http://sift.jcvi.org), Protein Variation Effect Analyzer (PROVEAN) e Polymorphism Phenotyping v2 (PolyPhen-2), e mutações sem descrição prévia precisavam ser indicadas como danosas em pelo menos dois algoritmos para serem consideradas potencialmente patogênicas. Indivíduos com resultados negativos também foram examinados para a presença de grandes inserções e deleções via Amplificação Multiplex de Sondas Dependente de Ligação (MLPA; MRC-Holland). Mutações de ponto encontradas em CI foram rastreadas em familiares por meio do sequenciamento de Sanger e grandes inserções/deleções via MLPA.

Análise estatística

A variável de resposta deste estudo consistiu no número de familiares inscritos no programa por cada família, a partir de um CI positivo. A variável de resposta consiste em dados de contagem, o que sugere a aplicação de um modelo de Poisson. Porém, como a variância da variável dependente foi maior do que a média, o modelo mais adequado nessa situação foi o binomial negativo, devido à superdispersão dos dados (Figura 1). As variáveis preditivas foram baseadas nas características clínicas e socioeconômicas do CI. Inicialmente, realizamos análise de distribuição da variável resposta, e o modelo que se ajustou adequadamente a essa variável foi um que utilizou uma distribuição binomial negativa. Assim, a estimativa de variáveis preditoras para o número de familiares inscritos foi derivada de um modelo linear geral utilizando função de associação de regressão binomial negativa. As seguintes variáveis foram incluídas no modelo inicial: idade, história familiar de níveis elevados de colesterol, escore DLNC, critérios de Simon Broome, tratamento basal hipolipemiante, situação de emprego, nível basal de LDL-c ou nível mais alto durante o tratamento, nível educacional e origem. A média e o desvio padrão foram calculados para variáveis contínuas. A significância foi considerada com valor de p < 0,05. As análises estatísticas foram realizadas com os softwares Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 19.0 (IBM) e R (Package gamlss, versão 3.3.1).

Figure 1
Gráfico de QQ-plot para o modelo linear geral utilizando distribuição binomial negativa.

Resultados

Um total de 183 CI foram analisados, dos quais 2.316 familiares foram contatados e 1.605 concordaram em participar do programa (taxa total de inclusão de 69,3%). Foram excluídas do estudo 87 famílias, após ajuste do modelo para análise de regressão múltipla. Elas eram relacionadas a 87 CI que possuíam dados faltantes em pelo menos uma das variáveis incluídas no modelo final. As características clínicas dos CI são mostradas na tabela 1. Em relação ao nível educacional, 30,6% dos CI cursaram o Ensino Superior, 25,1% o Ensino Médio, 22,4% o Ensino Fundamental e 4,9% eram analfabetos. A maior porcentagem de CI estava empregada (41,0%). A maioria dos CI foi encaminhada por médicos locais (81,4%), seguidos por 7,7% dos pacientes que chegaram ao programa por meio do site. Os outros 5% foram encaminhados de centros parceiros localizados em outras instituições de atendimento terciário e 3,3% de médicos particulares.

Tabela 1
Características clínicas dos casos índice

A tabela 2 mostra a regressão binomial negativa univariada calculada para todas as variáveis do estudo. Apenas a história familiar de níveis alterados de lipídeos e o encaminhamento de pacientes por meio do site foram significativamente associados ao número de familiares inscritos no programa.

Tabela 2
Parâmetros associados à inclusão de familiares no rastreamento em cascata, de acordo com a análise de regressão binomial negativa univariada

Os resultados após o ajuste do modelo são mostrados na tabela 3. A história familiar de níveis elevados de LDL-c foi preditor independente associado a maior número de familiares inscritos, com estimativa crescente de 1,76 vez quando se compararam os CI com e sem história familiar de dislipidemia. Os valores de LDL-c basais dos CI também foram associados a um maior número de familiares inscritos.

Tabela 3
Parâmetros associados à inclusão de familiares no rastreamento em cascata, de acordo com a análise de regressão binomial negativa múltipla

A origem de encaminhamento do CI também influenciou significativamente no número de familiares no programa. Ao comparar a origem dos CI, o número esperado de familiares diminuiu 0,42 vez para os registrados pelo website quando comparado aos CI encaminhados dentro de um centro de referência.

Discussão

O presente estudo é, até onde sabemos, o primeiro a avaliar os preditores que podem influenciar no recrutamento de familiares em um programa de rastreamento genético em cascata da HF, considerando as características clínicas, demográficas e socioeconômicas dos CI como a principal fonte. Atualmente, para cada CI com uma variante patogênica identificada por testes genéticos moleculares, cerca de 69,3% dos familiares elegíveis estão inscritos em nosso programa de rastreamento em cascata. Para cada CI positivo, identificamos 1,8 familiar afetado.1313 Jannes CE, Santos RD, de Souza Silva PR, Turolla L, Gagliardi ACM, Marsiglia JDC, et al. Familial hypercholesterolemia in Brazil: Cascade screening program, clinical and genetic aspects. Atherosclerosis. 2015;238(1):101-7.

Com base nas características dos CI, o fator que mais influencia na inclusão de familiares no programa é a história familiar de dislipidemia. Altos níveis de LDL-c nos CI também contribuíram para o recrutamento de familiares na coorte, sugerindo que alguma medida da gravidade da dislipidemia do CI também modula a disposição dos familiares de se inscreverem no programa de rastreamento da doença.

Uma vez inscritos no programa, os CI recebem recomendações sistemáticas sobre a importância do rastreamento familiar, principalmente devido à possível identificação de indivíduos em risco, o que torna o teste genético de grande importância. O teste genético não apenas confirma o diagnóstico clínico dos CI, mas também esclarece a história familiar de dislipidemia e a existência de familiares em risco.1515 Hallowell N, Jenkins N, Douglas M, Walker S, Finnie R, Porteous M, et al. Patients’ experiences and views of cascade screening for familial hypercholesterolemia (FH): A qualitative study. J Community Genet. 2011;2(4):249-57.

Os familiares frequentemente subestimam os riscos da doença e não estão cientes de sua condição, aumentando a chance de início precoce de eventos cardiovasculares ateroscleróticos.1616 National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). Familial Hypercholesterolaemia - Costing Report: Implementing NICE guidance. London;2009. p.1-42.

17 Finnie RM. Cascade screening for familial hypercholesterolaemia in Scotland. Br J Diabetes Vasc Dis. 2010;10(3):123-5.
-1818 Neal WA, Knowles J, Wilemon K. Underutilization of cascade screening for familial hypercholesterolemia. Clin Lipidol. 2014;9(3):291-3. Às vezes, embora tenham conhecimento da importância do teste genético, eles permanecem relutantes em participar, devido à falta de motivação.1919 Hardcastle SJ, Legge E, Laundy CS, Egan SJ, French R, Watts GF, et al. Patients’ perceptions and experiences of familial hypercholesterolemia, cascade genetic screening and treatment. Int J Behav Med. 2015;22(1):92-100.

A efetividade da cascata depende da concordância dos CI para recrutar familiares por meio do programa e da real inclusão destes, de modo que o cenário ideal é a inscrição de todos os indivíduos elegíveis.2020 Watts GF, Sullivan DR, Poplawski N, van Bockxmeer F, Hamilton-Craig I, Clifton PM, et al. Familial hypercholesterolaemia: A model of care for Australasia. Atheroscler Suppl. 2011;12(2):221-63.,2121 Newson AJ, Humphries SE. Cascade testing in familial hypercholesterolaemia: how should family members be contacted? Eur J Hum Genet. 2005;13(4):401-8. Encontrar a melhor estratégia para a inclusão familiar em um programa de rastreamento em cascata é relevante e tem impacto no custo-benefício da cascata geral. A coorte do DLCN em HF relatou os obstáculos encontrados no recrutamento de familiares após 5 anos de rastreamento em cascata,2222 Umans-Eckenhausen MAW, Defesche JC, Sijbrands EJG, Scheerder RLJM, Kastelein JJP. Review of first 5 years of screening for familial hypercholesterolaemia in the Netherlands. Lancet. 2001;357(9251):165-8. mesmo com taxa relativamente eficiente de inscritos.

Alguns dos pontos levantados mais importantes são as questões sociais e éticas que cercam os testes genéticos, mas há também o fato de que muitos participantes morreram antes de terem a chance de se inscrever na cascata. Muitos países já implementaram esta forma de detecção, demonstrando sua viabilidade,99 Santos RD, Bourbon M, Alonso R, Cuevas A, Vásquez-Cárdenas A, Pereira AC, et al. Clinical and molecular aspects of familial hypercholesterolemia in Ibero-American countries. J Clin Lipidol. 2016;11(1):160-6.,1313 Jannes CE, Santos RD, de Souza Silva PR, Turolla L, Gagliardi ACM, Marsiglia JDC, et al. Familial hypercholesterolemia in Brazil: Cascade screening program, clinical and genetic aspects. Atherosclerosis. 2015;238(1):101-7.,1414 Bell DA, Pang J, Burrows S, Bates TR, van Bockxmeer FM, Hooper AJ, et al. Effectiveness of genetic cascade screening for familial hypercholesterolaemia using a centrally co-ordinated clinical service: an Australian experience. Atherosclerosis. 2015;239(1):93-100.,2222 Umans-Eckenhausen MAW, Defesche JC, Sijbrands EJG, Scheerder RLJM, Kastelein JJP. Review of first 5 years of screening for familial hypercholesterolaemia in the Netherlands. Lancet. 2001;357(9251):165-8. que é considerada o método padrão-ouro relatado pelas diretrizes do National Institute fot Health and Care Excellence (NICE).1616 National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). Familial Hypercholesterolaemia - Costing Report: Implementing NICE guidance. London;2009. p.1-42.

O recrutamento de CI pelo website foi um fator que diminuiu a chance de inscrição familiar quando comparado aos CI encaminhados pela Clínica de Lipídeos do Instituto do Coração. Este resultado provavelmente está relacionado à quantidade de informações que os CI recebem e à gravidade das condições deles. Aqueles recrutados por especialistas de centros terciários de saúde estão mais conscientes de seus riscos, bem como para seus familiares. Por outro lado, os recrutados pelo website são orientados apenas pelo programa de rastreamento. Portanto, a quantidade de informações fornecidas pelo programa de rastreamento pode não ser suficiente para que os CI compreendam a importância da inscrição da família, sugerindo que a conscientização deve ser enfatizada mesmo após várias consultas.

Inesperadamente, não observamos um efeito significativo do nível educacional na predição de inscrições familiares. Esta observação merece um estudo mais aprofundado, pois pode sugerir novas formas de desenvolvimento de programas educacionais e de conscientização.

Uma limitação do nosso estudo é que ele é baseado em um programa de rastreamento genético em cascata, e que os preditores identificados podem não se aplicar a cascatas baseadas em bioquímica, uma vez que a cascata genética é realizada apenas em indivíduos com uma variante patogênica da HF.

Conclusão

O diagnóstico precoce por meio do rastreamento em cascata é importante para a prevenção de fatores de risco, pois, ao longo do tempo, os indivíduos seriam diagnosticados precocemente em suas vidas ou mesmo na infância, permitindo tratamento adequado e prevenção de riscos adicionais. Com o rastreamento em cascata, os familiares são diagnosticados em uma idade mais jovem, que é o principal fator que caracteriza a eficácia deste método diagnóstico. Após 4 anos de rastreamento, a história familiar de dislipidemia e os níveis elevados de LDL-c são os fatores que mais influenciaram na inclusão de familiares na cascata genética. Uma abordagem profissional certamente desempenha um papel importante na adesão da família, e nossos resultados lançaram as bases para o planejamento de estudos de intervenção específicos destinados a testar novas abordagens para aumentar a inclusão familiar.

O apoio financeiro da Sociedade Hospital Samaritano e do Ministério da Saúde (PROADI-SUS; SIPAR: 25000.180.672/2011-81) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), concessão nº 2013/17368-0, é reconhecido com agradecimentos.

Agradecimentos

A todos os pacientes da coorte e a toda equipe profissional do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

References

  • 1
    Santos RD, Gidding SS, Hegele RA, Cuchel MA, Barter PJ, Watts GF, et al. Defining severe familial hypercholesterolaemia and the implications for clinical management : a consensus statement from the International Atherosclerosis Society Severe Familial Hypercholesterolemia Panel. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(10):850-61.
  • 2
    Silva P, Jannes CE, Marsiglia JDC, Krieger JE, Santos RD, Pereira AC. Predictors of cardiovascular events after one year of molecular screening for Familial hypercholesterolemia. Atherosclerosis. 2016 Jul;250:144-50.
  • 3
    Nordestgaard BG, Chapman MJ, Humphries SE, Ginsberg HN, Masana L, Descamps OS, et al. Familial hypercholesterolaemia is underdiagnosed and undertreated in the general population: Guidance for clinicians to prevent coronary heart disease. Eur Heart J. 2013;34(45):3478-90a.
  • 4
    Pajak A, Szafraniec K, Polak M, Drygas W, Piotrowski W, Zdrojewski T, et al. Prevalence of familial hypercholesterolemia: A meta-analysis of six large, observational, population-based studies in Poland. Arch Med Sci. 2016;12(4):687-96.
  • 5
    Benn M, Watts GF, Tybjaerg-Hansen A, Nordestgaard BG. Familial hypercholesterolemia in the danish general population: prevalence, coronary artery disease, and cholesterol-lowering medication. J Clin Endocrinol Metab. 2012;97(11):3956-64.
  • 6
    Santos RD, Gagliardi AC, Xavier HT, Casella Filho A, Araujo DB, Cesena FY, et al. [First Brazilian Guidelines for Familial Hypercholesterolemia]. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2 Suppl 2):1-28.
  • 7
    Brautbar A, Leary E, Rasmussen K, Wilson DP, Steiner RD, Virani S. Genetics of familial hypercholesterolemia. Curr Atheroscler Rep. 2015;17(4):491.
  • 8
    Khera A V, Won HH, Peloso GM, Lawson KS, Bartz TM, Deng X, et al. Diagnostic yield and clinical utility of sequencing familial hypercholesterolemia genes in patients with severe hypercholesterolemia. J Am Coll Cardiol. 2016;67(22):2578-89.
  • 9
    Santos RD, Bourbon M, Alonso R, Cuevas A, Vásquez-Cárdenas A, Pereira AC, et al. Clinical and molecular aspects of familial hypercholesterolemia in Ibero-American countries. J Clin Lipidol. 2016;11(1):160-6.
  • 10
    Henderson R, O’Kane M, McGilligan V, Watterson S. The genetics and screening of familial hypercholesterolaemia. J Biomed Sci. 2016 Apr 16;23:39.
  • 11
    Kerr M, Pears R, Miedzybrodzka Z, Haralambos K, Cather M, Watson M, et al. Cost effectiveness of cascade testing for familial hypercholesterolaemia, based on data from familial hypercholesterolaemia services in the UK. Eur Heart J. 2017;38(23):1832-9.
  • 12
    Lázaro P, Pérez de Isla L, Watts GF, Alonso R, Norman R, Muñiz O, et al. Cost-effectiveness of a cascade screening program for the early detection of familial hypercholesterolemia. J Clin Lipidol. 2017;11(1):260-71.
  • 13
    Jannes CE, Santos RD, de Souza Silva PR, Turolla L, Gagliardi ACM, Marsiglia JDC, et al. Familial hypercholesterolemia in Brazil: Cascade screening program, clinical and genetic aspects. Atherosclerosis. 2015;238(1):101-7.
  • 14
    Bell DA, Pang J, Burrows S, Bates TR, van Bockxmeer FM, Hooper AJ, et al. Effectiveness of genetic cascade screening for familial hypercholesterolaemia using a centrally co-ordinated clinical service: an Australian experience. Atherosclerosis. 2015;239(1):93-100.
  • 15
    Hallowell N, Jenkins N, Douglas M, Walker S, Finnie R, Porteous M, et al. Patients’ experiences and views of cascade screening for familial hypercholesterolemia (FH): A qualitative study. J Community Genet. 2011;2(4):249-57.
  • 16
    National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). Familial Hypercholesterolaemia - Costing Report: Implementing NICE guidance. London;2009. p.1-42.
  • 17
    Finnie RM. Cascade screening for familial hypercholesterolaemia in Scotland. Br J Diabetes Vasc Dis. 2010;10(3):123-5.
  • 18
    Neal WA, Knowles J, Wilemon K. Underutilization of cascade screening for familial hypercholesterolemia. Clin Lipidol. 2014;9(3):291-3.
  • 19
    Hardcastle SJ, Legge E, Laundy CS, Egan SJ, French R, Watts GF, et al. Patients’ perceptions and experiences of familial hypercholesterolemia, cascade genetic screening and treatment. Int J Behav Med. 2015;22(1):92-100.
  • 20
    Watts GF, Sullivan DR, Poplawski N, van Bockxmeer F, Hamilton-Craig I, Clifton PM, et al. Familial hypercholesterolaemia: A model of care for Australasia. Atheroscler Suppl. 2011;12(2):221-63.
  • 21
    Newson AJ, Humphries SE. Cascade testing in familial hypercholesterolaemia: how should family members be contacted? Eur J Hum Genet. 2005;13(4):401-8.
  • 22
    Umans-Eckenhausen MAW, Defesche JC, Sijbrands EJG, Scheerder RLJM, Kastelein JJP. Review of first 5 years of screening for familial hypercholesterolaemia in the Netherlands. Lancet. 2001;357(9251):165-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    Out 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2017
  • Revisado
    18 Abr 2018
  • Aceito
    25 Abr 2018
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br