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De Periódicos à Cabeceira: Devemos Melhorar a Adesão às Diretrizes Práticas

Palavras-chave
Guias de Prática Clínica como Assunto; Infarto do Miocárdio; Assistência Perioperatória; Inibidores da Agregação de Plaquetas/uso terapêutico; Adesão à Medicação; Recusa do Paciente ao Tratamento

Nesta edição dos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia”, Borges et al.11 Borges JMDM, Almeida PA, Nascimento MMG, Barreto Filho JAS, Rosa MB, Sousa ACS. Factors Associated with Inadequate Management of Antiplatelet Agents in Perioperative Period of Non- Cardiac Surgeries. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):596-604. descreveram a taxa de não adesão às diretrizes práticas em um estudo de base hospitalar sobre o uso de antiagregantes plaquetários no contexto perioperatório de cirurgia não cardíaca.11 Borges JMDM, Almeida PA, Nascimento MMG, Barreto Filho JAS, Rosa MB, Sousa ACS. Factors Associated with Inadequate Management of Antiplatelet Agents in Perioperative Period of Non- Cardiac Surgeries. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):596-604. Os autores encontraram uma taxa de não adesão extremamente alta de 80,75% e descreveram associação negativa significativa entre a não adesão, o nível de escolaridade do paciente e a presença de infarto do miocárdio prévio. Os autores concluíram que os procedimentos e protocolos locais devem ser definidos com urgência.

Os cuidados perioperatórios sofreram profundas mudanças nas últimas décadas. Inicialmente, a avaliação limitava-se a questões relacionadas aos procedimentos anestésicos ou ao cancelamento de intervenções para pacientes com alto risco de complicações. Eventualmente, o envelhecimento populacional, a melhora das técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de procedimentos menos invasivos trouxeram à operação pacientes com maior risco de complicações, principalmente cardiovasculares. Especialistas em cuidados perioperatórios tiveram que desenvolver habilidades novas e interdisciplinares para lidar com vários aspectos da medicina, merecidamente recebendo o apelido de médico camaleão.22 Caramelli B. Perioperative cardiology: an inspiring arena for the Chameleon doctor. Heart. 2016;102(20):1610-1.

3 Carmo GA, Calderaro D, Gualandro DM, Pastana AF, Yu PC, Marques AC, Caramelli B. The Ankle-Brachial Index is Associated with Cardiovascular Complications After Noncardiac Surgery. Angiology. 2016;67(2):187-92.
-44 Pinho C, Grandini PC, Gualandro DM, Calderaro D, Monachini M, Caramelli B. Multicenter study of perioperative evaluation for noncardiac surgeries in Brazil (EMAPO). Clinics (Sao Paulo). 2007 Feb;62(1):17-22.

Dentre as complicações perioperatórias, as cardiovasculares são as mais temidas e fortemente relacionadas a mortalidade e morbidade. O infarto do miocárdio que complica a cirurgia não cardíaca representa um grande desafio, especialmente após a sofisticada demonstração de que quase metade dos eventos envolve trombose coronariana na fisiopatologia, e não são uma simples consequência do aumento da demanda de oxigênio ou diminuição da oferta.55 Gualandro DM, Campos CA, Calderaro D, Yu PC, Marques AC, Pastana AF, et al. Coronary plaque rupture in patients with myocardial infarction after noncardiac surgery: frequent and dangerous. Atherosclerosis. 2012;222(1):191-5. Em um cenário de um número crescente de procedimentos de implante de stent coronário, esta questão requer recomendações para médicos que trabalham no ponto de atendimento. Elaborado por especialistas e frequentemente apoiado por associações médicas, as diretrizes práticas servem também como referência para aprovação e reembolso de sistemas públicos e privados de saúde.66 Gualandro DM, Yu PC, Caramelli B, Marques AC, Calderaro D, Fornay LS, et al. 3rd Guideline for Perioperative Cardiovascular Evaluation of the Brazilian Society of Cardiology. Arq Bras Cardiol. 2017;109(3 Supl 1):1-104. Os autores anteriores também encontraram taxas elevadas de não conformidade em diferentes áreas da medicina, tanto no nível local quanto nacional. No entanto, a taxa de não adesão em relação ao manejo de antiagregantes plaquetários no contexto perioperatório não foi previamente estudada. Apesar de analisar um tamanho de amostra pequeno e um hospital, o estudo de Borges et al. é muito bem-vindo e destaca-se por causa da taxa de não adesão altamente surpreendente de mais de 80%.

Olhando mais de perto, no entanto, dois outros aspectos surgiram e devem ser destacados:

  1. Tratamento prestado sem suporte baseado em evidências

    O aspecto mais preocupante é a constatação de que quase 30% dos pacientes estavam em uso de antiagregantes plaquetários para prevenção primária de doenças cardiovasculares. Infelizmente, este tratamento não é totalmente sustentado por dados clínicos, mesmo para pacientes com alto risco cardiovascular.

  2. Sub-representação de algumas especialidades cirúrgicas

    De acordo com as diretrizes de prática clínica, existem apenas duas condições específicas em que os agentes antiplaquetários não são seguros e devem ser suspensos antes da cirurgia não cardíaca: ressecção intracraniana e transuretral da próstata devido à possibilidade limitada de compressão local para interromper sangramento. No estudo de Borges et al., contudo, as intervenções urológicas representam apenas 6,8% do grupo e as intervenções neurológicas não foram incluídas. Esse achado nos leva a concluir que as interrupções observadas (ou não) do agente antiagregante plaquetário referem-se, na maioria das vezes no presente estudo, ao seu uso como medicamento de prevenção primária.

  3. É correto considerar alguns aspectos relacionados ao uso de tratamento não baseado em evidências como não adesão?

    Considerando os aspectos 1 e 2 acima, pode-se concluir que, de fato, a maioria dos pacientes do presente estudo não interrompeu ou interrompeu incorretamente o medicamento antiplaquetário que foi prescrito incorretamente (18,6 + 26,1 + 13 = 57,7% na Tabela 2). Apesar da importância do achado no estudo de Borges et al., achamos que seus resultados poderiam estar contidos em dois achados principais:

    • Os agentes antiplaquetários são frequentemente prescritos em excesso, e essa questão pode ter consequências para os pacientes que podem ser submetidos à cirurgia no futuro.

    • A interrupção de um agente antiagregante plaquetário, contrariando as recomendações de diretrizes práticas, é frequente e pode ter consequências para os pacientes com risco cardiovascular aumentado no período perioperatório.

Em conclusão, o interessante estudo de Borges et al. nos diz que o treinamento é urgentemente necessário para melhorar o cuidado perioperatório e a prevenção primária cardiovascular.

  • Minieditorial referente ao artigo: Fatores Associados com o Manejo Inadequado de Antiagregantes Plaquetários em Perioperatório de Cirurgias não Cardíacas

References

  • 1
    Borges JMDM, Almeida PA, Nascimento MMG, Barreto Filho JAS, Rosa MB, Sousa ACS. Factors Associated with Inadequate Management of Antiplatelet Agents in Perioperative Period of Non- Cardiac Surgeries. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):596-604.
  • 2
    Caramelli B. Perioperative cardiology: an inspiring arena for the Chameleon doctor. Heart. 2016;102(20):1610-1.
  • 3
    Carmo GA, Calderaro D, Gualandro DM, Pastana AF, Yu PC, Marques AC, Caramelli B. The Ankle-Brachial Index is Associated with Cardiovascular Complications After Noncardiac Surgery. Angiology. 2016;67(2):187-92.
  • 4
    Pinho C, Grandini PC, Gualandro DM, Calderaro D, Monachini M, Caramelli B. Multicenter study of perioperative evaluation for noncardiac surgeries in Brazil (EMAPO). Clinics (Sao Paulo). 2007 Feb;62(1):17-22.
  • 5
    Gualandro DM, Campos CA, Calderaro D, Yu PC, Marques AC, Pastana AF, et al. Coronary plaque rupture in patients with myocardial infarction after noncardiac surgery: frequent and dangerous. Atherosclerosis. 2012;222(1):191-5.
  • 6
    Gualandro DM, Yu PC, Caramelli B, Marques AC, Calderaro D, Fornay LS, et al. 3rd Guideline for Perioperative Cardiovascular Evaluation of the Brazilian Society of Cardiology. Arq Bras Cardiol. 2017;109(3 Supl 1):1-104.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2018
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