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Da Medicina Baseada em Evidências para a Saúde de Precisão: Uso de Dados para Personalizar o Atendimento

Palavras-chave
Medicina Baseada em Evidências/métodos; Medicina de Precisão/tendências; Assistência Integral à Saúde; Modelos Educacionais; Educação/métodos; Pesquisa

A prática histórica da medicina evoluiu ao longo dos séculos com base no conhecimento empírico derivado da experiencia e observação clínica e não em dados científicos rigorosos. Ao longo da segunda metade do século XX, esta forma de progresso do conhecimento médico foi amplamente substituida pela coleta rigorosa de dados científicos, particularmente no campo das doenças cardiovasculares, onde praticamente todas as novas descobertas de fármacos foram amplamente avaliadas em ensaios clínicos randomizados (ECR). A melhoria impressionante da qualidade da informação fornecida por esse desenho de estudo conduziu ao desenvolvimento de uma nova área do conhecimento médico que ficou conhecida como Medicina Baseada em Evidências (MBE).11 Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. JAMA,1992;268(17):2420-5.

A MBE tenta afastar-se da informação empírica, fornecendo uma classificação estruturada da força epistemológica da evidência disponível. Além disso, exige os mais altos níveis de evidência para embasar recomendações seguras a favor ou contra o uso de qualquer terapia em particular. Por essa abordagem, os ECR estão entre os desenhos de estudo de mais alta qualidade que apoiam tais recomendações. No entanto, apesar de sua capacidade de evitar vieses de confusão e outros vieses, as conclusões dos ECR só podem ser interpretadas como a média geral do benefício para a população global incluída no estudo. Embora essa informação seja suficiente para documentar o efeito de qualquer terapia em um nível populacional, isso não se aplica necessariamente a qualquer paciente individualmente. Enquanto alguns indivíduos podem beneficiar-se consideravelmente mais do que a população média incluída no estudo, outros podem beneficiar-se significativamente menos, ao passo que nenhum benefício, e até mesmo dano significativo, pode ocorrer em alguns indivíduos.

Além disso, a validade externa para outros subgrupos de indivíduos é ainda mais desafiadora. Embora uma proporção significativa de fármacos de uso rotineiro em medicina e cardiologia somente sejam aprovados para indicações clínicas bastante específicas, a maioria dos médicos extrapola as evidências para além da população validada, incluindo muitos subgrupos de indivíduos nos quais o benefício documentado nos estudos iniciais provavelmente não é replicável ou em indivíduos cujo risco de complicações ou efeitos colaterais pode ser maior do que na coorte inicial.

Embora muitas dessas limitações sejam conhecidas há muito tempo por indivíduos que trabalham com MBE, até pouco tempo as estratégias para identificar individuos com maior ou menor probabilidade de se beneficias da terapia estuda estava limitada a estratificações simples de subgrupos. Como a identificação dos indivíduos com resposta inesperada à terapia é bastante complexa, a simples análise de subgrupos carecia da nuance necessária para separar o joio do trigo na maior parte dos casos.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento de dois campos diferentes permitiu a medicina a mudar esse paradigma. Por um lado, o desenvolvimento da genética e da genômica forneceu dados extensos sobre as diferenças entre os indivíduos que poderiam, pelo menos parcialmente, explicar a variabilidade individual do risco para várias doenças, seu prognóstico, resposta à terapia ou risco de efeitos colaterais. Por outro lado, O desenvolvimento da ciência de dados com aumento do poder computacional permitiram o processamento de dados em ordens de magnitude maiores do que anteriormente conhecidas. Esta melhoria no poder computacional permitiu lidar com grandes quantidades de dados, como os fornecidos em estudos genéticos. Com os insights fornecidos pelo uso combinado desses dois campos permitiu o uso de dado para a personalização do tratamento. Nesse contexto, os conceitos de medicina de precisão e medicina individualizada desenvolveu-se nos últimos dois anos.22 Erden A. Personalized medicine. Yale J Biol Med. 2015;88(4):349

A medicina de precisão foi definida como um modelo clínico que usa o perfil genético e molecular do individuo para melhorar a precisão do diagnóstico, a definição do prognóstico e adequar a estratégia terapêutica correta à pessoa certa no momento certo.33 Nimmesgern E, Benediktsson I, Norstedt I. Personalized medicine in Europe. Clin Trans Sci. 2017; 10(2):61-3. No entanto, esta definição tem um escopo limitado considerando-se o potencial dos cuidados personalizados no nos modelos atuais de prestação de cuidados de saúde. Primeiro, o atendimento individualizado agora se estende para um espectro mais amplo da saúde, incluindo a prevenção primária e primordial, bem como a promoção da saúde. Consequentemente, o termo mais amplo de saúde de precisão, e não de medicina de precisão, pode parecer mais apropriado. Dentro desse conceito, é natural que, para fornecer uma abordagem completa de saúde de precisão para os pacientes, torna-se necessário estender a coleta de dados para além do perfil genético, molecular ou genômico, incorporando uma definição mais "holística" de saúde. Esse perfil de saúde deve adotar outros dados sociais e ambientais, além de incluir todo o novo campo de dados gerados pelo paciente, fornecido por dispositivos novos, como smartphones, relógios inteligentes e outros utilitários que podem fornecer grandes quantidades de dados de monitoramento contínuo de cada indivíduo durante períodos de tempo prolongados. Finalmente, para fornecer uma verdadeira saúde de precisão personalizada, cada profissional de saúde precisará levar em conta as preferências individuais dos pacientes.

Todo esse conceito de saúde personalizada ainda está em seus estágios iniciais e a combinação exata desses parâmetros ainda não está definida. Entretanto, com o ritmo acelerado de experimentação possibilitado por estudos derivados de grandes bancos de dados de informações de vida real, pode-se prever que isso se tornará padrão rotineiro de atendimento em um futuro não muito distante.

References

  • 1
    Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. JAMA,1992;268(17):2420-5.
  • 2
    Erden A. Personalized medicine. Yale J Biol Med 2015;88(4):349
  • 3
    Nimmesgern E, Benediktsson I, Norstedt I. Personalized medicine in Europe. Clin Trans Sci 2017; 10(2):61-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018
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