Acessibilidade / Reportar erro

2019: Recomendações para a Redução do Consumo de Tabaco nos Países de Língua Portuguesa - Posicionamento da Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa

Palavras-chave
Tabagismo/epidemiologia; Tabagismo/mortalidade; Prevenção do Hábito de Fumar; Fatores Socioeconômicos; População Urbana; População Rural; Poluição por Fumaça de Tabaco

Introdução

Dependendo da perspectiva epidemiológica do observador e do alcance de seu conceito de causalidade, o consumo de tabaco pode ser considerado mundialmente como a segunda causa de morte atribuída a fatores de risco cardiovasculares clássicos, precedida apenas pela hipertensão arterial, e a primeira causa de morte prematura e incapacidade. Compreendido como causa imediata sem contextualização no complexo que determina e mantém o comportamento populacional, o tabagismo foi responsável em 2017 por cerca de 8,10 (7,79-8,41) milhões de mortes e 213,39 (201,16-226,66) milhões de anos saudáveis de vida perdidos (disability-adjusted life-years, DALYs). Apesar da diminuição no número de fumantes diários (indivíduos com 15 anos ou mais que fumam diariamente), o número total de fumantes continua a aumentar, proporcionando um grande desafio global para os sistemas de saúde.11 Global, regional, and national age-sex-specific mortality and life expectancy, 1950-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017 GBD 2017 Mortality Collaborators* Lancet. 2018;392(10159):1684-735

Médicos, em geral por lidarem direta e individualmente com pacientes, tendem a considerar saúde/doença limitada ao comprometimento orgânico do paciente e sua história pessoal, valorizando menos as “causas das causas” e a determinação psicossocial dos fenômenos e dos comportamentos, indissociáveis do contexto ecológico e dos interesses econômicos. Atualmente tem-se valorizado a poluição ambiental (que também tem contribuição do tabagismo e que aumenta progressivamente) como a mais importante causa de morbimortalidade na população mundial atual,22 World Health Organization (WHO). Ambient air pollution: global exposure and burden of disease, 2016 update (in preparation). Geneva; 2016. (update in preparation). [Internet]. [Cited in 2018 Dec 10]. Available from: https://www.who.int/nmh/publications/ncd-profiles-2018/en/
https://www.who.int/nmh/publications/ncd...
ampliando o espectro para além dos fatores de risco tradicionalmente valorizados. Esta perspectiva é muito importante para a compreensão da resistência ao controle do tabagismo e planejamento de estratégias de abordagem mais efetivas.

Em todos os países de língua portuguesa (PLPs), o tabagismo é mais frequente entre homens; as diferenças nas taxas entre homens e mulheres variam entre os países e são mais altas nos países africanos. A Tabela 1 descreve as prevalências padronizadas por sexo em 2015 e a diferença anualizada para homens e mulheres de 1990 a 2015 de acordo com o índice sociodemográfico (sociodemographic index, SDI).33 GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990-2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2017;389(10082):885-1906. As prevalências de fumantes diários nos países africanos, em Portugal e no Brasil são de 19,0%, 16,8% e 7,2%, respectivamente.44 Nascimento BR, Brant LCC, Oliveira GMM, Malachias MVB, Reis GMA, Teixeira RA, et al. Cardiovascular Disease Epidemiology in Portuguese-Speaking Countries: data from the Global Burden of Disease, 1990 to 2016. Arq Bras Cardiol. 2018;110(6):500-11.

Tabela 1
Prevalências padronizadas por sexo em 2015 e diferença anualizada por sexo de 1990 a 2015 de acordo com o Indice Sociodemográfico (Sociodemographic Index, SDI)

Os dados dos Inquéritos Nacionais de Saúde (INS) disponíveis (1987, 1995/96, 1998/99, 2005/06 e 2014) apontaram que o consumo diário de tabaco em Portugal Continental diminuiu entre os homens de 35,2% (intervalo de confiança [IC] de 95% 34,2-36,2%) em 1987 para 26,7% (IC 95% 25,2-28,3%) em 2014 e aumentou progressivamente entre as mulheres de 6,0% (IC 95% 5,6-6,4%) em 1987 para 14,6% (IC 95% 13,6-15,8%) em 2014, observando-se maior consumo diário em homens de grupos socioeconômicos mais desfavorecidos e o oposto nas mulheres.55 Portugal. Ministerio da Saúde. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP. Caraterísticas sociodemográficas dos fumadores diários em Portugal Continental. Análise comparativa dos Inquéritos Nacionais de Saúde/ Leite A, Machado A, Pinto S, Dias CM. Lisboa: INSA;2017.

A prevalência de consumo de tabaco em Moçambique em 2003 foi descrita como 39,9% em homens e 18,0% em mulheres.66 Araújo C, Silva-Matos C, Damasceno A, Gouveia ML, Azevedo A, Lunet N. Manufactured and hand-rolled cigarettes and smokeless tobacco consumption in Mozambique: Regional differences at early stages of the tobacco epidemic. Drug and Alcohol Depend. 2011; 119(3):e58-e65. Em uma amostra obtida em 2005 no mesmo país, observou-se que a prevalência de fumantes diários (incluindo usuários de tabaco mastigável, rapé, cigarros manufaturados e cigarros enrolados manualmente) diminuiu para 33,6% em homens e 7,4% nas mulheres, com diferentes prevalências por sexo e região do país.77 Padrão P, Damasceno A, Silva-Matos C, Carreira H, Lunet, N. Tobacco Consumption in Mozambique: Use of distinct types of tobacco across urban and rural settings. Nicotine Tob Res. 2013;15(1):199-205.

O Brasil é o país que lidera o controle do tabagismo, com o terceiro maior declínio em prevalência de fumantes diários desde 1990: 57% e 56% para homens e mulheres, respectivamente. Isto tem sido atribuído a robusta política pública, na qual foram associados anúncios sobre os danos à saúde causados pelo tabaco, restrições ao consumo e aumento de impostos para esses produtos, entre outras medidas.88 GBD 2015 Risk Factors Colaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2015: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1659-724.

Essas medidas são sintônicas com as recomendações prescritas pela Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde,99 World Health Organization. WHO. [Internet]. WHO Framework Convention on Tobacco Control. 2003. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42811/1/9241591013.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
como a proibição dos termos ultra-light, low tar, suaves, fracos, leves ou qualquer outro termo que induza à crença de que cigarros não sejam tão nocivos. Os PLPs aderiram à CQCT em diferentes épocas, como apresentado abaixo na seção “Legislação”.

O percentual de mortes atribuídas ao consumo de tabaco em 195 países aumentou de 7,28 (7,01-7,56) milhões em 2007 para 8,10 (7,79-8,42) milhões em 2017, um incremento de 11,3% (9,1-13,4%) de acordo com o estudo Global Burden of Disease (GBD).11 Global, regional, and national age-sex-specific mortality and life expectancy, 1950-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017 GBD 2017 Mortality Collaborators* Lancet. 2018;392(10159):1684-735 O mesmo foi observado ao se analisar isoladamente os anos de vida ajustados por incapacidade (disability-adjusted life-years, DALYs), de 199,80 (188,0-211,72) milhões em 2007 para 213,39 (201,16-226,67) milhões em 2017, um incremento de 6,8% (4,6-9,0%). Em relação às doenças isquêmicas do coração, observou-se uma tendência semelhante em relação ao número de mortes, de 1,76 (1,68-1,83) milhões em 2007 para 1,93 (1,83-2,02) milhões em 2017, um aumento de 7,8% (4,6-11,1%), enquanto que os DALYs aumentaram de 44,30 (42,42-46,19) milhões em 2007 para 47,38 (45,12-49,71) milhões em 2017, um aumento de 5,6% (2,4-9,0%). Incrementos semelhantes foram notados em relação às mortes por acidentes vasculares encefálicos (AVE) isquêmicos, de 351,19 (326,63-379,84) mil em 2007 para 399,35 (369,15-433,38) mil em 2017, um incremento de 13,4% (8,6 -17,8%), com aumento nos DALYs de 8,74 (7,96-9,54) milhões em 2007 para 10,41 (9,42-11,50) milhões em 2017, um aumento de 19,3% (14,7-23,8%).11 Global, regional, and national age-sex-specific mortality and life expectancy, 1950-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017 GBD 2017 Mortality Collaborators* Lancet. 2018;392(10159):1684-735

É importante ressaltar que aproximadamente 80% dos fumantes se encontram em países de baixa e média renda,1010 Eriksen MP, Schluger N, Mackay J, Islami F. The Tobacco Atlas. 5th ed, Atlanta (Georgia): American Cancer Society;2015. que representam a maior parte dos habitantes dos PLPs, nos quais não foram observados declínios no consumo de tabaco como relatado nos países de alta renda.44 Nascimento BR, Brant LCC, Oliveira GMM, Malachias MVB, Reis GMA, Teixeira RA, et al. Cardiovascular Disease Epidemiology in Portuguese-Speaking Countries: data from the Global Burden of Disease, 1990 to 2016. Arq Bras Cardiol. 2018;110(6):500-11. Já existe evidência robusta do custo-efetividade e das oportunidades de tratar o tabagismo na atenção primária, por sua abrangência e relação médico-paciente estreita e continuada.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.

Considerando-se apenas os fatores de risco valorizados na clínica tradicional, o tabagismo é o único que poderia ser completamente abolido na prevenção das doenças cardiovasculares (DCVs). Entretanto, ampliando o espectro e incluindo alterações ecológicas e comportamentais introduzidas pelo próprio homem, existem muitos outros fatores passíveis de controle.

Em um ambiente social repleto de circunstâncias estressoras e frustrantes pela desigualdade, com conflitos de interesses e alimentado pela propaganda, a adesão ao consumo de substâncias psicoativas como o tabaco e o álcool é bem-sucedida pelo fato destas substâncias atuarem no sistema límbico (circuito de recompensa) e acarretarem dependência química e psicológica. Esse sistema faz parte do processo evolutivo de adaptação que promoveu a preservação das espécies e é um dos determinantes das repetidas recaídas observadas quando o paciente pretende deixar de fumar.1212 Oliveira GMM, Mallet ALR. Tabagismo. In Manual de prevenção cardiovascular / [Rocha RM, Martins WA eds.]. São Paulo: Planmark; Rio de Janeiro: SOCERJ - Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2017. p:49-60.

É sabido que a cessação do fumo é a medida mais eficaz na prevenção das doenças relacionadas ao tabaco. No entanto, o tabagismo ativo e passivo não costuma receber nas consultas médicas, seja em nível ambulatorial ou durante internações, a atenção necessária para que se inicie o processo de abandono da causa evitável mais frequente das DCVs e de muitos tipos de câncer.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38. Desse modo, o objetivo desse artigo é proporcionar um instrumento que possa ser empregado pelos profissionais de saúde em sua prática diária para o combate ao tabagismo.

Epidemiologia e mecanismos fisiopatológicos

O Tabela 2 mostra o risco atribuível ao cigarro para algumas doenças nos PLPs, apresentado como percentual de mortes e percentual de risco atribuído ao consumo de tabaco. Quando fumantes são comparados a indivíduos que nunca fumaram, fumantes apresentam aumentos de 2 a 3 vezes no risco de AVE, doença isquêmica do coração e doença vascular periférica; de 23 e 13 vezes no risco de neoplasia em homens e mulheres, respectivamente; e de 12 a 13 vezes no risco de doença pulmonar obstrutiva crônica. Há também aumento de 2,87 vezes no risco de morte por infarto em fumantes quando comparados a não fumantes.33 GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990-2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2017;389(10082):885-1906.

Tabela 2
Percentual de mortes e de risco atribuído ao consumo de tabaco nos diversos países de língua portuguesa33 GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990-2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2017;389(10082):885-1906.

O tabagismo está ainda relacionado com aumento da pressão arterial e suas complicações, como morte e declínio da função renal. O mesmo se aplica aos aneurismas de aorta abdominal, com aumento do risco atribuível ao tabaco, bem como o referido aumento da taxa de crescimento dos aneurismas em fumantes comparados a não fumantes. O consumo de tabaco foi associado com distúrbios de ritmo cardíaco, como aumento da frequência de fibrilação atrial e taquicardia ventricular, e também com o aumento do risco de insuficiência cardíaca, bem como da mortalidade e morbidade relacionada com essa patologia.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.,1414 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.

Ressalta-se que o percentual relativo das principais doenças relacionadas ao tabaco (em parênteses) incluem as doenças coronarianas e infarto do miocárdio (25%), doenças pulmonares obstrutivas crônicas (85%), neoplasias pulmonares (90%), neoplasias de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, rim, bexiga, colo de útero e mama (30%) e doenças cerebrovasculares (25%).11 Global, regional, and national age-sex-specific mortality and life expectancy, 1950-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017 GBD 2017 Mortality Collaborators* Lancet. 2018;392(10159):1684-735,1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.

O risco de doença isquêmica do coração e a mortalidade relacionada a ela aumentam com o tempo de fumo (em anos) e o número de cigarros fumados por dia; o risco de doença ocorre em todos os níveis de consumo de cigarro, mesmo para consumo abaixo de cinco cigarros por dia, e entre fumantes passivos. Além disso, o paciente que deixa de fumar após uma cirurgia de revascularização coronariana reduz o risco de hospitalização por doença cardíaca. Parar de fumar é o único tratamento eficaz para evitar que haja progressão da tromboangeíte obliterante, melhorando os sintomas e reduzindo o risco de amputação ao longo da vida.1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.,1616 World Health Organization. WHO. [Internet]. Tobacco. Factsheet 339, updated June 2016. [Cited in 2017 Feb 18]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs339/en
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...

Os benefícios após a cessação do tabagismo são muitos e devem ser mencionados nas consultas de pacientes tabagistas (Tabela 3). Os cigarros contêm mais de 7.000 substâncias tóxicas, que contribuem de formas diversas para a ocorrência das DCVs, destacando-se efeitos hemodinâmicos adversos, como aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, desequilíbrio entre a oferta e consumo de oxigênio, alteração do fluxo sanguíneo coronariano, disfunção e dano endotelial, hipercoagulabilidade e trombose, inflamação crônica e alterações dos lipídeos, além contribuírem para a ocorrência de arritmias e eventos cardiovasculares. Esses efeitos podem ser observados mesmo em fumantes passivos.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.,1717 National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (US) Office on Smoking and Health. The Health Consequences of Smoking-50 Years of Progress: A Report of the Surgeon General. Atlanta, GA: Centers for Disease Control and Prevention, 2014:17.

Tabela 3
Benefícios da cessação do tabagismo a curto, médio e longo prazo

Fatores associados com o consumo de tabaco

O consumo de tabaco deve ser considerado uma doença crônica que pode se iniciar na infância e adolescência, dado que cerca de 80% dos indivíduos que experimentam tabaco o fazem em idade inferior a 18 anos. Além disso, há uma relação direta entre o início do tabagismo e a manutenção do hábito na vida adulta. Desse modo, a prevenção primordial torna-se fundamental no controle do tabagismo. Entende-se por prevenção primordial do tabagismo a prevenção da iniciação do fumo entre crianças e adolescentes. Crianças que usam tabaco por 12 meses inalam a mesma quantidade de nicotina por cigarro que os adultos e experimentam os sintomas de dependência e abstinência, que costumam se desenvolver muito rapidamente nesta faixa etária. Uma maneira de abordar a prevenção primordial é por grupos etários, observando-se para cada grupo cinco itens principais (“5 As”): auscultar, no sentido de indagar, perguntar; aconselhar a parar de fumar; avaliar a motivação e os sintomas da dependência do tabaco; ajudar na tentativa de parar de fumar; e agendar visitas periódicas.1919 Simão AF, Precoma DB, Andrade JP, Correa FH, Saraiva JF, Oliveira GMM, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz brasileira para prevenção cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013;101(6 supl 2):1-63 Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):415.

20 World Health Organization. (WHO). MPOWER: a policy package to reverse the tobacco epidemic. Geneva, Switzerland: 2008.
-2121 World Health Organization. (WHO). Toolkit for delivering the 5A's and 5R's brief tobacco interventions in primary care. Geneva: WHO Press; 2014.

A Organização Mundial da Saúde lançou um pacote denominado MPOWER, de impacto comprovado na redução do consumo de produtos do tabaco.1919 Simão AF, Precoma DB, Andrade JP, Correa FH, Saraiva JF, Oliveira GMM, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz brasileira para prevenção cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013;101(6 supl 2):1-63 Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):415.

20 World Health Organization. (WHO). MPOWER: a policy package to reverse the tobacco epidemic. Geneva, Switzerland: 2008.
-2121 World Health Organization. (WHO). Toolkit for delivering the 5A's and 5R's brief tobacco interventions in primary care. Geneva: WHO Press; 2014.

Monitoring: monitoramento da epidemia.

Protecting: proteção da população contra a fumaça do tabaco.

Offering: oferecimento de ajuda para cessação do fumo.

Warning: advertência sobre os perigos do tabaco.

Enforcing: reforço do cumprimento da proibição da publicidade, promoção e patrocínio.

Raising: aumento de impostos sobre os produtos do tabaco.

Essas medidas têm impacto na interrupção do tabagismo a nível populacional, porém a grande maioria dos tabagistas necessita de tratamento individualizado com profissionais de saúde, combinando abordagem comportamental e, muitas vezes, uso de medicamentos para abandono definitivo do fumo.

Novas formas de tabagismo

Novas formas de tabagismo apareceram na última década, divulgadas como de risco reduzido ou ausente, como os cigarros eletrônicos (JUUL), populares entre jovens e adultos, que funcionam como vaporizadores de nicotina encapsulada, flavorizantes e outros conteúdos em pequenos cartuchos substituíveis denominados pod mods. Esses dispositivos, já em sua terceira geração, associam nicotina a outras substâncias vaporizadoras ou fornecedoras de sabores, com efeitos ainda mal conhecidos, mas potencialmente indutores de risco para a saúde.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.,1414 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.

Fruto de bem elaboradas campanhas de marketing promotoras da introdução das novas formas de uso do tabaco, uma discussão intensa existe atualmente entre a sociedade leiga e a comunidade científica sobre o risco inerente ao uso de cigarros eletrônicos como causa de DCVs e de neoplasias. Apesar da evidência epidemiológica atual não ser extensa e destas novas formas de tabagismo parecerem ter um risco inferior à forma clássica de tabagismo, há atualmente evidência suficiente para afirmar que o seu consumo agudo causa disfunção endotelial, dano ao DNA, estresse oxidativo e aumento temporário da frequência cardíaca. Quanto ao seu uso crônico, parece aumentar o risco de infarto do miocárdio, AVEs e neoplasias da cavidade oral e do esôfago.33 GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990-2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2017;389(10082):885-1906.,1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.

Baseado no aparente risco inferior do uso das novas formas de tabagismo, os cigarros eletrônicos têm sido promovidos como método de cessação do tabagismo, o que carece de comprovação. Em 60% dos casos, os fumantes usam tanto a forma clássica de tabagismo quanto os cigarros eletrônicos, mantendo o elevado risco prévio. Em muitos casos, os cigarros eletrônicos são adotados por curto tempo, após o qual o fumante retoma completamente o seu hábito anterior.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.,1414 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.

Adicionalmente, os cigarros eletrônicos são considerados pela comunidade científica como preocupantes por propiciarem a dependência à nicotina nos jovens, tornando-se uma porta de entrada para o tabagismo clássico.

No momento atual, mesmo reconhecendo que as evidências científicas disponíveis não sejam robustas, recomendamos que qualquer forma de tabagismo seja interrompida ou não seja iniciada, nomeadamente o uso de tabaco oral (tabaco mastigável, snus, rapé, tabaco solúvel, vaping/JUUL) e cigarros, charutos, cigarrilhas, cachimbos ou narguilé. Também é de fundamental importância combater o fumo passivo, que expõe aos mesmos riscos do tabagismo, aumentando-os em 20-30%.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.,1414 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.

Abordagem do fumante

A maioria dos fumantes tem a percepção e reconhece que o tabaco faz mal à sua saúde. No entanto, isso não basta para o abandono do hábito de fumar. Da mesma forma, os médicos reconhecem os malefícios do tabagismo, mas na prática diária, tendem a priorizar o tratamento da doença e não a sua prevenção. A abordagem inicial do fumante visa encorajá-lo a iniciar o tratamento, independente do tipo de condição clínica e do estágio em que se encontra a sua doença. É importante salientar os benefícios da interrupção do fumo a todos os pacientes e a cada consulta realizada com profissionais de saúde. Como muitos países têm restrições ao consumo de tabaco em ambientes públicos, ressalta-se a relevância de perguntar de forma sistemática sobre a exposição ao tabaco a não fumantes que residam ou convivam com fumantes, nomeadamente crianças e jovens, que além de poderem considerar o hábito de fumar como algo normal e não prejudicial à sua saúde, também podem piorar de forma aguda com exposição ao tabaco, como no caso dos asmáticos (Tabelas 4, 5 e 6). O Tabela 7 descreve as medidas habituais para o acompanhamento da interrupção do tabagismo.

Tabela 4
Avaliação inicial na abordagem do tabagismo
Tabela 5
Teste de Fagerström para dependência de nicotina2222 Fagerström KO, Schneider NG. Measuring nicotine dependence: a review of the Fagerström Tolerance Questionnaire. J Behav Med.1989;12(2):159-82.
Tabela 6
Estágios de motivação e técnicas de aconselhamento2323 Prochaska JD, Di Clemente CC, Norcross JC. In search how people change: applications to addictive behavior. Am Psychol.1992;47(9):1102-14.
Tabela 7
Acompanhamento para interrupção do tabagismo

Tratamento

A maioria dos pacientes necessita de implementação de terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Tabela 8) apoiada por suporte farmacológico para enfrentar a síndrome de abstinência, que normalmente dura entre 2 e 4 semanas.

Tabela 8
Terapia cognitivo-comportamental

Síndrome de abstinência à nicotina

Os principais sinais e sintomas da síndrome de abstinência estão apresentados no Tabela 9.

Tabela 9
Sintomas da síndrome de abstinência à nicotina

A nicotina inalada se liga a receptores neuronais específicos que levam à liberação excessiva de dopamina e endorfinas, cujos efeitos são percebidos pelo fumante como estimulantes e prazerosos. Com a recaptação da dopamina, tais efeitos se dissipam e os receptores sinalizam a necessidade de um novo estímulo (isto é, querem mais nicotina), o que é percebido como uma sensação desagradável (sistema límbico, circuito de recompensa). O fumante regular convive com a abstinência diariamente; para que ela ocorra, basta que fique impedido de fumar por um curto período.1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.

A fissura (craving) é um sintoma típico da dependência física da nicotina, definida como forte desejo ou urgência de fumar. A privação da nicotina produz efeitos físicos variáveis que duram entre 7 e 30 dias e são mais intensos nos primeiros 3 dias após interrupção do fumo. Contudo, a fissura pode persistir por muitos meses, pois os estímulos ambientais que se associaram com o tabagismo ao longo da vida continuam, e essas associações são difíceis de apagar. Para enfrentar essas situações, o ex-tabagista precisa desenvolver habilidades e traçar estratégias para evitar os gatilhos que levam ao lapso e, deste, à recaída.1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.

A farmacoterapia deve ser utilizada com o objetivo de complementar a TCC e aliviar os sintomas de abstinência. Recomenda-se o uso dos medicamentos por 3 meses, estendendo para 6 meses nos casos com maior dificuldade de cessação do tabagismo.1313 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65. Estima-se que com o uso de terapia farmacológica, uma pessoa deixe de fumar com sucesso (abstinência de 6 meses) a cada 6 a 23 pessoas tratadas.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.

A Tabela 10 resume os critérios para o início da terapia farmacológica, para a qual devem ser sempre considerados o conforto, a segurança e a preferência do paciente, bem como a ausência de contraindicações para a utilização de determinado medicamento.

Tabela 10
Determinantes do início da terapia farmacológica

Os medicamentos são divididos em duas categorias básicas:

  • Terapias com reposição de nicotina (TRN);

  • Terapias não nicotínicas (TNN).

A TRN é considerada o tratamento de primeira linha na abordagem do fumante e está indicada em pacientes com graus moderado e alto de dependência segundo o teste de Fagerström. A TRN não deve ser combinada com o consumo de tabaco, e os pacientes devem ser orientados a interromper o fumo após iniciar o uso da TRN. Os números necessários para tratar (numbers needed to treat, NNT) são de 23 para a cessação definitiva e 46 para a morte prematura.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38. As formas disponíveis de TRN são o adesivo com liberação em 24 horas, a goma de mascar (2 mg e 4 mg) e a pastilha de nicotina (2 mg e 4 mg). A Tabela 11 descreve a abordagem com a TRN para interrupção do tabagismo.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.

12 Oliveira GMM, Mallet ALR. Tabagismo. In Manual de prevenção cardiovascular / [Rocha RM, Martins WA eds.]. São Paulo: Planmark; Rio de Janeiro: SOCERJ - Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2017. p:49-60.

13 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.

14 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.
-1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.

Tabela 11
Terapia de reposição de nicotina (TRN)

Na abordagem farmacológica com TNN, dispõe-se da bupropiona e da vareniclina como fármacos de primeira linha (Tabela 12).1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.

12 Oliveira GMM, Mallet ALR. Tabagismo. In Manual de prevenção cardiovascular / [Rocha RM, Martins WA eds.]. São Paulo: Planmark; Rio de Janeiro: SOCERJ - Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2017. p:49-60.

13 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.

14 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.
-1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016. A clonidina e a nortriptilina são opções de segunda linha no tratamento, em função dos seus efeitos colaterais. Os NNTs para a bupropiona e a vareniclina são de 18 e 10, respectivamente, para o sucesso no tratamento e 36 e 20, respectivamente, para evitar morte prematura.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38. A Tabela 13 apresenta um sumário do tratamento farmacológico habitual para o tabagismo.1111 Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.

12 Oliveira GMM, Mallet ALR. Tabagismo. In Manual de prevenção cardiovascular / [Rocha RM, Martins WA eds.]. São Paulo: Planmark; Rio de Janeiro: SOCERJ - Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2017. p:49-60.

13 Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.

14 Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.
-1515 European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.

Tabela 12
Terapia não nicotínica (TNN)
Tabela 13
Tratamento farmacológico habitual para o tabagismo

Legislação

Como o tabagismo é um fenômeno populacional, impondo riscos também para não fumantes, gestantes, fetos e crianças, sendo responsável por desperdício de grande volume de recursos públicos (financeiros e organizacionais) e ocasionando dependência (o que equivale a transformar as pessoas em vulneráveis de maneira semelhante às dependentes de outras drogas), não são suficientes a assistência médica e a educação para a saúde. A legislação precisa contemplar o controle do uso do tabaco em qualquer forma e sua exploração, ao lado do controle de outras drogas causadoras de dependência.

Os interesses econômicos envolvidos na plantação, produção, industrialização, comercialização e propaganda do tabaco são muito grandes e transnacionais, o que torna insuficiente a categorização do tabaco como um tema exclusivamente médico ou limitado aos serviços de saúde. Por esse motivo, a Organização Mundial da Saúde promoveu a Convenção-Quadro, ratificada em 200399 World Health Organization. WHO. [Internet]. WHO Framework Convention on Tobacco Control. 2003. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42811/1/9241591013.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
por 168 países que se comprometeram a observar alguns princípios que devem ser incorporados progressivamente ao conjunto de suas leis. Cabe aos setores de saúde de cada país permanecer vigilantes e promover esses princípios junto à população e à classe política.

Seguem as datas da assinatura do tratado seguidas pela sua ratificação pelos países lusófonos: Angola (29/06/2004-20/09/2007), Brasil (16/06/2003-03/11/2005), Cabo Verde (17/02/2004-04/10/2005), Guiné Equatorial (01/04/2004-07/11/2007), Guiné-Bissau (07/11/2008), Moçambique (18/06/2003-14/07/2017), Portugal (09/01/2004-08/11/2005), São Tomé e Príncipe (18/06/2004-12/04/2006) e Timor-Leste (25/05/2004-22/12/2004).2424 World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic, 2013. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.who.int/tobacco/global_report/2013/en/ index.html
http://www.who.int/tobacco/global_report...
,2525 World Health Federation. WHO. [Internet]. World Heart Federation code of practice on tobacco control. Genebra, 2004. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.world-heart-federation.org/fileadmin/user_upload/documents/tobacco-code-practice.pdf
http://www.world-heart-federation.org/fi...

Organizações especificamente voltadas para a vigilância das atividades políticas e observância do tratado têm surgido em vários países. Como há no Brasil a ACT (Aliança de Controle do Tabagismo - Promoção da Saúde - http://actbr.org.br/), existem organizações não governamentais e associações nacionais ou comitês dentro de entidades médicas ou de outros segmentos da área da saúde interessados na necessidade de mobilização social, coordenação e atualização permanente das ações de controle.2424 World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic, 2013. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.who.int/tobacco/global_report/2013/en/ index.html
http://www.who.int/tobacco/global_report...
,2525 World Health Federation. WHO. [Internet]. World Heart Federation code of practice on tobacco control. Genebra, 2004. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.world-heart-federation.org/fileadmin/user_upload/documents/tobacco-code-practice.pdf
http://www.world-heart-federation.org/fi...

Conclusões

Todas as formas de tabagismo representam um grave problema de saúde pública na prevenção e tratamento das doenças crônicas não transmissíveis. Compete ao médico generalista ou cardiologista rastrear os fumantes, conhecer e utilizar todas as ferramentas disponíveis para encorajar o doente fumante a procurar ajuda profissional para deixar de fumar e não desperdiçar momentos-chave, como os de diagnóstico de doença coronarianas, doença arterial periférica ou cerebral ou neoplasias relacionadas com o tabaco, no doente, em familiares ou em membros-chave da sociedade. O aumento da consciência da população quanto aos riscos do tabagismo torna o momento atual muito favorável para a abordagem dos doentes fumantes. O tratamento está mais acessível (a TRN e a bupropiona estão disponíveis nos PLPs), podendo ser realizado em qualquer nível na linha dos cuidados de saúde.

A associação da TCC com o suporte farmacológico para enfrentar o período da abstinência aumenta a eficácia das intervenções. As recaídas fazem parte do ciclo da dependência ao tabagismo e devem servir como aprendizado para uma nova tentativa. Finalmente, a cessação do tabagismo em qualquer idade trará benefícios para a saúde do próprio paciente e dos seus próximos, e o médico deve estar sempre pronto a oferecer seus cuidados, qualquer que seja a fase em que o dependente da nicotina se encontre.

As novas formas de tabagismo, designadamente com recurso de sistemas eletrônicos, estão longe de provar a sua inocência; mesmo que contribuam para a redução global do tabagismo e respectivos malefícios, seu uso deve ser desaconselhado.

O tabagismo deve ser considerado um problema que transcende os danos causados em órgãos afetados pela fumaça e produtos derivados do tabaco, e se relaciona com um conjunto de problemas produzidos pelo próprio homem envolvendo aspectos econômicos, sociais, culturais e ecológicos que comprometem nossa qualidade de vida e nossa própria sobrevivência.

References

  • 1
    Global, regional, and national age-sex-specific mortality and life expectancy, 1950-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017 GBD 2017 Mortality Collaborators* Lancet. 2018;392(10159):1684-735
  • 2
    World Health Organization (WHO). Ambient air pollution: global exposure and burden of disease, 2016 update (in preparation). Geneva; 2016. (update in preparation). [Internet]. [Cited in 2018 Dec 10]. Available from: https://www.who.int/nmh/publications/ncd-profiles-2018/en/
    » https://www.who.int/nmh/publications/ncd-profiles-2018/en/
  • 3
    GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories, 1990-2015: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2017;389(10082):885-1906.
  • 4
    Nascimento BR, Brant LCC, Oliveira GMM, Malachias MVB, Reis GMA, Teixeira RA, et al. Cardiovascular Disease Epidemiology in Portuguese-Speaking Countries: data from the Global Burden of Disease, 1990 to 2016. Arq Bras Cardiol. 2018;110(6):500-11.
  • 5
    Portugal. Ministerio da Saúde. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP. Caraterísticas sociodemográficas dos fumadores diários em Portugal Continental. Análise comparativa dos Inquéritos Nacionais de Saúde/ Leite A, Machado A, Pinto S, Dias CM. Lisboa: INSA;2017.
  • 6
    Araújo C, Silva-Matos C, Damasceno A, Gouveia ML, Azevedo A, Lunet N. Manufactured and hand-rolled cigarettes and smokeless tobacco consumption in Mozambique: Regional differences at early stages of the tobacco epidemic. Drug and Alcohol Depend. 2011; 119(3):e58-e65.
  • 7
    Padrão P, Damasceno A, Silva-Matos C, Carreira H, Lunet, N. Tobacco Consumption in Mozambique: Use of distinct types of tobacco across urban and rural settings. Nicotine Tob Res. 2013;15(1):199-205.
  • 8
    GBD 2015 Risk Factors Colaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2015: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1659-724.
  • 9
    World Health Organization. WHO. [Internet]. WHO Framework Convention on Tobacco Control. 2003. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42811/1/9241591013.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42811/1/9241591013.pdf
  • 10
    Eriksen MP, Schluger N, Mackay J, Islami F. The Tobacco Atlas. 5th ed, Atlanta (Georgia): American Cancer Society;2015.
  • 11
    Van Schayck S, Williams V, Barchilon N, Baxter M, Jawad P A, Katsaounou BJ, et al. Treating tobacco dependence: guidance for primary care on life-saving interventions. Position statement of the IPCRG O. C. P. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):38.
  • 12
    Oliveira GMM, Mallet ALR. Tabagismo. In Manual de prevenção cardiovascular / [Rocha RM, Martins WA eds.]. São Paulo: Planmark; Rio de Janeiro: SOCERJ - Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2017. p:49-60.
  • 13
    Barua RS, Rigotti NA, Benowitz NL, Cummings KM, Jazayeri M-A, Morris PB, et al. 2018 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Tobacco Cessation Treatment. J Am Coll Cardiol.2018;72(2):3332-65.
  • 14
    Kalkhoran S, Benowitz NL, Nancy A. Rigotti NA. Prevention and Treatment of Tobacco Use. JACC Health Promotion Series. J Am Coll Cardiol. 2018;72(9):1030-45.
  • 15
    European Network for Smoking and Tobacco Prevention aisbl. (ENSP). Information release 2. SILNE- Tacking socio-economic inequalities in smoking: learning from natural experiments by time trend analysis and cross- national comparisons. Amsterdam (the Netherlands): Department of Public Health, Academic Medical Centre; 2016.
  • 16
    World Health Organization. WHO. [Internet]. Tobacco. Factsheet 339, updated June 2016. [Cited in 2017 Feb 18]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs339/en
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs339/en
  • 17
    National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (US) Office on Smoking and Health. The Health Consequences of Smoking-50 Years of Progress: A Report of the Surgeon General. Atlanta, GA: Centers for Disease Control and Prevention, 2014:17.
  • 18
    McEwen A, McRobbie H, West R, Hajek P. Manual for Smoking Cessation: a guide for counsellors and practitioners. Oxford: Blackwell; 2006.
  • 19
    Simão AF, Precoma DB, Andrade JP, Correa FH, Saraiva JF, Oliveira GMM, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz brasileira para prevenção cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013;101(6 supl 2):1-63 Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):415.
  • 20
    World Health Organization. (WHO). MPOWER: a policy package to reverse the tobacco epidemic. Geneva, Switzerland: 2008.
  • 21
    World Health Organization. (WHO). Toolkit for delivering the 5A's and 5R's brief tobacco interventions in primary care. Geneva: WHO Press; 2014.
  • 22
    Fagerström KO, Schneider NG. Measuring nicotine dependence: a review of the Fagerström Tolerance Questionnaire. J Behav Med.1989;12(2):159-82.
  • 23
    Prochaska JD, Di Clemente CC, Norcross JC. In search how people change: applications to addictive behavior. Am Psychol.1992;47(9):1102-14.
  • 24
    World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic, 2013. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.who.int/tobacco/global_report/2013/en/ index.html
    » http://www.who.int/tobacco/global_report/2013/en/ index.html
  • 25
    World Health Federation. WHO. [Internet]. World Heart Federation code of practice on tobacco control. Genebra, 2004. [Cited in 2018 Nov 18]. Available from http://www.world-heart-federation.org/fileadmin/user_upload/documents/tobacco-code-practice.pdf
    » http://www.world-heart-federation.org/fileadmin/user_upload/documents/tobacco-code-practice.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br