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Brasil: Duas Realidades para o Tratamento da Mesma Doença

Palavras-chave
Doença da Artéria Coronariana; Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Infarto do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST; Diabetes Mellitus; Revascularização Miocárdica; Intervenção Coronária Percutânea; Stents Farmacológicos

Os stents farmacológicos (SF) atuais são mais seguros e eficazes (menores taxas de reestenose) que os stents convencionais (SC),11 Spaulding C, Henry P, Teiger E, Beatt K, Bramucci E, Caré D, et al. et al. Sirolimus-eluting versus uncoated stents in acute myocardial infarction. Ne Engl J Med. 2006;2006;355(11):1093-104.,22 Kastrati A, Dibra A, Spaulding C, Laarman GJ, Menichelli M, Valgimigli M, et al.et al. Meta-analysis of randomized trials on drug-eluting stents vs. bare-metal stents in patients with acute myocardial infarction. Eur Heart J. 2007;28(22):2706-13. sendo capazes de reduzir desfechos cardiovasculares em curto e longo prazos.33 Baber U, Mehran R, Sharma SK, Brar S, Yu Jm Suh JW, et al. Impact of the everolimus-eluting stent on stent thrombosis: a meta-analysis of 13 randomized trials. J Am Coll Cardiol. 2011;58J. J Am Coll Cardiol. 2011;58(15):1569-77.,44 Valgimigli M, Sabaté M, Kaiser C, Brugalet al. Effects of cobalt-chromium everolimus eluting stents or bare metal stent on fatal and non-fatal cardiovascular events: patient level meta-analysis. BMJ. 2014;349:g6427. Em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), o estudo randomizado EXAMINATION55 Sabaté M, Brugaletta S, Cequier A, Mainar V, et al. Clinical outcomes in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with everolimus-eluting stents versus bare-metal stents (EXAMINATION): 5-year results of a randomised trial. Lancet 2016;387(10016):357-66. avaliou 1.498 pacientes com IAMCSST que foram alocados para o tratamento de intervenção coronária percutânea (ICP) com SF de nova geração eluídos com everolimus ou SC. Após o seguimento de 5 anos, houve redução relativa de desfechos combinados e de mortalidade de 20% e 30%, respectivamente, em favor dos SF. Por fim, apesar do maior custo inicial no procedimento índice, os SF apresentam melhor custo-efetividade em relação ao SC a longo prazo.66 Schur N, Brugaletta S, Cequier A, Inigues AF Cost-effectiveness of everolimus-eluting versus bare-metal stents in ST-segment elevation myocardial infarction: An analysis from the EXAMINATION randomized controlled trial. PLoS ONE 2018;13(8):e0201985. Neste contexto, em 2018, a Diretriz mais atual de revascularização do miocárdio da Sociedade Europeia de Cardiologia considera recomendação Classe I o uso de SF em todo e qualquer cenário clínico, incluindo IAMCSST.77 Neumann FJ, Sousa-Uva M, Ahlsson A, Alfonso F, Banning AP, Benedetto U, et al. 2018 ESC/EACTS guidelines on myocardial revascularization. Scientific Document Group. Eur Heart J. 2019;40(2):87-165.

A doença cardiovascular é a principal causa de morte em todo o mundo, e o diabetes melito é um dos mais importantes fatores de risco para a doença aterosclerótica coronariana (DAC).88 Tillin T, Hughes AD, Mayet J, Whincup P, Sattar N, Foroughi NG, et al. The Relationship Between Metabolic Risk Factors and Incident Cardiovascular Disease in Europeans, South Asians, and African Caribbeans: SABRE (Southall and Brent Revisited)-A Prospective Population-Based Study. J Am Coll Cardiol. 2013;61(17):1777-86. Pacientes diabéticos apresentam mortalidade de 2 a 3 vezes maior após síndrome coronariana aguda quando comparado aos não-diabéticos.99 O'Donoghue ML, Vaidya A, Afsal R, Alfredsson J, Boden WE, Braunwald E, et al. An Invasive or Conservative Strategy in Patients With Diabetes Mellitus and Non-ST-Segment Elevation Acute Coronary Syndromes: A Collaborative Meta-Analysis of Randomized Trials. J Am Coll Cardiol.2012;60(2):106-11. Adicionalmente, estes pacientes, por apresentarem expressiva disfunção endotelial, alta resposta inflamatória à injúria vascular, DAC difusa e artérias coronárias de mais fino calibre, desenvolvem maiores taxas de reestenose intra-stent.1010 Patti G, Pasceri V, Melfi R, Goffredo G, Chello M, D'Ambrosio A, et al.et al. Impaired flow-mediated dilation and risk of restenosis in patients undergoing coronary stent implantation. Circulation. 2005;111(1):70-5.,1111 Di Sciascio G, Patti G, Nasso G, Manzoli A, D'Ambrosio A, Abbate A. Early and long-term results of stenting of diffuse coronary artery disease. Am J Cardiol. 2000;86(11):1166-70. Desta forma, em pacientes diabéticos, o uso de SF torna-se ainda mais imperioso e apresenta 87% menos risco de reestenose intra-stent e 77% menos risco de necessidade de revascularização da lesão alvo em comparação aos SC.1212 Patti G, Nusca A, Di Sciascio G. Meta-analysis comparison (nine trials) of outcomes with drug-eluting stents versus bare metal stents in patients with diabetes mellitus. Am J Cardiol. 2008;102(10):1328-34.

No presente estudo VICTIM de Oliveira et al.,1313 Oliveira JC, Oliveira LCS, Oliveira JC, Barretto IDC, Almeida-Santos MA, Lima TCR, et al. Disparities In The Use Of Drug-eluting Stents For Diabetic Patients With ST-elevation Acute Myocardial Infarction Assisted In the Public versus Private Network - VICTIM Register. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(5):564-570 analisando a penetração do uso dos SF na rede pública e privada no Estado de Sergipe (entre 2014 e 2017; após a aprovação do seu uso no sistema único de saúde [SUS] ao valor de ressarcimento de R$ 2.034,50), mostraram que apenas 8,7% dos pacientes diabéticos com IAMCSST foram tratados com SF no sistema público, enquanto 90,6% receberam SF no sistema privado de saúde. Esses números deixam evidente a preocupante realidade do sistema público de saúde brasileiro no tratamento de IAMCSST, principalmente em uma população vulnerável como a dos diabéticos. Além disso, observa-se que, a despeito da aprovação oficial (portaria número 29 do Ministério da Saúde) de uma avançada tecnologia, no SUS o seu uso em não diabéticos e diabéticos é importante e significativamente inferior ao da saúde suplementar. Neste estudo, não houve diferença estatística para o número de fatores de risco por paciente entre os grupos, com a maioria apresentando ≥ 2 fatores de risco cardiovascular. Nota-se que os principais determinantes para receber esta terapia mundialmente recomendada e comprovadamente superior foram: a renda familiar e escolaridade e, por consequência, a possibilidade de acesso a saúde privada. Nos Estados Unidos, no ano de 2003 (1 ano após o início do uso de SF no país), 32,7% dos pacientes diabéticos submetidos à ICP receberam SF e, em 2011, este número ultrapassou 75%.1414 Bangalore S, Gupta N, Guo Y, Feit F. Trend in the use of drug eluting stents in the United States: insight from over 8.1 million coronary interventions. Int J Cardiol. 2014;175(1):108-19.

Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), em 2019, apenas 24,3% dos brasileiros possuem assistência médica por saúde suplementar e com isso, menos de um quarto da população possuem acesso ao tratamento recomendado pelas diretrizes internacionais e brasileira.1515 Feres F, Costa RA, Siqueira D, Costa JR Jr, Chamié D, Staico R, et al. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Socidade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista sobre Intervenção Coronária Percutânea. Arq Bras Cardiol. 2017;109(1 Suppl 1):1-81. Por outro lado, a imensa maioria da população de diabéticos tendo disponível, majoritariamente, apenas o SC. Na comunidade científica internacional, diferentemente da realidade brasileira, tornou-se extemporâneo o debate sobre o uso de SC versus SF. Outrossim, discute-se avanços sobre uma nova geração de SF como os de malhas ultrafinas, com polímeros bioabsorvíveis e não poliméricos.

Deste modo, como demonstrado no registro VICTIM, o Brasil, um país em desenvolvimento, poderia ser divido em duas grandes nações no que diz respeito ao tratamento do IAMCSST por ICP: uma, o SUS, com grande parte da população exposta a tratamento não contemporâneo e com resultados clínicos inequivocadamente inferiores; outra, o sistema de saúde suplementar, com uma população com melhores condições socioeconômicas e acesso as melhores tecnologias, análogas aos de países desenvolvidos. Espera-se que o presente estudo, expondo as deficiências do SUS no tratamento de uma parcela importante da população, estimule reflexões e mudanças na promoção de saúde e disponibilização de novos tratamentos à população mais carente.

  • Minieditorial referente ao artigo: Disparidades no Uso de Stents Farmacológicos para Pacientes Diabéticos com Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST Assistidos na Rede Pública versus Privada - Registro VICTIM

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Maio 2019
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