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Paralímpicos - Adendo à Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte

Palavras-chave
Esportes; Atletas/história; Atletas/legislação & jurisprudência; Pessoas com Deficiência; Medicina Física e Reabilitação; Perda Auditiva; Transtornos de Visão

Paratletas ou atletas portadores de necessidades especiais

Os esportes paralímpicos compreendem um grupo amplo de atividades esportivas destinadas a indivíduos portadores de necessidades especiais que participam em competições em diversos níveis.

O Movimento Paralímpico se iniciou em 1888 em Berlim, com a fundação dos primeiros clubes esportivos para deficientes auditivos.

Em 1922, foi fundada a Organização Mundial de Esportes para Surdos (CISS) e organizados os Jogos Silenciosos.

Em 1989, foi fundado em Dusseldorf o Comitê Paralímpico Internacional (http://www.paralympic.org) relacionado a diversas federações ligadas a atletas com necessidades especiais.

Em 1945, Ludwig Guttmann, médico especializado em neurocirurgia, iniciou programas de reabilitação para veteranos portadores de necessidades especiais da II Guerra no Centro Nacional de Lesados Medulares de Stoke Mandeville, na Inglaterra. A primeira competição foi realizada com 16 veteranos de guerra em 29 de julho de 1948, na abertura das Olimpíadas de Londres. Em 1960, ocorreu a I Paralimpíada em Roma, com 400 atletas de 23 países; na ocasião, o papa João XXIII cognominou Guttmann de “O Coubertin dos Desportistas Deficientes”. Desde os Jogos de Verão de 1988 e os Jogos de Inverno de 1992, as Paralimpíadas foram realizadas nas mesmas cidades das Olimpíadas.

Em 1958 iniciou-se no Brasil, o esporte paralímpico, quando o cadeirante Robson Sampaio de Almeida e Aldo Miccolis, preparador físico, fundaram o Clube do Otimismo. Logo após, Sérgio Seraphin Del Grande, portador de necessidades especiais, criou o Clube dos Paraplégicos de São Paulo. A Associação Nacional de Desporto de Deficientes (ANDE) foi criada em 1975.

Em 1995, foi fundado o Comitê Paralímpico Brasileiro (http://www.cpb.org.br), com sede na cidade de Niterói/RJ, transferida para Brasília/DF em 2002. O Comite Paralímpico Brasileiro tem como visão, missão e princípios:

  • “1 - Visão: Representar e liderar o movimento paralímpico brasileiro, buscando a promoção e o desenvolvimento do esporte de alto rendimento para pessoas com deficiência;

  • 2 - Missão: Exercer a representação legítima do desporto paralímpico brasileiro; Organizar a participação do Brasil em competições continentais, em mundiais e em Jogos Paralímpicos; Promover o desenvolvimento dos diversos esportes paralímpicos no Brasil, em articulação com as respectivas organizações nacionais; Promover a universalização do acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em seus diversos níveis;

  • 3 - Princípios: Trabalhar em regime de total parceria com as áreas técnicas das associações e confederações nacionais filiadas e vinculadas ao Comitê Paralímpico Brasileiro, valorizando a convergência de objetivos em prol do desenvolvimento de todo o segmento esportivo paralímpico brasileiro”.

A Medicina Paralímpica trata dos cuidados relacionados aos atletas com necessidades especiais.11 Webborn N, Van de Vliet P. Paralympic medicine. Lancet. 2012;380(9836):65-71. O International Paralympic Committee, desde 1994, tem por fim trazer suporte científico ao paralimpismo, sem interferir com os atletas, o treinamento e a organização dos jogos.22 Thompson WR. The paralympic winter athlete. Clin J Sports Med. 2012;22(1):1-2 O Paralimpismo se constitui a partir de quatro valores fundamentados pelo International Paralympic Committee: coragem, determinação, inspiração e igualdade.33 McNamee MJ. Paralympism, Paralympic values and disability sport: a conceptual and ethical critique. Disabil Rehabil. 2017;39(2):201-9.

O desenvolvimento de próteses especializadas e equipamentos, tais como cadeiras de rodas específicas para esporte, é fundamental para o melhor aproveitamento da função mecânica residual do paratleta.44 Burkett B. Paralympic Sports Medicine - Current evidence in winter sport: considerations in the development of equipment standards for paralympic athletes. Clin J Sports Med. 2012;22(1):46-50.,55 Wolbring G. Therapeutic bodily assistive devices and paralympic athlete expectations in winter sport. Clin J Sports Med. 2012;22(1):51-7. A análise cinemática bidimensional do gesto atlético pode ser útil diante da extensa diversidade na capacidade funcional residual dos paratletas.66 Gastaldi L, Pastorelli S, Frassinelli S. A biomechanical approach to paralympic cross-country sit-ski racing. Clin J Sports Med. 2012;22(1):58-64. Psicólogos afeitos à área dos esportes devem assessorar os paratletas em técnicas mentais para manuseio do estresse e consequente melhora do desempenho esportivo.77 Martin, Jeffrey. Mental preparation for the 2014 Winter Paralympic Games. Clin J Sports Med. 2012;22(1):70-3.

Avaliação cardiológica: pré-participação e reavaliações

Todos os atletas paralímpicos devem ser submetidos a avaliação independente de idade, sexo e deficiência associada; a avaliação pré-participação deve incluir crianças, adolescentes, adultos, master/idosos; homens e mulheres, sob responsabilidade exclusiva do médico assistente (grau de recomendação: I, nível de evidência: C).

A avaliação deve ser global, levando em consideração o organismo como um todo, salientando-se os aspectos físicos e somáticos; deve-se ter em mente as interações entre deficiências físicas, comorbidades, e respectivas sequelas no treinamento físico e desempenho esportivo (grau de recomendação: I, nível de evidência: C).

A periodicidade das reavaliações deve ficar a critério do médico assistente, segundo as características de cada caso, com a finalidade precípua da prática do esporte seguro (grau de recomendação: I, nível de evidência: C).

A avaliação dos atletas paralímpicos obedece a protocolo definido, resumido na Tabela 1.

Tabela 1
Protocolo de avaliação dos atletas paralímpicos segundo o Departamento Médico do Comitê Paralímpico Brasileiro (http://www.cpb.org.br).

Após a avaliação inicial, segundo os achados, devem ser indicados exames especializados, a critério do médico assistente, tais como teste cardiopulmonar (TCP), ecocardiograma (ECO), vetorcardiograma (VCG), tomografia computadorizada, ressonância magnética, ultrassom, eletroforese de hemoglobina (pesquisa de anemia falciforme) e avaliações cardiológica, oftálmica (pesquisa de Marfan, glaucoma, descolamento de retina) e ortopédica88 Oliveira Filho JA. O Atleta paraolímpico. In: Ghorayeb N, Dioguardi GS. Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2007.,99 Vital R, Silva Hesojy GP. As lesões traumato-ortopédicas. In: Mello MT (ed). Avaliação clínica e da aptidão física dos atletas paraolimpícos brasileiros: conceitos, métodos, resultados. São Paulo: Atheneu; 2004. (grau de recomendação: I, nível de evidência: C).

Em atletas com paralisia cerebral pode-se utilizar o escore de avaliação de espasticidade (QSFC quantitative sports and functional classification), baseado nas condições musculares de membros superiores, inferiores e tronco, para uso em investigações clínicas, tratamento clínico e treinamento físico.1010 Khalili MA. Quantitative sports and functional classification (QSFC) for disabled people with spasticity. Br J Sports Med. 2004;38(3):310-3.

Atletas cadeirantes e portadores de próteses devem ser seguidamente e minuciosamente examinados para detecção de escaras de decúbito ou escaras no coto de implantação da prótese. A presença de ulcerações nesses locais torna o atleta temporariamente inelegível, até que sejam restauradas as condições locais do tegumento (grau de Recomendação: I, nível de evidência: C). A prática de retenção urinária em cadeirantes deve ser proscrita, dado o risco de grandes elevações de pressão arterial e acidente vascular cerebral. Nos casos de bexiga neurogênica deve-se atentar à presença de infecções urinárias subclínicas.

A ocorrência de coração de atleta em paralímpicos, considerando-se a presença de dois ou mais sinais, atingiu 46% dos casos. Sinais de coração de atleta ocorreram em 33% dos exames clínicos (sopros e estalidos), em 55% dos eletrocardiogramas (bradicardia, bloqueio incompleto de ramo direito, sobrecargas, alterações de onda T), em 15% dos vetorcardiogramas (sobrecargas), em 5% dos ecocardiogramas (dimensões cavitárias acima do habitual). Os sinais ocorreram em 51% dos atletas, sendo que em 46% dos casos havia 2 ou mais sinais e, em 12%, 4 ou mais sinais. O TE foi normal em 77% dos atletas; não houve ST isquêmico. Em 23% dos casos houve bloqueio divisional direito.1111 Oliveira Filho JA, Silva AC, Lira Filho E, Luna Filho B, Covre SH, Lauro FA, et al. Coração de Atleta em Desportistas Deficientes de Elite. Arq Bras Cardiol. 1997;69(6):385-8.

Descreveram-se as seguintes alterações de ECG, classificadas como ECG de atleta em paralímpicos: alteração primária da repolarização ventricular, 6%; bloqueio atrioventricular de primeiro grau, 2%; bradicardia sinusal, 6%; bloqueio da divisão ântero-superior do ramo esquerdo do feixe de His, 2%; perturbação da condução do ramo direito do feixe de His, 14%; repolarização ventricular precoce, 29%; sobrecarga atrial esquerda, 2%; sobrecarga ventricular esquerda, 39%.1212 Leitão MB. Perfil eletrocardiográfico dos atletas integrantes da equipe brasileira dos XI Jogos Paraolímpicos de Sydney 2000. Rev Bras Med Esporte. 2002;8(3): 102-6.

Descreveram-se oito casos de potenciais tardios no eletrocardiograma de alta resolução em 11% dos atletas sem evidências de cardiopatia pertencentes à série consecutiva de 79 atletas deficientes de elite.1313 Oliveira Filho JA, Luna Filho B, Covre SH, Lira Filho E, Regazzini M, Greco J, et al. Signal averaged electrocardiogram in top deficient athletes. Arq Bras Cardiol. 1999;72(6):687-92.

Em subgrupos de paralímpicos, descreveram-se correlações significativas envolvendo variáveis relativas à potência aeróbia e ao limiar anaeróbio e as variáveis morfológicas avaliadas pelo ecocardiograma, comprovando-se a possibilidade de ocorrer o coração de atleta em paralímpicos.1414 Oliveira JA, Salvetti XM, Lira EB, Mello MT, Silva AC, Luna B. Athlete's heart, oxygen uptake and morphologic findings in paralympic athletes. Int J Cardiol. 2007;121(1):100-1.

Em judocas paralímpicos verificamos a presença de coração de atleta em 64% dos casos avaliados.1515 Oliveira Filho JA, Monteiro MB, Salles AF, Campos Filho O. Paralímpicos judiocas e coração de atleta. Rev DERC. 2015;21(1):15.

Nas avaliações subjetivas dos paralímpicos jovens, pode ocorrer uma subestimação da avaliação da qualidade de vida em relação ao julgamento dos pais.1616 Shapiro DR, Malone LA. Quality of life and psychological affect related to sport participation in children and youth athletes with physical disabilities: A parent and athlete perspective. Disabil Health J. 2016;9(3):385-91.

Teste cardiopulmonar

Os fundamentos dos protocolos do teste cardiopulmonar incluem: 1) reprodutibilidade do ato esportivo, segundo o princípio da especificidade; 2) adequação à modalidade desportiva e aos meios de locomoção do atleta; 3) realização dos testes com estabilidade e segurança, assegurando a precisão e a reprodutibilidade das aferições1111 Oliveira Filho JA, Silva AC, Lira Filho E, Luna Filho B, Covre SH, Lauro FA, et al. Coração de Atleta em Desportistas Deficientes de Elite. Arq Bras Cardiol. 1997;69(6):385-8. (grau de recomendação: I, nível de evidência: B).

Cuidados especiais devem ser tomados em relação ao tipo e grau de deficiência, à postura do atleta, à temperatura ambiente, ao esvaziamento vesical prévio, à prevenção de hipotensão, ao risco de crises convulsivas e acidentes, às aferições da pressão arterial e ao velamento adequado das máscaras. Inúmeros fatores podem limitar o desempenho nas avaliações: 1) clínicos: deficiências intelectual e sensorial (visual, táctil, auditiva), epilepsia, disreflexia autonômica, bexiga neurogênica, deprivação simpática, síndrome pós-pólio, taquipneia de esforço, desnutrição; 2) locomotores: redução da massa, força e flexibilidade musculares, aumento do tônus muscular, redução da mobilidade articular, incoordenação motora, lesões osteoarticulares secundárias às práticas desportivas, lesões de cotos de amputação; 3) cardiovasculares: eventuais afecções associadas; 4) fisiológicos: redução do VO2 pico, limiar anaeróbio, ponto de compensação respiratório, fadiga precoce, inatividade física; 4) socioeconômicos e culturais: exclusão social, falta de patrocínio.88 Oliveira Filho JA. O Atleta paraolímpico. In: Ghorayeb N, Dioguardi GS. Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2007.

Segundo o princípio da especificidade, tem-se utilizado ergômetros de braços para tenistas, arremessadores, halterofilistas, esgrimistas e nadadores, bicicleta para ciclistas e esteira para as demais modalidades;88 Oliveira Filho JA. O Atleta paraolímpico. In: Ghorayeb N, Dioguardi GS. Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2007. ciclistas podem utilizar o equipamento próprio acoplado ao sistema Mag 850 Minoura 180 (grau de recomendação: I, nível de evidência: C).

Os atletas devem ser motivados para que se possa atingir o “real” esforço máximo. Portadores de paralisia cerebral e de deficiência mental necessitam de explicações prévias detalhadas sobre os testes, pela inerente dificuldade de entendimento. Pode-se realizar os primeiros exames do dia com atletas já avaliados em outras oportunidades permitindo-se aos iniciantes assistir e entender a execução e os objetivos do teste.1717 Silva AC, Torres FC. Ergoespirometria em atletas paraolímpicos brasileiros. Rev Bras Med Esporte. 2002;8(3):107-16.

Algumas precauções devem ser observadas. Em portadores de paralisia cerebral há predisposição para a ocorrência de acidentes (quedas), nos testes em esteira rolante, devido a incoordenação neuromuscular, especialmente em velocidades mais altas. Em alguns casos, deve-se fazer os incrementos de carga às custas de inclinação e não de velocidade. Devido à movimentação involuntária facial ou angulação mandibular muito aguda, pode não ocorrer um adequado velamento nas máscaras ou bocais e “escape” na captação dos gases. Deficientes visuais necessitam manter, na maioria dos casos, algum contato das mãos com o corrimão da esteira (sem se apoiarem), e receber orientação verbal sobre sua biomecânica e situação espacial. Em alguns casos utilizam-se “cintos” de segurança, presos à sua cintura e ao corrimão frontal da esteira.1717 Silva AC, Torres FC. Ergoespirometria em atletas paraolímpicos brasileiros. Rev Bras Med Esporte. 2002;8(3):107-16.

Os testes cardiopulmonares podem ser executados por inúmeros protocolos específicos, citando-se como exemplo o resumido na Tabela 2.

Tabela 2
Protocolos para testes cardiopulmonares em atletas paralímpicos (Centro de Estudos em Fisiologia do Exercício - Unifesp/Escola Paulista de Medicina)88 Oliveira Filho JA. O Atleta paraolímpico. In: Ghorayeb N, Dioguardi GS. Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2007.

O protocolo de Knechtle e Köpfli1818 Knechtle B, Hardegger K, Muller G, Odermatt P, Eser P, Knecht H. Evaluation of sprint exercise testing protocols in wheelchair athletes. Spinal Cord. 2003;41(3):182-6.,1919 Knechtle B, Kopfli W. Treadmill exercise testing with increasing inclination as exercise protocol for wheelchair athletes. Spinal Cord. 2001;39(12):633-6. (Institute of Sports Medicine, Swiss Paraplegic Centre) para teste em esteira em cadeirantes inicia com velocidade de 8 km/h e inclinação de 1%, com incrementos de 0,5%, a cada 2 minutos e velocidade constante até exaustão.1818 Knechtle B, Hardegger K, Muller G, Odermatt P, Eser P, Knecht H. Evaluation of sprint exercise testing protocols in wheelchair athletes. Spinal Cord. 2003;41(3):182-6.,1919 Knechtle B, Kopfli W. Treadmill exercise testing with increasing inclination as exercise protocol for wheelchair athletes. Spinal Cord. 2001;39(12):633-6.

Testes de campo também podem ser realizados com vantagens.2020 Janssen PM, Hasenfuss G, Zeitz O, Lehnart SE, Prestle J, Darmer D, et al. Load-dependent induction of apoptosis in multicellular myocardial preparations. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2002; 282(1):H349-56. Variações entre 48% e 80% foram descritas nas equações de regressão para determinação da capacidade física em paraplégicos e tetraplégicos. Essas variações podem ser explicadas pelo nível e grau de lesão medular, idade, gênero, atividade física e peso corporal. Em nosso meio, os valores referentes à potência aeróbia de atletas paralímpicos têm sido semelhantes (Tabela 3).2121 Ackel CR, Lira CA, Silva AC. A avaliação ergoespirométrica. In: Mello MT (ed). Avaliação clínica e da aptidão física dos atletas paraolímpicos brasileiros: conceitos, métodos e resultados. São Paulo: Atheneu; 2004.

Tabela 3
Potência aeróbia de atletas paralímpicos brasileiros participantes dos Jogos de Atlanta. Silva AC, Torres FC, Oliveira Fº JA. Avaliação dos atletas paralímpicos de Atlanta. Dados não publicados. Unifesp-EPM, São Paulo, 20062222 Silva AC, Torres FC, Oliveira Filho JA. Avaliação dos paraolímpicos de Atlanta. São Paulo: UNIFESP-EPM; 2006.

A avaliação pré-participação para atividades de lazer é semelhante, em função do estresse físico e mental. Em muitas ocasiões, dada a carga emocional envolvida e o menor nível de treinamento, o estresse físico e psicológico pode ser de grande intensidade, de grau semelhante ao relativo às competições.

Prevenção de eventos/morte súbita em esportes

A prevenção de eventos deve incluir a prevenção de acidentes, de agravamento das lesões e comorbidades preexistentes e da morte súbita.

Os objetivos de um protocolo de prevenção de eventos em esportes baseiam-se no rastreamento pré-participação:

  1. Identificar condições predisponentes, ou seja, doenças cardiovasculares que potencialmente podem causar morte súbita;

  2. Definir se há medidas que podem ser tomadas para reduzir o risco de morte súbita: Quais são? Como devem ser desenvolvidas?

  3. Padronizar a conduta a ser adotada em cada cardiopatia e discutir a eventual desqualificação do atleta do exercício de sua profissão.

A prevenção de eventos e morte súbita em esportes e lazer é realizada levando-se em conta o diagnóstico precoce e tratamento das afecções cardiovasculares, bem como a aplicação dos critérios de ineligibilidade vigentes devidamente, aplicados aos atletas paralímpicos.2323 Ferrara MS, Buckley WE, McCann BC, Limbird TJ, Powell JW, Robl R. The injury experience of the competitive athlete with a disability: prevention implications. Med Sci Sports Exerc. 1992;24(2):184-8. Torna-se imperioso que nos locais de competição existam recursos médicos e paramédicos, devidamente equipados, para atendimento de emergências.

Nas várias instituições, o diretor clínico e/ou o médico responsável pelo atendimento respondem perante o respectivo Conselho Regional de Medicina pelo cumprimento dessas normas.

Indivíduos recém-hospitalizados ou sedentários há longa data necessitam de treinamento progressivo com incrementos graduais na frequência e duração das sessões e na intensidade dos exercícios; além do risco de lesões e sequelas físicas, o aparecimento dessas pode ser fator de desencorajamento ao treinamento, prejudicando a autoimagem, e predispondo ao abandono do programa (grau de recomendação I, nível de evidência C).

Aspectos éticos

A avaliação médica deve incluir especialistas de várias áreas, destacando-se a medicina do exercício e esporte, a cardiologia, a ortopedia e a fisiatria.

Em se tratando de atletas portadores de deficiências, torna-se importante ressaltar que é de competência exclusiva do médico dirigir o treinamento, diagnosticar as eventuais patologias e sequelas, solicitar exames, prescrever terapêutica e afastar os atletas das atividades esportivas, sendo vedado ao médico atribuir ou delegar funções de sua exclusiva competência para profissionais não habilitados ao exercício da medicina. (Conselho Federal de Medicina, Resolução nº 1236/87). Por outro lado, a execução do treinamento deve ser realizada por professores de educação física e fisioterapeutas. A interação entre médicos, professores de educação física, fisioterapeutas, fisiologistas, nutricionistas e psicólogos é fundamental para o sucesso do programa. A prescrição do treinamento deve ser feita em receituário médico, constando modalidade, frequência e duração das sessões, intensidade do treinamento e outras observações, a critério do médico assistente. Essa conduta está ratificada pelo Conselho Federal de Medicina Parecer 4141/2003: “Por todo o exposto, compete exclusivamente ao médico, após o diagnóstico da patologia, prescrever a terapêutica adequada ao paciente e, inclusive, a prescrição de atividade física em face da patologia diagnosticada ou para a prevenção de diversas patologias.”

Nas várias instituições, o diretor clínico e/ou o médico responsável pelo atendimento respondem pelo cumprimento dessas normas perante o respectivo Conselho Regional de Medicina. As relações do médico com os demais profissionais em exercício na área de saúde devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e independência profissional de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente (Código de Ética Médica de 08/01/1988 artigo 18). A interação entre médicos e paramédicos professores de educação física, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e treinadores é fundamental para o sucesso do programa de treinamento e deve ser estimulada a cada momento.

Recomendações

Na atualidade, dada a escassez de relatos na literatura especializada, os critérios de atendimento de atletas paralímpicos se baseiam, em geral, em consenso de especialistas (nível de evidência: C).

A determinação da elegibilidade esportiva deve seguir o protocolo da International Paralympic Committee Classification Code and International Standards2424 IPC Classification Code and International Standards. [Accessed in: 2011 Sep 10]. [ Available from: http://oldwebsite:palympic.org/Sport?Classification/Classification_Code.html ]
http://oldwebsite:palympic.org/Sport?Cla...
e do Comitê Olímpico Brasileiro. Dessa forma, o para-atleta pode ser elegível a uma modalidade e inelegível a outra. Os critérios de elegibilidade esportiva são definidos para cada modalidade paralímpica pela respectiva federação internacional. O médico, treinadores e para-atletas devem estar atentos aos riscos da dopagem eventual e involuntária.2525 The World anti-doping code. The 2007 prohibited list international standard. [Accessed in: 2011 Oct 13]. [ Available from: http://www.wada-ama.org.]
http://www.wada-ama.org...
Desde 2000, tem-se relatado uma incidência geral de < 1% de violações relacionadas a dopagem em competições paralímpicas, detectadas em geral por testes em urina durante os períodos de competição, compreendendo total de 60 violações, das quais 37 em levantadores de peso.2626 Van de Vliet P. Antidoping in paralympic sport. Clin J Sports Med. 2012:22(1):21-5.

As recomendações para o atendimento de atletas paralímpicos são citadas na tabela 4. As práticas de dopagem e do boosting (do ingl., boost, estimular) devem ser severamente reprimidas. Lesões medulares produzem alterações da função autonômica e cardiovascular interferindo no desempenho esportivo. Nestes casos, em lesados medulares em T6 ou acima2727 Gee CM, West CR, Krassioukov AV. Boosting in elite athletes with spinal cord injury: a critical review of physiology and testing procedures. Sports Med. 2015; 45(8):1133-42. pode ocorrer o boosting (to boost), isto é, a indução da disreflexia autonômica intencionalmente induzida durante a competição.2828 Blauwet CA, Benjamin-Laing H, Stomphorst J, Van de Vliet P, Pit-Grosheide P, Willick SE. Testing for boosting at the Paralympic games: policies, results and future directions. Br J Sports Med. 2013;47(13):832-7. Com a finalidade de conseguir rápidas elevações da pressão arterial, atletas cadeirantes induzem estado de disreflexia autonômica, reflexo que ocorre na porção inferior do corpo.2929 Krassioukov A. Autonomic dysreflexia: current evidence related to unstable arterial blood pressure control among athletes with spinal cord injury. Clin J Sports Med. 2012:22(1):39-45.Boosting produz elevação das catecolaminas circulantes, da pressão arterial, da frequência cardíaca há uma melhora de 9,7% no tempo de corrida para 7% a 10% de atletas.3030 West, CR, Krassioukov, AV. Autonomic cardiovascular control and sports classification in Paralympic athletes with spinal cord injury. Disabil Rehabil. 2017;39(2):127-34. Entretanto, o boosting traz grande risco ao atleta durante as competições, sendo sua prática banida pelo International Paralympic Committee.3030 West, CR, Krassioukov, AV. Autonomic cardiovascular control and sports classification in Paralympic athletes with spinal cord injury. Disabil Rehabil. 2017;39(2):127-34. Para obter rápidas elevação da pressão arterial, cadeirantes provocam estado de disreflexia autonômica, desencadeada quando a parte inferior do corpo é exposta a estímulos dolorosos - manter bexiga cheia, apertar as pernas com correias ou fitas, sentar sobre objetos pontiagudos, sentar sobre a bolsa escrotal, fechar a sonda vesical para encher a bexiga, dobrar os pés na cadeira de rodas, provocar a fratura de artelhos.2929 Krassioukov A. Autonomic dysreflexia: current evidence related to unstable arterial blood pressure control among athletes with spinal cord injury. Clin J Sports Med. 2012:22(1):39-45. Apenas paratletas portadores de lesões medulares altas podem apresentar o estado de disreflexia autonômica.3131 Mills PB, Krassioukov A. Autonomic function as a missing piece of the classification of paralympic athletes with spinal cord injury. Spinal Cord. 2011; 49(7):768-76.

Tabela 4
Recomendações para o atendimento de para-atletas (grau de recomendação: I, nível de evidência: C)

No atendimento médico, atenção especial deve ser dada às lesões músculo-esqueléticas que constituem 44,6% em 1156 eventos.3232 Taunton J, Wilkinson M, Celebrini R, Stewart R, Stasyniuk T, Van de Vliet P, et al. Paralympic Medical Services for the 2010 Winter Paralympic Games. Clin J Sports Med. 2012: 22(1):10-20. Considerando lesão qualquer queixa músculo-esqulética que obrigou o atleta a buscar cuidados médicos, a ocorrência de lesões em jogos olímpicos de inverno foi de 9,4% (2002), 8,4% (2006) atingindo 24% (2010), sendo a proporção semelhante em homens (22,8%) e em mulheres (26,6%).3333 Webborn N, Willick S, Emery CA. The injury experience at the 2010 Winter Paralympic Games. Clin J Sports Med. 2012:22(1):3-9.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Set 2019
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