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Caso 6/2019 - Defeito Total do Septo Atrioventricular, 12 Anos após a Correção Operatória, sem Defeitos Residuais

Palavras-chave
Cardiopatias Congênitas/cirurgia; Defeitos do Septo Atrioventricular; Evolução pós-operatória

Dados clínicos

Paciente com 14 anos de idade apresentou-se assintomático em todas as avaliações pós-operatórias de rotina e em plena atividade física, comparável aos demais. Neste período, desde 21 meses de idade, por ocasião da correção do defeito total do septo atrioventricular (AV) tipo A, não foi auscultado qualquer sopro cardíaco, a área cardíaca se manteve normal e sem uso de medicação específica. O ecocardiograma se mostrou sem defeitos residuais, com cavidades cardíacas normais e sem regurgitação valvar. O diagnóstico do defeito foi estabelecido desde o nascimento e seu acompanhamento até a cirurgia foi marcado por sinais evidentes de insuficiência cardíaca decorrente de sobrecarga de volume imposta por insuficiência valvar e pelas comunicações intercavitárias.

Exame físico: bom estado geral, eupneico, acianótico, pulsos normais nos 4 membros. Peso: 30 Kg, Alt.: 140 cm, PA: 105 x 60 mmHg, FC: 76 bpm, Sat O2 = 95%.

Precórdio:ictus cordis não palpado, sem impulsões sistólicas. Bulhas cardíacas normofonéticas, estando a segunda bulha desdobrada constante. Sem sopros cardíacos audíveis. Fígado não palpado e pulmões limpos.

Exames Complementares

Eletrocardiograma: Ritmo sinusal com bloqueio completo do ramo direito associado a bloqueio divisional anterossuperior esquerdo com QRS alargado. A repolarização ventricular é normal. AP = +30o, AQRS= -70o, AT+ + 60o. (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax salienta a área cardíaca e trama vascular pulmonar dentro de limites normais. O arco médio é retificado e o eletrocardiograma com sinais de discreto distúrbio final de condução pelo ramo direito.

Radiografia de tórax: Área cardíaca normal (ICT= 0,44) e trama vascular pulmonar também normal. O arco médio é retificado e o botão aórtico pouco saliente (Figura 1).

Ecocardiograma: Conexão AV normal com septos interatrial e interventricular fechados por remendos e com valvas AVs sem regurgitação. A valva à direita exibia gradiente residual máximo de 6 mmHg e médio de 2 mmHg e a valva à esquerda de 11 e 2,5 mmHg, respectivamente. A pressão sistólica do ventrículo direito era de 27 mmHg. As cavidades cardíacas se mostravam de tamanhos normais e com função ventricular esquerda normal (Figura 2).

Figura 2
Ecocardiograma mostra em corte subcostal de 4 câmaras as cavidades cardíacas de dimensões normais, os defeitos fechados, com boa coaptação valvar atrioventricular, em A e B. AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Ecocardiograma pré-operatório:situs solitus em levocardia. Conexão AV através da valva única com bordas inseridas no topo do septo ventricular (tipo A de Rastelli) com insuficiência discreta bilateral. A comunicação interatrial tipo ostium primum e a comunicação interventricular de via de entrada somavam 21 mm de extensão, ocasionando dilatação acentuada do coração, especialmente das cavidades direitas.

Cateterismo cardíaco pré-operatório: RVP = 1,9 UW, RVS = 12,3 UW, RVP/RVS = 0,15. As pressões ventriculares eram equalizadas assim como as atriais e a pressão de pulso estava alargada na árvore arterial pulmonar.

Diagnóstico clínico: Defeito total do septo AV com amplas comunicações intercavitárias, atrial e ventricular, corrigido com 21 meses de idade, com boa evolução até 14 anos, sem sintomas e sem defeitos residuais, comparando-se funcionalmente com pessoas normais da mesma idade.

Raciocínio clínico: A ausência de sintomas e com semiologia cardiovascular normal em pacientes com defeitos estruturais cardíacos corrigidos anteriormente salientam em todos a ausência de defeitos residuais, em decorrência de correção adequada dos mesmos. Tal quadro se mostra habitual nos defeitos congênitos acianogênicos tipo comunicação interatrial e interventricular e após ligadura do canal arterial. Raramente ele se mostra dessa maneira nas estenoses valvares operadas ou sob intervenção percutânea, pulmonar ou aórtica, exceto quando o gradiente residual seja inferior a 10 mmHg, e ainda após a correção da coartação da aorta. Mais raramente ainda, esse panorama se mostra após a correção do defeito total do septo AV, como no caso presente. Dentre os defeitos cianogênicos corrigidos, dois deles se salientam com essas mesmas características evolutivas, com destaque para a correção da transposição das grandes artérias pela técnica de Jatene e na drenagem anômala das veias pulmonares.

Conduta: Mesmo com essa evolução favorável sem defeitos residuais e sem qualquer repercussão hemodinâmica, os puristas ainda insistem na execução da profilaxia antibiótica nesses casos, que muito, no entanto se questiona. Tal atitude deve sim ser seguida nos pacientes corrigidos, nos quais permaneçam ainda defeitos residuais. O acompanhamento clínico rotineiro, mesmo nos casos favoráveis, deve ser seguido até a idade adulta em face do cuidado que cerca a especialidade em si.

Comentários: A evolução pós-operatória do defeito total do septo AV é marcada pela presença usual de defeitos residuais, principalmente das valvas AVs, sendo geralmente de pequena repercussão ao longo do tempo.11 Kaza E, Marx GR, Kaza AK, Colan SD, Loyola H, Perrin DP, et al. Changes in left atrioventricular valve geometry after surgical repair of complete atrioventricular canal. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;143(5):1117-24. Estima-se que tal quadro decorra de anormalidades da valva AV única que se mostra habitualmente com displasias, hipoplasias ou redundâncias assim como com alterações do aparelho subvalvar, cordas tendíneas e músculos papilares.22 Tumanyan MR, Filaretova OV, Chechneva VV, Gulasaryan RS, Butrim IV, Bockeria LA. Repair of complete atrioventricular septal defect in infants with down syndrome: outcomes and long-term results. Pediatr Cardiol. 2015;36(1):71-5. Outro aspecto causal do problema valvular é a mudança, por ocasião da correção operatória, da morfologia elíptica valvar para a forma circular com aumento da circunferência posterior do anel.22 Tumanyan MR, Filaretova OV, Chechneva VV, Gulasaryan RS, Butrim IV, Bockeria LA. Repair of complete atrioventricular septal defect in infants with down syndrome: outcomes and long-term results. Pediatr Cardiol. 2015;36(1):71-5. A necessidade de reintervenção cirúrgica da valva AV à esquerda é maior que à direita em valores aproximados de 5 e de 3%, respectivamente.33 Cui HJ, Zhuang J, Chen JM, Cen JZ, Xu G, Wen SS. Surgical treatment and early-mid follow-up results of complete atrioventricular septal]. Zhonghua Wai Ke Za Zhi. 2017; 55(12):933-7. Defeitos mais discretos, usuais na evolução desses pacientes operados, permitem que em geral os mesmos possam ter uma vida saudável. Mais raramente se observa o tipo evolutivo descrito, com inteira normalização do quadro anátomo-funcional.

References

  • 1
    Kaza E, Marx GR, Kaza AK, Colan SD, Loyola H, Perrin DP, et al. Changes in left atrioventricular valve geometry after surgical repair of complete atrioventricular canal. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;143(5):1117-24.
  • 2
    Tumanyan MR, Filaretova OV, Chechneva VV, Gulasaryan RS, Butrim IV, Bockeria LA. Repair of complete atrioventricular septal defect in infants with down syndrome: outcomes and long-term results. Pediatr Cardiol. 2015;36(1):71-5.
  • 3
    Cui HJ, Zhuang J, Chen JM, Cen JZ, Xu G, Wen SS. Surgical treatment and early-mid follow-up results of complete atrioventricular septal]. Zhonghua Wai Ke Za Zhi. 2017; 55(12):933-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019
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