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O Polimorfismo Genético do Receptor Beta-Adrenérgico Tipo 1 Ser49Gly é Preditor de Morte em Pacientes Brasileiros com Insuficiência Cardíaca

Resumo

Fundamento

O papel do polimorfismo genético do receptor beta1-adrenérgico Ser49Gly (PG-Rβ1-Ser49Gly) como preditor de eventos na insuficiência cardíaca (IC) não está definido para a população brasileira.

Objetivos

Avaliar a relação entre PG-Rβ1-Ser49Gly e desfechos clínicos em indivíduos com IC com fração de ejeção reduzida.

Métodos

Análise secundária de prontuários de 178 pacientes e identificação das variantes do PG-Rβ1-Ser49Gly, classificadas como Ser-Ser, Ser-Gly e Gly-Gly. Avaliar sua relação com evolução clínica. Foi adotado nível de significância de 5%.

Resultados

As médias da coorte foram: seguimento clínico, 6,7 anos; idade, 64,4 anos; 63,5% de homens e 55,1% brancos. A etiologia da IC foi predominantemente isquêmica (31,5%), idiopática (23,6%) e hipertensiva (15,7%). O perfil genético teve a seguinte distribuição: 122 Ser-Ser (68,5%), 52 Ser-Gly (28,7%), e 5 Gly-Gly (2,8%). Houve relação significativa entre esses genótipos e a classe funcional da New York Heart Association (NYHA) ao final do acompanhamento (p = 0,014) com o Gly-Gly associado a NYHA menos avançada. Com relação aos desfechos clínicos, houve associação significativa (p = 0,026) entre mortalidade e PG-Rβ1-Ser49Gly: o número de óbitos em pacientes com Ser-Gly (12) ou Gly-Gly (1) foi menor que com Ser-Ser (54). O alelo Gly teve um efeito protetor independente mantido após análise multivariada e foi associado à redução na chance de óbito de 63% (p = 0,03; odds ratio 0,37 – IC 0,15 a 0,91).

Conclusão

A presença do PG-Rβ1 Gly-Gly associou-se a melhor evolução clínica avaliada pela classe funcional da NYHA e foi preditor de menor risco de mortalidade, independentemente de outros fatores, em seguimento de 6,7 anos. (Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):616-624)

Insuficiência Cardíaca/mortalidade; Epidemiologia; Polimorfismo Genético; Receptores Adrenérgicos beta; Doenças Cardiovasculares; Hospitalização; Epinefrina/uso terapêutico; Cardiotoxicidade

Abstract

Background

The role of Ser49Gly beta1-adrenergic receptor genetic polymorphism (ADBR1-GP-Ser49Gly) as a predictor of death in heart failure (HF) is not established for the Brazilian population.

Objectives

To evaluate the association between ADBR1-GP-Ser49Gly and clinical outcomes in individuals with HF with reduced ejection fraction.

Methods

Secondary analysis of medical records of 178 patients and genotypes of GPRβ1-Ser49Gly variants, classified as Ser-Ser, Ser-Gly and Gly-Gly. To evaluate their association with clinical outcome. A significance level of 5% was adopted.

Results

Cohort means were: clinical follow-up 6.7 years, age 63.5 years, 64.6% of men and 55.1% of whites. HF etiologies were predominantly ischemic (31.5%), idiopathic (23.6%) and hypertensive (15.7%). The genetic profile was distributed as follows: 122 Ser-Ser (68.5%), 52 Ser-Gly (28.7%) and 5 Gly-Gly (2.8%). There was a significant association between these genotypes and mean NYHA functional class at the end of follow-up (p = 0.014) with Gly-Gly being associated with less advanced NYHA. In relation to the clinical outcomes, there was a significant association (p = 0.026) between mortality and GPRβ1-Ser49Gly: the number of deaths in patients with Ser-Gly (12) or Gly-Gly (1) was lower than in those with Ser-Ser (54). The Gly allele had an independent protective effect maintained after multivariate analysis and was associated with a reduction of 63% in the risk of death (p = 0.03; Odds Ratio 0.37 – CI 0.15–0.91).

Conclusion

The presence of β1-AR-GP Gly-Gly was associated with better clinical outcome evaluated by NYHA functional class and was a predictor of lower risk of mortality, regardless of other factors, in a 6.7-year of follow-up. (Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):613-615)

Heart Failure/mortality; Epidemiology; Polymorfism, Geetic; Receptors,Adreneic, beta; cardiovascular Dieases; Hospitalization; Epinephrine/therapeutic use; Cardiotoxicity

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é atualmente a principal causa de internação por doenças do sistema circulatório no Sistema Único de Saúde (SUS): foram 202 mil pacientes hospitalizados em 2018 com custo de 311 milhões de reais.11. Brasil. Ministério da Saúde. [Internet]. DATASUS. Informações de saúde, epidemiológicas e mortalidade [acesso13 mar. 2019 ]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br.
http://datasus.saude.gov.br...

A estratégia atual com parâmetros clínicos, laboratoriais e de imagem para prever seu prognóstico é limitada. Sua história natural é imprevisível mesmo em pacientes fenotipicamente semelhantes.

O arsenal terapêutico é capaz de reduzir a sua mortalidade em até 60%,22. Luo N, Fonarow GC, Lippmann SJ, Mi X, Heidenreich PA, Yancy CW, et al. Early adoption of sacubitril/valsartan for patients with heart failure with reduced ejection fraction: insights from get with the Guidelines-Heart Failure (GWTG-HF). JACC Heart Fail. 2017;5(4):305-9. mas a resposta a esses fármacos é heterogênea. Foi demonstrado que a natureza genética contribui para essa variabilidade.33. Small KM, Wagoner LE, Levin AM, Kardia S, Liggett SB. Synergistic polymorphisms of beta1- and alpha2C-adrenergic receptors and the risk of congestive heart failure. N Engl J Med. 2002;347(15):1135-42.

Na fisiopatologia da IC, o papel do sistema nervoso simpático (SNS) está bem estabelecido. O receptor cardíaco beta-adrenérgico do tipo 1 (Rβ1) é a principal estrutura responsável por mediar os efeitos da epinefrina. A estimulação sustentada desse sistema determinará múltiplos efeitos deletérios,33. Small KM, Wagoner LE, Levin AM, Kardia S, Liggett SB. Synergistic polymorphisms of beta1- and alpha2C-adrenergic receptors and the risk of congestive heart failure. N Engl J Med. 2002;347(15):1135-42. destacando-se a cardiotoxicidade.66. Luzum JA, English JD, Ahmad US, Sun JW, Canan BD, Sadee W, et al. Association of genetic polymorphisms in the beta-1 adrenergic receptor with recovery of left ventricular ejection fraction in patients with heart failure. J Cardiovasc Transl Res. 2019;12(4):280-9.

Assim, foram descritas algumas variantes genéticas que modificavam a atividade desse receptor. Um polimorfismo genético (PG) foi identificado na posição 145 do nucleotídio que resultava em substituição da serina por glicina na posição 49 do aminoácido – o PG Ser49Gly do Rβ1(PG-Rβ1-Ser49Gly).77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8.

O PG-Rβ1-Ser49Gly foi associado a uma interferência dramática na função do Rβ1. O alelo Gly determinou maior redução no seu número ( down-regulation ) quando comparado ao alelo Ser.66. Luzum JA, English JD, Ahmad US, Sun JW, Canan BD, Sadee W, et al. Association of genetic polymorphisms in the beta-1 adrenergic receptor with recovery of left ventricular ejection fraction in patients with heart failure. J Cardiovasc Transl Res. 2019;12(4):280-9. , 77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. Na IC, pela exposição contínua à epinefrina, essa disfunção poderia ser clinicamente relevante. Na prática, essa mutação genética determinaria uma dessensibilização com um interessante bloqueio adrenérgico intrínseco.88. Levin MC, Marullo S, Muntaner O, Andersson B, Magnusson Y. The myocardium-protective Gly-49 variant of the β1-adrenergic receptor exhibits constitutive activity and increased desensitization and down-regulation. J Biol Chem. 2002;277(34):30429-35.

Assim, no contexto da IC, tivemos algumas publicações analisando o PG-Rβ1-Ser49Gly em cenários como: risco de IC,33. Small KM, Wagoner LE, Levin AM, Kardia S, Liggett SB. Synergistic polymorphisms of beta1- and alpha2C-adrenergic receptors and the risk of congestive heart failure. N Engl J Med. 2002;347(15):1135-42. , 99. Liu WN, Fu KL, Gao HY, Shang YY, Wang ZH, Jiang GH, et al. β1 adrenergic receptor polymorphisms and heart failure: a meta-analysis on susceptibility, response to β-blocker therapy and prognosis. Plos One. 2012;7(7):e37659.

10. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32.
- 1111. Mialet-Perez J, Rathz DA, Petrashevskaya NN, Hahn HS, Wagoner LE, Schwartz A, et al. Beta 1-adrenergic receptor polymorphisms confer differential function and predisposition to heart failure. Nat Med. 2003;9(10):1300-5. resposta a betabloqueador,66. Luzum JA, English JD, Ahmad US, Sun JW, Canan BD, Sadee W, et al. Association of genetic polymorphisms in the beta-1 adrenergic receptor with recovery of left ventricular ejection fraction in patients with heart failure. J Cardiovasc Transl Res. 2019;12(4):280-9. , 1212. Lanfear DE, Peterson EL, Zeld N, Wells K, Sabbah HN, Williams K. Beta blocker survival benefit in heart failure is associated with ADRB1 Ser49Gly genotype. J Card Fail. 2015;21(8):S50. desfechos ecocardiográficos,1313. Wang L, Lu L, Zhang F, Chen Q, Shen W. Polymorphisms of β-adrenoceptor and natriuretic peptide receptor genes influence the susceptibility to and the severity of idiopathic dilated cardiomyopathy in a Chinese cohort. J Card Fail. 2010;16(1):36-44. capacidade funcional,1414. Fiuzat M, Neely ML, Starr AZ, Kraus WE, Felker MG, Donahue M, et al. Association between adrenergic receptor genotypes and beta-blocker dose in heart failure patients: analysis from the HF-ACTION DNA substudy. Eur J Heart Fail. 2013;15(3):258-66. arritmia cardíaca1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. , 1515. Liggett SB, Mialet-Perez J, Thaneemit-Chen S, Weber SA, Greene SM, Hodne D, et al. A polymorphism within a conserved beta(1)-adrenergic receptor motif alters cardiac function and beta-blocker response in human heart failure. Proc National Acad Sci USA. 2006;103(30):11288-93. e desfechos clínicos.77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. , 1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. , 1717. Magnusson Y, Levin MC, Eggertsen R, Nyström E, Mobini R, Schaufelberger M, et al. Ser49Gly of beta1-adrenergic receptor is associated with effective beta-blocker dose in dilated cardiomyopathy. Clin Pharmacol Ther. 2005;78(3):221-31. Esses estudos compartilham um baixo número de pacientes e apresentam alguns achados divergentes. Em geral, o alelo Gly foi associado a uma melhor evolução clínica;77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. , 1717. Magnusson Y, Levin MC, Eggertsen R, Nyström E, Mobini R, Schaufelberger M, et al. Ser49Gly of beta1-adrenergic receptor is associated with effective beta-blocker dose in dilated cardiomyopathy. Clin Pharmacol Ther. 2005;78(3):221-31. no entanto, observou-se uma potencial influência da etnia sobre esses genótipos, invertendo esse comportamento benigno em algumas populações.99. Liu WN, Fu KL, Gao HY, Shang YY, Wang ZH, Jiang GH, et al. β1 adrenergic receptor polymorphisms and heart failure: a meta-analysis on susceptibility, response to β-blocker therapy and prognosis. Plos One. 2012;7(7):e37659. Por essas razões, o papel desse genótipo permanece em aberto.

Portanto, é fundamental a análise do comportamento desse PG em uma população brasileira com características étnicas próprias, a fim de estabelecer o padrão desse PG para essa população aumentando a nossa (pequena) base de dados de genética atual.1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. , 1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65.

Este trabalho tem como objetivo avaliar a relação entre os genótipos do Ser49Gly e desfechos clínicos maiores, tais como internação por IC e óbito em indivíduos com IC com fração de ejeção reduzida.

Métodos

Delineamento do estudo

Estudo longitudinal de uma coorte de pacientes. Coletou-se informação do prontuário médico entre janeiro de 2015 e dezembro de 2018, desde o início do seu acompanhamento. Todos foram atendidos na mesma clínica de IC de um hospital universitário.

População do estudo

Trata-se de uma série de casos acompanhados por 6,7 anos, sendo incluídos de forma consecutiva 178 pacientes (113 homens e 65 mulheres) com diagnóstico de IC com fração de ejeção reduzida, caracterizando-se uma amostra por conveniência.

Critérios de inclusão

Pacientes com mais de 18 anos de idade, com IC sintomática (definida pelos Critérios de Framingham), disfunção ventricular sistólica e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 50% no ecocardiograma bidimensional.

Critérios de exclusão

Pacientes com status clínico desconhecido no final do trabalho.

Método

Análise estatística

A análise estatística é feita por meio do programa SPSS para Mac versão 25. Em todos os testes, fixou-se em 0,05 ou 5% (p < 0,05) como nível de rejeição da hipótese de nulidade e intervalo de confiança (IC) de 95%. Todas as variáveis contínuas apresentadas nas comparações tiveram distribuição normal e as medidas de tendência central e dispersão foram expressas, respectivamente, como média ± desvio padrão. Variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas n (%).

Foram utilizados os seguintes testes estatísticos: ANOVA One-Way, complementado pelo teste de Tukey, Chi-quadrado e Regressão Logística. Foram utilizados o teste de Levene e Kolmogorov-Smirnov para avaliar a homogeneidade das variâncias. Quando não houve homogeneidade das variâncias, foi empregado o teste Kruskal-Wallis para comparar as médias de três ou mais amostras independentes e Mann-Whitney para até duas amostras independentes.

A regressão logística binária foi utilizada para a avaliação dos desfechos clínicos estudados. Inicialmente, para a análise univariada, foram avaliadas as variáveis isoladamente com o objetivo de se identificar quais tinham relevância estatística. Posteriormente, na análise multivariada, essa avaliação foi feita de forma conjunta, como covariáveis. Foi considerado nível de significância de 95% para escolha de entrada e de 90% para remoção de variáveis no método de escolha “passo a passo".

Etiologia da insuficiência cardíaca

As etiologias foram classificadas em cinco grupos: isquêmica, idiopática, hipertensiva, alcoólica e outras. A definição da etiologia era responsabilidade do médico assistente da clínica de IC, segundo critérios descritos previamente.1818. Mangini S, Silveira F, Silva C, Grativvol P, da Seguro L, Ferreira S, et al. Decompensated heart failure in the emergency department of acardiology hospital. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):400-6.

Parâmetros clínicos, laboratoriais e eletrocardiográficos

A cor da pele foi indicada pelo médico assistente e classificada em branca, preta ou parda. A classe funcional foi determinada de acordo com a NYHA, no início e no final do acompanhamento. O registro de óbito era extraído do prontuário médico e, na sua ausência, uma busca ativa era iniciada por meio de prontuário eletrônico, telefone ou bancos de dados de certidões de óbito disponíveis na internet.

Foram considerados os exames laboratoriais mais recentes para análise estatística.

Todos os indivíduos foram submetidos a eletrocardiograma (ECG) e analisados quanto a duração do QRS, presença de bloqueio de ramo esquerdo e fibrilação atrial.

Variáveis ecocardiográficas

Os parâmetros avaliados foram: diâmetro sistólico de VE, diâmetro diastólico de VE e fração de ejeção de VE. Foram utilizados dois exames: no início e no final do acompanhamento.

Genotipagem

A genotipagem foi realizada por meio da técnica de reação em cadeia da polimerase e restrição da extensão do fragmento (PCR-RFLP) para o gene do Rβ1: polimorfismo 49Ser>Gly. Os detalhes desses procedimentos seguiram literatura específica.1919. Maqbool A, Hall AS, Ball SG, Balmforth AJ. Common polymorphisms of β1-adrenoceptor: identification and rapid screening assay. Lancet.1999;353(9156):897.

Todos os indivíduos foram testados para a presença dos alelos Ser (selvagem e mais comum) e Gly (recessivo). A partir desses alelos, eles foram classificados em Ser-Ser, Ser-Gly e Gly-Gly.

As frequências gênicas e haplotípicas foram testadas para o equilíbrio de Hardy Weinberg2020. Salanti G, Amountza G, Ntzani EE, Ioannidis JP. Hardy–Weinberg equilibrium in genetic association studies: an empirical evaluation of reporting, deviations, and power. Eur J Hum Genet. 2005;13(7):840-8. utilizando o software ARLEQUIN versão 2000.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto em 16 de dezembro de 2009. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos os pacientes.

O presente estudo foi parcialmente financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Resultados

Características da população do estudo total e pelos PG-Rβ1

As características gerais da população estão expostas na Tabela 1 . É possível destacar: média de idade de 64,4 ± 12,8 anos (variação: 24 a 93 anos), maior prevalência de homens, cor da pele branca e de etiologia isquêmica.

Tabela 1
– Características da população do estudo total e pelos PG-Rβ1

O tempo de acompanhamento médio na clínica de IC foi 6,7 ± 4,4 anos.

Quanto ao perfil genético, o alelo Ser ocorreu 295 vezes (82,8%), enquanto o Gly, 61 vezes (17,2%). Com relação aos genótipos, 122 (68,5%) foram classificados como o Ser-Ser, 51 (28,7%) Ser-Gly e apenas 5 (2,8%) como Gly-Gly.

É possível destacar a diferença significativa (p = 0,003) entre os PG-Rβ1 e a cor da pele observada: houve maior prevalência de brancos entre aqueles com genotipagem Ser-Ser e praticamente um equilíbrio entre brancos e pardos com Ser-Gly como destacado na Tabela 1 .

A população estava em equilíbrio genético segundo o teorema de Hardy-Weinberg.2020. Salanti G, Amountza G, Ntzani EE, Ioannidis JP. Hardy–Weinberg equilibrium in genetic association studies: an empirical evaluation of reporting, deviations, and power. Eur J Hum Genet. 2005;13(7):840-8.

Não houve diferenças significativas entre os genótipos para as características clínicas, da classe funcional NYHA inicial, eletrocardiográficas, ecocardiográficas, laboratoriais ou do tratamento medicamentoso conforme representado na Tabela 1 .

Evolução clínica

Os dados sobre os desfechos clínicos estão representados na Tabela 2 .

Tabela 2
– Desfechos clínicos características da população do estudo total e pelos PG-Rβ1

O genótipo do Rβ1 apresentou uma relação significativa com a classe funcional da NYHA final (p = 0,014), com o Ser-Ser associado à classe funcional mais avançada. Dos dezoito pacientes em NYHA IV, o Ser-Ser foi observado em 88,9% dos casos. O PG Ser-Gly foi responsável pelos outros dois casos. Todos os cinco pacientes com genótipo Gly-Gly evoluíram com NYHA I ou II ao final do seguimento.

A média da classe funcional NYHA final foi menor que a inicial (2,15 ± 0,9 → 2,02 ± 1,0). Com relação ao caráter evolutivo, 24,9% evoluíram com melhora de classe funcional, 38,4% permaneceram estáveis e 36,7% com piora da NYHA. Não houve diferença significativa entre os PG-Rβ1 e os valores médios da NYHA ou da mudança de classe funcional durante o seguimento clínico.

Desfechos: óbitos e internações por insuficiência cardíaca

Foram pesquisados desfechos clínicos – internação por IC e óbito – combinados e isoladamente.

O desfecho combinado “internação por IC + óbito” ocorreu em 100 pacientes (56,2%). Ele foi mais frequente no grupo Ser-Ser (60,7%) sem diferença significativa quando comparado ao Ser-Gly (47,1%) ou Gly-Gly (40,0%).

Com relação ao número de hospitalizações isoladamente, observou-se um total de 182 eventos em 74 pacientes, sem diferença significativa entre os PG-Rβ1.

Por último, foram analisados apenas os óbitos: 67 eventos – uma taxa de mortalidade global de 37,6%. O genótipo Ser-Ser correspondeu a 80,5% desse total e apenas 1,5% dos pacientes que morreram foram genotipados com Gly-Gly. Na análise comparativa da distribuição dos óbitos pelos PG, houve uma diferença significativa (p = 0,026) entre os genótipos Ser-Ser, Ser-Gly e Gly-Gly, com taxas de mortalidade de 44,3%, 23,5% e 20,0%, respectivamente. A Tabela 2 e a Figura 1 reproduzem esses achados.

Figura 1
– Número de óbitos de acordo com os polimorfismos genéticos do receptor β1 Ser49Gly. Os dados foram expressos em frequências absolutas e relativas. Na comparação entre os genótipos Ser-Ser × Ser-Gly × Gly-Gly: *p = 0,026, teste qui-quadrado.

O impacto do PG-Rβ1 na mortalidade desses pacientes foi demonstrado através de análise multivariada: o alelo Gly teve um efeito protetor independente de outros fatores, após o ajuste para NYHA final, FEVE final, creatinina, baixa adesão e frequência cardíaca final. A presença de cada cópia do alelo Gly foi associada à redução na chance de óbito de 63% (p = 0,03; odds ratio 0,37 – IC 0,15 a 0,91). Esses dados estão apresentados na Tabela 3 .

Tabela 3
– Análise multivariada: fatores preditores de óbito

Foi possível apurar a causa mortis em 56% (34) dos casos: 61,8% foram relacionadas com a piora da IC; 29,4%, morte súbita; e 8,8%, outras causas. Não houve diferença entre os genótipos para a causa da morte.

Discussão

Este trabalho descreve a relação entre os genótipos do polimorfismo genético do receptor beta1 – Ser49Gly e a evolução clínica em 178 pacientes com IC, com seguimento médio de 6,7 anos. Trata-se de trabalho com genotipagem do Ser49Gly no contexto da IC com maior tempo de seguimento já publicado. Seu principal achado foi a associação do PG-Rβ1 Gly-Gly com um efeito protetor para desfechos clínicos, com melhor evolução clínica avaliada pela classe funcional NYHA e menor risco de óbitos.

Ao fazer a comparação com outras populações brasileiras, encontramos uma distribuição alélica relativamente semelhante: o alelo Gly esteve presente em 13 a 17% dos casos de IC.1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. , 1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. Com relação aos genótipos, houve grande semelhança com o trabalho de 201 pacientes do Rio Grande do Sul,1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. mas uma diferença com a coorte com 146 pacientes de Niterói, no Rio de Janeiro.1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65.

É possível que com a intensa miscigenação da população brasileira, a cor da pele não seja um bom fator determinante do perfil genético, pois, apesar da similaridade no percentual de brancos entre o presente estudo e o de Pereira et al.,1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. há diferença do seu perfil genético. Assim, a etnia avaliada pela cor da pele isoladamente não explicaria o alto percentual do genótipo Gly-Gly observado por esses autores. Reforçando esse ponto, estudos internacionais mostraram acentuada semelhança com a presente coorte quanto à distribuição genotípica do PG-Rβ1:77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. , 99. Liu WN, Fu KL, Gao HY, Shang YY, Wang ZH, Jiang GH, et al. β1 adrenergic receptor polymorphisms and heart failure: a meta-analysis on susceptibility, response to β-blocker therapy and prognosis. Plos One. 2012;7(7):e37659. , 1717. Magnusson Y, Levin MC, Eggertsen R, Nyström E, Mobini R, Schaufelberger M, et al. Ser49Gly of beta1-adrenergic receptor is associated with effective beta-blocker dose in dilated cardiomyopathy. Clin Pharmacol Ther. 2005;78(3):221-31. 63 a 73% de indivíduos Ser-Ser, 27 a 35% Ser-Gly e 0 a 3% Gly-Gly, embora tenham sido realizados com outras etnias. O desenvolvimento de mais estudos nacionais pode ser interessante para avaliar a distribuição genotípica desse polimorfismo genético na nossa população.

Outro aspecto ainda mais relevante é a interpretação clínica desse PG. Nesse caso, foi possível demonstrar que o Gly-Gly teve associação significativa com um marcador clínico substituto: NYHA final (p=0,014). Indivíduos portadores desse genótipo tiveram melhor evolução clínica: nenhum paciente desse grupo apresentou uma classe funcional avançada no final do seguimento. Apesar de ser relativamente pequeno (cinco indivíduos), o maior tempo de seguimento em relação aos demais trabalhos permitiu a distinção de comportamentos clínicos entre os genótipos.

Como não havia diferença das características basais entre os três PG, inclusive de tratamento, a diferença da NYHA final observada nesse estudo sugere a contribuição da influência genética na fisiopatologia da cardiopatia. Assim, a genotipagem poderia indicar um subgrupo de pacientes com IC com pior evolução clínica.

Esse achado é inédito na literatura, uma vez que não há publicações em pacientes com IC relacionando o PG-R1-Ser49Gly a variáveis clínicas evolutivas como a classe funcional pela NYHA. Por isso, não é possível confrontar esse resultado com outras populações, o que seria interessante para validação desse achado.

Apesar do seu reconhecido valor prognóstico, a classe funcional da NYHA é um marcador inexato da gravidade da IC. A falta de reprodutibilidade interexaminador já foi descrita e pode limitar sua acurácia.2121. Raphael C, Briscoe C, Davies J, Ian Whinnett Z, Manisty C, Sutton R, et al. Limitations of the New York Heart Association functional classification system and self-reported walking distances in chronic heart failure. Heart. 2007;93(4):476-82. Ela também traduz apenas um aspecto clínico da síndrome. É possível que, no futuro, seja mais interessante estudar a relação do genótipo com escores clínicos mais completos como o MAGGIC,2222. Pocock SJ, Ariti CA, McMurray JJ, Maggioni A, Køber L, Squire IB, et al. Predicting survival in heart failure: a risk score based on 39 372 patients from 30 studies. Eur Heart J. 2013;34(19):1404-13. no qual há a combinação das variáveis clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas.

No presente estudo, a elevada taxa de mortalidade observada, 37,6%, deve-se provavelmente ao tempo de acompanhamento prolongado. Para efeito de comparação, Biolo et al.1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. registraram 27,9% de óbitos no Rio Grande do Sul, e Pereira et al.,1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. 12,3% de mortalidade no Rio de Janeiro. Apesar da disparidade dessas taxas, notam-se semelhanças nas características basais dessas populações: uma FEVE em torno de 30 a 35%, a maioria (65 a 75%) dos pacientes em NYHA I ou II e uma excelente terapêutica adotada. A diferença mais significativa entre os três trabalhos reside no seu tempo de acompanhamento: 80,4 meses no presente estudo, 39,8 meses1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. e 23 meses1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. nos estudos citados, respectivamente.

A avaliação da associação do PG-Rβ1 com óbitos mostrou que o tipo selvagem Ser-Ser concentrou a maioria desses eventos e o alelo Gly foi consistentemente associado a um efeito protetor. A presença de cada cópia do alelo Gly foi relacionada a uma redução de 63% na chance de morte. Esse efeito protetor se manteve mesmo após ajuste rigoroso para as principais variáveis utilizadas para estratificar o prognóstico em IC. Assim, em um modelo híbrido que incorporou variáveis genéticas, clínicas, laboratoriais, ecocardiográficas, de tratamento e de exame físico, o Gly-Gly permaneceu com alto valor preditivo para a menor ocorrência de óbitos.

Na revisão da literatura, os resultados são diversos, mas, em sua maioria, compatíveis com o atual. São trabalhos em que não se observou a associação PG-Rβ1-Ser49Gly e desfechos clínicos,1010. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact of β1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32. , 1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. , 2323. Leineweber K, Frey UH, Tenderich G, Toliat MR, Zittermann A, Nürnberg P, et al. The Arg16Gly-β(2)-adrenoceptor single nucleotide polymorphism: exercise capacity and survival in patients with end-stage heart failure. Naunyn Schmiedebergs Arch Pharmacol. 2010;382(4):357-65. estudos com o mesmo padrão protetor do alelo Gly77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. , 1717. Magnusson Y, Levin MC, Eggertsen R, Nyström E, Mobini R, Schaufelberger M, et al. Ser49Gly of beta1-adrenergic receptor is associated with effective beta-blocker dose in dilated cardiomyopathy. Clin Pharmacol Ther. 2005;78(3):221-31. , 2424. Forleo C, Resta N, Sorrentino S, Guida P, Manghisi A, Luca V, et al. Association of beta-adrenergic receptor polymorphisms and progression to heart failure in patients with idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Med. 2004;117(7):451-8. e até mesmo uma publicação associando paradoxalmente o Gly a mau prognóstico na IC.1313. Wang L, Lu L, Zhang F, Chen Q, Shen W. Polymorphisms of β-adrenoceptor and natriuretic peptide receptor genes influence the susceptibility to and the severity of idiopathic dilated cardiomyopathy in a Chinese cohort. J Card Fail. 2010;16(1):36-44.

Em sintonia com nossos achados, os trabalhos iniciais de Borjesson et al.77. Borjesson M, Magnusson Y, Hjalmarson A, Andersson B. A novel polymorphism in the gene coding for the beta(1)-adrenergic receptor associated with survival in patients with heart failure. Eur Heart J. 2000;21(22):1853-8. (a primeira descrição desse PG-Rβ1-Ser49Gly), Forleo et al.2424. Forleo C, Resta N, Sorrentino S, Guida P, Manghisi A, Luca V, et al. Association of beta-adrenergic receptor polymorphisms and progression to heart failure in patients with idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Med. 2004;117(7):451-8. e Magnusson et al.1717. Magnusson Y, Levin MC, Eggertsen R, Nyström E, Mobini R, Schaufelberger M, et al. Ser49Gly of beta1-adrenergic receptor is associated with effective beta-blocker dose in dilated cardiomyopathy. Clin Pharmacol Ther. 2005;78(3):221-31. destacam o perfil protetor do alelo Gly: significativamente menos óbitos nos portadores dos genótipos Ser-Gly ou Gly-Gly, inclusive após ajuste para outras variáveis.

No entanto, há um trabalho indicando o oposto: o alelo Gly associado a mau prognóstico. A publicação de Wang et al.1313. Wang L, Lu L, Zhang F, Chen Q, Shen W. Polymorphisms of β-adrenoceptor and natriuretic peptide receptor genes influence the susceptibility to and the severity of idiopathic dilated cardiomyopathy in a Chinese cohort. J Card Fail. 2010;16(1):36-44. descreve o PG-Rβ1-Ser49Gly em uma população chinesa de 430 pacientes com IC e características basais similares às do presente trabalho. Os autores relacionaram o alelo Gly a piores desfechos ecocardiográficos e maior mortalidade.

O contraste entre esses resultados pode estar relacionado a um diferente impacto genético entre as etnias. Duas evidências embasam essa teoria. Primeiro, Pereira et al.1616. Pereira SB, Velloso MW, Chermont S, Quintão MM, Nunes Abdhala R, Giro C, et al. β-adrenergic receptor polymorphisms in susceptibility, response to treatment and prognosis in heart failure: implication of ethnicity. Mol Med Rep. 2013;7(1):259-65. identificaram, em uma população miscigenada do município de Niterói, o Ser-Ser como um fator de mau prognóstico. Esse padrão, no entanto, foi observado apenas para pacientes com cor da pele preta . Esse resultado também foi reproduzido na metanálise de Liu et al.99. Liu WN, Fu KL, Gao HY, Shang YY, Wang ZH, Jiang GH, et al. β1 adrenergic receptor polymorphisms and heart failure: a meta-analysis on susceptibility, response to β-blocker therapy and prognosis. Plos One. 2012;7(7):e37659. A análise de 2.979 pacientes genotipados para os PG-R1 tipo Ar389Gly e Ser49Gly identificou um padrão específico do alelo Gly389 para cada etnia: associação a maior risco de IC em pacientes asiáticos, enquanto, em brancos, associou-se à redução desse risco.

Nessa mesma direção, o estudo A-HEFT descreveu uma melhor resposta à combinação nitrato e hidralazina para pacientes afro-americanos.2525. Taylor AL. The African American Heart Failure Trial: a clinical trial update. Am J Cardiol. 2005;96(7B):44-8. Posteriormente, McNamara et al. relacionaram esse benefício a um determinado PG da óxido nítrico sintase, mais frequente em afro-americanos em comparação a brancos.2626. McNamara DM, Tam SW, Sabolinski ML, Tobelmann P, Janosko K, Venkitachalam L, et al. Endothelial nitric oxide synthase (NOS3) polymorphisms in African Americans with heart failure: results from the A-HeFT trial. J Card Fail. 2009;15(3):191-8.

Em comum, a metanálise de Liu et al.99. Liu WN, Fu KL, Gao HY, Shang YY, Wang ZH, Jiang GH, et al. β1 adrenergic receptor polymorphisms and heart failure: a meta-analysis on susceptibility, response to β-blocker therapy and prognosis. Plos One. 2012;7(7):e37659. e a publicação de McNamara et al.2626. McNamara DM, Tam SW, Sabolinski ML, Tobelmann P, Janosko K, Venkitachalam L, et al. Endothelial nitric oxide synthase (NOS3) polymorphisms in African Americans with heart failure: results from the A-HeFT trial. J Card Fail. 2009;15(3):191-8. destacam a variedade de efeitos clínicos entre etnias diferentes no contexto da IC. Isso reforça a necessidade de estudos específicos para o Brasil, uma vez que o comportamento desses PG para uma população reconhecidamente miscigenada é imprevisível.

Esses exemplos reafirmam a influência genética na história natural da IC. De maneira abrangente, reconhecemos a resposta fisiopatológica da síndrome como resultado da ativação de sistemas hormonais. No entanto, em nível molecular, receptores beta-adrenérgicos e enzimas como a óxido nítrico sintase são alguns dos fatores importantes envolvidos no remodelamento cardíaco. A alteração funcional desses e de outros agentes em decorrência de polimorfismos genéticos pode explicar essa multiplicidade de evoluções clínicas em pacientes fenotipicamente semelhantes.

O processo de resposta neuro-humoral envolve uma infinidade de elementos, cada um potencialmente sensível a mutações genéticas diversas. Assim, é provável que um painel genético englobando os principais eixos (SNS, renina-angiotensina-aldosterona e peptídio natriurético atrial) seja mais interessante que um polimorfismo específico isolado. O primeiro passo é identificar quem são os principais marcadores genéticos para cada eixo. Com relação ao SNS e o receptor beta-adrenérgico, esse trabalho reforça o papel destacado do PG Ser49Gly.

No futuro, a construção de um escore genético multissistêmico poderá se demonstrar um poderoso preditor prognóstico. Possivelmente, um escore capaz de identificar indivíduos de alto risco, mesmo no início da evolução da doença, quando muitas vezes os achados clínicos e de exames complementares ainda não estão relevantemente alterados.

O número relativamente pequeno de pacientes (178) é uma limitação do estudo e pode ter influenciado nos resultados, principalmente pelo baixo número de pacientes com genótipo Gly-Gly. No entanto, o padrão de distribuição genotípica observado foi o mesmo da maioria dos estudos, e é o estudo com o maior tempo de acompanhamento com PG-Rβ1 no contexto da IC. Destaca-se também que, mesmo com esse número reduzido, foi possível encontrar resultados com significância estatística.

Outra limitação refere-se à coleta de dados em registros de prontuários. No entanto, como todos os indivíduos são acompanhados em clínica de IC, a padronização das rotinas de atendimento e o registro das informações, bem como o atendimento realizado por médicos dedicados ao tratamento e o acompanhamento dessa síndrome, garantiram maior qualidade nas informações obtidas. Contudo, se houvesse internação em outra instituição, não havia acesso às informações, e até mesmo o número de hospitalizações pode estar subestimado. Isso pode ter determinado a ausência de diferenças estatísticas entre os genótipos e limitado a avaliação desse desfecho clínico.

Conclusão

Em indivíduos com IC com fração de ejeção reduzida, a presença do PG-Rβ1 Gly-Gly associou-se a melhor evolução clínica avaliada pela classe funcional da NYHA e foi preditor de menor risco de mortalidade, independentemente de outros fatores, em seguimento de 6,7 anos.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Albuquerque FN, Brandão AA, Mourilhe-Rocha R; Obtenção de dados: Albuquerque FN, Silva DA, Bittencourt MI; Análise e interpretação dos dados: Albuquerque FN, Brandão AA; Análise estatística: Albuquerque FN, Pozzan R; Obtenção de financiamento: Albuquerque FN; Redação do manuscrito: Albuquerque FN, Brandão AA, Bittencourt MI; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Albuquerque FN, Brandão AA, Bittencourt MI, Sales ALF, Spineti PPM, Duque GS, Albuquerque D.

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Doutorado de Felipe neves de Albuquerque pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ).
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto sob o número de protocolo CAAE: 0176.0.228-000-09. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi financiado por FAPERJ (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Abr 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2019
  • Revisado
    04 Jun 2019
  • Aceito
    05 Jun 2019
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