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Tratamento Direcionado ao Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona na Obesidade

Obesidade; Doenças Cardiovasculares; Prevalência; Insuficiência Cardíaca; Hipertrofia Ventricular Esquerda; Sistema Renina-Angiotensina

Minieditorial referente ao artigo: Bloqueio de Receptores AT1 Melhora o Desempenho Funcional Miocárdico na Obesidade

A obesidade tem aumentado em todo o mundo, levando a um crescimento acentuado da prevalência de doenças cardiovasculares (DCV).11. Ortega FB, Lavie CJ, Blair SN. Obesity and cardiovascular disease. Circ Res. 2016;118(11):1752-70. A obesidade, principalmente a classificada como grave, provoca mudanças hemodinâmicas que contribuem para alterar a morfologia cardíaca, podendo predispor ao comprometimento da função ventricular e à insuficiência cardíaca. Essas mudanças incluem um estado de alto débito cardíaco na maioria dos casos, além de hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE). Estudos experimentais e algumas investigações em humanos sugerem que alterações metabólicas e neuro-hormonais específicas geralmente associadas com a obesidade podem resultar em mudanças na estrutura e função cardíaca.22. Alpert, Martin A. et al. Obesity and cardiac remodeling in adults: mechanisms and clinical implications. Prog Cardiovasc Dis. 2018;61(2):114-23.

Adipócitos são uma rica fonte de angiotensinogênio, angiotensina I e enzima conversora de angiotensina, contribuindo para a produção de angiotensina II. A geração desses hormônios é aditiva aos componentes do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) produzidos sistemicamente.33. Good D, Morse SA, Ventura HO, Reisin E. Obesity, hypertension and the heart. J Cardiometabolic Syndr. 2009;3(3):168-72. A obesidade é caracterizada pela ativação excessiva do SRAA. Esta ativação tem muitas implicações relativas à estrutura e à função cardíaca. A mais crítica é o efeito vasoconstritor da angiotensina II, que causa o desenvolvimento da hipertensão arterial sistêmica (HAS) em pacientes obesos, além de induzir o aumento da pós-carga do VE em indivíduos normotensos obesos.44. Frigolet ME, Torres N, Tovar AR. The renin-angiotensin system in adipose tissue and its metabolic consequences during obesity. J Nutrit Biochem. 2013;24(12):2003-15.

A angiotensina II atua como um fator de crescimento que afeta tanto o músculo liso vascular quanto o miocárdio. Portanto, a ativação excessiva do SRAA influencia o desenvolvimento de hipertrofia miocárdica e do músculo liso vascular.22. Alpert, Martin A. et al. Obesity and cardiac remodeling in adults: mechanisms and clinical implications. Prog Cardiovasc Dis. 2018;61(2):114-23. Quadros relacionados à ativação do SRAA têm sido associadas com doenças metabólicas e do coração. A ativação do SRAA também parece promover resistência à insulina e hiperinsulinemia por meio de vários mecanismos. Este cenário pode levar a um aumento da atividade do sistema nervoso simpático (SNS), contribuindo ainda mais para o desenvolvimento da HVE.55. Kalupahana NS, Moustaid-Moussa W. The renin-angiotensin system: a link between obesity, inflammation and insulin resistance. Obesity Rev. 2012;13(2):136-49. Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) são frequentemente usados para tratar a hipertensão associada à obesidade.

Em um experimento anterior, a intervenção com BRA (Losartan) resultou na inibição dos mecanismos moleculares de resistência à insulina no miocárdio, melhorando a contratilidade cardíaca. Recentemente, o uso de bloqueadores do receptor tipo 1 da angiotensina II (AT1) causou melhora da função mitocondrial em ratos obesos resistentes à insulina em um modelo experimental.66. Garvey W T, Mechanick J I, Brett E M, Garber A J, Hurley D L, Jastreboff A M. et al. Reviewers of the AACE/ACE. Obesity Clinical Practice Guidelines. (2016). American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology comprehensive clinical practice guidelines for medical care of patients with obesity. Endocr Pract. 2016;Suppl 3:1-203.

Não está claro se o tratamento direcionado ao SRAA promove uma melhora mais significativa dos desfechos cardiovasculares em pacientes normotensos obesos em relação aos magros.

Nesta edição da ABC, Oliveira Junior, et al.,77. Oliveira Jr SA, Muzili NA, Carvalho MR, Ota GE, Morais CS, Vieira LFC, et al. Bloqueio de receptors AT melhora o desempenho functional miocárdio na obesidade. Arq Bras Cardiol. 2020;115(1):17-28. apresentam os resultados de um estudo em animais que avaliou a influência de bloqueadores de AT1 na morfologia e desempenho cardíaco por meio da análise in vitro do músculo papilar de ratos com obesidade induzida por dieta hiperlipídica. Eles hipotetizaram que a obesidade pode estar associada a alterações no desempenho funcional do miocárdio, sustentada sob estímulos diferentes, e que essas respostas podem ser atenuadas pelo antagonismo de receptores AT1. Ratos Wistar foram submetidos a controle de kcal/g ou dieta hiperlipídica por 20 semanas. Quatro grupos foram avaliados: Controle (CO), Obesos (OB), Controle com Losartan (CL) e Obesos com Losartan (OL). Os grupos CL e OL receberam Losartan (30 mg/kg/dia). Posteriormente, foram analisadas a composição corporal, a pressão arterial sistólica (PAS) e as variáveis ecocardiográficas. Os autores observaram que a obesidade estava associada com alterações de PAS e hipertrofia cardíaca. Eles também identificaram mudanças no desempenho sistólico e disfunção do músculo papilar em ratos obesos. A intervenção com o antagonista do receptor AT1 reduziu a maioria desses efeitos. Os resultados deste elegante estudo experimental reforçam a importância de intervenções cardiovasculares focadas em pacientes obesos.

Uma meta-análise de 28 ensaios clínicos randomizados envolvendo 2.403 pacientes com HAS (faixa etária média de 44–67 anos) mostrou que a regressão da HVE com medicamentos anti-hipertensivos foi maior nos grupos sobrepeso e obesidade em comparação aos indivíduos com peso normal. Mesmo com menor redução da PAS, a HVE melhorou em pacientes obesos e com sobrepeso em relação ao grupo com peso normal (p<0,001) inicial em todos os grupos). O tratamento com inibidores do sistema renina-angiotensina foi o mais eficaz na redução da HVE em indivíduos obesos e com sobrepeso (p<0,001).66. Garvey W T, Mechanick J I, Brett E M, Garber A J, Hurley D L, Jastreboff A M. et al. Reviewers of the AACE/ACE. Obesity Clinical Practice Guidelines. (2016). American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology comprehensive clinical practice guidelines for medical care of patients with obesity. Endocr Pract. 2016;Suppl 3:1-203.

A obesidade é uma doença crônica e complexa baseada em adiposidade, cujo controle é direcionado tanto às complicações relacionadas ao peso quanto à adiposidade para melhorar a saúde geral. A perda de peso voluntária e substancial pode reverter muitas das alterações hemodinâmicas, neuro-hormonais e metabólicas associadas à obesidade.88. Alpert MA, Karthikevan K, Abdullah O, Ghadban R. Obesity and cardiac remodeling in adults: mechanisms and clinical implications. Prog Cardiovasc Dis. 2018;61(2):114-23. Intervenções médicas, como o uso de BRA, juntamente com a perda de peso, podem resultar em reversão do remodelamento cardíaco e melhorar a função ventricular e a qualidade de vida de pacientes obesos.99. Alpert MA, Omran J, Mehra A, Ardhanari S. Impact of obesity and weight loss on cardiac performance and morphology in adults. Prog Cardiovasc Dis. 2014;56(4):391–400.

Referências

  • 1
    Ortega FB, Lavie CJ, Blair SN. Obesity and cardiovascular disease. Circ Res. 2016;118(11):1752-70.
  • 2
    Alpert, Martin A. et al. Obesity and cardiac remodeling in adults: mechanisms and clinical implications. Prog Cardiovasc Dis. 2018;61(2):114-23.
  • 3
    Good D, Morse SA, Ventura HO, Reisin E. Obesity, hypertension and the heart. J Cardiometabolic Syndr. 2009;3(3):168-72.
  • 4
    Frigolet ME, Torres N, Tovar AR. The renin-angiotensin system in adipose tissue and its metabolic consequences during obesity. J Nutrit Biochem. 2013;24(12):2003-15.
  • 5
    Kalupahana NS, Moustaid-Moussa W. The renin-angiotensin system: a link between obesity, inflammation and insulin resistance. Obesity Rev. 2012;13(2):136-49.
  • 6
    Garvey W T, Mechanick J I, Brett E M, Garber A J, Hurley D L, Jastreboff A M. et al. Reviewers of the AACE/ACE. Obesity Clinical Practice Guidelines. (2016). American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology comprehensive clinical practice guidelines for medical care of patients with obesity. Endocr Pract. 2016;Suppl 3:1-203.
  • 7
    Oliveira Jr SA, Muzili NA, Carvalho MR, Ota GE, Morais CS, Vieira LFC, et al. Bloqueio de receptors AT melhora o desempenho functional miocárdio na obesidade. Arq Bras Cardiol. 2020;115(1):17-28.
  • 8
    Alpert MA, Karthikevan K, Abdullah O, Ghadban R. Obesity and cardiac remodeling in adults: mechanisms and clinical implications. Prog Cardiovasc Dis. 2018;61(2):114-23.
  • 9
    Alpert MA, Omran J, Mehra A, Ardhanari S. Impact of obesity and weight loss on cardiac performance and morphology in adults. Prog Cardiovasc Dis. 2014;56(4):391–400.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul 2020
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