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A Atividade Física no Presente Pode Ser a Receita para Evitar os Males da Obesidade e Hipertensão no Futuro

Hipertensão; Fatores de Risco; Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Adolescentes; Adulto; Obesidade; Atividade Física; Sedentarismo

Minieditorial referente ao artigo: Medidas Hipertensivas em Escolares: Risco da Obesidade Central e Efeito Protetor da Atividade Física Moderada-Vigorosa

A hipertensão arterial é uma das causas mais importantes de morte prematura no mundo. Quase um bilhão de pessoas são afetadas e estima-se que até 2025, 1,5 bilhão de adultos terão HA.11. Chockalingam Impact of world Hypertension day. Can J Cardiol 2007, 23(7): 517-9. Felizmente, a HA é um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares com raízes na infância, tornando evitáveis tanto o desenvolvimento da doença quanto o óbito.

Atualmente, a prevalência de HA em crianças e adolescentes tornou-se um importante problema de saúde pública.22. Lurbe E, Agabiti-Rosei E, Cruickshank JK, Dominiczak A, Erdine S, Hirth A, et al. European Society of Hypertension guidelines for the management of high blood pressure in children and adolescents. J Hypertens. 2016;34(10):1887-920. Um exemplo de como esse cenário se agravou é a comparação de um estudo feito pelo nosso grupo33. de Almeida DB, Habermann F, Soares VA, Filho RC, Ferreira ES, Junior AO, et al. Comparative study of arterial pressure and prevalence of arterial hypertension in 2 successive cohorts (1975-1976) of students from 16 to 25 years old, Botucatu, SP, Brazil. Rev Saude Publica.1978;12(4):497-505. com duas coortes sucessivas (1975–1976) de estudantes de 16 a 25 anos de idade da cidade de Botucatu, estado de São Paulo, em que encontraram uma prevalência de HA de 5,0% e 6,2%, respectivamente, além de outro estudo mais recente. Com quase 40 anos de atraso, o estudo brasileiro sobre riscos cardiovasculares em adolescentes (ERICA),44. Bloch KV, Klein CH, Szklo M. ERICA: prevalence of hypertension in Brazilian adolescents. Rev Saúde Publica.2016;50(Suppl 1):9s. um estudo escolar nacional que contou com 73.999 adolescentes com idades entre 12 e 17 anos, encontrou uma prevalência de HA de 9,6%. Os adolescentes obesos apresentaram maior prevalência de hipertensão — 28,4% — que os adolescentes com excesso de peso, com 15,4%, e os eutróficos, com 6,3%. A fração de HA atribuível à obesidade foi de 17,8%.

Muitas razões podem explicar a crescente prevalência de HA em jovens. A obesidade é a principal, seguida pelo consumo de sal e açúcar, ambientes estressantes, baixo nível de atividade física e estilo de vida sedentário. No Brasil, um estudo transversal sobre consumo de alimentos55. Lousada MLC, Martins APB, Canella OS. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Publica.2015;49:38. em amostra representativa da população com 10 anos ou mais de idade observou que o maior consumo de alimentos ultraprocessados estava associado a maior teor de gorduras em geral, gordura saturada, gordura trans e açúcares livres.

As evidências da proteção contra o desenvolvimento de HA e doenças cardiovasculares e mortalidade por todas as causas por parte da atividade física regular tornaram-se incontestáveis.66. Williams PT. A cohort study of incident hypertension in relation to change in vigorous physical activity in men and women. J Hypertens.2008;26(6):1085-93. A maioria das pessoas em todas as sociedades industrializadas está se tornando menos ativa fisicamente em suas vidas diárias, passando cada vez mais tempo fazendo atividades sedentárias. O aumento da atividade física e níveis mais elevados de capacidade de exercício não só reduzirão o risco de desfechos cardiovasculares e diabetes, como também impedirão o desenvolvimento de hipertensão.77. Leary SD, Ness AR, Smith GD, Mattocks C, Deerek K, Blair SN, et al. Physical activity and blood pressure in childhood: Findings from a population-based study. Hypertension.2008;51(1):92-8. A incidência de HA mostrou-se reduzida em 28% entre homens e 35% entre mulheres em atividade física, como corrida ou natação, em um seguimento prospectivo de 11 anos, com mais de 12.000 finlandeses.88. Barengo NC, Hu G, Kastarinen M, Lakka T, Pekkarinen H, Nessinen A, et al. Low physical activity as a predictor of antihypertensive drug treatment in 25-64-years-old population in eastern and south-western Finland. J Hypertens.2005(2):293-9. Em estudo prospectivo longitudinal,99. Nunes GFS, Franco RJS, Nicolau NV. Impact of physical activity on survival in hypertensive and diabetic patients in the interior of São Paulo. J Hypertens. 2020;9:1 (open access) avaliamos a associação entre o nível de atividade física e mortalidade em 200 pacientes hipertensos e diabéticos em 2012 e reavaliados em 2018. Durante 6 anos de seguimento, 80% dos pacientes ativos sobreviveram em comparação aos sedentários. Além disso, observou-se o benefício da atividade física em pessoas irregularmente ativas, com 65% de chances de sobreviver em comparação com pacientes que não mantêm essa prática saudável.

O artigo “Medidas Hipertensivas em Escolares: Risco da Obesidade Central e Efeito Protetor da Atividade Física Moderada-Vigorosa”,1010. Tozo TA, Pereira BO, Menezes Junior FJ, Montenegro CM, Moreira CMM, Leite N. Medidas Hipertensivas em Escolares: Risco da Obesidade Central e Efeito Protetor da Atividade Física Moderada-Vigorosa. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):42-49. publicado nesta revista, tem como objetivo verificar a associação de HA, obesidade central e geral e o nível de atividade física em crianças em idade escolar e adolescentes. O estudo envolveu 336 crianças e adolescentes, com idades entre 11 e 17 anos. Foram medidos a altura, peso, circunferência abdominal (CA) e pressão arterial (PA). Calculou-se o escore Z do índice de massa corporal (IMC-z). O nível de atividade física foi avaliado pela versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física ( International Physical Activity Questionnaire — IPAQ), de acordo com a prática de atividades físicas moderadas a vigorosas (AF-mv). Crianças com PA sistólica (PAS) ou PA diastólica (PAD) acima do percentil 95, de acordo com sexo, idade e altura ou acima de 120/80 mmHg, foram consideradas hipertensas. A análise estatística foi avaliada pelo teste t de Student, qui-quadrado, Mann-Whitney e modelo de regressão logística binária, onde p<0,05 foi o nível de significância. Encontrou-se HA em 40,5% dessa população, sobrepeso em 31,1% e obesidade em 12,5%, sendo 13,4% com maior CA. Crianças insuficientemente ativas em AF-mv representavam 40,2%. A HA esteve associada a maior CC (OR=6,1; IC 95%: 2,6 a 14,4) e sobrepeso (OR=2,9; CI 95%: 1,8 a 4,5). Além disso, as crianças com prática de AF-mv apresentaram menor risco de PAD elevada (OR=0,33; IC 95%: 0,15 a 0,72), redução de risco em 33%. Em conclusão, obesidade central, obesidade em geral e sexo masculino foram melhores preditores de HA. A prática de AF-mv protege as crianças em idade escolar contra o desenvolvimento de hipertensão diastólica.

A obesidade infantil e adolescente é seguida de obesidade na idade adulta e tem estado implicada em diversas doenças crônicas, como diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares, e ligada à mortalidade e óbito prematuro. Por esses motivos, nós compartilhamos das mesmas percepções expressas por Tozo et al.,1010. Tozo TA, Pereira BO, Menezes Junior FJ, Montenegro CM, Moreira CMM, Leite N. Medidas Hipertensivas em Escolares: Risco da Obesidade Central e Efeito Protetor da Atividade Física Moderada-Vigorosa. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):42-49. que deixam clara a relevância da obesidade e da hipertensão na infância e na adolescência. Embora a prevalência da hipertensão não seja o objetivo do estudo, é incomum em comparação com o estudo ERICA.55. Lousada MLC, Martins APB, Canella OS. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Publica.2015;49:38. No entanto, o mérito do estudo é a informação preciosa que alerta e nos chama a abrir os olhos para o futuro próximo, enfatizando a importância de fatores crescentes de doenças cardiovasculares como obesidade, hipertensão, estilo de vida sedentário, maus hábitos alimentares e inatividade física que assolam a nossa juventude. Recentemente, aprendemos que os mesmos fatores de risco para doenças cardiovasculares também são os mesmos para doenças causadas por infecção por vírus.1111. Brambilla I, Tosca MA, Fillipo MD. Special issues for COVID-19 in children and adolescentes. Obesity. 2020;May 12: doi:10.1002/oby/22878 (ahead of print) Está na hora de nos mexermos. A mensagem final é: Olhe para o futuro para tomar as decisões corretas no momento, para não se arrepender das consequências causadas pela obesidade e hipertensão na juventude.

Referências

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    Chockalingam Impact of world Hypertension day. Can J Cardiol 2007, 23(7): 517-9.
  • 2
    Lurbe E, Agabiti-Rosei E, Cruickshank JK, Dominiczak A, Erdine S, Hirth A, et al. European Society of Hypertension guidelines for the management of high blood pressure in children and adolescents. J Hypertens. 2016;34(10):1887-920.
  • 3
    de Almeida DB, Habermann F, Soares VA, Filho RC, Ferreira ES, Junior AO, et al. Comparative study of arterial pressure and prevalence of arterial hypertension in 2 successive cohorts (1975-1976) of students from 16 to 25 years old, Botucatu, SP, Brazil. Rev Saude Publica.1978;12(4):497-505.
  • 4
    Bloch KV, Klein CH, Szklo M. ERICA: prevalence of hypertension in Brazilian adolescents. Rev Saúde Publica.2016;50(Suppl 1):9s.
  • 5
    Lousada MLC, Martins APB, Canella OS. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Publica.2015;49:38.
  • 6
    Williams PT. A cohort study of incident hypertension in relation to change in vigorous physical activity in men and women. J Hypertens.2008;26(6):1085-93.
  • 7
    Leary SD, Ness AR, Smith GD, Mattocks C, Deerek K, Blair SN, et al. Physical activity and blood pressure in childhood: Findings from a population-based study. Hypertension.2008;51(1):92-8.
  • 8
    Barengo NC, Hu G, Kastarinen M, Lakka T, Pekkarinen H, Nessinen A, et al. Low physical activity as a predictor of antihypertensive drug treatment in 25-64-years-old population in eastern and south-western Finland. J Hypertens.2005(2):293-9.
  • 9
    Nunes GFS, Franco RJS, Nicolau NV. Impact of physical activity on survival in hypertensive and diabetic patients in the interior of São Paulo. J Hypertens. 2020;9:1 (open access)
  • 10
    Tozo TA, Pereira BO, Menezes Junior FJ, Montenegro CM, Moreira CMM, Leite N. Medidas Hipertensivas em Escolares: Risco da Obesidade Central e Efeito Protetor da Atividade Física Moderada-Vigorosa. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(1):42-49.
  • 11
    Brambilla I, Tosca MA, Fillipo MD. Special issues for COVID-19 in children and adolescentes. Obesity. 2020;May 12: doi:10.1002/oby/22878 (ahead of print)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul 2020
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