Acessibilidade / Reportar erro

Variabilidade da Frequência Cardíaca como Indicador de Risco Cardiovascular em Jovens

Hipertensão; Pressão Arterial; Hereditariedade/genética; Futebol; Atletas; Esportes para Jovens; Endotélio/função

O sistema nervoso autônomo, que é composto pelos sistemas simpático e parassimpático, desempenha papel importante na regulação das funções de diversos sistemas do corpo humano, como o sistema cardiovascular. O controle neural do coração está diretamente ligado às alterações na frequência cardíaca e à atividade reflexa barorreceptora, cuja oscilação decorre de estímulos ambientais. 11. Malpas SC. Sympathetic nervous system overactivity and its role in the development of cardiovascular disease. Physiol Rev. 2010 ; 90(2):513-57. , 22. Grassi G, Mark A, Esler M. The sympathetic nervous system alterations in human hypertension. Circ Res. 2015 ; 116(6):976-90. Tais estímulos podem levar à redução da frequência cardíaca por meio do sistema nervoso parassimpático, o qual atua na diminuição da frequência de despolarização do nódulo sinusal pela ação da acetilcolina na junção neuroefetora cardíaca. Por sua vez, o sistema nervoso simpático promove uma elevação da frequência cardíaca por meio da liberação de noradrenalina, que age via ligação com os receptores β-adrenérgicos, aumentando o ritmo de despolarização do marca-passo sinusal. 11. Malpas SC. Sympathetic nervous system overactivity and its role in the development of cardiovascular disease. Physiol Rev. 2010 ; 90(2):513-57. , 22. Grassi G, Mark A, Esler M. The sympathetic nervous system alterations in human hypertension. Circ Res. 2015 ; 116(6):976-90.

Em indivíduos saudáveis ou atletas, com sistema nervoso autônomo íntegro, observa-se predominância da modulação parassimpática em detrimento da modulação simpática para o coração. Por outro lado, em indivíduos com doenças cardiovasculares, como a hipertensão arterial, esse padrão está invertido, com maior modulação simpática e menor modulação parassimpática sendo observadas, o que caracteriza um quadro de disfunção autonômica cardíaca. 11. Malpas SC. Sympathetic nervous system overactivity and its role in the development of cardiovascular disease. Physiol Rev. 2010 ; 90(2):513-57.

2. Grassi G, Mark A, Esler M. The sympathetic nervous system alterations in human hypertension. Circ Res. 2015 ; 116(6):976-90.
- 33. Prinsloo GE, Rauch HG, Derman WE. A brief review and clinical application of heart rate variability biofeedback in sports, exercise, and rehabilitation medicine. Phys Sportsmed. 2014 ; 42(2):88-99. Isso é particularmente importante, visto que alterações na modulação autonômica cardíaca e, consequentemente, na frequência cardíaca podem repercutir diretamente no débito cardíaco, de modo a repercutir em alterações na pressão arterial (PA). 11. Malpas SC. Sympathetic nervous system overactivity and its role in the development of cardiovascular disease. Physiol Rev. 2010 ; 90(2):513-57.

Especificamente na população jovem, estudos também têm demonstrado associação entre disfunção autonômica cardíaca e aumento da PA em diversos estudos. Em estudo prévio do nosso grupo, 44. Farah BQ, Barros MV, Balagopal B, Ritti-Dias R. Heart rate variability and cardiovascular risk factors in adolescent boys. J Pediatr. 2014 ; 165(5):945-50. observamos, em uma amostra de 1.152 adolescentes homens (14 a 19 anos de idade), que níveis elevados de PA estão diretamente associados a maior modulação simpática e menor modulação parassimpática cardíaca, independentemente do nível de atividade física e estado nutricional que também afetam a modulação autonômica cardíaca. 55. Palmeira AC, Farah BQ, Soares AHG, Cavalcante B, Christofaro DG, Barros MV, et al. Association between Leisure Time and Commuting Physical Activities with Heart Rate Variability in Male Adolescents. Rev Paul Pediatr. 2017 ; 35(3):302-8.

6. Farah BQ, Prado WL, Tenorio TR, Ritti-Dias R. Heart rate variability and its relationship with central and general obesity in obese normotensive adolescents. Einstein (São Paulo). 2013 ; 11(3):285-90.
- 77. Farah BQ, Andrade-Lima A, Germano-Soares AH, Christofaro D, Barros MV, Ritti-Dias R, et al. Physical Activity and Heart Rate Variability in Adolescents with Abdominal Obesity. Pediatr Cardiol. 2018 ; 39(3):466-72.

O estudo “História familiar de hipertensão prejudica o balanço autonômico, mas não a função endotelial em jovens jogadores de futebol” 88. Vargas W, Rigatto K. Family History of Hypertension Impairs the Autonomic Balance, but not the Endothelial Function, in Young Soccer Players. Arq Bras Cardiol. 2020 ; 115(1):52-58). buscou comparar a modulação autonômica, a função endotelial e o consumo máximo de oxigênio (VO 2max ) de jovens atletas (saudáveis), separados de acordo com a história de PA dos seus pais, a fim de investigar a influência da ascendência genética nesses parâmetros. Para tanto, foi conduzido um estudo transversal, no qual 46 jogadores de futebol (18±2 anos) foram separados de acordo com a PA dos seus pais: 1) pai e mãe normotensos; 2) somente pai hipertenso; 3) somente mãe hipertensa; e, 4) pai e mãe hipertensos.

Um ponto de destaque do estudo é o nível controlado de PA dos atletas, bem como a excelente condição de saúde. Nesse sentido, nenhuma diferença foi encontrada entre os atletas na função endotelial e no VO 2max . Por outro lado, os autores encontraram que os atletas cujos pais são hipertensos apresentaram disfunção autonômica, enquanto os atletas com pais normotensos apresentavam sistema autonômico cardíaco íntegro. A novidade do estudo citado é a sugestão de que, antes do comprometimento da PA, comum em filhos de hipertensos, 99. Malachias M, Souza W, Plavnik FL et al. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016 ; 107(3 Suppl 3):79-83. há a disfunção autonômica com manutenção da função endotelial mesmo em jovens atletas com bom nível de saúde. Previamente, já havia sido demonstrado, na população em geral, que filhos de hipertensos apresentam disfunção autonômica cardíaca, 1010. Wu JS, Lu FH, Yang YC, Ribeiro JM, Miranda RD. Epidemiological study on the effect of pre-hypertension and family history of hypertension on cardiac autonomic function. J Am Coll Cardiol. 2008 ; 51(19):1896-901. mas não havia sido demonstrada a relação com jovens atletas saudáveis.

Esses resultados sugerem que a avaliação da modulação autonômica cardíaca pode ser usada na avaliação do risco cardiovascular já em jovens, a fim de adotar condutas preventivas. Dentre as diversas formas de avaliar a modulação autonômica cardíaca, destaca-se a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), por ser um método simples e não invasivo de avaliação do sistema nervoso autonômico com base nas oscilações dos intervalos entre batimentos cardíacos consecutivos (intervalos R-R) 1111. Heart rate variability. Standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996 ; 17(3):354-81. com boa reprodutibilidade intraindivíduos e inter e intra-avaliador. 1212. Farah BQ, Lima AH, Cavalcante BR, de Oliveira LM, Brito AL, de Barros MV, et al. Intra-individuals and inter- and intra-observer reliability of short-term heart rate variability in adolescents. Clin Physiol Funct Imaging. 2016 ; 36(1):33-9. Para análise da VFC, os parâmetros podem ser obtidos por meio de métodos lineares, no domínio do tempo e da frequência, e métodos não lineares. 1111. Heart rate variability. Standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996 ; 17(3):354-81.

Nesse contexto, dada a quantidade numerosa de parâmetros que podem ser avaliados na VFC e a ausência de pontos de cortes universalmente aceitos, o uso da VFC na prática clínica ainda é incipiente, mesmo que, em 1996, uma força-tarefa da European Society of Cardiology (ESC) e da North American Society of Pacing and Electrophysiology (NASPE) 1111. Heart rate variability. Standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996 ; 17(3):354-81. buscou padronizar e estabelecer o uso clínico dos parâmetros da VFC. Especificamente com adolescentes, nosso grupo4 e outros 1313. Michels N, Clays E, De Buyzere M, Huybrechts I, Marild S, Vanaelst B, et al. Determinants and reference values of short-term heart rate variability in children. Eur J Appl Physiol. 2013 ; 113(6):1477-88. , 1414. Gasior JS, Sacha J, Pawlowski M, Zielinski J, Jelesi J, Tomek A. et al. Normative Values for Heart Rate Variability Parameters in School-Aged Children: Simple Approach Considering Differences in Average Heart Rate. Front Physiol. 2018 ; 9:1495. descreveram valores de referência em amostras representativas da população em geral de adolescentes, bem como o estabelecimento de ponto de corte para os parâmetros lineares da VFC na identificação de risco cardiovascular, 1515. Farah BQ, Christofaro DGD, Cavalcante BR, Andrade Lima A, Germano Soares AH, Vanderlei LCM. Cutoffs of Short-Term Heart Rate Variability Parameters in Brazilian Adolescents Male. Pediatr Cardiol. 2018 ; 39(7):1397-403. facilitando assim o uso na prática clínica.

Desse modo, fica evidente a importância da avaliação da modulação autonômica cardíaca, dada a sua relação com fatores de risco cardiovasculares até mesmo em amostra saudável. O estudo “História familiar de hipertensão prejudica o balanço autonômico, mas não a função endotelial em jovens jogadores de futebol”8 reforça esse achado. No entanto, sendo um estudo transversal com amostra pequena, obviamente, apresenta limitações. Assim, futuros estudos podem considerar ampliar essa investigação aumentando o número de atletas na amostra, inclusive do sexo feminino.

Referências

  • 1
    Malpas SC. Sympathetic nervous system overactivity and its role in the development of cardiovascular disease. Physiol Rev. 2010 ; 90(2):513-57.
  • 2
    Grassi G, Mark A, Esler M. The sympathetic nervous system alterations in human hypertension. Circ Res. 2015 ; 116(6):976-90.
  • 3
    Prinsloo GE, Rauch HG, Derman WE. A brief review and clinical application of heart rate variability biofeedback in sports, exercise, and rehabilitation medicine. Phys Sportsmed. 2014 ; 42(2):88-99.
  • 4
    Farah BQ, Barros MV, Balagopal B, Ritti-Dias R. Heart rate variability and cardiovascular risk factors in adolescent boys. J Pediatr. 2014 ; 165(5):945-50.
  • 5
    Palmeira AC, Farah BQ, Soares AHG, Cavalcante B, Christofaro DG, Barros MV, et al. Association between Leisure Time and Commuting Physical Activities with Heart Rate Variability in Male Adolescents. Rev Paul Pediatr. 2017 ; 35(3):302-8.
  • 6
    Farah BQ, Prado WL, Tenorio TR, Ritti-Dias R. Heart rate variability and its relationship with central and general obesity in obese normotensive adolescents. Einstein (São Paulo). 2013 ; 11(3):285-90.
  • 7
    Farah BQ, Andrade-Lima A, Germano-Soares AH, Christofaro D, Barros MV, Ritti-Dias R, et al. Physical Activity and Heart Rate Variability in Adolescents with Abdominal Obesity. Pediatr Cardiol. 2018 ; 39(3):466-72.
  • 8
    Vargas W, Rigatto K. Family History of Hypertension Impairs the Autonomic Balance, but not the Endothelial Function, in Young Soccer Players. Arq Bras Cardiol. 2020 ; 115(1):52-58).
  • 9
    Malachias M, Souza W, Plavnik FL et al. 7th Brazilian Guideline of Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2016 ; 107(3 Suppl 3):79-83.
  • 10
    Wu JS, Lu FH, Yang YC, Ribeiro JM, Miranda RD. Epidemiological study on the effect of pre-hypertension and family history of hypertension on cardiac autonomic function. J Am Coll Cardiol. 2008 ; 51(19):1896-901.
  • 11
    Heart rate variability. Standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Eur Heart J. 1996 ; 17(3):354-81.
  • 12
    Farah BQ, Lima AH, Cavalcante BR, de Oliveira LM, Brito AL, de Barros MV, et al. Intra-individuals and inter- and intra-observer reliability of short-term heart rate variability in adolescents. Clin Physiol Funct Imaging. 2016 ; 36(1):33-9.
  • 13
    Michels N, Clays E, De Buyzere M, Huybrechts I, Marild S, Vanaelst B, et al. Determinants and reference values of short-term heart rate variability in children. Eur J Appl Physiol. 2013 ; 113(6):1477-88.
  • 14
    Gasior JS, Sacha J, Pawlowski M, Zielinski J, Jelesi J, Tomek A. et al. Normative Values for Heart Rate Variability Parameters in School-Aged Children: Simple Approach Considering Differences in Average Heart Rate. Front Physiol. 2018 ; 9:1495.
  • 15
    Farah BQ, Christofaro DGD, Cavalcante BR, Andrade Lima A, Germano Soares AH, Vanderlei LCM. Cutoffs of Short-Term Heart Rate Variability Parameters in Brazilian Adolescents Male. Pediatr Cardiol. 2018 ; 39(7):1397-403.
  • Minieditorial referente ao artigo: História Familiar de Hipertensão Prejudica o Balanço Autonômico, mas não a Função Endotelial em Jovens Jogadores de Futebol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul 2020
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br