Acessibilidade / Reportar erro

Ausência de Aterosclerose na Doença de Chagas: O Papel da Transialidase do Trypanosoma Cruzi

Doença de Chagas/fisiopatologia; Aterosclerose/fisiopatologia; Diagnóstico por Imagem/métodos; Tomografia Computadorizada Angiográfica

O artigo Menor Prevalência e Extensão da Aterosclerose Coronária na Doença de Chagas Crônica por Angiotomografia Cornária11. Cardoso S, Azevedo Filho CF, Fernandes F, Ianni B, Torreão JA, Marques MD, et al. Lower Prevalence and Severity of Coronary Atherosclerosis in Chronic Chagas’ Disease by Coronary Computed Tomography Angiography. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(6):1051- 1060. revela um dado muito importante: a população chagásica tem muito menos aterosclerose em comparação com uma população não chagásica cuidadosamente pareada. Analisando-se prospectivamente 43 pacientes, 93% dos pacientes chagásicos apresentavam ausência de placas de DAC, 7% de obstrução leve a moderada e nenhum caso de obstrução grave. O estudo endossa nossos dados patológicos anteriores22. Sambiase NV, Higuchi ML, Benvenuti LA. Narrowed lumen of the right coronary artery in chronic chagasic patients is associated with ischemic lesions of segmental thinning of ventricles. Invest Clin. 2010; 51(4):531-9. em poucos corações autopsiados, confirmando que pacientes chagásicos não têm aterosclerose. Por que eles não apresentam aterosclerose?

A principal enzima produzida pelo Trypanosoma cruzi (T. cruzi) é a transialidase, que remove o ácido sálico do tecido para a circulação. A microbiota tem sido associada ao desenvolvimento da aterosclerose.33. Jonsson AL, Caesar R, Akrami R, Reinhardt C, Hållenius FF, Borén J et al. Impact of Gut Microbiota and Diet on the Development of Atherosclerosis in Apoe− Mice. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2018; 3810: 2318–26. O micoplasma é conhecido por se proliferar em meios ricos em colesterol e, em nosso estudo anterior, observamos grande quantidade de micoplasmas em placas de ateroma.44. Higuchi ML, Reis MM, Sambiase NV, Palomino SAP, Castelli JB, Gutierrez PS, Aiello VD, Ramires JAF. Coinfection with Mycoplasma pneumoniae and Chlamydia pneumoniae in ruptured plaques associated with acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol.2003;81(1):12-22. Muitos agentes infecciosos como o micoplasma e vírus como o SARS CoV-2 usam o ácido sálico para entrar na célula hospedeira. A transialidase do T. cruzi pode remover os micoplasmas das placas de ateroma, evitando o desenvolvimento do ateroma.55. Higuchi ML. Trypanosoma cruzi trans-sialidase as a new therapeutic tool in the treatment of chronic inflammatory diseases: possible action against mycoplasma and chlamydia. Med Hypotheses. 2004; 63(4): 616–23. Criamos um nutricosmético associando a enzima transialidase a nanopartículas antioxidantes naturais e diminuição da aterosclerose experimental em coelhos.66. Garavelo SM, Higuchi ML, Pereira JJ, Reis MM, Kawakami JT, Ikegami RN et al.. Comparison of the Protective Effects of Individual Components of Particulated trans-Sialidase (PTCTS), PTC and TS, against High Cholesterol Diet-Induced Atherosclerosis in Rabbits. Biomed Res Int. 2017; 2017:1-12. , 77. Campos de Oliveira JC. Interaction of mycoplasma and SUMO in atherogenesis and the anti-lipid and anti-inflammatory response of the PTCTS compound in rabbits on a hypercholesterolemic diet. Thesis .São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.:2020.

O presente trabalho enfatiza a necessidade de outra explicação além da DAC para a patogênese do infarto do miocárdio presente em pacientes chagásicos. Microinfartos, miocitólise, degeneração hialina e fibrose são achados comuns na cardiopatia chagásica crônica e têm sido atribuídos, em graus diversos, à miocardite crônica, fenômenos imunoalérgicos e alterações microvasculares.88. Andrade Z, Andrade SG. Patologia. In: Brener Z, Andrade Z, eds. Trypanosoma cruzie Doença de Chagas. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1979:199–248. Observamos também que a artéria coronária direita distal era muito fina, associada ao adelgaçamento da parede ventricular, que pode ser interpretado como consequência da falta de pressão arterial intramiocárdica devido à microcirculação dilatada. Injetando-se 0,5% de nitrato de prata em solução aquosa de glicose a 5% para impregnar a superfície endotelial das artérias epicárdicas, arteríolas intramurais, foi possível observar que a microcirculação em autópsias de pacientes com doença de Chagas, a insuficiência cardíaca encontrava-se extremamente dilatada,99. Higuchi ML, S Fukasawa, T De Brito Different microcirculatory and interstitial matrix patterns in idiopathic dilated cardiomyopathy and Chagas’ disease: a three dimensional confocal microscopy study. Heart 1999; 82(3):279–85. possivelmente devido à inflamação miocárdica (pela presença de antígenos e simbiontes do T. cruzi) 1010. Chambers CE, Brown KA. Dipyridamole-induced ST segment depression during thallium-201 imaging in patients with coronary artery disease: angiographic and hemodynamic determinants. J Am Coll Cardiol 1988;12(1):37–41. , 1111. Senra T, Ianni BM, Costa SCP, Mady C, Martinelli-Filho M, Kalil-FilhoR, Rochitte CE. Long-Term Prognostic Value of Myocardial Fibrosis in Patients with Chagas Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol.2018; 72(21):2577-87.

Pode causar equilíbrio inadequado na distribuição do fluxo sanguíneo, pior perfusão tecidual em algumas áreas e múltiplos infartos. Por outro lado, as áreas fibróticas podem causar obstruções no trajeto dos vasos, favorecendo o desvio do fluxo sanguíneo (fenômeno de “roubo”) e aparecimento de lesões isquêmicas;1010. Chambers CE, Brown KA. Dipyridamole-induced ST segment depression during thallium-201 imaging in patients with coronary artery disease: angiographic and hemodynamic determinants. J Am Coll Cardiol 1988;12(1):37–41. as lesões de adelgaçamento características da doença chagásica nas paredes apicais e basais posteriores do ventrículo esquerdo também podem ser decorrentes de isquemia nas lesões nas áreas de watershed entre os dois ramos principais da artéria coronária — as artérias descendente anterior e descendente posterior, causando lesões isquêmicas, focos de infarto do miocárdio, aneurismas e fibrose miocárdica. A baixa perfusão na região de watershed das artérias coronária direita e circunflexa pode resultar em frequente lesão fibrótica de adelgaçamento da parede basal lateral do ventrículo esquerdo, levantando a hipótese de que essa lesão poderia ser um melhor preditora de taquicardia ventricular e morte súbita.1111. Senra T, Ianni BM, Costa SCP, Mady C, Martinelli-Filho M, Kalil-FilhoR, Rochitte CE. Long-Term Prognostic Value of Myocardial Fibrosis in Patients with Chagas Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol.2018; 72(21):2577-87. Essa lesão miocárdica tem aspecto de cicatrização da infração miocárdica, contendo ilhas de miócitos viáveis em meio à fibrose, podendo induzir arritmia ventricular.1212. Scanavacca M, Eduardo Sosa. Epicardial Ablation of Ventricular Tachycardia in Chagas Heart Disease. Card Electrophysiol Clin 2010; Mar;2(1):55-67.

A cardiopatia chagásica é uma doença peculiar que ainda demanda muitas pesquisas.

Referências

  • 1
    Cardoso S, Azevedo Filho CF, Fernandes F, Ianni B, Torreão JA, Marques MD, et al. Lower Prevalence and Severity of Coronary Atherosclerosis in Chronic Chagas’ Disease by Coronary Computed Tomography Angiography. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(6):1051- 1060.
  • 2
    Sambiase NV, Higuchi ML, Benvenuti LA. Narrowed lumen of the right coronary artery in chronic chagasic patients is associated with ischemic lesions of segmental thinning of ventricles. Invest Clin. 2010; 51(4):531-9.
  • 3
    Jonsson AL, Caesar R, Akrami R, Reinhardt C, Hållenius FF, Borén J et al. Impact of Gut Microbiota and Diet on the Development of Atherosclerosis in Apoe− Mice. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2018; 3810: 2318–26.
  • 4
    Higuchi ML, Reis MM, Sambiase NV, Palomino SAP, Castelli JB, Gutierrez PS, Aiello VD, Ramires JAF. Coinfection with Mycoplasma pneumoniae and Chlamydia pneumoniae in ruptured plaques associated with acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol.2003;81(1):12-22.
  • 5
    Higuchi ML. Trypanosoma cruzi trans-sialidase as a new therapeutic tool in the treatment of chronic inflammatory diseases: possible action against mycoplasma and chlamydia. Med Hypotheses. 2004; 63(4): 616–23.
  • 6
    Garavelo SM, Higuchi ML, Pereira JJ, Reis MM, Kawakami JT, Ikegami RN et al.. Comparison of the Protective Effects of Individual Components of Particulated trans-Sialidase (PTCTS), PTC and TS, against High Cholesterol Diet-Induced Atherosclerosis in Rabbits. Biomed Res Int. 2017; 2017:1-12.
  • 7
    Campos de Oliveira JC. Interaction of mycoplasma and SUMO in atherogenesis and the anti-lipid and anti-inflammatory response of the PTCTS compound in rabbits on a hypercholesterolemic diet. Thesis .São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.:2020.
  • 8
    Andrade Z, Andrade SG. Patologia. In: Brener Z, Andrade Z, eds. Trypanosoma cruzie Doença de Chagas. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1979:199–248.
  • 9
    Higuchi ML, S Fukasawa, T De Brito Different microcirculatory and interstitial matrix patterns in idiopathic dilated cardiomyopathy and Chagas’ disease: a three dimensional confocal microscopy study. Heart 1999; 82(3):279–85.
  • 10
    Chambers CE, Brown KA. Dipyridamole-induced ST segment depression during thallium-201 imaging in patients with coronary artery disease: angiographic and hemodynamic determinants. J Am Coll Cardiol 1988;12(1):37–41.
  • 11
    Senra T, Ianni BM, Costa SCP, Mady C, Martinelli-Filho M, Kalil-FilhoR, Rochitte CE. Long-Term Prognostic Value of Myocardial Fibrosis in Patients with Chagas Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol.2018; 72(21):2577-87.
  • 12
    Scanavacca M, Eduardo Sosa. Epicardial Ablation of Ventricular Tachycardia in Chagas Heart Disease. Card Electrophysiol Clin 2010; Mar;2(1):55-67.
  • Minieditorial referente ao artigo: Menor Prevalência e Extensão da Aterosclerose Coronária na Doença de Chagas Crônica por Angiotomografia Coronária

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2020
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br