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Recomendações para o Manejo de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis Post Mortem

Resumo

O manejo de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis de pacientes que evoluem a óbito tem sido motivo de controvérsia. Em nosso meio, não há recomendações uniformes, estando baseadas exclusivamente em protocolos institucionais e em costumes regionais. Quando o cadáver é submetido para cremação, além de outros cuidados, recomenda-se a retirada do dispositivo devido ao risco de explosão e dano do equipamento crematório. Principalmente no contexto da pandemia causada pelo SARS-Cov-2, a orientação e organização de unidades hospitalares e serviços funerários é imprescindível para minimizar o fluxo de pessoas em contato com fluidos corporais de indivíduos falecidos por COVID-19. Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas elaborou este documento com orientações práticas, tendo como base publicações internacionais e recomendação emitida pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil.

Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis/complicações; Ética Baseada em Princípios; Autópsia/métodos

Abstract

The management of cardiac implantable electronic devices after death has become a source of controversy. There are no uniform recommendations for such management in Brazil; practices rely exclusively on institutional protocols and regional custom. When the cadaver is sent for cremation, it is recommended to remove the device due to the risk of explosion and damage to crematorium equipment, in addition to other precautions. Especially in the context of the SARS-CoV-2 pandemic, proper guidance and organization of hospital mortuary facilities and funeral services is essential to minimize the flow of people in contact with bodily fluids from individuals who have died with COVID-19. In this context, the Brazilian Society of Cardiac Arrhythmias has prepared this document with practical guidelines, based on international publications and a recommendation issued by the Brazilian Federal Medical Council.

Cardiac Resynchronization Therapy Device/complications; Principle Based Ethics; Autopsy/methods

O número de implantes de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) (marcapassos, ressincronizadores cardíacos, cardioversores-desfibriladores implantáveis e monitores de eventos) tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas devido ao grande avanço em seus recursos diagnósticos e terapêuticos, além do evidente aumento da longevidade dos pacientes (pacientes idosos podem ter maior longevidade graças aos DCEI). Dessa forma, o aumento de situações clínicas em que o uso desses dispositivos se aplica é acompanhado por aumento de complicações e outros problemas a eles relacionados.

Uma grande preocupação em relação aos DCEI, principalmente na população de idosos, em decorrência das taxas de mortalidade relacionadas à infecção pelo SARS-Cov-2 (COVID-19), é a conduta após o óbito:

  • - O DCEI deve ser desligado?

  • - O DCEI deve ser removido para o sepultamento?

  • - O cadáver vai ser cremado. Quais cuidados devemos tomar?

  • - No caso de remoção do DCEI, quem deve realizar o procedimento?

Respondendo a esses questionamentos, a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) elaborou algumas recomendações baseadas em evidências internacionais11. Gale CP, Mulley GP. Pacemaker explosions in crematoria: problems and possible solutions. J R Soc Med. 2002;95(7):353-5.,22. Pitcher D, Soar J, Hogg K, Linker N, Chapman S, Batle J, et al. Cardiovascular implanted electronic devices in people towards the end of life, during cardiopulmonary resuscitation and after death: guidance from the Resuscitation Council (UK), British Cardiovascular Society and National Council for Palliative Care. Heart. 2016;102 (Suppl 7):A1-A17.., que julgamos ser imprescindíveis para o esclarecimento de médicos, hospitais e serviços funerários que lidam diariamente com essa situação:

  1. Em pacientes que faleceram de morte súbita, os DCEI devem ser submetidos a avaliação eletrônica quando o médico responsável pelo paciente considerar necessário o esclarecimento da causa da morte, uma vez que os dispositivos dispõem de recursos que possibilitam a gravação e o armazenamento do ritmo cardíaco nesses casos.

  2. Em portadores de DCEI que serão sepultados, não se faz necessária a reprogramação ou remoção do aparelho.

  3. Portadores de DCEI que serão submetidos à cremação devem, obrigatoriamente, ter seu aparelho removido devido ao risco de explosão causada pelo superaquecimento (cerca de 1.300°C por 90 minutos) e danos ao equipamento crematório.

  4. Os cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI) de cadáveres que serão cremados ou que serão submetidos a autópsia devem ter as terapias desabilitadas por telemetria, a fim de prevenir o disparo de choques durante a manipulação do CDI pelo profissional que realiza o trabalho. A reprogramação por telemetria deve ser realizada por médico com área de atuação em estimulação cardíaca eletrônica implantável ou por técnico devidamente qualificado. Para a autópsia, eventualmente se pode considerar, como alternativa em casos excepcionais, a colocação do imã sobre o gerador do CDI em vez da reprogramação por telemetria. Nesse caso, o imã deve ser mantido sobre o gerador mesmo após a sua retirada, uma vez que o risco de choque persiste até que as terapias sejam desabilitadas com programação eletrônica.

  5. De acordo com ofício expedido pelo Conselho Federal de Medicina (anexo) em 05 de maio de 2020, atendendo à solicitação da SOBRAC, sob o número 2.628/2020–DEPCO, a retirada dos DCEI post mortem deve ser realizada “preferencialmente por médico e devidamente registrado no prontuário do paciente, resguardando a segurança no momento da pandemia COVID-19, por isso, a importância do envolvimento da diretoria técnica para criar o melhor protocolo para a instituição”. A SOBRAC alerta que o profissional não médico (seja do serviço funerário ou da própria unidade hospitalar) que eventualmente seja designado para essa tarefa deve ser devidamente treinado, ainda que tal procedimento exija técnica simples e não coloque em risco a vida do profissional que executa o procedimento.

O entendimento dos aspectos relacionados ao manuseio de DCEI após o óbito, em momento de pandemia pela COVID-19, é fundamental para reduzir o risco de disseminação da doença.

Abaixo, descrevemos a técnica de remoção do DCEI:

  • paramentação apropriada para o procedimento, a fim de evitar a contaminação do profissional através de fluidos corporais;

  • utilizar lâmina de bisturi para incisar a pele profundamente em cima do gerador de pulsos;

  • divulsionar o tecido profundo com os dedos ou tesoura;

  • o gerador deve ser puxado para fora, cortando-se os eletrodos com tesoura;

  • fechar a incisão com gaze e esparadrapo, não sendo necessária sutura;

  • descartar o dispositivo de forma segura, segundo recomendações técnicas e protocolos institucionais.

Referências

  • 1
    Gale CP, Mulley GP. Pacemaker explosions in crematoria: problems and possible solutions. J R Soc Med. 2002;95(7):353-5.
  • 2
    Pitcher D, Soar J, Hogg K, Linker N, Chapman S, Batle J, et al. Cardiovascular implanted electronic devices in people towards the end of life, during cardiopulmonary resuscitation and after death: guidance from the Resuscitation Council (UK), British Cardiovascular Society and National Council for Palliative Care. Heart. 2016;102 (Suppl 7):A1-A17.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Fontes de financiamento .O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2020
  • Revisado
    24 Jun 2020
  • Aceito
    24 Jun 2020
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