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Tromboembolismo Pulmonar em um Paciente Jovem com COVID-19 Assintomático

SARS-CoV-2; Jovem; Tromboembolismo Pulmonar; Tríade de Virchow; COVID-19, Coronavirus-19, Assintomático

Apresentação de Caso

Paciente do sexo masculino, 22 anos, sem comorbidades prévias e uso de medicamentos, foi encaminhado ao nosso hospital em 24/06/2020. Sem sintomas, em 12/06/2020 foi diagnosticado com COVID-19 após um teste de triagem por PCR exigido em sua empresa, e permaneceu em repouso no leito durante a maior parte de seu isolamento. Permaneceu assintomático por 11 dias, porém, em 24/06/2020, deu entrada no pronto-socorro com dor ventilatório-dependente em hemitórax direito. Os sinais vitais revelaram hipertensão (132/78 mmHg), taquicardia (127 bpm), hipóxia (SpO2 de 90% em ar ambiente) e febre (38,7°C). Ao exame físico, chamou a atenção a diminuição dos sons respiratórios em hemitórax direito durante a ausculta pulmonar. Os escores de estratificação de risco de Pádua e Wells foram aplicados, e os critérios indicaram um risco baixo (3 pontos) e um risco moderado (6 pontos), respectivamente. D-dímero (6,652 μg/L), Proteína C-Reativa (94 mg/L) e Troponina (119 pg/mL) estavam entre os testes laboratoriais realizados. Foi solicitada uma tomografia computadorizada (TC) de tórax ( Figura 1 ), que demonstrou a Corcova de Humpton. uma opacificação de base pleural no pulmão, mais comumente decorrente de embolia pulmonar. Além disso, também foram encontradas opacidades pulmonares em consolidação e áreas de opacidade em vidro fosco periféricas, multifocal e bilateral, associadas a espessamento septal, com pequena área de consolidação entre elas, mais acentuada no lobo inferior direito e com envolvimento pulmonar moderado (25-50%).

Figura 1
Tomografia computadorizada realizada na hospitalização, mostrando a Corcova de Humpton. Uma opacidade pulmonar bem definida com base na pleura que representa hemorragia e tecido pulmonar necrótico em uma região de infarto pulmonar causado por embolia pulmonar aguda.

Em 25/06/2020, foi solicitada uma tomoangiografia pulmonar (angioTC) ( Figura 2 ), que evidenciou defeitos de enchimento nas artérias pulmonares bilateralmente, com extensão para seus ramos superior, médio e lingual, compatível com quadro agudo maciço condição de tromboembolismo pulmonar. O paciente foi encaminhado em 25/06/2020 para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), hemodinamicamente estável, sendo solicitada a coleta do material de swab nasal e de orofaringe para SARS-CoV-2, o qual apresentou diagnóstico positivo em 26/06/2020. O tratamento foi iniciado com Ceftriaxona (2g ao dia), Azitromicina (500mg ao dia), Dexametasona (6mg ao dia) e Oseltamivir (75mg ao dia), associado à Enoxaparina (80mg ao dia) para profilaxia da trombose venosa. O paciente evoluiu com melhora progressiva. Ele teve alta da UTI para a enfermaria em 28/06/2020 e alta hospitalar definitiva em 29/06/2020, em uso de rivaroxabana (15mg BID), sendo encaminhado para futura reavaliação ambulatorial.

Figura 2
AngioTC pulmonar realizada no segundo dia, demonstrando defeitos de enchimento nas artérias pulmonares bilateralmente, reforçando o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar agudo maciço.

Após a alta, foram solicitados exames para investigação de trombofilia, incluindo: Proteína S funcional, Proteína C funcional, Homocisteína, Fator V de Leiden, Mutação do gene da protrombina, Antitrombina III, Anticoagulante Lúpico e Anticardiolipina IgM. Destacam-se o aumento da Antitrombina III (999%), a fraca presença do Anticoagulante Lúpico (1,43) e os níveis indeterminados de Anticardiolipina IgM. Além disso, foram solicitadas ecocardiografia e ultrassonografia Doppler de membros inferiores, ambas dentro dos padrões de normalidade, afastando possíveis sinais de trombose, recente ou tardia.

Discussão

Muitos pacientes com COVID-19 têm anormalidades de coagulação que mimetizam outras coagulopatias sistêmicas associadas a infecções graves, como coagulação intravascular disseminada ou microangiopatia trombótica.11. Levi M, Thachil J, Iba T, Levy JH. Coagulation abnormalities and thrombosis in patients with COVID-19. Lancet Haematol. 2020;7(6):e438-e440. A coagulopatia resultante da COVID-19 pode ocorrer tanto na circulação venosa quanto arterial e está associada à liberação de citocinas pró-inflamatórias, como (IL-2, IL6, IL-7, IL-10).22. Song P, Li W, Xie J, Hou Y, You C. Cytokine storm induced by SARS-CoV-2. Clin Chim Acta. 2020;509:280-7. Os achados dos estudos mais recentes são consistentes com a estreita ligação entre trombose e inflamação, dois processos que reforçam um ao outro, pois durante a infecção por SARS-CoV-2, o endotélio é capaz de mudar para um fenótipo inflamatório responsivo após sua ativação, expressando citocinas e moléculas de adesão vascular, o que pode agravar ainda mais a tempestade de citocinas.

Essas citocinas, por sua vez, podem causar disfunções do glicocálice presente nas células endoteliais, responsáveis por criar uma barreira contra a agregação de plaquetas e células sanguíneas, contribuindo para o desenvolvimento de eventos trombóticos e endoteliais. Além disso, o estado inflamatório sistêmico também resulta em disfunção endotelial, induzindo as células afetadas a um processo de morte celular denominado piroptose.33. Nagashima S, Mendes MC, Martins APC, Borges NH, Godoy TM, Miggiolaro AFRS, et al. Endothelial Dysfunction and Thrombosis in Patients With COVID-19. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2020;40(10):2404-7. Todas essas alterações na resposta pró-inflamatória do hospedeiro, além da disfunção endotelial, também implicam em um amplo desarranjo em diversos parâmetros de hemostasia, entre os quais D-dímero,44. Lippi G, Favaloro EJ. D-dimer is Associated with Severity of Coronavirus Disease 2019: A Pooled Analysis. Thromb Haemost. 2020;120(5):876-8. que é um potencial marcador de prognóstico e / ou mortalidade em pacientes acometidos pela doença.55. Favaloro EJ, Lippi G. Recommendations for Minimal Laboratory Testing Panels in Patients with COVID-19: Potential for Prognostic Monitoring. Semin Thromb Hemost. 2020;46(3):379-82.

Apesar de não apresentar fatores de risco para complicações, o paciente deste relato desenvolveu TEP agudo maciço. Isso poderia ser explicado a partir da teoria da Tríade de Virchow, onde a disfunção endotelial, estase e hipercoagulabilidade sanguínea convergem para o desenvolvimento de processos trombóticos, entre eles, destaca-se o tromboembolismo pulmonar. O estado de hipercoagulabilidade e disfunção endotelial pode ser justificado devido à infecção viral que se refletiu em uma alteração importante no nível sérico de D-dímero (6652 µg / L), que está associado a uma maior gravidade da COVID-19; além disso, o paciente relatou que, após o diagnóstico de COVID-19, permaneceu deitado, em repouso no leito em sua residência, o que corrobora a presença de estase sanguínea pulmonar. As recomendações de isolamento pós-diagnóstico também devem ter como objetivo evitar situações que influenciem a estase sanguínea.

Referências

  • 1
    Levi M, Thachil J, Iba T, Levy JH. Coagulation abnormalities and thrombosis in patients with COVID-19. Lancet Haematol. 2020;7(6):e438-e440.
  • 2
    Song P, Li W, Xie J, Hou Y, You C. Cytokine storm induced by SARS-CoV-2. Clin Chim Acta. 2020;509:280-7.
  • 3
    Nagashima S, Mendes MC, Martins APC, Borges NH, Godoy TM, Miggiolaro AFRS, et al. Endothelial Dysfunction and Thrombosis in Patients With COVID-19. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2020;40(10):2404-7.
  • 4
    Lippi G, Favaloro EJ. D-dimer is Associated with Severity of Coronavirus Disease 2019: A Pooled Analysis. Thromb Haemost. 2020;120(5):876-8.
  • 5
    Favaloro EJ, Lippi G. Recommendations for Minimal Laboratory Testing Panels in Patients with COVID-19: Potential for Prognostic Monitoring. Semin Thromb Hemost. 2020;46(3):379-82.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná sob o número de protocolo 30188020.7.1001.0020. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • Fontes de financiamento .O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2020
  • Revisado
    02 Set 2020
  • Aceito
    30 Set 2020
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