Acessibilidade / Reportar erro

Novos Marcadores de Espessamento Carotídeo na Hipertensão Arterial

Hipertensão/epidemiologia; Monócitos; mRNA; Espessura Intima Media Carotidea; Marcadores Genéticos

A hipertensão arterial foi considerada como importante fator de risco cardiovascular somente após os estudos de Framingham, pois se acreditava que era um “bem” necessário para uma boa perfusão tecidual.11. Kannel WB. Contribution of the Framingham Study to preventive cardiology. J Am Coll Cardiol. 1990;15(1):206-11. Estes estudos emblemáticos de coorte em longo prazo sobre o sistema cardiovascular trouxeram dados que permitiram avaliar a interação de diversas outras doenças, tais como as dislipidemias e o diabetes, para a formação da placa de ateroma que é o passo inicial para as complicações cardiovasculares. Época em que o exame clínico era fundamental para detectarmos os marcadores de doença aterosclerótica.

Porém, com a evolução do conhecimento, os marcadores biológicos clínicos já não eram suficientes para prever o risco, pois precisamos cada vez mais articular medidas preventivas o mais precoce possível para um tratamento mais eficaz e uma melhor prevenção. Além disso, a interação meio ambiente com todos os seus fatores de risco e a genética se mostraram interativos e de fundamental importância no desenvolvimento da placa aterosclerótica. Para o lado da hipertensão ficou claro o componente genético com estimativa de herança de 15-40%, tanto que os irmãos apresentam uma taxa de concordância de risco para a doença com variações de 1,2 a 1,7. 22. Mongeau JG, Biron P, Sing CF. The influence of genetics and household environment upon the variability of normal blood pressure: the Montreal Adoption Survey. Clin Exp Hypertens A. 1986;8(4-5):653-60.,33. Caulfield M, Munroe P, Pembroke J, Samani N, Dominiczak A, Brown M, et al. Genome-wide mapping of human loci for essential hypertension. Lancet. 2003; 361(9375):2118-23.

Para entendermos este mecanismo extremamente complexo, que envolve diversas vias moleculares e bioquímicas, tais como o sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA), intimamente ligado à hipertensão, a análise de marcadores biomoleculares e/ou genéticos pode agregar conhecimento para desvendar as diversas vias que levam a aterosclerose.

Os fatores étnicos e raciais também contribuem, predispondo a maior prevalência de diversas doenças e entre elas a hipertensão. Exemplo disso são os afrodescendentes e os latinos com maior prevalência e gravidade, além de acentuação das comorbidades relacionadas à doença hipertensiva.44. Hall JL, Duprez DA, Barac A, Rich SS. A review of genetics, arterial stiffness, and blood pressure in African Americans. J Cardiovasc Transl Res. 2012; 5:302–8.,55. Redmond N, Baer HJ, Hicks LS. Health behaviors and racial disparity in blood pressure control in the national health and nutrition examination survey. Hypertension. 2011;57(3):383-9.

O objetivo do trabalho de Gamboa et al.,66. Gamboa R, Jaramillo-Estrella MJ, Martínez-Alvarado MR, Soto ME, Torres-Paz YE, Gonzalo-Calvo D, et al. Expressão de Proteína-1 Relacionada a Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade (LRP1) em Monócito em Correlação com EIMC em Pacientes Mexicanos Hipertensos. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):56-65. foi avaliar a associação de marcadores biomoleculares e genéticos com a hipertensão arterial focando principalmente a espessura intima-média de carótida (EIMC) em mexicanos.66. Gamboa R, Jaramillo-Estrella MJ, Martínez-Alvarado MR, Soto ME, Torres-Paz YE, Gonzalo-Calvo D, et al. Expressão de Proteína-1 Relacionada a Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade (LRP1) em Monócito em Correlação com EIMC em Pacientes Mexicanos Hipertensos. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):56-65.

A população mexicana tem uma mistura étnica de 65% de índios americanos, 31% de europeus, e 3% de africanos diferindo muito de outros países com predominância caucasiana, onde a maioria dos estudos é feita.77. Johnson NA, Coram NA, Shriver MD, Romieu I, Barsh GS, London SJ, et al. Ancestral components of admixed genomes in a Mexican cohort. PloS Genet. 2011; 7(12):e1002410.Esta carga genética diversificada pode levar a um comportamento específico em termos de risco cardiovascular e de expressão de marcadores.

O EIMC que é um marcador de aterosclerose, correlaciona-se com um aumento de mortes e eventos cardiovasculares em adultos e também com anormalidades vasculares em crianças e adolescentes hipertensos.88. Zielinski T, Dzielinska Z, Januszewicz A, Rynkun D, Makowiecka Ciesla M, Tyczynski P, et al. Carotid intima-media thickness as a marker of cardiovascular risk in hypertensive patients with coronary artery disease. Am J Hypertens. 2007; 20(10):1058-64.Lande et al. observaram que crianças ou adolescentes com EIMC acima do normal apresentavam hipertensão mais grave, e era independente da obesidade usualmente relacionada, nesta faixa etária, com a doença hipertensiva.99. Flynn JT. What is the significance of increased carotid intima media thickness in hypertensive adolescents. Hypertension. 2006; 48(1):23-4.,1010. Lande MB, Carson NL, Roy J, Meagher CC. Effects of childhood primary hypertension on carotid intima media thickness: a matched controlled study. Hypertension. 2006; 48(1):40-4.

Gamboa et al.,66. Gamboa R, Jaramillo-Estrella MJ, Martínez-Alvarado MR, Soto ME, Torres-Paz YE, Gonzalo-Calvo D, et al. Expressão de Proteína-1 Relacionada a Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade (LRP1) em Monócito em Correlação com EIMC em Pacientes Mexicanos Hipertensos. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):56-65. encontraram no grupo de hipertensos valores maiores do EIMC e relacionaram ao aumento na expressão mRNA de LRP1 e a expressão de proteína LRP1 a qual apresentou valores elevados e muito evidentes nos hipertensos.

Os mecanismos pelo qual a hipertensão predispõe a aterosclerose ainda não estão bem esclarecidos, porém sabe-se que é multifatorial envolvendo diversas causas, desde aspectos endoteliais, lipídicos e genéticos. Entretanto a EIMC também aumenta como reação fisiológica vascular em adaptação ao aumento pressórico e ao progredir dos anos refletindo resposta adaptativa ao envelhecimento e ao estresse mecânico. Estes achados são interessantes mostrando estes marcadores mais elevados naqueles hipertensos com maior EIMC. Isto corrobora a teoria multifatorial da hipertensão e das lesões em órgãos-alvo, onde o perfil genético influencia profundamente a agressão vascular.1111. Doyon A, Kracht D, Bayazit AK, Deveci M, Duzova A, Krmar RT, et al. 4C Study Consortium. Carotid artery intima-media thickness and distensibility in children and adolescents: reference values and role of body dimensions. Hypertension. 2013; 62(3):550-6.,1212. Iwakiri T, Yano Y, Sato Y, Hatakeyama K, Marutsuka K, Fujimoto S, et al. Usefulness of carotid intima-media thickness measurement as an indicator of generalized atherosclerosis: findings from autopsy analysis. Atherosclerosis. 2012; 225(2):359-62.Fato também encontrado em estudos experimentais em animais que mostraram que a LRP1 promove a entrada de lípides em monócitos que migaram ao vaso formando as células espumosas e assim a aterosclerose.1313. Aledo R, Costales P, Ciudad C, Noé V, Llorente-Cortes V, Badimon L. Molecular and functional characterization of LRP1 promoter polymorphism c.1-25 C>G (rs138854007). Atherosclerosis. 2014; 233(1):178-85.

Achado curioso foi na divisão dos grupos pelo sexo. A expressão mRNA de LRP1 em hipertensos foi significantemente maior em mulheres e pouco expressivo no homem, que foi praticamente igual aos normotensos. Isto dificulta o entendimento, pois carece de uma explicação objetiva desta diferença. Fato que não ocorreu na expressão de proteína LRP1, que se elevou no grupo hipertenso de forma similar em homens e mulheres. A média de idade dos hipertensos foi de 50,3 anos e possivelmente fatores hormonais ligados ao sexo feminino talvez possam estar envolvidos.

Neste estudo foi avaliado a angiotensina II (Ang II), visto a importância do SRAA na regulação da hipertensão. Verificaram uma relação positiva da Ang II com a expressão de LRP1, relacionando a pressão elevada como regulador da expressão de LRP1 mediado pela Ang II.

O SRAA é muito complexo e cada vez mais amplia os conhecimentos, pois novos dados são acrescentados na didática cascata bioquímica que se inicia com a renina e finaliza na aldosterona. A complexidade é tanta que o bloqueio único com os inibidores da enzima conversora da angiotensina ou dos bloqueadores AT1 da Ang II promovem benefícios clínicos fantásticos, entretanto o bloqueio duplo apresenta resultados pífios ou até maléficos ao paciente. De tal forma, conclusões óbvias baseadas em aspectos fisiopatológicos não se aplicam plenamente para o SRAA.

O estudo apesar de complexo em análise dos dados, é um caminho para o desenvolvimento de novos marcadores em hipertensão arterial que possam nos guiar na procura de lesões a órgãos-alvos precoces que será traduzido em uma terapêutica mais precisa com metas mais otimizadas, beneficiando o paciente.

Referências

  • 1
    Kannel WB. Contribution of the Framingham Study to preventive cardiology. J Am Coll Cardiol. 1990;15(1):206-11.
  • 2
    Mongeau JG, Biron P, Sing CF. The influence of genetics and household environment upon the variability of normal blood pressure: the Montreal Adoption Survey. Clin Exp Hypertens A. 1986;8(4-5):653-60.
  • 3
    Caulfield M, Munroe P, Pembroke J, Samani N, Dominiczak A, Brown M, et al. Genome-wide mapping of human loci for essential hypertension. Lancet. 2003; 361(9375):2118-23.
  • 4
    Hall JL, Duprez DA, Barac A, Rich SS. A review of genetics, arterial stiffness, and blood pressure in African Americans. J Cardiovasc Transl Res. 2012; 5:302–8.
  • 5
    Redmond N, Baer HJ, Hicks LS. Health behaviors and racial disparity in blood pressure control in the national health and nutrition examination survey. Hypertension. 2011;57(3):383-9.
  • 6
    Gamboa R, Jaramillo-Estrella MJ, Martínez-Alvarado MR, Soto ME, Torres-Paz YE, Gonzalo-Calvo D, et al. Expressão de Proteína-1 Relacionada a Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade (LRP1) em Monócito em Correlação com EIMC em Pacientes Mexicanos Hipertensos. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):56-65.
  • 7
    Johnson NA, Coram NA, Shriver MD, Romieu I, Barsh GS, London SJ, et al. Ancestral components of admixed genomes in a Mexican cohort. PloS Genet. 2011; 7(12):e1002410.
  • 8
    Zielinski T, Dzielinska Z, Januszewicz A, Rynkun D, Makowiecka Ciesla M, Tyczynski P, et al. Carotid intima-media thickness as a marker of cardiovascular risk in hypertensive patients with coronary artery disease. Am J Hypertens. 2007; 20(10):1058-64.
  • 9
    Flynn JT. What is the significance of increased carotid intima media thickness in hypertensive adolescents. Hypertension. 2006; 48(1):23-4.
  • 10
    Lande MB, Carson NL, Roy J, Meagher CC. Effects of childhood primary hypertension on carotid intima media thickness: a matched controlled study. Hypertension. 2006; 48(1):40-4.
  • 11
    Doyon A, Kracht D, Bayazit AK, Deveci M, Duzova A, Krmar RT, et al. 4C Study Consortium. Carotid artery intima-media thickness and distensibility in children and adolescents: reference values and role of body dimensions. Hypertension. 2013; 62(3):550-6.
  • 12
    Iwakiri T, Yano Y, Sato Y, Hatakeyama K, Marutsuka K, Fujimoto S, et al. Usefulness of carotid intima-media thickness measurement as an indicator of generalized atherosclerosis: findings from autopsy analysis. Atherosclerosis. 2012; 225(2):359-62.
  • 13
    Aledo R, Costales P, Ciudad C, Noé V, Llorente-Cortes V, Badimon L. Molecular and functional characterization of LRP1 promoter polymorphism c.1-25 C>G (rs138854007). Atherosclerosis. 2014; 233(1):178-85.
  • Minieditorial referente ao artigo: Expressão de Proteína-1 Relacionada a Receptor de Lipoproteína de Baixa Densidade (LRP1) em Monócito em Correlação com EIMC em Pacientes Mexicanos Hipertensos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br