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Associação entre Terapia com Estatinas e Menor Incidência de Hiperglicemia em Pacientes Internados com Síndromes Coronarianas Agudas

Resumo

Fundamento

O maior risco de se desenvolver diabetes com o uso de estatinas é um desafio para a segurança do uso dessa classe de medicamentos em longo prazo. No entanto, poucos estudos analisaram essa questão durante síndromes coronarianas agudas (SCA).

Objetivos

Investigar a associação entre início precoce da terapia com estatina e níveis de glicemia em pacientes admitidos com SCA.

Métodos

Este foi um estudo retrospectivo de pacientes hospitalizados por SCA. Pacientes que nunca haviam usado estatinas foram incluídos e divididos segundo uso ou não de estatina nas primeiras 24 horas de internação. O desfecho primário foi a incidência de hiperglicemia na internação (definida como pico de glicemia > 200mg/dL). Modelos de regressão logística e modelos lineares multivariados foram usados para ajuste quanto a fatores de confusão e um modelo de pareamento por escore de propensão foi desenvolvido para comparações entre os dois grupos de interesses. Um valor de p menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Um total de 2357 pacientes foram incluídos, 1704 deles alocados no grupo que receberam estatinas e 653 no grupo que não receberam estatinas nas primeiras 24 horas de internação. Após os ajustes, uso de estatina nas primeiras 24 horas foi associado com uma menor incidência de hiperglicemia durante a internação (OR ajustado = 0,61, IC95% 0,46-0,80; p < 0,001) e menor necessidade de uso de insulina (OR ajustado = 0,56, IC 95% 0,41-0,76; p < 0,001). Essas associações mantiveram-se similares nos modelos de pareamento por escore de propensão, bem como após análises de sensibilidade, como exclusão de pacientes que desenvolveram choque cardiogênico, infecção grave ou pacientes que foram a óbito durante a internação hospitalar.

Conclusões

Entre os pacientes internados com SCA que não receberam estatinas previamente, a terapia precoce com estatina associou-se independentemente com menor incidência de hiperglicemia durante a internação. (Arq Bras Cardiol. 2021; 116(2):285-294)

Estatinas; Síndrome Coronariana Aguda; Infarto do Miocárdio; Glicemia; Inibidores de Hidroximetilglutril-CoA Redutases

Abstract

Background

Increased risk of new-onset diabetes with statins challenges the long-term safety of this drug class. However, few reports have analyzed this issue during acute coronary syndromes (ACS).

Objective

To explore the association between early initiation of statin therapy and blood glucose levels in patients admitted with ACS.

Methods

This was a retrospective analysis of patients hospitalized with ACS. Statin-naïve patients were included and divided according to their use or not of statins within the first 24 hours of hospitalization. The primary endpoint was incidence of in-hospital hyperglycemia (defined as peak blood glucose > 200 mg/dL). Multivariable linear and logistic regression models were used to adjust for confounders, and a propensity-score matching model was developed to further compare both groups of interest. A p-value of less than 0.05 was considered statistically significant.

Results

A total of 2,357 patients were included, 1,704 of them allocated in the statin group and 653 in the non-statin group. After adjustments, statin use in the first 24 hours was associated with a lower incidence of in-hospital hyperglycemia (adjusted OR=0.61, 95% CI 0.46-0.80; p < 0.001) and lower need for insulin therapy (adjusted OR = 0.56, 95% CI 0.41-0.76; p < 0.001). These associations remained similar in the propensity-score matching models, as well as after several sensitivity analyses, such as after excluding patients who developed cardiogenic shock, severe infection or who died during index-hospitalization.

Conclusions

Among statin-naïve patients admitted with ACS, early statin therapy was independently associated with lower incidence of in-hospital hyperglycemia. (Arq Bras Cardiol. 2021; 116(2):285-294)

Statins; Acute Coronary Syndrome; Myocardial Infarction; Blood Glucose; Hidroxymethylglutaryl-CoA-Reductase Inhibition

Introdução

Há evidências bem estabelecidas de que as estatinas melhoram desfechos cardiovasculares em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) estável.11. Randomised trial of cholesterol lowering in 4444 patients with coronary heart disease: the Scandinavian Simvastatin Survival Study (4S). Lancet. 1994; 344(8934):1383-9.,22. LaRosa JC, Grundy SM, Waters DD, Shear C, Barter P, Fruchart JC, et al. Treating to New Targets (TNT) Investigators. Intensive lipid lowering with atorvastatin in patients with stable coronary disease. N Engl J Med. 2005; 352(14):1425–35. Ao mesmo tempo, pacientes com risco aumentado de DAC mas sem aterosclerose evidente podem se beneficiar do tratamento com estatinas,33. Ridker PM, Danielson E, Fonseca FA, Genest J, Gotto AM Jr, Kastelein JJ, et al. Rosuvastatin to prevent vascular events in men and women with elevated C-reactive protein. N Engl J Med. 2008; 359(21):2195=-207.,44. Yusuf S, Bosch J, Dagenais G, Zhu J, Xavier D, Liu L, et al. HOPE-3 Investigators. Cholesterol Lowering in Intermediate-Risk Persons without Cardiovascular Disease. N Engl J Med. 2016 May 26; 374(21):2021-31. de modo que as diretrizes recomendam seu uso para esses dois grupos de pacientes.55. Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol. Circulation. 2019; 139(25):e1082-e1143. Ainda, as estatinas exercem importante papel nas síndromes coronarianas agudas (SCA)66. Cannon CP, Braunwald E, McCabe CH, Rader DJ, Rouleau JL, Belder R, et al. Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy-Thrombolysis in Myocardial Infarction 22 Investigators. Intensive versus moderate lipid lowering with statins after acute coronary syndromes. N Engl J Med 2004;350(15):1495-504.,77. Schwartz GG, Olsson AG, Ezekowitz MD, Ganz P, Oliver MF, Waters D, et al. Myocardial Ischemia Reduction with Aggressive Cholesterol Lowering (MIRACL) Study Investigators. Effects of atorvastatin on early recurrent ischemic events in acute coronary syndromes: the MIRACL study: a randomized controlled trial. JAMA. 2001;285(13):1711-8. e, nos pacientes submetidos à revascularização percutânea, a terapia precoce pode prover benefício adicional.88. Winchester DE, Wen X, Xie L, Bavry AA. Evidence of pre-procedural statin therapy a meta-analysis of randomized trials. J Am Coll Cardiol.2010;56(14):1099-109.,99. Berwanger O, Santucci EV, Silva PG, Jesuíno IA, Damiani LP, Barbosa LM, et al. Effect of Loading Dose of Atorvastatin Prior to Planned Percutaneous Coronary Intervention on Major Adverse Cardiovascular Events in Acute Coronary Syndrome: The SECURE-PCI Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018; 319(13):1331-40. Apesar disso, existe a preocupação acerca do risco aumentado de se desenvolver diabetes mellitus (DM) com o uso prolongado de estatina.1010. Sattar N, Preiss D, Murray HM, Welsh P, Buckley BM, Craen AJ, et al. Statins and risk of incident diabetes: a collaborative meta-analysis of randomised statin trials. Lancet 2010; 375(9716): 735–42.

11. Ridker PM, Pradhan A, MacFadyen JG, Libby P, Glynn RJ. Cardiovascular benefits and diabetes risks of statin therapy in primary prevention: an analysis from the JUPITER trial. Lancet. 2012; 380(9841):565–71.
-1212. Carter AA, Gomes T, Camacho X, Juurlink DN, Shah BR, Mamdani MM. Risk of incident diabetes among patients treated with statins: population based study. BMJ. 2013; 346: f2610. Ainda, as estatinas podem piorar o controle da glicemia em pacientes com diagnóstico de DM, ou antecipar a evolução para DM evidente em pacientes com síndrome metabólica, níveis alterados de glicemia de jejum ou intolerância à glicose.1313. Livingstone SJ, Looker HC, Akbar T, Betteridge DJ, Durrington PN, Hitman GA, et al. Effect of atorvastatin on glycaemia progression in patients with diabetes: an analysis from the Collaborative Atorvastatin in Diabetes Trial (CARDS). Diabetologia .2016; 59(2):299-306.,1414. Erqou S, Lee CC, Adler AI. Statins and glycaemic control in individuals with diabetes: a systematic review and meta-analysis. Diabetologia. 2014; 57(12):2444-52. Muitos mecanismos foram propostos para explicar a influência de estatinas sobre a glicemia.1515. Brault M, Ray J, Gomez YH, Mantzoros CS, Daskalopoulou SS. Statin treatment and new-onset diabetes: a review of proposed mechanisms. Metabolism. 2014; 63(6):735-45. As estatinas poderiam afetar o funcionamento de células beta e diminuir a secreção de insulina, um mecanismo diretamente relacionado à inibição de 3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A (HMG-CoA) redutase ou a outros potenciais mecanismos intracelulares.1616. Yaluri N, Modi S, López Rodríguez M, Stančáková A, Kuusisto J, Kokkola T, et al. Simvastatin Impairs Insulin Secretion by Multiple Mechanisms in MIN6 Cells. PLoS One. 2015; 10(11):e0142902.,1717. Shen L, Gu Y, Qiu Y, Cheng T, Nie A, Cui C, et al. Atorvastatin Targets the Islet Mevalonate Pathway to Dysregulate mTOR Signaling and Reduce β-Cell Functional Mass. Diabetes. 2020; 69(1):48-59. Por outro lado, também há evidência de que as estatinas possam diminuir a resistência insulínica, o que compensaria o mecanismo danoso mencionado anteriormente.1818. Gruzdeva O, Uchasova E, Dyleva Y, Akbasheva O, Karetnikova V, Barbarash O. Early Effects of Treatment Low-Dose Atorvastatin on Markers of Insulin Resistance and Inflammation in Patients with Myocardial Infarction. Front Pharmacol. 2016; 7:324.

Embora existam muitos dados acerca da influência em longo prazo das estatinas sobre a glicemia em pacientes com DAC, dados sobre indivíduos com SCA são escassos. Apesar da preocupação mencionada com os efeitos sobre a tolerância à glicose em longo prazo, devido à ação anti-inflamatória das estatinas,1919. Albert MA, Danielson E, Rifai N, Ridker PM; PRINCE Investigators. Effect of statin therapy on C-reactive protein levels: the pravastatin inflammation/CRP evaluation (PRINCE): a randomized trial and cohort study. JAMA 2001; 286(1):64-70.,2020. Ridker PM, Cannon CP, Morrow D, Rifai N, Rose LM, McCabe CH, et al. Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy-Thrombolysis in Myocardial Infarction 22 (PROVE IT-TIMI 22) Investigators. C-reactive protein levels and outcomes after statin therapy. N Engl J Med 2005; 352(1):20-8. estes medicamentos poderiam diminuir a inflamação na fase aguda das SCA e, portanto, indiretamente reduzir os níveis de glucose relacionados ao estresse da fase aguda. Assim, nossa hipótese é a de que, em pacientes internados com SCA, o uso precoce de estatina estaria associado a menor incidência de hiperglicemia durante a internação hospitalar na unidade coronariana (UCO).

Métodos

População e variáveis do estudo

Conduzimos uma análise retrospectiva de dados de pacientes admitidos com diagnóstico de SCA na UCO do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos os pacientes consecutivos admitidos em nossa UCO com diagnóstico de SCA foram prospectivamente registrados em um banco de dados específico, de 01 de janeiro de 1998 a 01 de maio de 2019. Nós identificamos pacientes que nunca haviam recebido estatinas na admissão hospitalar, e comparamos pacientes que receberam estatinas nas primeiras 24 horas de admissão (e continuaram o uso durante toda a internação) com pacientes que não as receberam.

Variáveis relacionadas ao tipo de SCA – infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST), e angina instável (AI) – características demográficas basais, fatores de risco, história de DAC, procedimentos prévios, uso de medicamentos concomitantes, e resultados laboratoriais basais também foram coletados. A glicemia foi obtida por amostras diárias de sangue, e a primeira glicemia (obtida na admissão) e o valor mais alto de glicemia observado durante a internação (isto é, pico de glicemia) foram registrados no banco de dados para posterior análise.

Casos de SCA foram definidos como pacientes apresentando sintomas de isquemia em repouso ou piora de sintomas isquêmicos em esforço, que o levaram à internação urgente na UCO dentro dos primeiros sete dias do início dos sintomas. Infarto do miocárdio (IM) foi definido segundo a definição universal atual de IM durante a coleta de dados. IAMCSST foi definido como elevação persistente do segmento ST de pelo menos 1 mm em duas ou mais derivações contíguas (exceto em V2-V3, em que se definiu um aumento de pelo menos 1,5mm em homens e mulheres com idade maior que 40 anos e de pelo menos 2 mm em homens com idade menor que 40 anos) ou bloqueio do ramo esquerdo novo ou presumidamente novo no eletrocardiograma de admissão. Os casos que não atingiram os critérios para IM foram classificados como AI. Pacientes em uso de estatina imediatamente antes da internação-índice ou pacientes que não possuíam informações de níveis de glicemia ou terapia com estatina na internação-índice foram excluídos.

O desfecho de interesse primário em nossa análise foi a ocorrência de hiperglicemia durante a internação, definida como pico de glicemia > 200 mg/dL em qualquer momento durante internação, e os desfechos secundários foram glicemia > o valor mediano de pico de glicemia em nossa amostra e hiperglicemia que necessitasse terapia insulínica endovenosa. Esse ponto de corte de 200 mg/dL baseou-se nas mais recentes diretrizes considerando o nível alvo sugerido para controle de glicemia em pacientes com SCA.2121. Ibanez B, James S, Agewall S, Antunes MJ, Bucciarelli-Ducci C, Bueno H, et al. 2017 ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation: The Task Force for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J 2018; 39(2):119-77. Também exploramos as associações entre hiperglicemia e mortalidade hospitalar.

Rotina laboratorial

Todos os pacientes admitidos com SCA tiveram amostra de sangue coletada de uma veia do antebraço durante a admissão. O sangue foi centrifugado e enviado para o laboratório, onde os níveis de glicose foram determinados por um procedimento padrão. Para essa primeira amostra, não foi requerido jejum, uma vez que estávamos interessados no primeiro valor aleatório da glicemia, além de outros valores laboratoriais de rotina.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher, e foram descritas como números absolutos e porcentagens. As variáveis contínuas foram descritas como médias e desvios padrões ou mediana e intervalos interquartis (IIQ), e comparadas usando-se o teste t de Student (se distribuição normal) para duas amostras ou o teste de Mann-Whitney (distribuição não normal). O teste de Shapiro Wilk e análise visual de histogramas foram usados para avaliação de normalidade.

Especificamente, o teste de Mann-Whitney foi usado nas análises não ajustadas para comparar os desfechos contínuos de glicemia entre os dois grupos de interesse. Para as análises não ajustadas em relação aos desfechos binários (incidência de hiperglicemia e morte hospitalar), foram usados modelos de regressão logística univariada.

Para ajuste quanto aos fatores de confusão, foram usados modelos de regressão multivariados nas análises ajustadas. Níveis de glicemia com transformação logarítmica para a glicemia de admissão e pico de glicemia foram incluídos em um modelo de regressão linear múltiplo. A transformação foi realizada a fim de manter a premissa de normalidade dos resíduos no modelo. O modelo incluiu, como variáveis independentes, dados demográficos basais e variáveis relacionadas a comorbidades. Um procedimento de seleção stepwise foi usado para ajustar o modelo, com um valor limiar de 0,02 para remover covariáveis e de 0,05 para adicionar covariáveis ao modelo. Um modelo de regressão logística foi desenvolvido seguindo-se as mesmas etapas para avaliar hiperglicemia como uma variável categórica (considerando as três definições mencionadas) e morte hospitalar. Os modelos foram ajustados quanto às seguintes covariáveis: idade, raça, sexo, DM, hipertensão, hipercolesterolemia, tabagismo, insuficiência cardíaca (IC), IM prévio, intervenção coronária percutânea (ICP) prévia, cirurgia de revascularização miocárdica prévia (CABG), acidente vascular cerebral prévio, clearance de creatinina (ClCr) < 60 mL/min, fenótipo de SCA (IAMCSST versus IAMSSST ou AI), Classe II de Killip ou mais, anos de admissão (antes ou após o ano de 2010, o qual foi o ponto médio do período de tempo do banco de dados), cobertura do seguro saúde (privado versus público), e escore GRACE (registro global de eventos coronarianos agudos; do inglês Global Registry of Acute Coronary Events).2222. Fox KA, Dabbous OH, Goldberg RJ, Pieper KS, Eagle KA, Werf FV, et al. Prediction of risk of death and myocardial infarction in the six months after presentation with acute coronary syndrome: prospective multinational observational study (GRACE). BMJ. 2006; 333(7578):1091. Alguns pacientes não possuíam valores de hemoglobina glicada (HbA1c) e índice de massa corporal (IMC) disponíveis e não foram incluídos no modelo principal, mas foram incluídos em análises de sensibilidade (ver abaixo).

Além disso, um modelo de pareamento por escore de propensão foi desenvolvido considerando a probabilidade de se receber estatina nas primeiras 24 horas após admissão. O modelo foi construído a partir de regressão logística, com um vizinho mais próximo de 1, e nível de calibração (caliper) de 0,001, utilizando as mesmas variáveis usadas nos modelos de regressão. Após o pareamento, as variáveis basais foram conferidas entre os dois grupos para verificar eventual desequilíbrio, com valor de p maior que 0,10 e uma diferença padronizada menor que 10% considerados apropriados, segundo literatura prévia sobre o tópico.2323. Elze MC, Gregson J, Baber U, Williamsom E, Sartori S, Mehran R, et al. Comparison of Propensity Score Methods and Covariate Adjustment: Evaluation in 4 Cardiovascular Studies. J Am Coll Cardiol. 2017; 69(3):345-57.

Para análise de sensibilidade, também aplicamos modelos ajustados para as variáveis basais, bem como para o uso de aspirina, inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores de receptor da angiotensina II (BRA), betabloqueadores orais, inibidores de P2Y12, heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular, betabloqueadores endovenosos, nitratos e inibidores da glicoproteína IIbIIIa endovenosos nas primeiras 24 horas da admissão. Além disso, usamos também um modelo incluindo IMC (Kg/m22. LaRosa JC, Grundy SM, Waters DD, Shear C, Barter P, Fruchart JC, et al. Treating to New Targets (TNT) Investigators. Intensive lipid lowering with atorvastatin in patients with stable coronary disease. N Engl J Med. 2005; 352(14):1425–35.) e outro incluindo HbA1c na admissão hospitalar e covariáveis. Finalmente, também aplicamos modelos excluindo pacientes que apresentaram choque cardiogênico, infecção grave, ou que evoluíram a óbito durante a hospitalização.

Não foi empregada imputação de dados faltantes. Somente indivíduos com informações válidas sobre uso de estatina e níveis de glicemia foram incluídos. Todos os testes foram bicaudais. Um valor de p menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As análises foram realizadas usando o programa Stata,TM versão 15.1 (Statacorp, College Station, TX, EUA).

Resultados

Análises descritivas

Dos 7099 pacientes incluídos no banco de dados entre 01 de janeiro de 1998 e 01 de maio de 2019, 2357 pacientes que nunca usaram estatinas foram incluídos nesta análise, 1704 desses receberam estatina nas primeiras 24 horas da admissão e 653 não (Figura 1). Na população total do estudo, a idade média foi de 62,9 ± 12,6 anos, 713 pacientes (30,3%) eram do sexo feminino, 789 (33,5%) tinham história de DM na admissão, e 1073 (45,5%) IAMCSST como apresentação clínica das SCA (Tabela 1).

Figura 1
– Fluxograma representando o processo de inclusão e alocação dos pacientes.

Tabela 1
– Características basais, valores laboratoriais, medicamentos nas primeiras 24 horas e estratégias de revascularização para o evento-índice de acordo com o grupo do estudo

Como o esperado, houve várias diferenças entre pacientes recebendo estatinas em comparação aos que não receberam estatinas nas primeiras 24 horas de internação. Os pacientes que receberam estatinas eram mais jovens, e mais propensos a apresentarem história de hipertensão, DM, e ClCr<60 mL/min na admissão, entre outras diferenças. Ainda, apresentavam maior chance de serem incluídos no banco de dados após janeiro de 2010. Contudo, esses pacientes apresentavam menos chance de serem da raça branca e possuírem seguro de saúde privado (Tabela 1). Os pacientes que receberam estatinas nas primeiras 24 horas também tinham maior probabilidade de serem tratados com aspirina, inibidor de P2Y12, e IECA ou BRA nas primeiras 24 horas (Tabela 1). Em relação aos valores laboratoriais, os pacientes recebendo estatinas nas primeiras 24 horas apresentaram níveis mais elevados de triglicerídeos e uma tendência de maiores níveis de HbA1c, mas níveis similares de colesterol total, LDL colesterol, e HDL colesterol (Tabela 1).

Associação entre uso de estatina nas primeiras 24 horas e níveis de glicemia

Na análise não ajustada, os níveis de glicemia na admissão não foram diferentes entre pacientes que receberam estatinas e aqueles não recebendo estatinas nas primeiras 24 horas. No entanto, os pacientes tratados com estatinas apresentaram pico mais baixo de glicemia em comparação aos pacientes que não as receberam (Tabela 2A).

Tabela 2A
– Análise não ajustada 1: valores medianos da primeira medida de glicemia e do pico de glicemia de acordo com os grupos de estudo (com estatina ou sem estatina)

Na análise multivariada ajustada, a terapia com estatina nas primeiras 24 horas permaneceu independentemente associada com picos glicêmicos mais baixos na hospitalização (média geométrica ajustada de 139,0 versus 150,3 mg/dL, respectivamente; IC 95% da diferença de -15.9 a -6.5 mg/dL, p ajustado < 0,001). Após ajustes, não foram observadas diferenças significativas na glicemia de admissão (Tabela 2B).

Tabela 2B
– Análise multivariada 2: médias geométricas ajustadas da medida de glicemia de acordo com o grupo de estudo (com estatina e sem estatina)

Na análise baseada no pareamento por escore de propensão, 500 pacientes do grupo de estatina foram pareados com um número similar de pacientes do grupo sem estatina. Após o pareamento, as características basais usadas para construir o modelo estavam bem balanceadas entre os dois grupos, sem nenhum valor de p inferior a 0,10, ou nenhuma diferença média padronizada maior que10% ( 1 Suplementar e Figura 1 Suplementar). Considerando a análise de pareamento por escore de propensão, a terapia com estatina permaneceu significativamente associada com níveis mais baixos de pico de glicemia (Tabela 2 Suplementar).

Associação entre estatina e ocorrência de hiperglicemia durante internação

Na análise não ajustada, a terapia com estatina nas primeiras 24 horas foi associada com menor incidência de hiperglicemia, incluindo pico de glicemia acima de 200mg/dL, pico de glicemia acima da mediana, e hiperglicemia com necessidade de uso de insulina (Tabela 3 Suplementar).

Tabela 3
– Associações entre níveis de glicemia e morte hospitalar

Após análise multivariada ajustada, a terapia com estatina permaneceu independentemente associada com menor incidência de pico de glicemia acima de 200 mg/dL (OR ajustado de 0,61, IC95% 0,46-0,80; p<0,001), e pico glicêmico acima da mediana e hiperglicemia com necessidade de terapia insulínica (ver Tabela 3 Suplementar e Figura 2A para mais detalhes).

Figura 2
Risco ajustado de hiperglicemia durante internação segundo fierentes definições. A ajustado por regressão logística multivariada; B: ajustado por pareamento por escore de propensão Ajustado por idade, raça, sexo, diabetes mellitus, hipertensão, hipercolesterolemia, tabagismo, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio prévio, intervenção coronária percutânea prévia, revascularização do miocárdio prévio, clearance de creatinina < 60 ml/min, fenótipo de síndromes coronarianas agudas (IAMCSST versus IAMSSST), Classe II (ou mais) de Killip, escore GRACE, tipo de seguro saúde e período de inclusão (antes de janeiro 2010 versus depois de janeiro de 2010).

Na análise de pareamento por escore de propensão, os resultados foram similares àqueles obtidos na regressão multivariada, com associações significativas entre uso de estatina e risco mais baixo de hiperglicemia de acordo com as três definições (Tabela 3 Suplementar e Figura 2B).

Análises de sensibilidade

As associações entre a terapia com estatina e menor incidência de hiperglicemia (pico de glicemia > 200mg/dL) permaneceram consistentes mesmo após várias análises de sensibilidade, como por exemplo incluindo-se outras medicações concomitantes no modelo. Os resultados para o desfecho primário também mantiveram-se consistentes em um modelo que considerou a data de inclusão no banco de dados como uma variável contínua. Em outra análise, onde os pacientes foram estratificados de acordo com o período de inclusão (antes versus após janeiro de 2010), não houve modificação de efeito significativo para o desfecho primário. Além disso, quando os pacientes que desenvolveram choque cardiogênico ou infecção grave, ou que não sobreviveram até a alta hospitalar foram excluídos da análise, não restaram associações significativas entre o uso de estatinas nas primeiras 24 horas e a menor ocorrência de hiperglicemia. Finalmente, nos modelos que incluíram HbA1c (%) ou IMC como covariáveis, apesar de a estimativa-ponto para as OR ter sido similar, não restaram associações significativas, provavelmente devido ao pequeno número de pacientes com aquelas duas variáveis disponíveis. Esses resultados estão descritos nas Tabelas Suplementares 4-11.

Associação entre níveis de glicemia e mortalidade hospitalar

Na população do estudo, observou-se uma associação independente entre valores mais altos de pico de glicemia e maior mortalidade hospitalar (OR 1,05; IC95% 1,03-1,07 para cada 10 mg/dL; p < 0,001). Por outro lado, a glicemia de admissão não se associou independentemente com mortalidade hospitalar (Tabela 3).

Discussão

Principais achados do estudo

Obtivemos resultados importantes neste estudo. Primeiramente, o uso de estatina nas primeiras 24 horas de internação hospitalar nas SCA foi altamente associado a comorbidades e, mais importante, observou-se uma associação temporal relevante, de modo que, em nossos dados, observou-se diferença importante entre pacientes incluídos antes de 2010 versus pacientes incluídos após 2010. Tal fato está provavelmente relacionado às evidências acumuladas sobre o uso de estatinas nas SCA,66. Cannon CP, Braunwald E, McCabe CH, Rader DJ, Rouleau JL, Belder R, et al. Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy-Thrombolysis in Myocardial Infarction 22 Investigators. Intensive versus moderate lipid lowering with statins after acute coronary syndromes. N Engl J Med 2004;350(15):1495-504.,77. Schwartz GG, Olsson AG, Ezekowitz MD, Ganz P, Oliver MF, Waters D, et al. Myocardial Ischemia Reduction with Aggressive Cholesterol Lowering (MIRACL) Study Investigators. Effects of atorvastatin on early recurrent ischemic events in acute coronary syndromes: the MIRACL study: a randomized controlled trial. JAMA. 2001;285(13):1711-8. apesar de não existir nenhuma recomendação para se iniciar a terapia com estatina nas primeiras 24 horas de admissão.55. Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol. Circulation. 2019; 139(25):e1082-e1143.,2121. Ibanez B, James S, Agewall S, Antunes MJ, Bucciarelli-Ducci C, Bueno H, et al. 2017 ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation: The Task Force for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J 2018; 39(2):119-77. Segundo, houve uma associação independente entre o uso precoce de estatina e uma incidência mais baixa de hiperglicemia hospitalar. Essa associação foi observada em dois diferentes modelos ajustados (regressão logística e pareamento por escore de propensão) e após várias análises de sensibilidade realizadas para verificar a consistência dos achados. Portanto, apesar do risco de se desenvolver nova DM na fase crônica, nossos resultados provavelmente excluem qualquer prejuízo aparente à tolerância à glicose causado pelas estatinas durante a fase aguda de SCA, um período em que o aumento de catecolaminas e mediadores inflamatórios podem aumentar a susceptibilidade à hiperglicemia de estresse e suas potenciais consequências clínicas.2424. Capes SE, Hunt D, Malmberg K, Gerstein HC. Stress hyperglycaemia and increased risk of death after myocardial infarction in patients with and without diabetes: a systematic overview. Lancet 2000; 355(9206):773–8.

Comparação com estudos prévios

Apesar da vasta literatura investigando os efeitos crônicos das estatinas sobre a tolerância à glicose, poucos estudos investigaram qualquer efeito possível no cenário agudo. Yan et al.,2525. Yan C, Qin M, Juan YS, Tao LY, Dong GM, Zechun Z, et al. Association of statin use and stress-induced hyperglycemia in patients with acute ST-elevation myocardial infarction. JRSM Cardiovasc Dis. 2016; 5:2048004016639442. relataram um risco aumentado de hiperglicemia de estresse em pacientes com IM agudo recebendo estatinas. Mas a ausência de análises ajustadas e a definição arbitrária do ponto de corte para hiperglicemia de estresse enfraquecem as conclusões daquele estudo. Sposito et al.,2626. Sposito AC, Carvalho LSF, Moura FA, Staffico AM, Cintra RM, Nadruz W, et al. Statin Short-term Inhibition of Insulin Sensitivity and Secretion During Acute Phase of ST-Elevation Myocardial Infarction. Sci Rep. 2019; 9(1):16401. estudaram essa questão em pacientes hospitalizados com IAMCSST, e mostraram que 80mg de sinvastatina diminuiu a sensibilidade à insulina em comparação à 10 mg de sinvastatina avaliada pelo método do clamp euglicêmico hiperinsulinêmico.2626. Sposito AC, Carvalho LSF, Moura FA, Staffico AM, Cintra RM, Nadruz W, et al. Statin Short-term Inhibition of Insulin Sensitivity and Secretion During Acute Phase of ST-Elevation Myocardial Infarction. Sci Rep. 2019; 9(1):16401. Apesar desses resultados parecerem contrastar com os nossos, a inclusão de somente pacientes sem DM e o uso do método do clamp euglicêmico hiperinsulinêmico limitam a generalização de seus resultados para um cenário real como é o caso do nosso estudo. No entanto, é possível que, apesar do efeito adverso sobre a resistência à insulina precocemente na fase aguda das SCA, as estatinas poderiam compensar tal efeito pela redução da resposta inflamatória, levando a uma diminuição nos níveis de glicemia.

A associação entre estatinas e glicemia mais baixa em situações de estresse poderia ser atribuída, ao menos em parte, pelos efeitos diretos das estatinas sobre inflamação, o que está bem estabelecido na literatura.1919. Albert MA, Danielson E, Rifai N, Ridker PM; PRINCE Investigators. Effect of statin therapy on C-reactive protein levels: the pravastatin inflammation/CRP evaluation (PRINCE): a randomized trial and cohort study. JAMA 2001; 286(1):64-70. Outros estudos sugeriram que aqueles efeitos pleiotrópicos das estatinas possam ocorrer precocemente nas SCA. Dois estudos randomizados demonstraram que o tratamento de curta duração (menos que 5 dias) com rosuvastatina, comparado a placebo, reduziu a incidência da lesão renal aguda pós-contraste.2727. Leoncini M, Toso A, Maioli M, Tropeano F, Villani S, Bellandi F. Early high-dose rosuvastatin for contrast-induced nephropathy prevention in acute coronary syndrome: Results from the PRATO-ACS Study (Protective Effect of Rosuvastatin and Antiplatelet Therapy On contrast-induced acute kidney injury and myocardial damage in patients with Acute Coronary Syndrome). J Am Coll Cardiol. 2014; 63(1):71-9.,2828. Han Y, Zhu G, Han L, Hou F, Huang W, Liu H, et al. Short-term rosuvastatin therapy for prevention of contrast-induced acute kidney injury in patients with diabetes and chronic kidney disease. J Am Coll Cardiol. 2014; 63(1):62-70. Esse efeito parece ser mediado por uma ação anti-inflamatória, uma vez que nenhum efeito hipolipemiante seria esperado em um prazo tão curto.2929. Toso A, Leoncini M, Maioli M, Tropeano F, Vicenzo E, Villani S, et al. Relationship Between Inflammation and Benefits of Early High-Dose Rosuvastatin on Contrast-Induced Nephropathy inPatients With Acute Coronary Syndrome: The Pathophysiological Link in the PRATO-ACS Study (Protective Effect of Rosuvastatin and Antiplatelet Therapy on Contrast-Induced Nephropathy and Myocardial Damage in Patients With Acute Coronary Syndrome Undergoing Coronary Intervention). JACC Cardiovasc Interv. 2014; 7(12):1421-9. Ainda, uma metanálise mostrou que uma dose de ataque precoce de estatina diminui a incidência de IM relacionado ao procedimento.88. Winchester DE, Wen X, Xie L, Bavry AA. Evidence of pre-procedural statin therapy a meta-analysis of randomized trials. J Am Coll Cardiol.2010;56(14):1099-109. Contudo, um ensaio randomizado mais amplo, o SECURE-PCI, não detectou uma redução em eventos isquêmicos pós SCA com atorvastatina precoce na dose de 80 mg,99. Berwanger O, Santucci EV, Silva PG, Jesuíno IA, Damiani LP, Barbosa LM, et al. Effect of Loading Dose of Atorvastatin Prior to Planned Percutaneous Coronary Intervention on Major Adverse Cardiovascular Events in Acute Coronary Syndrome: The SECURE-PCI Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018; 319(13):1331-40. apesar do potencial benefício no subgrupo de pacientes submetidos à ICP após a randomização.3030. Lopes RD, Silva PG, Jesuíno IA, Santucci EV, Barbosa LM, Damiani LP, et al. Timing of Loading Dose of Atorvastatin in Patients Undergoing Percutaneous Coronary Intervention for Acute Coronary Syndromes: Insights From the SECURE-PCI Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiol. 2018; 3(11):1113-8.

Hiperglicemia e mortalidade após SCA

O impacto da hiperglicemia sobre a sobrevida após SCA está bem estabelecido tanto em diabéticos como em pacientes sem DM.2424. Capes SE, Hunt D, Malmberg K, Gerstein HC. Stress hyperglycaemia and increased risk of death after myocardial infarction in patients with and without diabetes: a systematic overview. Lancet 2000; 355(9206):773–8. Em uma análise no estudo CARDINAL, Goyal et al.,3131. Goyal A, Mahaffey KW, Garg J, Nicolau JC, Hochman JS, Weaver WD, et al. Prognostic significance of the change in glucose level in the first 24 h after acute myocardial infarction: results from the CARDINAL study. Eur Heart J 2006; 279(11):1289–97. sugeriram que a persistência de níveis elevados de glicose nas 24 horas após a admissão estava ainda mais associada com menor sobrevida que níveis elevados na admissão.3131. Goyal A, Mahaffey KW, Garg J, Nicolau JC, Hochman JS, Weaver WD, et al. Prognostic significance of the change in glucose level in the first 24 h after acute myocardial infarction: results from the CARDINAL study. Eur Heart J 2006; 279(11):1289–97. Embora exista uma associação entre glicemia e mortalidade, ainda não se sabe se a hiperglicemia é um mediador direto de morte celular aumentada e lesão durante o IM, ou somente um marcador de risco basal aumentado. De uma perspectiva biológica, a hiperglicemia possivelmente está associada com danos diretos na microcirculação e remodelamento ventricular esquerdo.3232. Yana M, Chena K, Suna R, Lin K, Qian X, Yuan M, et al. Glucose impairs angiogenesis and promotes ventricular remodeling following myocardial infarction via upregulation of microRNA-17. Exp Cell Res. 2019; 381(2):191–200. Por outro lado, resultados de estudos randomizados que não conseguiram demonstrar um melhor prognóstico com um controle mais rígido da glicemia apoiam a segunda hipótese.3333. Malmberg K, Rydén L, Wedel H, Birkeland K, Bootsma A, Dickstein K, et al. Intense metabolic control by means of insulin in patients with diabetes mellitus and acute myocardial infarction (DIGAMI 2): effects on mortality and morbidity. Eur Heart J. 2005; 26(7):650-61.,3434. NICE-SUGAR Study Investigators, Finfer S, Chittock DR, Su SY, Blair D, Foster D, Dhingra V, et al. Intensive versus conventional glucose control in critically ill patients. N Engl J Med 2009;360(13):1283–97. Apesar disso, se a hiperglicemia estiver de fato parcialmente implicada no dano miocárdico no IM, nossos resultados são tranquilizadores, uma vez que eles provavelmente excluem um efeito deletério das estatinas sobre o metabolismo glicêmico durante a fase aguda das SCA.

Limitações do estudo

Nosso estudo possui várias limitações. Primeiramente, não coletamos informações detalhadas sobre dosagens e tipos de estatinas usadas. Enquanto alguns estudos mostraram distintos efeitos de diferentes estatinas sobre o metabolismo da glicose, outros sugeriram que o risco de DM com estatinas pode ser um efeito de classe.3535. Baker WL, Talati R, White CM, Coleman CI. Differing effect of statins on insulin sensitivity in non-diabetics: a systematic review and meta-analysis. Diabetes Res Clin Pract. 2010; 87(1):98-107.,3636. Kim J, Lee HS, Lee KY. Effect of statins on fasting glucose in non diabetic individuals: nationwide population based health examination in Korea. Cardiovasc Diabetol. 2018; 17(1):155. Segundo, nosso banco de dados abrange um longo período de tempo, incluindo pacientes desde 1998, ano em que o uso de estatinas na fase aguda do IM era menor. Porém, nós consideramos essa covariável nos modelos ajustados e em análises de sensibilidade, reforçando que a associação encontrada não foi enganosamente causada por esse fator de confusão. Terceiro, nós não coletamos informações detalhadas sobre indicações e contraindicações de se iniciar ou não terapia com estatina precocemente nas SCA. Assim, é possível que a chance de pacientes com maior risco de morte ou em condição clínica crítica receber estatinas nas primeiras 24 horas pelo médico tenha sido menor. Vários fatores, além do efeito do medicamento sobre o metabolismo da glicose, poderiam ter influenciado na decisão de se iniciar ou não estatinas nas primeiras 24 horas. Ainda, apesar de ajustes para várias comorbidades e outros fatores demográficos e socioeconômicos tenham sido realizados, fatores de confusão residuais desconhecidos podem ter permanecido. Entretanto, o escore GRACE, um preditor bem estabelecido de mortalidade hospitalar em pacientes com SCA2222. Fox KA, Dabbous OH, Goldberg RJ, Pieper KS, Eagle KA, Werf FV, et al. Prediction of risk of death and myocardial infarction in the six months after presentation with acute coronary syndrome: prospective multinational observational study (GRACE). BMJ. 2006; 333(7578):1091. foi incluído como covariável, e nós também conduzimos análises de sensibilidade excluindo pacientes que desenvolveram choque cardiogênico ou infecção grave, e pacientes que foram a óbito durante a primeira internação. Quarto, devido à natureza retrospectiva de nossa análise, não foi possível determinar se nossos resultados estiveram sujeitos a viés de recordação. Quinto, pelo fato de nossos dados serem derivados de um banco de dados de um único centro, não está claro se nossos resultados podem ser extrapolados para outros países ou para a realidade de outros hospitais. Finalmente, dada a natureza observacional do estudo, não podemos fazer nenhuma inferência causal, mas apenas concluir sobre associações, de modo que nossos achados são somente geradores de hipóteses e devem ser confirmados em ensaios randomizados específicos.

Conclusão

Em pacientes admitidos com SCA, a terapia com estatina nas primeiras 24 horas associou-se com menor incidência de hiperglicemia durante internação hospitalar. Esse resultado sugere que, embora as estatinas possam aumentar o risco de novo DM em longo prazo, esses medicamentos podem estar associados a efeitos benéficos ao metabolismo da glicose em curto prazo nas SCA.

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  • Aspectos éticos
    Este estudo está de acordo com as recomendações da declaração de Helsinki e normas de boas práticas em pesquisa médica envolvendo humanos. O estudo prescindiu de termo de consentimento segundo normas locais, uma vez que consistiu em análise retrospectiva de um banco administrativo de dados, relativos aos cuidados de rotina de pacientes não identificados, admitidos em nosso hospital.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • *
    Material suplementar
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  • Fontes de financiamento.O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Fev 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Revisado
    02 Jun 2020
  • Aceito
    10 Jun 2020
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