Acessibilidade / Reportar erro

“Conheça o seu Inimigo e a si Mesmo”. Risco Cardiovascular na Pesquisa Nacional de Saúde

Palavras-chave
Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Epidemiologia; Fatores de Risco; Obesidade; Envelhecimento

A Arte da Guerra, de Sun Tzu11. Tzu, S. Sun Tzu’s The art of war. Translation by Lionel Giles. Tokyo: Tuttle Publishing; 2016. ISBN 978-0-8048-4820-6. é uma obra-prima sobre estratégia militar publicada há cerca de 2.500 anos. Em sua obra, Tzu afirma: “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas.” Embora não sejamos generais do exército, os ensinamentos de Tzu também podem ser úteis na ciência cardiovascular. Eles reforçam a necessidade de compreender o quadro atual da epidemiologia cardiovascular em nossa sociedade e como ela evolui, como uma arma primária para determinar como os recursos e esforços podem ser aplicados de forma mais eficiente.

As doenças cardiovasculares continuam sendo uma das principais causas mundiais de morte e incapacidade. Embora as pesquisas nas últimas décadas tenham melhorado consideravelmente nosso conhecimento sobre os principais fatores da epidemiologia das doenças cardiovasculares, as altas taxas de morbimortalidade cardiovascular geram um quadro muito heterogêneo ao redor do mundo.22. Roth GA, Forouzanfar MH, Moran AE, Barber R, Nguyen G, Feigin VL, et al. Demographic and epidemiologic drivers of global cardiovascular mortality. N Engl J Med. 2015;372(14):1333-41. No nosso país, por exemplo, nas últimas décadas, observamos uma queda acentuada do tabagismo em todos os estados brasileiros.33. Malta DC, Flor LS, Machado Í, Felisbino-Mendes MS, Brant LCC, Ribeiro ALP, et al. Trends in prevalence and mortality burden attributable to smoking, Brazil and federated units, 1990 and 2017. Popul Health Metr 2020;18(Suppl 1):24. Entretanto, também observamos tendências crescentes para outros fatores de risco como diabetes44. Telo G, Cureau FV, Souza MS, Andrade TS, Copês F, Schaan BD. Prevalence of diabetes in Brazil over time: a systematic review with meta-analysis. Diabetol Metab Syndr 2016; 8(1):65. e outras alterações metabólicas relacionadas à obesidade,55. Gomes DCK, Sichieri R, Junior EV, Boccolini CS, de Moura Souza A, Cunha DB. Trends in obesity prevalence among Brazilian adults from 2002 to 2013 by educational level. BMC Public Health 2019;19(1):965. assim como o envelhecimento da população, produzindo impactos mistos nas taxas de morbimortalidade cardiovascular.

Em artigos publicados recentemente nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, tem-se dado visibilidade ao risco cardiovascular em populações específicas em nosso país. Silva et al.,66. Silva AG, Paulo RV, Silva-Vergara ML. Subclinical Carotid Atherosclerosis and Reduced DAD Score for Cardiovascular Risk Stratification in HIV-Positive Patients. Arq Bras Cardiol 2020;114(1):68-75. estudaram 71 indivíduos com HIV (população de alto risco cardiovascular em comparação à população geral77. Shah ASV, Stelzle D, Lee KK, Beck EJ, Alan S, Clifford S, et al. Global Burden of Atherosclerotic Cardiovascular Disease in People Living With HIV: Systematic Review and Meta-Analysis. Circulation 2018; 138(11):1100-12) em Minas Gerais. Os participantes desse estudo tinham idade média de 47,2 anos e 53% eram homens. Verificou-se que mais de um quarto desses participantes tinha >20% de probabilidade de eventos cardiovasculares em 10 anos. Oliveira et al.,88. Oliveira AN, Simões MM, Simões R, Malachias MVB, Rezende BA. Cardiovascular Risk in Psoriasis Patients: Clinical, Functional and Morphological Parameters. Arq Bras Cardiol 2019;113(2):242-9. estudaram 11 pacientes consecutivos do sexo masculino com psoríase (um distúrbio inflamatório também associado a risco cardiovascular aumentado99. Masson W, Lobo M, Molinero G. Psoriasis and Cardiovascular Risk: A Comprehensive Review. Adv Ther 2020; 37(5):2017-33.) e 33 controles pareados por idade e observaram níveis significativamente mais elevados de colesterol total, colesterol LDL e proteína C reativa e uma tendência de aumento na frequência de diagnóstico de tabagismo e hipertensão em indivíduos com psoríase em comparação com controles.

Na edição atual dos Arquivos, Malta et al.,1010. Malta DC, Pinheiro PC, Teixeira RA, Machado IE, Santos FM, Ribeiro ALP. Cardiovascular Risk Estimates in Ten Years in the Brazilian Population, a Population-Based Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):423-431. analisaram dados da Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2013, com subsequentes avaliações laboratoriais realizadas em 2014 e 2015. É importante frisar que esta é uma contribuição necessária para o campo. Em primeiro lugar, a metodologia adotada mostra o “panorama” do risco cardiovascular em nosso país, com uma amostra grande e representativa. Em segundo lugar, os autores apresentam informações detalhadas sobre as distribuições dos escores de risco de Framingham de acordo com características sociodemográficas de nosso país, usando ferramentas estatísticas adequadas para evitar os vieses de seleção. Por fim, o acréscimo da aferição da pressão arterial e medições laboratoriais para uma subamostra da Pesquisa Nacional de Saúde reduz consideravelmente o impacto do subdiagnóstico nos resultados. Dentre seus principais resultados, os autores estimam que 5,8% das mulheres e 21,6% dos homens em nosso país apresentam risco elevado (>20%) de eventos cardiovasculares em 10 anos.

Mais avanços são certamente necessários neste campo. Um ponto importante é que não está claro até que ponto o clássico escore de risco de Framingham é adequado para identificação de risco na população brasileira. É interessante notar que a Diretriz da ACC/AHA de 2013 sobre a Avaliação de Risco Cardiovascular1111. Goff DC, Lloyd-Jones DM, Bennett G, Coady S, D’Agostino RB, Gibbons R, et al. 2013 ACC/AHA guideline on the assessment of cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S49-73. identificou a necessidade de critérios de pontuação específicos para cada raça. Seus autores descrevem diferentes equações para brancos e afro-americanos e reconhecem as limitações de aplicar os mesmos cálculos para outros grupos étnicos. Pode ser que nossas estimativas de risco cardiovascular serão ainda mais precisas à medida que mais informações “locais” sejam disponibilizadas a partir de estudos de coorte de longo prazo no Brasil.1212. Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al. Cohort Profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol. 2015;44(1):68-75. Avanços nas pesquisas de epidemiologia cardiovascular nos permitirão conhecer o inimigo, nos conhecer e vencer mais batalhas.

  • Minieditorial referente ao artigo: Estimativas do Risco Cardiovascular em Dez Anos na População Brasileira: Um Estudo de Base Populacionala

References

  • 1
    Tzu, S. Sun Tzu’s The art of war. Translation by Lionel Giles. Tokyo: Tuttle Publishing; 2016. ISBN 978-0-8048-4820-6.
  • 2
    Roth GA, Forouzanfar MH, Moran AE, Barber R, Nguyen G, Feigin VL, et al. Demographic and epidemiologic drivers of global cardiovascular mortality. N Engl J Med. 2015;372(14):1333-41.
  • 3
    Malta DC, Flor LS, Machado Í, Felisbino-Mendes MS, Brant LCC, Ribeiro ALP, et al. Trends in prevalence and mortality burden attributable to smoking, Brazil and federated units, 1990 and 2017. Popul Health Metr 2020;18(Suppl 1):24.
  • 4
    Telo G, Cureau FV, Souza MS, Andrade TS, Copês F, Schaan BD. Prevalence of diabetes in Brazil over time: a systematic review with meta-analysis. Diabetol Metab Syndr 2016; 8(1):65.
  • 5
    Gomes DCK, Sichieri R, Junior EV, Boccolini CS, de Moura Souza A, Cunha DB. Trends in obesity prevalence among Brazilian adults from 2002 to 2013 by educational level. BMC Public Health 2019;19(1):965.
  • 6
    Silva AG, Paulo RV, Silva-Vergara ML. Subclinical Carotid Atherosclerosis and Reduced DAD Score for Cardiovascular Risk Stratification in HIV-Positive Patients. Arq Bras Cardiol 2020;114(1):68-75.
  • 7
    Shah ASV, Stelzle D, Lee KK, Beck EJ, Alan S, Clifford S, et al. Global Burden of Atherosclerotic Cardiovascular Disease in People Living With HIV: Systematic Review and Meta-Analysis. Circulation 2018; 138(11):1100-12
  • 8
    Oliveira AN, Simões MM, Simões R, Malachias MVB, Rezende BA. Cardiovascular Risk in Psoriasis Patients: Clinical, Functional and Morphological Parameters. Arq Bras Cardiol 2019;113(2):242-9.
  • 9
    Masson W, Lobo M, Molinero G. Psoriasis and Cardiovascular Risk: A Comprehensive Review. Adv Ther 2020; 37(5):2017-33.
  • 10
    Malta DC, Pinheiro PC, Teixeira RA, Machado IE, Santos FM, Ribeiro ALP. Cardiovascular Risk Estimates in Ten Years in the Brazilian Population, a Population-Based Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):423-431.
  • 11
    Goff DC, Lloyd-Jones DM, Bennett G, Coady S, D’Agostino RB, Gibbons R, et al. 2013 ACC/AHA guideline on the assessment of cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S49-73.
  • 12
    Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al. Cohort Profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol. 2015;44(1):68-75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br