Acessibilidade / Reportar erro

Novas Perspectivas no Tratamento da Hipertensão

Palavras-chave
Hipertensão/tendências; Pressão Arterial; Diuréticos/uso terapêutico; Doenças Cardiovasculares/complicações; Tratamento Farmacológico/tendências

A hipertensão arterial é certamente o maior fator de risco para doenças cardiovasculares. Tiocianatos, barbitúricos, brometos e bismuto foram testados no tratamento da hipertensão arterial no início da década de 1940.11. Moser M. Historical Perspectives on the Management of Hypertension. J Clin Hypertens. 2006;8(Suppl 2):15–20. O uso dessas drogas foi interrompido por se mostrarem ineficazes e com diversos efeitos colaterais. Em meados da década de 1950, bloqueadores ganglionares como hexametônio, pentolínio, mecamilamina e substâncias simpatolíticas de ação periférica (guanetidina) foram testadas no tratamento da hipertensão arterial e mostraram-se eficazes na sua redução, mas pouco toleradas.22. Moser M, Mattingly TW. Critical evaluation of drug therapy of hypertension - Postgraduate medicine 1955;17(5):351-61. Novos medicamentos foram introduzidos para este fim na década de 1950, incluindo diuréticos.33. Moser M, and Magaulay AI. Chlorothiazide as an Adiunct in the Treatment of Essential Hypertension. Am J Cardiol 1959;3(2):214-9.

Em 1956, em estudo observacional, Moser e Magaulay acompanharam 106 pacientes hipertensos que receberam rauwolfia, hidralazina, reserpina, mecamilamina e clorotiazida como tratamento para hipertensão arterial, isoladamente ou em combinação. A dose de clorotiazida utilizada neste estudo variou de 0,5 a 1,5 gramas e a combinação de clorotiazida resultou em melhor controle da pressão arterial. Desde esse estudo observacional até os dias atuais, vários estudos relacionados ao tratamento farmacológico da hipertensão foram realizados.44. Saklayen MG and Deshpande NV. Timeline of History of Hypertension Treatment. Front Cardiovasc Med. 2016;3(:3. doi: 10.3389/fcvm.2016.00003.
https://doi.org/10.3389/fcvm.2016.00003...
O primeiro estudo randomizado e controlado por placebo realizado foi o Veteran Administration (VA), publicado em 1967.55. Veterans Administration Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents: Effect of treatment on morbidity in hypertension: results in patients with diastolic blood pressure averaging 115 through 129 mm Hg. JAMA. 1967;202(11):1028–34. É importante notar que o critério de inclusão do estudo para o tratamento ativo versus placebo foi a pressão diastólica entre 115 e 129 mmHg. Após a publicação do estudo VA-I em 196755. Veterans Administration Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents: Effect of treatment on morbidity in hypertension: results in patients with diastolic blood pressure averaging 115 through 129 mm Hg. JAMA. 1967;202(11):1028–34. e do VA-II em 197066. Veterans Administration Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents: Effects of treatment on morbidity in hypertension. II. Results in patients with diastolic blood pressure averaging 90 through 114 mm Hg. JAMA. 1970;213(7):1143–52., diversos estudos randomizados controlados abordando o tratamento da hipertensão arterial foram realizados. O foco inicial do tratamento para hipertensão arterial foi a excreção renal de sódio, uma vez que se pensava inicialmente que as doenças renais fossem a principal causa da hipertensão. Posteriormente, os mecanismos fisiopatológicos da hipertensão foram elucidados e a terapia foi direcionada aos principais deles. A ativação do sistema nervoso simpático como importante mecanismo fisiopatológico da hipertensão já havia sido percebida na década de 1950, e várias formas de bloqueio do sistema nervoso simpático e até simpatectomia foram então testadas.77. Moser M, Mattingly TW. Critical evaluation of drug therapy of hypertension - Postgrad Med. 1955;17(5):351-61. A partir da década de 1980, com a introdução da microneurografia e a técnica de spillover de norepinefrina, a importância da ativação do sistema nervoso simpático na fisiopatologia da hipertensão tornou-se ainda mais evidente.88. Anderson EA, Sinkey CA, Lawton WJ, Mark AL. Elevated sympathetic nerve activity in borderline hypertensive humans: evidence from direct intraneural recordings. Hypertension. 1988;14(2):1277-83.,99. Esler M, Lambert G, Jennings G. Increased regional sympathetic nervous activity in human hypertension: causes and consequences. J Hypertens. 1990;8(7):S53–57. Embora mal tolerados, os bloqueadores adrenérgicos centrais e periféricos sempre fizeram parte do tratamento da hipertensão arterial.1010. DeQuattro V and Li D. Sympatholytic therapy in primary hypertension: a user friendly role for the future. Journal of Human Hypertension 2002; 16(Suppl 1):S118–S123. A ativação do sistema renina-angiotensina aldosterona (SRA) e a curva de pressão da natriurese alterada são dois outros mecanismos importantes na fisiopatologia da hipertensão arterial. Atualmente, o uso de diuréticos para correção da curva alterada de pressão da natriurese e de inibidores do sistema renina-angiotensina aldosterona, que atuam em diferentes locais, tem sido rotina no tratamento da hipertensão arterial.1111. Reboussin DM, Allen NB, Griswold ME, Guallar E, Hong Y, Lackland DT, et al. Systematic Review for the 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension 2018;71(6):e116-e135.

O sistema nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina aldosterona estão envolvidos diretamente nos mecanismos fisiopatológicos da hipertensão arterial. Um aspecto importante nesse sentido é que a ativação desses dois sistemas está relacionada a um processo inflamatório no paciente hipertenso.1212. Chae CU, Lee RT, Rifai N, and Ridker PM. Blood pressure and inflammation in apparently healthy men. Hypertension 2001;38(3): 399 – 403. Eles interagem com citocinas inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). O sistema nervoso simpático estimula a secreção de citocinas pró-inflamatórias e, ao mesmo tempo, funciona como fonte de citocinas.1313. Zhang ZH, Wei SG, Francis J, and Felder RB. Cardiovascular and renal sympathetic activation by blood-borne TNF in rat: the role of central prostaglandins. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2003;284(4):R916 – R927. A angiotensina-II é um importante fator pró-inflamatório. Está relacionada à produção de TNF-α e IL-6 e estimula a proteína-1 quimioatraente de monócitos (MCP-1) e o fator nuclear B.1414. Han Y, Runge MS, and Braiser AR. Angiotensin II induces interleukin-6 transcription in vascular smooth muscle cells through pleiotropic activation of nuclear factor-B transcription factors. Circ Res. 1999;84(6): 695– 703.,1515. Ruiz-Ortega M, Ruperez M, Lorenzo O, Esteban V, Blanco J, Mezzano S, and Egido J. Angiotensin II regulates the synthesis of proinflammatory cytokines and chemokines in the kidney. Kidney Int. 2002;82(Suppl):S12–S22. Por outro lado, o tipo de droga utilizada no tratamento de pacientes hipertensos pode reduzir o processo inflamatório relacionado à hipertensão. O uso de moxonidina simpatolítica de ação central no tratamento de mulheres hipertensas na pós-menopausa resultou em uma redução do TNF-α.1616. Poyhonen-Alho MK, Manhem K, Katzman P, Kibarskis A, Antikainen RL, Erkkola RU, et al. Central sympatholytic therapy has anti-inflammatory properties in hypertensive postmenopausal women. J Hypertens. 2008; 26(12):2445–9.

Em um estudo envolvendo pacientes com hipertensão resistente, Barbaro et al. encontraram valores mais elevados de TNF-α em pacientes com hipertensão resistente em comparação com o grupo normotenso.1717. Barbaro NR, Araújo TM, Tanus-Santos JE, Anhê GF, Fontana V, Moreno H Vascular Damage in Resistant Hypertension: TNF-Alpha Inhibition Effects on Endothelial Cells. BioMed Res Internat. 2015;2015:1-8.631594 Os resultados apontam para TNF-α como um possível mediador de dano vascular em pacientes com hipertensão resistente. Bautista et al.,1818. Bautista LE, Vera LM, Arenas IA, and Gamarra G. Independent association between inflammatory markers (C-reactive protein, interleukin-6, and TNF-a) and essential hypertension. Journal of Human Hypertension 2005;19(2):149–54. encontraram associação dos níveis de IL-6 e TNF-α com os valores da pressão arterial, independentemente da idade, sexo, índice de massa corporal, história familiar de hipertensão e outras citocinas pró-inflamatórias. No estudo,1919. Faria AP, Ritter AMV, Santa-Catharina A, Souza DP, EstephNaseri EP, Manoel B. Bertolo, et al. Effects of Anti-TNF alpha Therapy on Blood Pressure in Resistant Hypertensive Subjects: A Randomized, Double-Blind, Placebo- Controlled Pilot Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):443-451. os autores avaliaram o infliximabe, medicamento inibidor do TNF-α, para o tratamento de hipertensos resistentes. O infliximabe em dose única de 3 mg/kg (infusão) resultou em queda de 6,3 mmHg na pressão arterial média e 4,9 mmHg na pressão diastólica. Este efeito agudo do infliximabe na pressão arterial abre uma nova perspectiva no tratamento da hipertensão arterial. Independentemente da queda da pressão arterial, o uso de anti-TNF-α bloqueia um fator que pode ser agravante nas lesões vasculares. Sabe-se que a gravidade da hipertensão está relacionada a um ciclo vicioso decorrente da ativação dos sistemas pressóricos (sistema nervoso simpático e sistema renina-angiotensina-aldosterona).2020. Matsukawa T, Mano T, Gotoh E, Ishii M. Elevated Sympathetic Nerve Activity in Patients with Accelerated Essential Hypertension. J Clin Invest. 1993;92(1):25-8. A interrupção desse ciclo é essencial para a proteção do organismo e para uma melhor ação de drogas hipotensoras já bem conhecidas.

  • Minieditorial referente ao artigo: Efeitos da Terapia com Anti-TNF-Α na Pressão Arterial em Pacientes com Hipertensão Resistente: Um Estudo Piloto Randomizado, Duplo-Cego e Controlado por Placebo

Referências

  • 1
    Moser M. Historical Perspectives on the Management of Hypertension. J Clin Hypertens. 2006;8(Suppl 2):15–20.
  • 2
    Moser M, Mattingly TW. Critical evaluation of drug therapy of hypertension - Postgraduate medicine 1955;17(5):351-61.
  • 3
    Moser M, and Magaulay AI. Chlorothiazide as an Adiunct in the Treatment of Essential Hypertension. Am J Cardiol 1959;3(2):214-9.
  • 4
    Saklayen MG and Deshpande NV. Timeline of History of Hypertension Treatment. Front Cardiovasc Med. 2016;3(:3. doi: 10.3389/fcvm.2016.00003.
    » https://doi.org/10.3389/fcvm.2016.00003
  • 5
    Veterans Administration Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents: Effect of treatment on morbidity in hypertension: results in patients with diastolic blood pressure averaging 115 through 129 mm Hg. JAMA. 1967;202(11):1028–34.
  • 6
    Veterans Administration Cooperative Study Group on Antihypertensive Agents: Effects of treatment on morbidity in hypertension. II. Results in patients with diastolic blood pressure averaging 90 through 114 mm Hg. JAMA. 1970;213(7):1143–52.
  • 7
    Moser M, Mattingly TW. Critical evaluation of drug therapy of hypertension - Postgrad Med. 1955;17(5):351-61.
  • 8
    Anderson EA, Sinkey CA, Lawton WJ, Mark AL. Elevated sympathetic nerve activity in borderline hypertensive humans: evidence from direct intraneural recordings. Hypertension. 1988;14(2):1277-83.
  • 9
    Esler M, Lambert G, Jennings G. Increased regional sympathetic nervous activity in human hypertension: causes and consequences. J Hypertens. 1990;8(7):S53–57.
  • 10
    DeQuattro V and Li D. Sympatholytic therapy in primary hypertension: a user friendly role for the future. Journal of Human Hypertension 2002; 16(Suppl 1):S118–S123.
  • 11
    Reboussin DM, Allen NB, Griswold ME, Guallar E, Hong Y, Lackland DT, et al. Systematic Review for the 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension 2018;71(6):e116-e135.
  • 12
    Chae CU, Lee RT, Rifai N, and Ridker PM. Blood pressure and inflammation in apparently healthy men. Hypertension 2001;38(3): 399 – 403.
  • 13
    Zhang ZH, Wei SG, Francis J, and Felder RB. Cardiovascular and renal sympathetic activation by blood-borne TNF in rat: the role of central prostaglandins. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2003;284(4):R916 – R927.
  • 14
    Han Y, Runge MS, and Braiser AR. Angiotensin II induces interleukin-6 transcription in vascular smooth muscle cells through pleiotropic activation of nuclear factor-B transcription factors. Circ Res. 1999;84(6): 695– 703.
  • 15
    Ruiz-Ortega M, Ruperez M, Lorenzo O, Esteban V, Blanco J, Mezzano S, and Egido J. Angiotensin II regulates the synthesis of proinflammatory cytokines and chemokines in the kidney. Kidney Int. 2002;82(Suppl):S12–S22.
  • 16
    Poyhonen-Alho MK, Manhem K, Katzman P, Kibarskis A, Antikainen RL, Erkkola RU, et al. Central sympatholytic therapy has anti-inflammatory properties in hypertensive postmenopausal women. J Hypertens. 2008; 26(12):2445–9.
  • 17
    Barbaro NR, Araújo TM, Tanus-Santos JE, Anhê GF, Fontana V, Moreno H Vascular Damage in Resistant Hypertension: TNF-Alpha Inhibition Effects on Endothelial Cells. BioMed Res Internat. 2015;2015:1-8.631594
  • 18
    Bautista LE, Vera LM, Arenas IA, and Gamarra G. Independent association between inflammatory markers (C-reactive protein, interleukin-6, and TNF-a) and essential hypertension. Journal of Human Hypertension 2005;19(2):149–54.
  • 19
    Faria AP, Ritter AMV, Santa-Catharina A, Souza DP, EstephNaseri EP, Manoel B. Bertolo, et al. Effects of Anti-TNF alpha Therapy on Blood Pressure in Resistant Hypertensive Subjects: A Randomized, Double-Blind, Placebo- Controlled Pilot Study. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):443-451.
  • 20
    Matsukawa T, Mano T, Gotoh E, Ishii M. Elevated Sympathetic Nerve Activity in Patients with Accelerated Essential Hypertension. J Clin Invest. 1993;92(1):25-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br