Acessibilidade / Reportar erro

Escores Angiográficos na Predição de No-Reflow, a Injuria Miocárdica pode não se Encerrar com a Reperfusão

Palavras-chave
Intervenção Coronária; Percutânea/métodos; Infarto do Miocárdio; Aterosclerose; Trombose; Placa Aterosclerótica; Embolização Terapêutica

O infarto com supradesnivelamento de segmento ST (IAMCSST) geralmente é precipitado pela ruptura ou erosão de uma placa aterosclerótica e consequente formação de trombo oclusivo. A intervenção coronária percutânea precoce é o tratamento de escolha por propiciar uma revascularização mais completa e menores complicações do tipo sangramento quando comparado à fibrinólise.11. Van de Werf F. The history of coronary reperfusion. Eur Heart J. 2014;35(37):2510-5.,22. Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary angioplasty versus intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomised trials. Lancet. 2003;361(9351):13–20.

Nas últimas décadas observamos uma evolução substancial no tratamento farmacológico e invasivo do IAMCSST, o que reduziu significativamente a mortalidade precoce. Diversas variáveis influenciam os desfechos clínicos, entre elas, idade do paciente, tempo para reperfusão, complexidade angiográfica e a ocorrência ou não do fenômeno de no-reflow (NR) durante o tratamento percutâneo.33. de Waha S, Patel MR, Granger CB, Ohman EM, Maehara A, Eitel I, et al. Relationship between microvascular obstruction and adverse events following primary percutaneous coronary intervention for ST-segment elevation myocardial infarction: an individual patient data pooled analysis from seven randomized trials. Eur Heart J 2017;38(47):3502-10.,44. Balk M, Gomes HB, Quadros AS de, Saffi MAL, Leiria TLL. Comparative Analysis between Transferred and Self-Referred STEMI Patients Undergoing Primary Angioplasty. Arq Bras Cardiol. 2019;112(4):402-7.

NR é definido por inadequada perfusão miocárdica em determinado território, na ausência de obstrução mecânica da coronária epicárdica55. Ramjane K, Han L, Jin C. The diagnosis and treatment of the no-reflow phenomenon in patients with myocardial infarction undergoing percutaneous coronary intervention. Exp Clin Cardiol. 2008;13(3):121–8. e está associado a pior prognóstico clínico.66. Celebi S, Celebi OO, Cetin S, Cetin HO, Tek M, Gokaslan S, et al. The Usefulness of Admission Plasma NT-pro BNP Level to Predict Left Ventricular Aneurysm Formation after Acute ST-Segment Elevation Myocardial Infarction. Arq Bras Cardiol. 2019;113(6):1129–37.,77. Papapostolou S, Andrianopoulos N, Duffy SJ, Brennan AL, Ajani AE, Clark DJ, et al. Long-term clinical outcomes of transient and persistent no-reflow following percutaneous coronary intervention (PCI): a multicentre Australian registry. EuroIntervention. 2018;14(2):185–93.

Nessa edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia o artigo “O Escore Gensini e a carga trombótica adicionam valor preditivo ao escore SYNTAX na detecção de no-reflow após o infarto do miocárdio”, no qual os autores avaliaram a angiografia de 481 pacientes admitidos por IAMCSST e calcularam os escores SYNTAX, Gensini modificado, além da avaliação da carga trombótica de forma objetiva. Foi encontrada uma melhor acurácia da predição do fenômeno NR quando utilizada a combinação das três avaliações.88. Matos LCV, Carvalho LS, Modol Ro, Simone Santos S, Silva JCQ, Almeida OLR, et al. Gensini Score and Thrombus Burden Add Predictive Value to the SYNTAX Score in Detecting No-Reflow after Myocardial Infarction. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):466-472.

O escore de Gensini foi descrito pela primeira vez em 1975, leva em consideração três parâmetros para cada lesão coronária: gravidade da obstrução, multiplicada por um fator de acordo com importância da região irrigada pela artéria e ajustada pela presença de colaterais;99. Rampidis GP, Benetos G, Benz DC, Giannopoulos AA, Buechel RR. A guide for Gensini Score calculation. Atherosclerosis. 2019;287:181–3. contempla estenoses menores que 25% e é, portanto, mais sensível a obstruções parciais que o SYNTAX SCORE. A quantificação objetiva da carga trombótica é determinada pela escala TIMI de 0 a 5, no qual 0 é a ausência de trombo e 5 é a presença de trombo oclusivo.1010. Gibson CM, de Lemos JA, Murphy SA, Marble SJ, McCabe CH, Cannon CP, et al. Combination Therapy With Abciximab Reduces Angiographically Evident Thrombus in Acute Myocardial Infarction: A TIMI 14 Substudy. Circulation. 2001;103(21):2550–4.

Relacionar esses escores angiográficos com a presença de fenômeno de NR faz sentido fisiopatológico, pois apesar de não ser totalmente esclarecido, o fenômeno de NR em pacientes submetidos à intervenção percutânea primária tem como uma das causas a microembolização distal,1111. Topol EJ, Yadav JS. Recognition of the Importance of Embolization in Atherosclerotic Vascular Disease. Circulation. 2000;101(5):570–80. que por sua vez depende das variáveis angiográficas estudadas pelos autores. No estudo publicado não foram reportados dados sobre os procedimentos (tromboaspiração, stents, pós-dilatação), medicações adjuvantes e reversibilidade do fenômeno que também impactam significativamente no prognóstico angiográfico e clínico.

Predizer um fenômeno potencialmente catastrófico ganha importância quando impacta em modificação de conduta antes deste ocorrer. O estudo DEFER-STEMI, publicado em 2014, tocou justamente neste ponto: um trial prova de conceito que avaliou o impacto de atrasar o implante de stent (com a artéria já reperfundida por balão ou tromboaspiração) com objetivo de reduzir a incidência de NR e o tamanho do infarto, avaliado pela ressonância magnética - o racional é que adiar o implante do stent pode dar tempo para ação das drogas antitrombóticas, redução da carga de trombo e consequentemente menos NR e menor área infartada. De fato, nesse estudo, houve uma redução significativa de NR (de 14% para 2% no grupo stent-adiado) e melhora do índice de recuperação miocárdica em seis meses.1212. Carrick D, Oldroyd KG, McEntegart M, Haig C, Petrie MC, Eteiba H, et al. A Randomized Trial of Deferred Stenting Versus Immediate Stenting to Prevent No- or Slow-Reflow in Acute ST-Segment Elevation Myocardial Infarction (DEFER-STEMI). J Am Coll Cardiol. 2014;63(20):2088–98. Mais tarde, em 2017, uma metanálise reuniu 9 estudos e essa redução de NR não foi observada, contudo, uma melhora da função ventricular de longo prazo no grupo stent adiado foi apontada.1313. Qiao J, Pan L, Zhang B, Wang J, Zhao Y, Yang R, et al. Deferred Versus Immediate Stenting in Patients With ST - Segment Elevation Myocardial Infarction: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Am Heart Assoc. 2017;6(3):e004838.

Outras estratégias como utilização de drogas intracoronárias (adenosina, bloqueadores do canal de cálcio e nitropussiato) e de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa mostraram algum benefício na prevenção e tratamento do NR e necessitam de maiores estudos.1414. Rezkalla SH, Stankowski RV, Hanna J, Kloner RA. Management of No-Reflow Phenomenon in the Catheterization Laboratory. JACC: Cardiovasc Interv. 2017;10(3):215–23.

O fenômeno de NR é o maior desafio da reperfusão primária e apesar dos esforços, o conhecimento pouco evoluiu no tratamento ou prevenção dessa condição. Escores angiográficos tornam a avaliação da cineangiocoronariografia mais objetiva e, como demonstrado nesse manuscrito, a associação de escores clássicos (SYNTAX, Gensini, Carga trombótica) colabora na discriminação dos pacientes com pior prognóstico, potencialmente implicando em condutas a serem tomadas para otimizar o tratamento e melhorar desfechos.

  • Minieditorial referente ao artigo: O Escore Gensini e a Carga Trombótica Adicionam Valor Preditivo ao Escore SYNTAX na Detecção de No-Reflow após Infarto do Miocárdio

Referências

  • 1
    Van de Werf F. The history of coronary reperfusion. Eur Heart J. 2014;35(37):2510-5.
  • 2
    Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary angioplasty versus intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomised trials. Lancet. 2003;361(9351):13–20.
  • 3
    de Waha S, Patel MR, Granger CB, Ohman EM, Maehara A, Eitel I, et al. Relationship between microvascular obstruction and adverse events following primary percutaneous coronary intervention for ST-segment elevation myocardial infarction: an individual patient data pooled analysis from seven randomized trials. Eur Heart J 2017;38(47):3502-10.
  • 4
    Balk M, Gomes HB, Quadros AS de, Saffi MAL, Leiria TLL. Comparative Analysis between Transferred and Self-Referred STEMI Patients Undergoing Primary Angioplasty. Arq Bras Cardiol. 2019;112(4):402-7.
  • 5
    Ramjane K, Han L, Jin C. The diagnosis and treatment of the no-reflow phenomenon in patients with myocardial infarction undergoing percutaneous coronary intervention. Exp Clin Cardiol. 2008;13(3):121–8.
  • 6
    Celebi S, Celebi OO, Cetin S, Cetin HO, Tek M, Gokaslan S, et al. The Usefulness of Admission Plasma NT-pro BNP Level to Predict Left Ventricular Aneurysm Formation after Acute ST-Segment Elevation Myocardial Infarction. Arq Bras Cardiol. 2019;113(6):1129–37.
  • 7
    Papapostolou S, Andrianopoulos N, Duffy SJ, Brennan AL, Ajani AE, Clark DJ, et al. Long-term clinical outcomes of transient and persistent no-reflow following percutaneous coronary intervention (PCI): a multicentre Australian registry. EuroIntervention. 2018;14(2):185–93.
  • 8
    Matos LCV, Carvalho LS, Modol Ro, Simone Santos S, Silva JCQ, Almeida OLR, et al. Gensini Score and Thrombus Burden Add Predictive Value to the SYNTAX Score in Detecting No-Reflow after Myocardial Infarction. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):466-472.
  • 9
    Rampidis GP, Benetos G, Benz DC, Giannopoulos AA, Buechel RR. A guide for Gensini Score calculation. Atherosclerosis. 2019;287:181–3.
  • 10
    Gibson CM, de Lemos JA, Murphy SA, Marble SJ, McCabe CH, Cannon CP, et al. Combination Therapy With Abciximab Reduces Angiographically Evident Thrombus in Acute Myocardial Infarction: A TIMI 14 Substudy. Circulation. 2001;103(21):2550–4.
  • 11
    Topol EJ, Yadav JS. Recognition of the Importance of Embolization in Atherosclerotic Vascular Disease. Circulation. 2000;101(5):570–80.
  • 12
    Carrick D, Oldroyd KG, McEntegart M, Haig C, Petrie MC, Eteiba H, et al. A Randomized Trial of Deferred Stenting Versus Immediate Stenting to Prevent No- or Slow-Reflow in Acute ST-Segment Elevation Myocardial Infarction (DEFER-STEMI). J Am Coll Cardiol. 2014;63(20):2088–98.
  • 13
    Qiao J, Pan L, Zhang B, Wang J, Zhao Y, Yang R, et al. Deferred Versus Immediate Stenting in Patients With ST - Segment Elevation Myocardial Infarction: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Am Heart Assoc. 2017;6(3):e004838.
  • 14
    Rezkalla SH, Stankowski RV, Hanna J, Kloner RA. Management of No-Reflow Phenomenon in the Catheterization Laboratory. JACC: Cardiovasc Interv. 2017;10(3):215–23.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br