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Doença de Kawasaki: Preditores de Resistência à Imunoglobulina Intravenosa e Complicações Cardíacas: Novas Perspectivas?

Palavras-chave
Síndrome do Linfonodo Mucocutâneo/tendências Doença de Kawasaki; Artéria Coronária/anormalidade; Vasculite; Crianças; Imunoglobulinas, Intravenosas; Resistência a Drogas

A doença de Kawasaki (DK) é uma doença inflamatória aguda de origem desconhecida, associada à vasculite que afeta vasos de médio calibre. As anormalidades da artéria coronária (AAC) – aneurismas ou dilatações – representam as principais complicações da DK, sendo, na atualidade, a causa mais comum de doença cardíaca adquirida em crianças em países desenvolvidos. Durante a fase aguda, o tratamento padrão inicial recomendado é o uso de imunoglobulina intravenosa (IGIV) e ácido acetilsalicílico, no intuito de reduzir o risco de danos às artérias coronárias.11. McCrindle BW, Rowley AH, Newburger JW, Burns JC, Bolger AF, Gewitz M, et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: A scientific statement for health professionals from the American Heart Association. Circulation. 2017;135(17): 927-99. Contudo, cerca de 10% a 20% das crianças com DK não respondem ao tratamento padrão inicial, apresentando febre recorrente dentro de 36 a 48 horas após infusão da IGIV. Estudos demonstram que a probabilidade de pacientes com DK resistentes à IGIV terem lesões nas artérias coronárias é nove vezes maior do que nos casos sensíveis à IGIV. Sugere-se existir uma janela crítica para bloquear o processo inflamatório e prevenir AAC a longo prazo.22. Campbell AJ, Burns JC. Adjunctive therapies for Kawasaki disease. J Inf Secur. 2016; 72(Suppl):S1-S5.

O estudo de Faim et al.,3 teve como objetivo identificar fatores preditores de resistência à IGIV, calcular a eficácia dos modelos preditores japoneses e caracterizar as complicações cardíacas dos pacientes acompanhados em uma única instituição.33. Faim D, Henriques c, Brett A,Francisco A, Rodrigues F, Pires A. et al. Doença de Kawasaki: Preditores de resistência à imunoglobulina intravenosa e complicações cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):485-491.

Dos 48 pacientes com DK incluídos no estudo entre 2006 a 2018, 17% tiveram diagnóstico de DK atípica. A totalidade apresentava febre no dia da admissão, com média de 5 dias, e todos fizeram tratamento na fase aguda com IGIV e ácido acetilsalicílico, com média de 6,5 dias. Resistência à IGIV foi descrita em 9 casos (21%), dos quais um de DK atípica. São achados compatíveis com dados de literatura.44. Dietz SM, Stijn Dv, Burgner D,Levin M, Kuipers M, Hutten BA, et al. Dissecting Kawasaki disease: a state-of-the-art review. Eur J Pediatr. 2017; 176(8):995-1009. DOI 10.1007/s00431-017-2937-5.
https://doi.org/10.1007/s00431-017-2937-...

No intuito de identificar precocemente os casos resistentes ao tratamento com IGIV e, dessa forma, possibilitar a introdução precoce de outras estratégias de tratamento, estudos têm sido realizados tentando estabelecer critérios clínicos e laboratoriais preditores de resistência à IGIV, como idade, dosagem de albumina, transaminases, hemoglobina, proteína C-reativa (PC-R), velocidade de hemossedimentação (VHS), plaquetas, bilirrubinas, sódio, entre outras.44. Dietz SM, Stijn Dv, Burgner D,Levin M, Kuipers M, Hutten BA, et al. Dissecting Kawasaki disease: a state-of-the-art review. Eur J Pediatr. 2017; 176(8):995-1009. DOI 10.1007/s00431-017-2937-5.
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No presente estudo, os autores construíram curvas ROC para encontrar fatores preditores de resistência e elaboraram modelo preditor utilizando regressão logística multivariada. Analisando as variáveis preditoras de resistência, a PC-R apresentou AUC ROC = 0,789; ponto de corte = 15,1 mg/dL; sensibilidade (S) = 77,8%; e especificidade (E) = 78,9%. A VHS apresentou AUC ROC = 0,781; ponto de corte = 90,5 mm/h; S = 66,7%; e E = 85,7%. O modelo preditor com as duas variáveis apresentou valor p = 0,042 e AUC ROC = 0,790.

Os dados da literatura são controversos, quanto ao uso da VHS como variável preditora de resistência à IGIV. Em metanálise, Baeck et al.,55. Baek JY, Song MS. Meta-analysis of predictive factors of IVIG resistance in Kawasaki disease. Korean J Pediatr. 2016; 59(2):80-90. tendo como objetivo identificar fatores laboratoriais preditivos de resistência à IGIV, incluíram 12 estudos publicados entre 2006 e 2014, analisando 2.745 pacientes. Destes, sete estudos calcularam o tamanho do efeito da VHS como fator preditivo de DK resistente à IGIV. A heterogeneidade entre esses estudos foi baixa (Q (6) = 11,001, P >0,001, I2 = 45,459) e a metanálise demonstrou que o tamanho do efeito foi pequeno para VHS (efeitos aleatórios, 0,150).55. Baek JY, Song MS. Meta-analysis of predictive factors of IVIG resistance in Kawasaki disease. Korean J Pediatr. 2016; 59(2):80-90.

Em metanálise realizada por Xuan Li et al., avaliando 28 estudos envolvendo 26.260 pacientes, cerca de 4.442 pacientes tinham diagnóstico de DK resistente à IGIV e 21.818 pacientes DK sensíveis à IGIV. A metanálise mostrou que a VHS no grupo resistente à IGIV foi significativamente maior do que no grupo sensível à IGIV. Contudo, a forte associação entre VHS e DK foi demonstrada somente em dois estudos em população chinesa, não sendo evidenciados os mesmos resultados em coreanos, japoneses e não asiáticos. Os demais estudos mostraram fraca associação entre valores de VHS e resistência à IGIV.66. Xuan Li, Ye Chen, Yunjia Tang, yueyue D, Oiugin X, Oian W,et al. Predictors of intravenous immunoglobulin-resistant Kawasaki disease in children: a meta-analysis of 4.442 cases. Eur J Pediatr.2018;177:279-92.

Na diretriz sobre doença de Kawasaki publicada em 2017 pela American Heart Association,11. McCrindle BW, Rowley AH, Newburger JW, Burns JC, Bolger AF, Gewitz M, et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: A scientific statement for health professionals from the American Heart Association. Circulation. 2017;135(17): 927-99. destaca-se que o valor do VHS aumenta com IGIV, não devendo ser utilizada para avaliar resposta terapêutica, e que a VHS persistentemente elevada isoladamente não deve ser interpretada como sinal de resistência à terapia com IGIV (Classe III, NE: C).

Desse modo, devemos analisar com cautela o uso dos valores da VHS como preditor de risco independente para resistência à IGIV na população não asiática.

Quanto aos três modelos de escores de risco desenvolvidos – Kobaysahi et al.,77. Kobayashi T, Inoue Y, Takeuchi K,Okada Y,Tamura K, Tomomasa T, et al. Prediction of intravenous immunoglobulin unresponsiveness in patients with Kawasaki disease. Circulation. 2006;113:2606-12. Sano et al.,88. Sano T, Kurotobi S, Matsuzaki K, Yamamoto T, Tamura K, Tomomasa T, et al. Prediction of non-responsiveness to stan- dard high-dose gamma-globulin therapy in patients with acute Kawasaki disease before starting initial treatment. Eur J Pediatr. 2007; 166(2):131-7. e Egami et al.,99. Egami K, Muta H, Ishii M, Sud k, sUGhR Y, Iemura M, et al. Prediction of resistance to intravenous immu- noglobulin treatment in patients with Kawasaki disease. J Pediatr. 2006;149:237-40. validados para a população japonesa77. Kobayashi T, Inoue Y, Takeuchi K,Okada Y,Tamura K, Tomomasa T, et al. Prediction of intravenous immunoglobulin unresponsiveness in patients with Kawasaki disease. Circulation. 2006;113:2606-12.99. Egami K, Muta H, Ishii M, Sud k, sUGhR Y, Iemura M, et al. Prediction of resistance to intravenous immu- noglobulin treatment in patients with Kawasaki disease. J Pediatr. 2006;149:237-40. –, eles não apresentam desempenho adequado em populações ocidentais, etnicamente mistas e chinesas.1010. Davies S, Sutton N, Blackstock S, Gormley S, Hoggart C, Levin M, et al. Predicting IVIG resistance in UK Kawasaki disease. Arch Dis Child. 2015; 100(2):366-8.1414. Song R, Yao W, Li X. Efficacy of four scoring systems in predicting intravenous immunoglobulin resistance in children with Kawasaki disease in a children's hospital in Beijing, North China. J Pediatr. 2016; 184:120-4. Situação semelhante foi observada por Faim et al.,33. Faim D, Henriques c, Brett A,Francisco A, Rodrigues F, Pires A. et al. Doença de Kawasaki: Preditores de resistência à imunoglobulina intravenosa e complicações cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):485-491. em que os respectivos modelos validados no Japão também não apresentaram desempenho adequado.33. Faim D, Henriques c, Brett A,Francisco A, Rodrigues F, Pires A. et al. Doença de Kawasaki: Preditores de resistência à imunoglobulina intravenosa e complicações cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):485-491.

Vale destacar no estudo de Faim et al.,33. Faim D, Henriques c, Brett A,Francisco A, Rodrigues F, Pires A. et al. Doença de Kawasaki: Preditores de resistência à imunoglobulina intravenosa e complicações cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(3):485-491. que cerca de 25% dos pacientes apresentaram envolvimento coronário, 40% destes com formação de aneurismas, além de outras complicações cardiovasculares. AAC e outras complicações cardiovasculares na fase aguda, como miocardite, choque cardiogênico e derrame pericárdico, são descritas na literatura.11. McCrindle BW, Rowley AH, Newburger JW, Burns JC, Bolger AF, Gewitz M, et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: A scientific statement for health professionals from the American Heart Association. Circulation. 2017;135(17): 927-99.,22. Campbell AJ, Burns JC. Adjunctive therapies for Kawasaki disease. J Inf Secur. 2016; 72(Suppl):S1-S5.,44. Dietz SM, Stijn Dv, Burgner D,Levin M, Kuipers M, Hutten BA, et al. Dissecting Kawasaki disease: a state-of-the-art review. Eur J Pediatr. 2017; 176(8):995-1009. DOI 10.1007/s00431-017-2937-5.
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Independentemente do tamanho da amostra analisada e de ser estudo retrospectivo, os resultados são comparáveis aos dados da literatura, demonstrando a complexidade da doença e da necessidade de novas pesquisas, tendo como objetivo definir o melhor modelo preditor de resistência à IGIV e potencialmente reduzir a principal complicação da DK.

  • Minieditorial referente ao artigo: Doença de Kawasaki: Preditores de Resistência à Imunoglobulina Intravenosa e Complicações Cardíacas

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Mar 2021
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