Acessibilidade / Reportar erro

Bioprótese Valvar Porcina: Um Legado de Mario Vrandecic

Palavras-chave
Doença das Valvas Cardíacas/cirurgia; Implante de Prótese de Valva Cardíaca; Biopróteses/tendências; Mario Vrandecic

A doença valvar cardíaca ocupa atualmente os holofotes da medicina cardiovascular em face dos recentes avanços das técnicas de imagens e emergentes possibilidades terapêuticas, atraindo a atenção de médicos, pesquisadores, fabricantes de dispositivos e investidores.11. Binder RK, Dweck M, Prendergast B. The year in cardiology: valvular heart disease. Eur Heart J. 2020; 41(8): 912-20. O Brasil ocupa um lugar de destaque internacional na história e no desenvolvimento tecnológico de substitutos valvares utilizados no tratamento dessa enfermidade.

O primeiro implante mundial de uma bioprótese valvar suína, comercialmente disponível, aconteceu em outubro de 1968.22. Bortolotti U, Milano AD, Valente M, Thiene G. The Stented Porcine Bioprosthesis: a 50-year journey through hopes and realities. Ann Thorac Surg. 2019; 108(1):304-8. Cerca de meio século depois, em setembro de 2019, faleceu o médico e cientista Mario Vrandecic, criador da única bioprótese cardíaca de tecido porcino produzida no Brasil e aprovada na agência norte-americana Food and Drug Adminstration (FDA), há décadas globalmente utilizada no tratamento da doença cardíaca valvar.

Nesse artigo, destacamos a história do seu criador e as evidências de efetividade e segurança da bioprótese valvar Biocor, hoje denominada St. Jude Medical Biocor (St. Jude Medical, Inc., St Paul, MN).33. Vrandecic MO, Filho BG, Silva JAP, Fantini FA, Barbosa IT, São Jose MC, et al. Clinical results with the Biocor porcine bioprosthesis. J Cardiovasc Surg (Torino). 1991; 32(6): 807-13.1616. Mykén PS, Bech-Hansen O. A 20-year experience of 1712 patients with the Biocor porcine bioprosthesis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009; 137(1): 76-81.

Mario Vrandecic, de ascendência croata e nascido na Bolívia, cursou Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG). Especializou-se em cirurgia geral e cardiovascular nos Estados Unidos da América (EUA), onde serviu ao exército americano como cirurgião, inclusive durante a guerra do Vietnã. Retornou definitivamente ao Brasil em 1976 e passou a atuar como professor da FM/UFMG e cirurgião cardiovascular na Santa Casa de Belo Horizonte, entre outros hospitais.

Tendo realizado pesquisas com tecidos biológicos durante a sua residência nos EUA, em 1981 criou a Biocor Indústria, empresa na qual desenvolveu uma bioprótese valvar cardíaca de tecido porcino, entre outras patentes. Inicialmente usada no Brasil, na América Central e na Ásia, a bioprótese logo obteve o CE Marking, passando a ser utilizada na Europa e, posteriormente, com a aprovação pelo FDA, também nos EUA. Recebeu homenagens de várias sociedades científicas e de entidades da área de inovação nacionais e internacionais. Em 1997, a Biocor Indústria foi vendida à empresa norte-americana St. Jude Medical, sendo posteriormente incorporada no ano de 2016 à Abbott Laboratories.

Após quase 40 anos de uso clínico, as evidências de seguimentos de curto, médio e longo prazos demonstram efetividade, durabilidade e segurança da referida bioprótese valvar em séries nacionais e de outros países (Tabela 1).33. Vrandecic MO, Filho BG, Silva JAP, Fantini FA, Barbosa IT, São Jose MC, et al. Clinical results with the Biocor porcine bioprosthesis. J Cardiovasc Surg (Torino). 1991; 32(6): 807-13.1616. Mykén PS, Bech-Hansen O. A 20-year experience of 1712 patients with the Biocor porcine bioprosthesis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009; 137(1): 76-81. Em um dos seguimentos mais longos, Mykén e Bech-Hansen, avaliaram 1.712 pacientes que receberam a bioprótese Biocor porcina no Sahlgrenska University Hospital, em Gotemburgo, na Suécia, demonstrando uma sobrevida livre de mortalidade devido à falência valvar após 20 anos de 84,3% ± 6,9% e 88,0% ± 4,0%, para implantes em posições aórtica e mitral, respectivamente1616. Mykén PS, Bech-Hansen O. A 20-year experience of 1712 patients with the Biocor porcine bioprosthesis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009; 137(1): 76-81. (Tabela 1).

Tabela 1
Desfechos clínicos observados em pacientes que receberam bioprótese porcina Biocor em posições aórtica e mitral* * Dados de 14 publicações que avaliaram os desfechos de curto, médio e longo prazos das biopróteses porcinas Biocor, publicados entre 1988 e 2008.3–16

Mario Vrandecic fundou ainda, em 1985, o Biocor Instituto, localizado em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Inicialmente dedicado às doenças cardiovasculares, o hospital logo evoluiu para ser um importante centro de Medicina de alta complexidade. O hospital tem sido o responsável pela especialização e atuação de muitas gerações de cardiologistas, cirurgiões cardíacos, médicos de diversas especialidades e outros profissionais de saúde, além de ser referência em assistência de qualidade à população do estado, com importantes certificações nacionais e internacionais. A gestão de Mario Vrandecic foi pautada na ética, na geração de confiança, na qualificação de pessoas e na educação continuada. O seu legado simboliza um exemplo de humanismo e dedicação à Medicina, um marco de inovação em ciência cardiovascular e uma prova da potencialidade biotecnológica do país.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não contou com fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Referências

  • 1
    Binder RK, Dweck M, Prendergast B. The year in cardiology: valvular heart disease. Eur Heart J. 2020; 41(8): 912-20.
  • 2
    Bortolotti U, Milano AD, Valente M, Thiene G. The Stented Porcine Bioprosthesis: a 50-year journey through hopes and realities. Ann Thorac Surg. 2019; 108(1):304-8.
  • 3
    Vrandecic MO, Filho BG, Silva JAP, Fantini FA, Barbosa IT, São Jose MC, et al. Clinical results with the Biocor porcine bioprosthesis. J Cardiovasc Surg (Torino). 1991; 32(6): 807-13.
  • 4
    Vrandecic MO, Filho BG, Silva JAP, Radegran KI, Silva JAP< Fantini FA, et al. Estudo multicêntrico dos resultados das trocas valvares com o uso da bioprótese Biocor no Estado de Minas Gerais. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1988; 3(3): 159-68.
  • 5
    Gontijo Filho B, Vrandecic MO, Morea M, Morea M, Nova bioprótese aórtica sem suporte: resultados clínicos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1992; 7(3): 208-14.
  • 6
    Gontijo Filho B, Vrandecic MO, Fantini FA, Barbosa JT, Avelar SS, et al. Implante de bioprótese aórtica “stentless” em pacientes com alterações do anel aórtico. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1993; 8(2): 118-24.
  • 7
    Vrandecic MO, Filho BG, Fantini FA, Barbosa JT, Silva JAP, Barbosa JT, Gutierrez C, et al. Transplante de valva mitral heteróloga: nova alternativa cirúrgica: estudo clínico inicial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1993; 8(2): 83-90.
  • 8
    Vrandecic MO, Filho BG, Fantini FA, Oliveira OC, Martins Jr IC, Bioprótese aórtica porcina “stentless”: acompanhamento clínico a médio prazo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1994; 9(1): 60-3.
  • 9
    Vrandecic MOP, Fantini FA, Gontijo BF, Oliveira OC, Martins Jr JC. Surgical technique of implanting the stentless porcine mitral valve. Ann Thorac Surg. 1995; 60 (2 Suppl): S439–S442.
  • 10
    Vrandecic MO, Filho BG, Fantini FA, Martins MH, Avelar SS, Vandrecic E. Valva mitral heteróloga sem suporte: resultados clínicos a médio prazo. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1996; 11(3): 148-54.
  • 11
    Vrandecic MO, Gontijo B, Fantini FA, Martins I, Oliveira MH, Avelar SS, et al. Porcine mitral stentless valve mid-term clinical results. Eur J Cardiothorac Surg. 1997; 12(1): 56-62.
  • 12
    Vrandecic M, Fantini FA, Filho BG, Filho BG, Oliveira OC, Costa Jr IM, et al. Retrospective clinical analysis of stented vs stentless porcine aortic bioprostheses. Eur J Cardiothorac Surg. 2000; 18: 46-53.
  • 13
    Kirali K, Güler M, Tuncer A, Daglar B, Ipek G, Isik O, et al. Fifteen-year clinical experience with the biocor porcine bioprostheses in the mitral position. Ann Thorac Surg. 2001; 71(3): 811-5.
  • 14
    Pomerantzeff PM, Brandão CM, Albuquerque JM, Stolf NA, Grinberg M, Oliveira AS. Long-term follow up of the Biocor porcine bioprosthesis in the mitral position. J Heart Valve Dis. 2006; 15(6): 763-7.
  • 15
    Eichinger WB, Hettich IM, Ruzicka DJ, Holper K, Schricker C, Bleiziffer S, et al. Twenty-year experience with the St. Jude medical Biocor bioprosthesis in the aortic position. Ann Thorac Surg. 2008; 86(4):1204-10.
  • 16
    Mykén PS, Bech-Hansen O. A 20-year experience of 1712 patients with the Biocor porcine bioprosthesis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009; 137(1): 76-81.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Abr 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br