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Amiloidose Cardíaca por Transtirretina Simulando Cardiomiopatia Hipertrófica em um Paciente Idoso

Palavras-chave
Amiloidose; Cardiomiopatia Hipertrófica; Hipertensão; Insuficiência Cardíaca; Volume Sistólico; Insuficiência Renal Crônica; Ecocardiografia/métodos

A amiloidose cardíaca por transtirretina de tipo selvagem (wt-ATTR-CM) é cada vez mais reconhecida devido ao reconhecimento da prevalência crescente, avanços em métodos de diagnóstico e desenvolvimento de tratamentos eficazes.

Relatamos o caso de uma paciente de 88 anos com histórico de hipertensão, doença renal crônica (DRC), insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e sem histórico familiar relevante. Ela se apresentou ao pronto-socorro com histórico de síncope, tosse produtiva, agravamento da dispneia e febre. Ausculta com sopro sistólico grau III/VI na borda esternal esquerda, ausência de sons respiratórios na base pulmonar direita e roncos bilaterais.

O eletrocardiograma revelou bloqueio atrioventricular (AV) completo; a radiografia de tórax, um edema alveolar bilateral e consolidação no pulmão direito, e os resultados analíticos foram notáveis para lesão renal aguda com hipercalemia. O bloqueio AV foi resolvido após a correção dos níveis de potássio, e ela foi internada com o diagnóstico de pneumonia adquirida na comunidade e insuficiência cardíaca descompensada.

O ecocardiograma transtorácico (Vídeo 1) revelou hipertrofia assimétrica do ventrículo esquerdo (Figura 1 – A e B) e movimento anterior sistólico da válvula mitral causando obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE), com encerramento mesossistólico da válvula aórtica (Figura 1 - C e D). Esses achados foram indicativos de cardiomiopatia hipertrófica (CMH). O VE não estava dilatado e tinha fração de ejeção preservada; sua deformação longitudinal global (GLS) foi reduzida com preservação da deformidade miocárdica nos segmentos apicais (padrão de “apical sparing”) (Figura 2). Havia insuficiência mitral moderada, insuficiência aórtica leve e a pressão sistólica da artéria pulmonar estimada era de 40 mmHg.

Vídeo 1
Ecocardiograma transtorácico, visão paraesternal e apical. Válvula (seta vermelha) (C-D) com gradiente intraventricular máximo de 70 mmHg. URL: http://abccardiol.org/supplementary-material/2021/11604/2020-0236-video01.mp4
Figura 1
Hipertrofia assimétrica do septo (septo=19mm; parede posterior=13mm) (AB); movimento anterior sistólico da válvula mitral causando obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e encerramento mesossistólico da válvula aórtica.
Figura 2
GLS reduzido (-12,4%) e preservação da deformidade miocárdica nos segmentos apicais (padrão de “apical sparing”)

A cintilografia com DPD-99mTc mostrou captação difusa do traçador biventricular (grau II, Figura 3), e não se encontrou nenhuma evidência de proteína monoclonal no soro e imunofixação da urina, tampouco em ensaio de cadeia leve.

Figura 3
Cintilografia com DPD-99mTc mostrando captação do traçador biventricular grau II.

As características ecocardiográficas, a captação cardíaca com DPD-99mTc e a ausência de proteína monoclonal definiram o diagnóstico de ATTR-CM.

Infelizmente, a paciente evoluiu de forma desfavorável, com superinfecção nosocomial e insuficiência cardíaca progressiva, culminando em óbito. Os resultados do teste genético de TTR foram negativos, confirmando assim o diagnóstico de wt-ATTR.

Wt-ATTR pode ser a forma mais frequente de amiloidose cardíaca,11. Gilstrap L G, Francesca D, Yun W, El-Sady MS, Amitoj S, Di Carli MF. et al. Epidemiology of Cardiac Amyloidosis–Associated Heart Failure Hospitalizations Among Fee-for-Service Medicare Beneficiaries in the United States. Circ Heart Fail. 2019 Jun 1;12(6):e005407. no entanto, o diagnóstico é desafiador dado o amplo espectro clínico, falta de achados “clássicos” e o fenótipo atribuído à doença cardíaca hipertensiva, estenose aórtica, ou HCM.

A ecocardiografia é o marco do diagnóstico, e o principal achado é a HVE, mas a proporção de pacientes com HVE assimétrica é alta.22. Martinez-Naharro A, Treibel TA, Abdel-Gadir A, Bulluck H, Zumbo G, Knight DS, et al. Magnetic Resonance in Transthyretin Cardiac Amyloidosis. J Am Coll Cardiol. 2017 Jul 25;70(4):466–77. O strain é útil para o diagnóstico diferencial devido ao seu padrão diferenciado de “segmentos apicais”.33. Pagourelias ED, Mirea O, Duchenne J, Van Cleemput J, Delforge M, Bogaert J, et al. Echo Parameters for Differential Diagnosis in Cardiac Amyloidosis: A Head-to-Head Comparison of Deformation and Nondeformation Parameters. Circ Cardiovasc Imaging. 2017 Mar;10(3):e005588. Outros sinais são espessamento da válvula, espessamento do septo atrial, hipertrofia ventricular direita (HVD), dilatação biatrial, efusão pericárdica leve e aspecto em granular cintilante do miocárdio.44. Ruberg FL, Grogan M, Hanna M, Kelly JW, Maurer MS. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2019 Jun 11;73(22):2872.

A cintilografia com traçadores ósseos de medicina nuclear é útil para o diagnóstico não invasivo. A captação de grau II ou III na ausência de uma proteína monoclonal obteve 100% de especificidade e valor preditivo positivo em um estudo de referência.55. Gillmore JD, Maurer MS, Falk RH,, Merlini G, Damy Thibaud, Dispenzieri A, et al. Nonbiopsy Diagnosis of Cardiac Transthyretin Amyloidosis. Circulation. 2016 Jun 14;133(24):2404–12. Como a amiloidose de cadeia leve é capaz de causar captação cardíaca leve e a gamopatia monoclonal de significado inderteminado é comum em pacientes mais velhos, a análise de proteína monoclonal é obrigatória. Por fim, o teste genético é necessário para distinguir entre amiloidose ATTR hereditária (ATTRh) e amiloidose de tipo selvagem (wt-ATTR).44. Ruberg FL, Grogan M, Hanna M, Kelly JW, Maurer MS. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2019 Jun 11;73(22):2872.

A ATTR-CM é uma causa pouco reconhecida de insuficiência cardíaca em idosos. Com o desenvolvimento de terapias eficazes, o reconhecimento e diagnóstico adequados de ATTR-CM terão um impacto terapêutico significativo.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

Referências

  • 1
    Gilstrap L G, Francesca D, Yun W, El-Sady MS, Amitoj S, Di Carli MF. et al. Epidemiology of Cardiac Amyloidosis–Associated Heart Failure Hospitalizations Among Fee-for-Service Medicare Beneficiaries in the United States. Circ Heart Fail. 2019 Jun 1;12(6):e005407.
  • 2
    Martinez-Naharro A, Treibel TA, Abdel-Gadir A, Bulluck H, Zumbo G, Knight DS, et al. Magnetic Resonance in Transthyretin Cardiac Amyloidosis. J Am Coll Cardiol. 2017 Jul 25;70(4):466–77.
  • 3
    Pagourelias ED, Mirea O, Duchenne J, Van Cleemput J, Delforge M, Bogaert J, et al. Echo Parameters for Differential Diagnosis in Cardiac Amyloidosis: A Head-to-Head Comparison of Deformation and Nondeformation Parameters. Circ Cardiovasc Imaging. 2017 Mar;10(3):e005588.
  • 4
    Ruberg FL, Grogan M, Hanna M, Kelly JW, Maurer MS. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2019 Jun 11;73(22):2872.
  • 5
    Gillmore JD, Maurer MS, Falk RH,, Merlini G, Damy Thibaud, Dispenzieri A, et al. Nonbiopsy Diagnosis of Cardiac Transthyretin Amyloidosis. Circulation. 2016 Jun 14;133(24):2404–12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Abr 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2020
  • Revisado
    24 Mar 2020
  • Aceito
    22 Abr 2020
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