Acessibilidade / Reportar erro

Intervenção Percutânea da Artéria Coronária Principal Esquerda. Por que os Dados do Mundo Real são tão Importantes?

Intervenção Coronária Percutânea; Doença da Artéria Coronária; Angiografia/diagnóstico por imagem; Prevalência; Revascularização Miocárdica; Acidente Vascular Cerebral; Mortalidade

A prevalência estimada da doença da artéria coronária principal esquerda encontrada durante a angiografia diagnóstica é de 6% em séries publicadas. O entusiasmo por uma terapia menos invasiva do que a cirurgia de revascularização do miocárdio (CABG) para pacientes com doença da artéria coronária principal esquerda desprotegida (ULMCA) remonta aos anos 90. 11. Laham RJ, Carrozza J, Baim DS. Treatment of unprotected left main stenoses with palmz-schatz stenting. Catheter Cardiovasc Diagn.1996;37(1):77-80. Embora a contribuição da CABG na sobrevida de pacientes com doença de ULMCA seja inegável, nos últimos anos, vários autores têm demonstrado a segurança e eficácia da intervenção coronária percutânea (ICP).

Apesar das controvérsias a respeito da publicação de 5 anos do estudo “XIENCE versus Coronary Artery Bypass Surgery for Effectiveness of Left Main Revascularization (EXCEL)” 22. Stone GW, Kappetein AP, Sabik A, Pocockk SJ, Morice MC, Puskas J, et al. Five-year outcomes after PCI or CABG for left main coronary disease. N Engl J Med .2019;381(19):1820–30. , quando se trata de desfechos duros, como morte e acidente vascular cerebral, nos últimos anos vários ensaios randomizados e não-randomizados demonstraram não-inferioridade ou mesmo superioridade da ICP em comparação à CABG. 22. Stone GW, Kappetein AP, Sabik A, Pocockk SJ, Morice MC, Puskas J, et al. Five-year outcomes after PCI or CABG for left main coronary disease. N Engl J Med .2019;381(19):1820–30.

3. Holm NR, Mäkikallio T, Lindsay MM, Spence MS, Erglis A, Menown BA, et al. A. Percutaneous coronary angioplasty versus coronary artery bypass grafting in the treatment of unprotected left main stenosis: updated 5-year outcomes from the randomised, non-inferiority NOBLE trial. Lancet .2020;395(10219):191–9.

4. Park DW, Ahn JM, Park H, Yun SC, Kang DY, Lee PH, et al. Ten-year outcomes after drug-eluting stents versus coronary artery bypass grafting for left main coronary disease: extended follow-up of the PRECOMBAT trial. Circulation. 2020; 141(18):1437–46

5. Thuijs DJFM, Kappetein AP, Serruys PW, Mohr FW, Morice MC, Mack MJ, et al. Percutaneous coronary intervention versus coronary artery bypass grafting in patients with three-vessel or left main coronary artery disease: 10-year follow-up of the multicentre randomised controlled SYNTAX trial. Lancet. 2019;394(10206):1325-34.
- 66. Boudriot E, Thiele H, Walther T, Liebetrau C, Boeckstegers P, Pohl T, et al. Randomized comparison of percutaneous coronary intervention with sirolimus-eluting stents versus coronary artery bypass grafting in unprotected left main stem stenosis. J Am Coll Cardiol 2011;57(5):538–45. Recentemente, esses dados foram compilados em duas meta-análises nas quais o seguimento de longo prazo não mostrou diferença significativa na mortalidade e na taxa de AVC entre ICP e CABG. 77. Ahmad Y, Howard JP, Arnold AD, Cook C, Prasad M, Ali ZA, et al. Mortality after drug-eluting stents vs. coronary artery bypass grafting for left main coronary artery disease: a meta-analysis of randomized controlled trials, Eur Heart J .2020;34(7):3228-35. , 88. P Andrade, JL Falcão, BA Falcão, et al. Stent versus Coronary Artery Bypass Surgery in Multi-Vessel and Left Main Coronary Artery Disease: A Meta-Analysis of Randomized Trials with Subgroups Evaluation. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(5):511-523. Além disso, dois desses ensaios randomizados com seguimento prolongado de longo prazo, de até 10 anos, demonstraram bons resultados sustentados da ICP, com taxas de mortalidade semelhantes às da CABG, respectivamente, 14,5% x 13,8% e 27 % x 28%. 44. Park DW, Ahn JM, Park H, Yun SC, Kang DY, Lee PH, et al. Ten-year outcomes after drug-eluting stents versus coronary artery bypass grafting for left main coronary disease: extended follow-up of the PRECOMBAT trial. Circulation. 2020; 141(18):1437–46 , 55. Thuijs DJFM, Kappetein AP, Serruys PW, Mohr FW, Morice MC, Mack MJ, et al. Percutaneous coronary intervention versus coronary artery bypass grafting in patients with three-vessel or left main coronary artery disease: 10-year follow-up of the multicentre randomised controlled SYNTAX trial. Lancet. 2019;394(10206):1325-34.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Grion et al., 99. Grion DS, Grion DC, Silverio IV, Oliveira LS, Larini IF, Martins AV, et al. Percutaneous Coronary Intervention in Unprotected Left Main Coronary Artery Lesions. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1101-1108. apresentam sua experiência com ICP para doença de ULMCA em uma série consecutiva de 107 pacientes. 99. Grion DS, Grion DC, Silverio IV, Oliveira LS, Larini IF, Martins AV, et al. Percutaneous Coronary Intervention in Unprotected Left Main Coronary Artery Lesions. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1101-1108. Esses dados são muito importantes para toda a comunidade médica envolvida no tratamento da doença arterial coronariana, à luz da escassez de dados sobre CABG ou ICP para doença de ULMCA em nossa região. Do ponto de vista da medicina baseada em evidências, os ensaios clínicos randomizados (ECR) são o “padrão ouro” para avaliar a segurança e eficácia dos agentes terapêuticos, ainda mais no complexo cenário de comparação de dois métodos de tratamento invasivos, tão distintos como a CABG e a ICP. Entretanto, registros e experiências locais, como o de Grion et al. 99. Grion DS, Grion DC, Silverio IV, Oliveira LS, Larini IF, Martins AV, et al. Percutaneous Coronary Intervention in Unprotected Left Main Coronary Artery Lesions. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1101-1108. são importantes para fornecer todo o espectro de pacientes tratados no ambiente do mundo real e a possibilidade de avaliar se os tratamentos e resultados dos ECRs são realmente aplicados diariamente. Os rígidos critérios de inclusão e exclusão necessários implicam que as populações do estudo muitas vezes não são representativas dos pacientes encontrados na prática clínica. Por exemplo, nos estudos EXCEL e NOBLE, mais de um terço dos pacientes elegíveis foram na verdade excluídos e quase metade deles devido a condições clínicas que levam o cirurgião cardíaco ou cardiologista intervencionista participante a acreditar que o equilíbrio clínico não estava presente.

O presente estudo incluiu uma população do mundo real, geralmente excluída de ensaios clínicos randomizados com complexidade aumentada. Diabetes estava presente em mais da metade dos pacientes (57%) e a média de idade foi de até 69 anos. A fração de ejeção média de 53% é menor do que a dos ECRs e um maior número de stents foram implantados por paciente (3,9). Finalmente, o escore SYNTAX médio foi 46 ± 23, substancialmente mais alto do que os dos estudos EXCEL, 22. Stone GW, Kappetein AP, Sabik A, Pocockk SJ, Morice MC, Puskas J, et al. Five-year outcomes after PCI or CABG for left main coronary disease. N Engl J Med .2019;381(19):1820–30. NOBLE 33. Holm NR, Mäkikallio T, Lindsay MM, Spence MS, Erglis A, Menown BA, et al. A. Percutaneous coronary angioplasty versus coronary artery bypass grafting in the treatment of unprotected left main stenosis: updated 5-year outcomes from the randomised, non-inferiority NOBLE trial. Lancet .2020;395(10219):191–9. e PRECOMBAT. 44. Park DW, Ahn JM, Park H, Yun SC, Kang DY, Lee PH, et al. Ten-year outcomes after drug-eluting stents versus coronary artery bypass grafting for left main coronary disease: extended follow-up of the PRECOMBAT trial. Circulation. 2020; 141(18):1437–46 Apesar desses perfis de risco altamente clínicos e de lesão, eles alcançaram resultados muito bons em curto prazo com alto sucesso do procedimento (99%) e baixa taxa de mortalidade intra-hospitalar (1,86%). Taxas semelhantes foram observadas em nosso país por Constantini et al., 1010. Constantini CR, D Zanuttini, Denk MA. Evolução clínica de pacientes com lesões de tronco de coronária esquerda não-protegido submetidos a angioplastia coronária com implante de stents farmacológicos. Rev Bras Cardiol Invasiva [online]. 2011;19(2):153-9. em 2011 (mortalidade intra-hospitalar de 1,4%), bem como nos principais registros internacionais do tipo “ all-comers1111. Buszman PE, Buszman PP, Banasiewicz-Szkróbka I, Milewiki K, Zurakowski A, Orlik B, et al. Left Main Stenting in Comparison With Surgical Revascularization: 10-Year Outcomes of the (Left Main Coronary Artery Stenting) LE MANS Trial. JACC Cardiovasc Interv. 2016 Feb 22;9(4):318-27. como DELTA 1, DELTA 2 1212. Chieffo A, Tanaka A, Giustino, Briede I, Sawaya F, Daemen J, et al. DELTA 2 Investigators. The DELTA 2 Registry: A Multicenter Registry Evaluating Percutaneous Coronary Intervention With New-Generation Drug-Eluting Stents in Patients With Obstructive Left Main Coronary Artery Disease. JACC Cardiovasc Interv. 2017 Dec 11;10(23):2401-10. doi: 10.1016/j.jcin.2017.08.050. PMID: 29217002.
https://doi.org/10.1016/j.jcin.2017.08.0...
e MAIN-COMPARE, 1313. Giannoglou GD, Antoniadis AP, Chatzizisis YS, Damvopoulos E, Parcharidis GE, Louridas GE, et al. Prevalence of narrowing ≥50% of the left main coronary artery among 17,300 patients having coronary angiography. Am J Cardiol . 2006;98(9):1202-5. , 1414. Seung KB, Park D-W, Kim Y-H, Lee SW, Lee LW, Hong MK, et al. Stents versus coronary-artery bypass grafting for left main coronary artery disease. N Engl J Med. 2008;358(17):1781-92. onde o a mortalidade hospitalar foi de 2,0% e 1,1% e 0,8%, respectivamente. Apesar da relevância dos resultados intra-hospitalares, obviamente, os resultados do seguimento de longo prazo ainda são necessários para confirmar esses bons achados intra-hospitalares. Posto isto, devemos ter em mente que para alcançar bons resultados em longo prazo em qualquer tipo de intervenção para pacientes com doença arterial coronariana multiarterial estável ou ULMCA, é essencial ter uma mortalidade hospitalar abaixo de 2%.

Por outro lado, tem sido amplamente demonstrado que mesmo a ICP contemporânea, comparada à CABG, apresenta maior risco de revascularização repetida no seguimento em longo prazo. Nesse contexto, vale ressaltar a excelência do atual grupo, que utiliza o ultrassom intracoronário (USIC) para guiar a ICP em 100% dos pacientes com doença de ULMCA. Mesmo nos ECRs, a ICP guiada por USIC não excede 70% do uso. Além disso, há muita experiência e uma riqueza de evidências que apoiam o uso rotineiro de USIC na ICP da ULMCA. O uso de USIC durante a ICP da ULMCA é seguro e está associado a reduções substanciais em ECAM no seguimento de longo prazo, incluindo revascularização repetida e até morte. 1515. Gao X-F, Ge Z, Kong XQ, for the ULTIMATE Investigators. 3-Year Outcomes of the ULTIMATE Trial Comparing Intravascular Ultrasound Versus Angiography-Guided Drug-Eluting Stent Implantation:. 2021 Feb, 14 (3) 247–57.

Em conclusão, Grion et al. 99. Grion DS, Grion DC, Silverio IV, Oliveira LS, Larini IF, Martins AV, et al. Percutaneous Coronary Intervention in Unprotected Left Main Coronary Artery Lesions. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1101-1108. demonstraram resultados hospitalares muito bons com a ICP da ULMCA complexa guiada por USIC em nosso ambiente. Conhecer e divulgar nossos resultados intra-hospitalares é o primeiro passo para podermos incorporar os resultados dos ECRs em nossa prática diária.

Referências

  • 1
    Laham RJ, Carrozza J, Baim DS. Treatment of unprotected left main stenoses with palmz-schatz stenting. Catheter Cardiovasc Diagn.1996;37(1):77-80.
  • 2
    Stone GW, Kappetein AP, Sabik A, Pocockk SJ, Morice MC, Puskas J, et al. Five-year outcomes after PCI or CABG for left main coronary disease. N Engl J Med .2019;381(19):1820–30.
  • 3
    Holm NR, Mäkikallio T, Lindsay MM, Spence MS, Erglis A, Menown BA, et al. A. Percutaneous coronary angioplasty versus coronary artery bypass grafting in the treatment of unprotected left main stenosis: updated 5-year outcomes from the randomised, non-inferiority NOBLE trial. Lancet .2020;395(10219):191–9.
  • 4
    Park DW, Ahn JM, Park H, Yun SC, Kang DY, Lee PH, et al. Ten-year outcomes after drug-eluting stents versus coronary artery bypass grafting for left main coronary disease: extended follow-up of the PRECOMBAT trial. Circulation. 2020; 141(18):1437–46
  • 5
    Thuijs DJFM, Kappetein AP, Serruys PW, Mohr FW, Morice MC, Mack MJ, et al. Percutaneous coronary intervention versus coronary artery bypass grafting in patients with three-vessel or left main coronary artery disease: 10-year follow-up of the multicentre randomised controlled SYNTAX trial. Lancet. 2019;394(10206):1325-34.
  • 6
    Boudriot E, Thiele H, Walther T, Liebetrau C, Boeckstegers P, Pohl T, et al. Randomized comparison of percutaneous coronary intervention with sirolimus-eluting stents versus coronary artery bypass grafting in unprotected left main stem stenosis. J Am Coll Cardiol 2011;57(5):538–45.
  • 7
    Ahmad Y, Howard JP, Arnold AD, Cook C, Prasad M, Ali ZA, et al. Mortality after drug-eluting stents vs. coronary artery bypass grafting for left main coronary artery disease: a meta-analysis of randomized controlled trials, Eur Heart J .2020;34(7):3228-35.
  • 8
    P Andrade, JL Falcão, BA Falcão, et al. Stent versus Coronary Artery Bypass Surgery in Multi-Vessel and Left Main Coronary Artery Disease: A Meta-Analysis of Randomized Trials with Subgroups Evaluation. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(5):511-523.
  • 9
    Grion DS, Grion DC, Silverio IV, Oliveira LS, Larini IF, Martins AV, et al. Percutaneous Coronary Intervention in Unprotected Left Main Coronary Artery Lesions. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(6):1101-1108.
  • 10
    Constantini CR, D Zanuttini, Denk MA. Evolução clínica de pacientes com lesões de tronco de coronária esquerda não-protegido submetidos a angioplastia coronária com implante de stents farmacológicos. Rev Bras Cardiol Invasiva [online]. 2011;19(2):153-9.
  • 11
    Buszman PE, Buszman PP, Banasiewicz-Szkróbka I, Milewiki K, Zurakowski A, Orlik B, et al. Left Main Stenting in Comparison With Surgical Revascularization: 10-Year Outcomes of the (Left Main Coronary Artery Stenting) LE MANS Trial. JACC Cardiovasc Interv. 2016 Feb 22;9(4):318-27.
  • 12
    Chieffo A, Tanaka A, Giustino, Briede I, Sawaya F, Daemen J, et al. DELTA 2 Investigators. The DELTA 2 Registry: A Multicenter Registry Evaluating Percutaneous Coronary Intervention With New-Generation Drug-Eluting Stents in Patients With Obstructive Left Main Coronary Artery Disease. JACC Cardiovasc Interv. 2017 Dec 11;10(23):2401-10. doi: 10.1016/j.jcin.2017.08.050. PMID: 29217002.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcin.2017.08.050
  • 13
    Giannoglou GD, Antoniadis AP, Chatzizisis YS, Damvopoulos E, Parcharidis GE, Louridas GE, et al. Prevalence of narrowing ≥50% of the left main coronary artery among 17,300 patients having coronary angiography. Am J Cardiol . 2006;98(9):1202-5.
  • 14
    Seung KB, Park D-W, Kim Y-H, Lee SW, Lee LW, Hong MK, et al. Stents versus coronary-artery bypass grafting for left main coronary artery disease. N Engl J Med. 2008;358(17):1781-92.
  • 15
    Gao X-F, Ge Z, Kong XQ, for the ULTIMATE Investigators. 3-Year Outcomes of the ULTIMATE Trial Comparing Intravascular Ultrasound Versus Angiography-Guided Drug-Eluting Stent Implantation:. 2021 Feb, 14 (3) 247–57.
  • Minieditorial referente ao artigo: Intervenção Coronariana Percutânea em Lesões não Protegidas de Tronco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jun 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br