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O Impacto da Educação na Mortalidade por Todas as Causas após Infarto do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSST): Resultados do Brasília Heart Study

Resumo

Fundamento

A baixa escolaridade tem sido considerada um fator de risco modificável significativo para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares há bastante tempo. Apesar disso, ainda não se sabe muito sobre esse fator impactar ou não os desfechos após infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).

Objetivo

Investigar se a escolaridade é um fator de risco independente para mortalidade em pacientes com IAMCSST.

Métodos

Os pacientes com diagnóstico de IAMCSST foram consecutivamente incluídos em uma coorte prospectiva (Brasília Heart Study) e categorizados de acordo com os anos dos quartis de estudo (0-3, 4-5, 6-10 e >10 anos). Os grupos foram comparados pelo teste t de Student para variáveis contínuas e qui-quadrado para categóricas. A incidência de mortalidade por todas as causas foi comparada com Kaplan-Meyer com regressão de Cox ajustada por idade, sexo e escore GRACE. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. SPSS21.0 foi utilizado para todas as análises.

Resultados

A média de escolaridade foi de 6,63±4,94 anos. Durante o período de acompanhamento (média: 21 meses; até 6,8 anos), 83 pacientes vieram à óbito (mortalidade cumulativa de 15%). A taxa de mortalidade foi maior entre o quartil inferior em comparação com aqueles do quartil superior [18,5 vs. 6,8%; RR 2,725 (IC 95%: 1,27-5,83; p=0,01)]. Na análise multivariada, a baixa escolaridade perdeu significância estatística para mortalidade por todas as causas após ajuste para idade e sexo, com RR 1,305 (IC 95%: 0,538-3,16; p=0,556), e após ajuste pelo escore GRACE com RR 1,767 (IC 95%: 0,797-3,91; p=0,161).

Conclusão

Investigar se a escolaridade é um fator de risco independente para mortalidade em pacientes com IAMCSST.

Doenças Cardiovasculares; Fatores de Risco; Mortalidade; Estudos de Coorte; Síndrome Coronariana Aguda; Aterosclerose; Escolaridade

Abstract

Background

Low schooling has been considered an important modifiable risk factor for the development of cardiovascular disease for a long time. Despite that, whether this factor impacts the outcomes following ST-segment elevation myocardial infarction (STEMI) is poorly understood.

Objective

To investigate whether schooling stands as an independent risk factor for mortality in STEMI patients.

Methods

STEMI-diagnosed patients were consecutively enrolled from a prospective cohort (Brasilia Heart Study) and categorized according to years of study quartiles (0-3, 4-5, 6-10 and >10 years). Groups were compared by student’s t test for continuous variables and qui-square for categorical. Incidence of all-cause mortality was compared with Kaplan-Meyer with Cox regression adjusted by age, gender, and GRACE score. Values of p < 0.05 were considered significant. SPSS21.0 was used for all analysis.

Results

The mean schooling duration was 6.63±4.94 years. During the follow-up period (mean: 21 months; up to 6.8 years), 83 patients died (cumulative mortality of 15%). Mortality rate was higher among the lowest quartile compared to those in the highest quartile [18.5 vs 6.8%; HR 2.725 (95% CI: 1.27-5.83; p=0.01)]. In multivariate analysis, low schooling has lost statistical significance for all-cause mortality after adjustment for age and gender, with HR of 1.305 (95% CI: 0.538-3.16; p=0.556), and after adjustment by GRACE score with an HR of 1.767 (95% CI: .797-3.91; p=0.161).

Conclusion

Low schooling was not an independent risk factor for mortality in STEMI patients.

Cardiovascular Diseases; Risk Factors; Mortality; Cohort Studies; Acute Coronary Syndrome; Atherosclerosis; Scholarity

Introdução

Nas últimas décadas, um grande esforço tem sido feito para prevenir fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares. Entre outros, o baixo nível socioeconômico, avaliado por anos de estudo é destacado como um fator multifacetado que impacta as taxas de incidência e mortalidade de infarto do miocárdio (IM).11. Havranek EP, Mujahid MS, Barr DA, Blair IV, Cohen MS, Cruz-Flores S, et al. Social determinants of risk and outcomes for cardiovascular disease: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2015;132(9):873-98. doi: 10.1161/CIR.0000000000000228.
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Um motivo plausível é o vínculo entre educação e alfabetização em saúde, que compreende a capacidade de reconhecer informações sobre saúde e realizar práticas de autocuidado com eficiência.22. Rymer JA, Kaltenbach LA, Anstrom KJ, Fonarow GC, Erskine N, Peterson ED, et al. Hospital evaluation of health literacy and associated outcomes in patients after acute myocardial infarction. Am Heart J. 2018;198:97-107. doi: 10.1016/j.ahj.2017.08.024.
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De acordo com essa hipótese, aqueles com maior nível de instrução são, provavelmente, mais aderentes às instruções terapêuticas após o evento causador, o que pode, em última instância, favorecer o prognóstico.33. Aaby A, Friis K, Christensen B, Rowlands G, Maindal HT. Health literacy is associated with health behaviour and self-reported health: a large population-based study in individuals with cardiovascular disease. Eur J Prev Cardiol. 2017;24(17):1880-8. doi: 10.1177/2047487317729538.
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Por outro lado, pessoas com menor nível de instrução podem apresentar maior prevalência de comorbidades,33. Aaby A, Friis K, Christensen B, Rowlands G, Maindal HT. Health literacy is associated with health behaviour and self-reported health: a large population-based study in individuals with cardiovascular disease. Eur J Prev Cardiol. 2017;24(17):1880-8. doi: 10.1177/2047487317729538.
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e, com frequência, apresentam acesso tardio aos serviços de saúde,22. Rymer JA, Kaltenbach LA, Anstrom KJ, Fonarow GC, Erskine N, Peterson ED, et al. Hospital evaluation of health literacy and associated outcomes in patients after acute myocardial infarction. Am Heart J. 2018;198:97-107. doi: 10.1016/j.ahj.2017.08.024.
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o que leva ao acesso limitado a estratégias de reperfusão e a um aumento das taxas de mortalidade.

Em cuidados cardiovasculares, a hipótese mencionada é apoiada por um crescente número de evidências, sugerindo que a mortalidade em longo prazo é muito maior entre os pacientes com menor escolaridade. Embora essa relação seja atualmente bem fundamentada, a maioria dos dados foi coletada em países de alta renda, como a Noruega,44. Strand BH, Tverdal A. Can cardiovascular risk factors and lifestyle explain the educational inequalities in mortality from ischaemic heart disease and from other heart diseases? 26 year follow up of 50,000 Norwegian men and women. J Epidemiol Community Health. 2004;58(8):705-9. doi: 10.1136/jech.2003.014563.
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,55. Igland J, Vollset SE, Nygard OK, Sulo G, Sulo E, Ebbing M, et al. Educational inequalities in 28 day and 1-year mortality after hospitalisation for incident acute myocardial infarction - a nationwide cohort study. Int J Cardiol. 2014;177(3):874-80. doi: 10.1016/j.ijcard.2014.10.04.
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os Estados Unidos66. Coady SA, Johnson NJ, Hakes JK, Sorlie PD. Individual education, area income, and mortality and recurrence of myocardial infarction in a Medicare cohort: the National Longitudinal Mortality Study. BMC Public Health. 2014;14:705. doi: 10.1186/1471-2458-14-705.
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e a Alemanha.77. Kirchberger I, Meisinger C, Golüke H, Heier M, Kuch B, Peters A, et al. Long-term survival among older patients with myocardial infarction differs by educational level: results from the MONICA/KORA myocardial infarction registry. Int J Equity Health. 2014;13:19. doi: 10.1186/1475-9276-13-19.
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Nesses países, como resultado de um excelente serviço educacional geral, a escolaridade pode desempenhar um papel mais amplo na alfabetização em saúde do que nos países em desenvolvimento, nos quais a educação continua enfrentando desafios devido à falta de recursos e taxas de abandono implacáveis nos estágios iniciais de escolaridade.88. Frisvold D, Golberstein E. School quality and the education-health relationship: evidence from blacks in segregated schools. J Health Econ. 2011;30(6):1232-45. doi: 10.1016/j.jhealeco.2011.08.003.
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,99. Cardoso AR, Dorte V. School drop-out and push-out factors in Brazil: the role of early parenthood, child labor, and poverty. IZA Discus Pap. 2006;1-21. Portanto, saber se a escolaridade permanece como um fator de risco modificável significativo para doença cardiovascular em países de baixa e média renda permanece uma questão sem resposta.

Até o momento, resultados anteriores sugerem que aqueles com menor escolaridade têm uma incidência maior de IM no Brasil. No entanto, se a sobrevida global também é determinada por esses fatores, não se sabe ao certo.1010. Piegas LS, Avezum A, Pereira JC, Rossi Neto J, Hoepfner C, Farran JA, et al. Risk factors for myocardial infarction in Brazil. Am Heart J. 2003;146(2):331-8. doi: 10.1016/S0002-8703(03)00181-9.
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Como as doenças das artérias coronárias continuam sendo a principal causa de morte no país, deve-se destacar o papel da escolaridade como um marcador substituto plausível de risco de mortalidade.1111. Ribeiro ALP, Duncan BB, Brant LCC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto SM. Cardiovascular health in Brazil: trends and perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.114.008727.
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Nesse cenário, o presente estudo investigou se a menor escolaridade é um fator de risco independente para mortalidade e estimou seu impacto na saúde cardiovascular em uma coorte brasileira de pacientes com IM.

Métodos

População de estudo

Pacientes do Brasília Heart Study foram admitidos prospectivamente no estudo (ClinicalTrials.gov Identifier: NCT02062554), um estudo de coorte em andamento cujos detalhes foram publicados em outro local.1212. Sposito AC, Carvalho LS, Cintra RM, Araújo AL, Ono AH, Andrade JM, et al. Rebound inflammatory response during the acute phase of myocardial infarction after simvastatin withdrawal. Atherosclerosis. 2009;207(1):191-4. doi: 10.1016/j.atherosclerosis.2009.04.008
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Dos 662 pacientes incluídos entre junho de 2006 e novembro de 2016, 542 foram incluídos nesta análise e 120 foram excluídos devido à falta de dados. Resumidamente, o presente estudo envolveu pacientes de qualquer idade, internados por IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) em um hospital público de alta complexidade (terciário) (Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília, Distrito Federal, Brasil). Os critérios de admissão incluíram: (i) menos de 24 horas do início dos sintomas de IM; (ii) desnivelamento do segmento ST de pelo menos 1 mm (plano frontal) ou 2 mm (horizontal) em derivações contíguas; e (iii) necrose do miocárdio, tal como evidenciado por um aumento de, pelo menos, um valor acima do percentil 99 acima do limite de referência de CQ-MB (25 U/L) e troponina I (0,04 ng/mL), seguido por um declínio de ambos.

Em 24h após admissão hospitalar, amostras de sangue foram coletadas após jejum de 12h e análises bioquímicas foram realizadas para as seguintes medidas: creatina quinase-MB, colesterol total e frações, proteína C reativa (PCR), glicemia de jejum, hemoglobina glicada, creatinina e triglicerídeos. As fórmulas de Cockcroft-Gault e Friedewald foram utilizadas para estimar a depuração e o LDL-c, respectivamente. Todas as análises bioquímicas foram realizadas no mesmo laboratório clínico, certificado pelo Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica.

Definição dos grupos

Na admissão hospitalar, os pacientes foram interrogados sobre sua escolaridade. O número relatado de anos de estudo foi então registrado quando viável ou presumido de acordo com o nível de escolaridade mais alto atingido pelo paciente. Nesse ponto, os anos de escolaridade considerados segundo o sistema educacional brasileiro, como apresentado a seguir, foram: analfabetos (<4º ano), ensino fundamental (8º ano), ensino médio (11º ano) e educação superior (>15º ano). Finalmente, os participantes foram divididos em anos de quartis de estudo, da seguinte forma: 0-3, 4-5, 6-10 e >10 anos de estudo (Figura 1).

Figura 1
– Fluxograma para os participantes do presente estudo.

Acompanhamento e estágios finais

Os pacientes foram acompanhados por meio de consulta ambulatorial mensal ou contato telefônico. O tempo mediano de seguimento foi de 611 (IIQ:724) dias, variando de 1 a 2.504 dias. O desfecho primário do estudo foi a mortalidade por todas as causas. O desfecho composto secundário foram eventos cardíacos adversos maiores (MACE), definidos como IM fatal ou não fatal, morte cardiovascular hospitalar e morte cardíaca súbita. Outros desfechos registrados foram acidente vascular cerebral não fatal, trombose intra-stent e angina. Para todos os desfechos, as informações foram obtidas de registros médicos e atestados de óbito.

Análise estatística

Os dados são média ± desvio padrão para dados normalmente distribuídos, e as variáveis categóricas são apresentadas como porcentagens (%). A normalidade das variáveis quantitativas foi avaliada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. As comparações entre 0-3 e >10 grupos de escolaridade foram realizadas com o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas e o teste t de Student pareado para variáveis contínuas. As curvas de sobrevivência foram analisadas com o método de Kaplan-Meier e comparadas com o teste Log Rank Mantel-Cox. O modelo de riscos proporcionais de Cox foi adotado para examinar a associação entre escolaridade e tempo para MACE, no qual três modelos predefinidos foram utilizados [modelo 1: não ajustado; modelo 2: ajustado para sexo e idade; modelo 3: ajustado para escore GRACE]. Um valor de p bilateral de <0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As análises estatísticas foram realizadas no SPSS para Mac, versão 20.0.

Resultados

A média de escolaridade foi de 6,63±4,94 anos. As características da linha de base de acordo com os anos do quartil de estudo estão detalhadas na Tabela 1. Um fator de maior importância é que aqueles com menos escolaridade eram mais velhos e mostraram taxas ligeiramente mais baixas de tratamento com estatina após IAMCSST, índice de massa corporal (IMC) mais baixo, além de taxas mais altas de hipertensão. No entanto, as comorbidades [tabagismo, diabetes, dislipidemia], estratégia de reperfusão e atraso no início dos sintomas até a admissão hospitalar foram comparáveis entre os diferentes grupos de escolaridade. A comparação entre os quartis intermediários mostrou que aqueles com seis a 10 anos de escolaridade eram significativamente mais jovens e, em sua maioria, do sexo masculino, IAM prévio e histórico familiar de doença arterial coronariana (DAC) quando comparados a aqueles com quatro ou cinco anos de escolaridade (Tabela 1).

Tabela 1
– Características da amostra

Durante o período de acompanhamento (média: 21 meses; faixa: 0-6,8 anos), 83 pacientes faleceram (mortalidade cumulativa de 15%). No modelo linear, a escolaridade reduziu significativamente a chance de óbito, de acordo com nosso período de acompanhamento, com RR 0,927 (IC 95: 0,877-0,981; p=0,008). A taxa de mortalidade foi maior entre o quartil inferior em comparação com aqueles com >10 anos de estudo (18,5 vs 6,8%, p=0,016) (Figura 2). Na análise univariada, as seguintes variáveis estiveram relacionadas às maiores taxas de mortalidade: idade (p=0,001), tabagismo (p=0,046), classificação Killip (p=0,013) e escolaridade (p=0,021). Em comparação com indivíduos com >10 anos de escolaridade, ter <3 anos de estudo foi relacionado à mortalidade por todas as causas com RR 2,725 (IC 95%: 1,27-5,83; p=0,01). Na análise multivariada, apenas idade e Killip >I permaneceram significativamente associados à mortalidade. Na comparação dos grupos, ter menos de três anos de estudo perdeu significância estatística após ajuste por idade e sexo, com RR 1,305 (IC 95%: 0,538-3,16; p=0,556) e após ajuste pelo escore GRACE com RR 1,767 (IC 95%: 0,797-3,91; p=0,161) (Tabela 2). Da mesma forma, nenhum dos quartis intermediários foi significativamente relacionado aos resultados na análise multivariada.

Figura 2
– Kaplan-Meyer para mortalidade por todas as causas estratificada por anos de quartis de estudo.

Tabela 2
– Regressão de Cox para mortalidade por todas as causas

Discussão

No presente estudo, a baixa escolaridade não teve relação independente com a mortalidade após IAMCSST. Apesar disso, uma taxa de mortalidade 2,7 vezes maior foi encontrada para aqueles com menor escolaridade em comparação ao quartil mais alto nos modelos brutos, resultado que foi neutralizado após o ajuste por idade ou escore GRACE. São muitas as razões possíveis para esse achado.

Não se pode deixar de considerar que os pacientes menos instruídos também eram significativamente mais velhos. Essa discrepância é recorrente em outros estudos, uma vez que um aumento geral nos anos de escolaridade esperados ocorreu globalmente nas últimas décadas. Aliás, relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estimam que os anos de escolaridade esperados aumentaram de 13 para 16 anos em países de alta renda, e de cinco para nove anos em países de baixa e média renda nos últimos 30 anos.1313. The United Nations. Human Development Report 2016. New York: The United Nations; 2016. No Brasil, no mesmo período, a média de anos de escolaridade passou de 2,6 para 7,8 anos, diminuindo as taxas de analfabetismo dos últimos 25% para os atuais 9,6%.1313. The United Nations. Human Development Report 2016. New York: The United Nations; 2016.,1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Brasília (DF): IBGE; 2021. Visto que a idade é um fator de risco bem estabelecido para mortalidade por qualquer causa, sua relação com a escolaridade prejudica as tentativas de responder se a escolaridade é um marcador substituto independente de mortalidade em pacientes infartados. Portanto, resultados conflitantes são encontrados na literatura (Tabela 3).

Tabela 3
– Comparação com outros estudos

Dessa forma, Kirchberger et al.,77. Kirchberger I, Meisinger C, Golüke H, Heier M, Kuch B, Peters A, et al. Long-term survival among older patients with myocardial infarction differs by educational level: results from the MONICA/KORA myocardial infarction registry. Int J Equity Health. 2014;13:19. doi: 10.1186/1475-9276-13-19.
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analisaram dados de 3.400 pacientes com IAM, que foram agrupados com níveis de escolaridade baixa ou alta, usando um corte de 13 anos de escolaridade. De acordo com nossos achados, embora a baixa escolaridade estivesse relacionada a um aumento de 1,46 vezes na taxa de mortalidade na análise bruta, o ajuste por idade a tornou estatisticamente não significativa.77. Kirchberger I, Meisinger C, Golüke H, Heier M, Kuch B, Peters A, et al. Long-term survival among older patients with myocardial infarction differs by educational level: results from the MONICA/KORA myocardial infarction registry. Int J Equity Health. 2014;13:19. doi: 10.1186/1475-9276-13-19.
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Além disso, de acordo com os motivos anteriormente expostos, a escolaridade voltou a ter significância estatística quando os pacientes foram estratificados por faixas etárias.77. Kirchberger I, Meisinger C, Golüke H, Heier M, Kuch B, Peters A, et al. Long-term survival among older patients with myocardial infarction differs by educational level: results from the MONICA/KORA myocardial infarction registry. Int J Equity Health. 2014;13:19. doi: 10.1186/1475-9276-13-19.
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Em contraste, Mehta et al.,1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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relataram um aumento de cinco vezes na mortalidade entre os pacientes com menos escolaridade e IAMCSST, que permaneceu significativa após o ajuste por idade.1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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Além disso, ao passo que o grupo de menor escolaridade compreendia 2.249 indivíduos, aqueles com >16 anos de escolaridade foram somente 469 pacientes.1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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Essa diferença pode ter minado a importância do efeito das disparidades de idade nos resultados.1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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O estudo também analisou dados coletados em nove países de alta renda.1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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Portanto, os altos padrões de educação desses países podem ter impulsionado sua contribuição para os resultados de saúde a um nível suficiente para não ser excedido pelo efeito das discrepâncias de idade. Nesse sentido, Mehta et al.1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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incluíram dados incluídos da Noruega, atualmente o 1º país no ranking de educação, ao passo que o Brasil se destaca como o 87º país em termos de educação, portanto fornecendo explicações razoáveis para as discrepâncias relatadas.1313. The United Nations. Human Development Report 2016. New York: The United Nations; 2016.,1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Brasília (DF): IBGE; 2021. Ademais, Mehta et al.,1515. Mehta RH, O’Shea JC, Stebbins AL, Granger CB, Armstrong PW, White HD, et al. Association of mortality with years of education in patients with ST-segment elevation myocardial infarction treated with fibrinolysis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(2):138-46. doi: 10.1016/j.jacc.2010.09.021.
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compararam seus grupos com uma escolaridade superior (>16 anos) do que o que foi realizado em nosso estudo (>10 anos), o que pode ter alimentado significativamente o tamanho do efeito verificado.

Finalmente, é importante destacar que a renda é, de longe, o fator mais estreitamente relacionado aos resultados clínicos após IAMCSST entre os fatores socioeconômicos.1616. Ohm J, Skoglund PH, Discacciati A, Sundström J, Hambraeus K, Jernberg T, et al. Socioeconomic status predicts second cardiovascular event in 29,226 survivors of a first myocardial infarction. Eur J Prev Cardiol. 2018;25(9):985-93. doi: 10.1177/2047487318766646.
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,1717. Manderbacka K, Arffman M, Lumme S, Keskimaki I. Are there socioeconomic differences in outcomes of coronary revascularizations--a register-based cohort study. Eur J Public Health. 2015;25(6):984-9. doi: 10.1093/eurpub/ckv086.
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Nesse sentido, pode-se argumentar que o impacto da educação nos resultados clínicos resultaria em parte de sua relação com a renda, que é plausivelmente maior entre os países de alta renda, onde a riqueza é distribuída de forma mais justa. Aliás, a renda média anual dos brasileiros sem nenhum nível de instrução é de US$ 3.070,1818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua. Brasília (DF): IBGE; 2017. cerca de 85% menor do que a renda daqueles com o mesmo nível de instrução nos Estados Unidos (US$ 20 mil).1919. Boshara R, Emmons WR, Noeth BJ. The Demographics of wealth: how age, education and race separate thrivers from strugglers in today’s economy. Federal Reserve Bank. 2015(2):1-28.,2020. Consuegra-Sanchez L, Melgarejo-Moreno A, Galcera-Tomas J, Alonso-Fernández N, Díaz-Pastor Á, Escudero-García G, et al. Educational level and long-term mortality in patients with acute myocardial infarction. Rev Esp Cardiol. 2015;68(11):935-42. doi: 10.1016/j.rec.2014.11.025.
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Da mesma forma, a escolaridade foi apenas ligeiramente relacionada à renda (R=0,3) no presente estudo, o que se traduz plausivelmente em um impacto mais leve da escolaridade no acesso aos serviços de saúde e melhora geral dos resultados clínicos, fornecendo um mecanismo viável para as discrepâncias relatadas.

Limitações e pontos fortes do estudo

O presente estudo apresenta diversas limitações. Em primeiro lugar, o número de pacientes era menor do que em estudos anteriores. Em segundo lugar, nossos grupos tiveram prevalências divergentes de fatores de risco conhecidos, principalmente a idade. A coorte não incluiu pacientes com um suposto novo bloqueio de ramo esquerdo como IAMCSST na admissão hospitalar. Por fim, embora seja validada e amplamente utilizada, a divisão em grupos por anos de escolaridade subestima o papel do conteúdo sobre a quantidade de anos estudados, o que pode adicionar um viés indesejável à nossa análise, conforme discutido anteriormente.

Por outro lado, há diversos pontos fortes no presente estudo. Mais importante ainda, é um dos poucos estudos a avaliar prospectivamente o impacto da escolaridade nos resultados de IAMCSST em um país em desenvolvimento. Além disso, o estudo reforçou que os resultados obtidos em países de alto desenvolvimento não podem ser extrapolados para o cenário brasileiro.

Conclusão

A baixa escolaridade não foi um preditor independente de morte nem MACE após IAMCSST no presente estudo.

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  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação Ética e Consentimento Informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2019
  • Revisado
    02 Jun 2020
  • Aceito
    16 Jun 2020
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