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Homeostase do Tiol na Doença Cardíaca Reumática: Biomarcador ou Fator de Risco?

Palavras-chave
Febre Reumática; Doenças Cardiovasculares; Homeostase; Sulfidrila; Fatores de Risco; Biomarcadores

As lesões da febre reumática e da doença cardíaca reumática (DCR) resultam de uma complexa rede de vários genes e proteínas que controlam respostas imunes inatas e adaptáveis após uma faringotonsilite por Streptococcus pyogenes. O processo inflamatório subsequente leva ao desenvolvimento de lesões cardíacas com alta produção de citocinas inflamatórias conduzindo à calcificação e à fibrose valvar.11. Guilherme L, Faé KC, Higa F, Chaves L, Oshiro SE, Barros F, et al. Towards a vaccine against rheumatic fever. Clin Dev Immunol. 2006;13(2-4):125-32. No entanto, as vias celulares além desses fenômenos imunoregulados não foram totalmente elucidadas.

O estresse oxidativo é uma condição biológica marcada por um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio e sua redução.22. Chen K, Thomas SR, Keaney Jr JF. Beyond LDL oxidation: ROS in vascular signal transduction. Free Radic Biol Med.2003;35(2):117-32. https://doi.org/10.1016/S0891-5849(03)00239-9
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Os distúrbios nesse equilíbrio redox podem causar a superprodução de peróxidos e radicais livres que danificam todos os componentes celulares, incluindo proteínas, lipídios e DNA.33. Go YM, Jones DP. Thiol/disulfide redox states in signaling and sensing. Crit. Rev. Biochem Mol Biol.2013;48(2):173-81. https://doi.org/10.3109/10409238.2013.764840
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O estresse oxidativo excessivo também desempenha um papel importante na patogênese de doenças autoimunes, aumentando a inflamação e modificando a tolerância imunológica.44. Jones DP, Go YM. Redox compartmentalization and cellular stress. Diabetes Obes. Metab. 2010;12(Suppl 2):116-25. https://doi.org/10.1111/j.1463-1326.2010.01266.x
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Há uma complexa relação recíproca entre estresse oxidativo, apoptose e autofagia. Isso é especialmente relevante no contexto das doenças autoimunes.55. Ganguly P, Alam SF. Role of homocysteine in the development of cardiovascular disease. Nutr J.2015;14:6 https://doi.org/10.1186/1475-2891-14-6
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O papel do estresse oxidativo na DCR ainda é desconhecido.

O tiol ou sulfidrilo (–SH) é uma forma altamente ativa e versátil de enxofre reduzido em biomoléculas. Está presente em aminoácidos como a cisteína (Cis), em peptídeos e proteínas e é particularmente sensível às reações redox.66. Jones DP, Carlson JL, Mody VC, Cai J, Lynn M, Sternberg P. Redox state of glutathione in human plasma. Free Radic Biol Med.2000;28(4):625-35. https://doi.org/10.1016/S0891-5849(99)00275-0
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Eles podem atuar como um sensor redox crucial, bem como um interruptor capaz de modificar a função proteica e a interatividade pós-traducional. O tiol proteoma e tiol-oxidorredutases são áreas emergentes de investigação. As alterações no estado de tiol-dissulfeto redox têm sido estudadas em diferentes doenças, como câncer, neurodegenerativa e cardiovascular.77. Dohi K, Satoh K, Ohtaki H, Shioda S, Miyake Y, Shindo M, et al. Elevated plasma levels of bilirubin in patients with neurotrauma reflect its pathophysiological role in free radical scavenging. In Vivo.2000;19(5):855-60.

Os processos oxidativos podem converter os tióis em muitas moléculas diferentes. O tiol-dissulfeto é um dos produtos de reações oxidativas nas quais os tióis estão envolvidos. Estudos atuais demonstraram que a razão tiol-dissulfeto pode ser de valor significativo como um promissor marcador de estresse oxidativo.88. Eaton P. Protein thiol oxidation in health and disease: techniques for measuring disulfides and related modifications in complex protein mixtures. Free Radic Biol. Med. 40(11):1889-99. https://doi.org/10.1016/j.freeradbiomed.2005.12.037
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O estudo do nível dos tióis séricos e da homeostase tiol-dissulfeto analisou os níveis de tiol em pacientes com DCR e indivíduos saudáveis. Os autores mostraram uma correlação positiva entre os níveis de dissulfeto e a gravidade da estenose mitral, bem como entre a relação dissulfeto/tiol total e nativa com a pressão da artéria pulmonar, o diâmetro do átrio esquerdo e a gravidade da estenose mitral. Os autores concluem que os níveis plasmáticos de tióis foram significativamente mais baixos em pacientes com doença valvar mitral (DVM) em comparação com o grupo controle. Os níveis de dissulfeto e a razão dissulfeto/tiol foram maiores em pacientes com DVM.99. Korkmaz A, Doğanay B, Basyigit F, Çöteli C, Yildiz A, Gursoy T, et al. Serum Thiol Levels and Thiol/Disulfide Homeostasis in Patients with Rheumatic Mitral Valve Disease and Healthy Subjects. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(3):437-443.

Dada a complexidade e múltiplos compartimentos de toda a organização corporal, o termo “estresse oxidativo orgânico” pode ser inapropriado. Além disso, a associação entre as mudanças de tiol redox está provavelmente associada a fatores sistêmicos, como disfunção endotelial, devido à inflamação relacionada ao lipídio, diabetes, tendência trombótica sistêmica e outros fatores desconhecidos. Nesse sentido, a questão é se as mudanças oxidativas plasmáticas refletem um biomarcador do próprio processo de doença localizada em vez de um fator de risco para doenças vasculares e cardíacas.1010. Oliveira PVS, Laurindo FRM. Implications of plasma thiol redox in disease. Clinical Science.2018;132(12):1257-80. https://doi.org/10.1042/CS20180157.
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De qualquer forma, o estudo destacou uma nova área de investigação dos pools de tióis plasmáticos em DCR, trazendo informações relevantes na fisiopatologia, estágio da doença e até prognóstico. Mais estudos em valvopatia são necessários para elucidar o mecanismo fisiopatológico neste órgão-alvo. Posteriormente, pode ser possível correlacioná-los com os achados no plasma para finalmente obter biomarcadores específicos.

  • Minieditorial referente ao artigo: Níveis de Tiol Sérico e Homeostase Tiol/Dissulfeto em Pacientes com Doença Valvar Mitral Reumatismal e em Sujeitos Saudáveis

Referências

  • 1
    Guilherme L, Faé KC, Higa F, Chaves L, Oshiro SE, Barros F, et al. Towards a vaccine against rheumatic fever. Clin Dev Immunol. 2006;13(2-4):125-32.
  • 2
    Chen K, Thomas SR, Keaney Jr JF. Beyond LDL oxidation: ROS in vascular signal transduction. Free Radic Biol Med.2003;35(2):117-32. https://doi.org/10.1016/S0891-5849(03)00239-9
    » https://doi.org/10.1016/S0891-5849(03)00239-9
  • 3
    Go YM, Jones DP. Thiol/disulfide redox states in signaling and sensing. Crit. Rev. Biochem Mol Biol.2013;48(2):173-81. https://doi.org/10.3109/10409238.2013.764840
    » https://doi.org/10.3109/10409238.2013.764840
  • 4
    Jones DP, Go YM. Redox compartmentalization and cellular stress. Diabetes Obes. Metab. 2010;12(Suppl 2):116-25. https://doi.org/10.1111/j.1463-1326.2010.01266.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1463-1326.2010.01266.x
  • 5
    Ganguly P, Alam SF. Role of homocysteine in the development of cardiovascular disease. Nutr J.2015;14:6 https://doi.org/10.1186/1475-2891-14-6
    » https://doi.org/10.1186/1475-2891-14-6
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    Jones DP, Carlson JL, Mody VC, Cai J, Lynn M, Sternberg P. Redox state of glutathione in human plasma. Free Radic Biol Med.2000;28(4):625-35. https://doi.org/10.1016/S0891-5849(99)00275-0
    » https://doi.org/10.1016/S0891-5849(99)00275-0
  • 7
    Dohi K, Satoh K, Ohtaki H, Shioda S, Miyake Y, Shindo M, et al. Elevated plasma levels of bilirubin in patients with neurotrauma reflect its pathophysiological role in free radical scavenging. In Vivo.2000;19(5):855-60.
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    Korkmaz A, Doğanay B, Basyigit F, Çöteli C, Yildiz A, Gursoy T, et al. Serum Thiol Levels and Thiol/Disulfide Homeostasis in Patients with Rheumatic Mitral Valve Disease and Healthy Subjects. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(3):437-443.
  • 10
    Oliveira PVS, Laurindo FRM. Implications of plasma thiol redox in disease. Clinical Science.2018;132(12):1257-80. https://doi.org/10.1042/CS20180157
    » https://doi.org/10.1042/CS20180157

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Set 2021
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