Avaliação Ativa de Sono e Depressão em Pacientes Idosos no Cenário da Cardiologia Ambulatorial: O Que Estamos Esperando?

Palavras-chave
Sono; Depressão; Idosos

O interesse nas relações entre distúrbios do sono, depressão e doença cardiovascular tem aumentado nas últimas décadas. A maioria das evidências disponíveis sugere que vários distúrbios do sono (incluindo privação de sono, insônia, e apneia obstrutiva do sono) não são somente meros espectadores, mas podem contribuir no aumento do risco cardiovascular.^1–3 A prevalência e o impacto dos distúrbios do sono podem variar dependendo de algumas características clínicas (por exemplo: idade, sexo e comorbidades). Idade avançada é claramente um fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios do sono; evidências consistentes mostraram um maior número de queixas associadas ao sono com o avançar da idade,⁴ incluindo insônia⁵ e apneia obstrutiva do sono.^2,3 A redução no número de horas de sono e uma má qualidade do sono podem prejudicar vários domínios relacionados à qualidade de vida nos idosos.^4–6 Ainda, a depressão está associada com várias consequências cognitivas e cardiovasculares.⁷ Com base na plausibilidade biológica que relaciona distúrbios do sono e depressão com risco cardiovascular,^7,8 e a elevada prevalência de doenças cardiovasculares em idosos, é razoável afirmar que os distúrbios do sono contribuem para o alto risco cardiovascular observado nesse subgrupo de pacientes.

Nesta edição dos Arquivos de Brasileiro de Cardiologia, Lopes et al.⁹ apresentam um estudo prospectivo do tipo coorte com 160 pacientes idosos (entre 60 e 98 anos de idade) com o objetivo de estimar o risco de morte e de eventos cardiovasculares após oito anos de acompanhamento (de 2009 a 2017) naqueles que apresentaram insônia e sonolência excessiva durante o dia no basal. Sonolência excessiva durante o dia, qualidade do sono, e presença de sintomas depressivos foram avaliados por Escala de Sono de Epworth, Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, e Escala de Depressão Geriátrica respectivamente.

Os desfechos cardiovasculares propostos avaliados oito anos depois (infarto do miocárdio, arritmias, valvulopatias, ataque isquêmico transitório e acidente vascular isquêmico ou hemorrágico) foram relatados pelos participantes ou seus familiares, e confirmados por revisão dos prontuários médicos nas respectivas unidades de saúde. Durante o seguimento, 40 mortes e 48 eventos cardiovasculares (incluindo eventos cerebrovasculares) ocorreram no período. Os autores observaram que os homens apresentaram um risco 88% maior de morte em comparação às mulheres. Além disso, depressão (RR=2,04; IC95%: 1,06-3,89), gravidade da insônia (RR=2,39; IC95% 1,52-4,56), e latência do sono de 16-30 minutos (RR=3,54; IC95% 1,26-9,94) e de 31-60 minutos (RR=2,23; IC 95%: 1,12-4,47) foram independentemente associados com risco aumentado de morte em idosos da comunidade. Os eventos cardiovasculares e cerebrovasculares foram preditos somente por hipertensão e diabetes. Os autores argumentaram que a maior mortalidade em homens está associada ao fato de eles apresentarem uma maior taxa de doenças crônicas, tais como doenças cardiovasculares. De fato, dados da população brasileira mostram a diferença na prevalência de doenças cardiovasculares e mortalidade entre os sexos, com maior taxa nos homens.¹⁰

Além disso, o presente estudo reforça o papel negativo de vários distúrbios do sono^2,3 e depressão^11,12 em pacientes idosos. Os mecanismos potenciais que ligam distúrbios do sono e depressão com mortalidade são múltiplos, incluindo mudanças na modulação do sistema nervoso autonômico, aumento da atividade simpática, inflamação sistêmica e aterogênese. Além disso, a ruptura em alguns sistemas de regulação cerebral, por exemplo, no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e na variação circadiana de cortisol e melatonina, pode contribuir para essa associação.¹ A depressão está frequentemente associada com pobreza e baixo nível educacional, o que impõe limitações significativas no acesso aos serviços de saúde.¹² Esses pacientes podem estar predispostos a uma adesão mais baixa a tratamentos crônicos, e a mudanças nos padrões de sono e no estilo de vida.^11,12

As principais contribuições do estudo estão relacionadas ao delineamento prospectivo do estudo e a localidade da população estudada. O padrão de sono e o estado de depressão da população do nordeste brasileiro são pouco explorados. A elevada porcentagem de pobreza, baixo nível de educação, e vulnerabilidade social em comparação a outras regiões do país podem ter afetado os resultados do estudo, mas destacaram a necessidade de políticas de saúde direcionadas. Apesar dos pontos fortes do estudo, é importante discutirmos suas limitações. Primeiramente, esta é uma amostra relativamente pequena de pacientes para se avaliar desfechos duros, tais como morte e doença cardiovascular. Segundo, o delineamento observacional pode não capturar potenciais fatores residuais que possam contribuir para os desfechos propostos. Terceiro, as queixas relacionadas ao sono foram baseadas em relatos subjetivos. É razoável se esperar algum viés de memória e percepções errôneas sobre o sono em uma proporção significativa de pacientes. A disponibilidade de análises objetivas da duração do sono e da apneia obstrutiva do sono ajudaria a determinar o real impacto dos distúrbios do sono nos idosos.

Concluindo, o presente estudo reforça o potencial papel dos distúrbios do sono e da depressão na modulação da mortalidade em idosos. Esses resultados também destacam a necessidade de mais colaboração entre especialistas do sono e psiquiatras no manejo desses pacientes. Mais estudos abordando intervenções apropriadas a respeito desses fatores importantes contribuirão para avanços significativos nessa importante área de pesquisa.

• Minieditorial referente ao artigo: Risco de Morte em Idosos com Sonolência Excessiva Diurna, Insônia e Depressão: Estudo de Coorte Prospectiva em População Urbana no Nordeste Brasileiro

Referências

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Set 2021
• Data do Fascículo
  Set 2021