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Cardioproteção durante a Quimioterapia: Perspectivas de Estratégias com Antioxidantes

Palavras-chave
Cardioproteção; Tratamento Farmacológico; Antioxidantes; Estresse Oxidativo; Resveratrol

O conceito de estresse oxidativo, bem definido como uma situação em que células, tecidos ou todo o organismo apresentam um desequilíbrio entre as espécies reativas de oxigênio (EROS) e as defesas antioxidantes em favor dos níveis de EROS, se apresenta em diversas doenças agudas e crônicas, como o câncer. O equilíbrio entre a produção de EROS e a capacidade das células de evitar o dano oxidativo é um desafio natural para as espécies de mamíferos, uma vez que a produção de energia pelas vias oxidativas nas mitocôndrias permite a produção contínua de radicais livres e moléculas oxidativas.11 Sies H. Oxidative stress: a concept in redox biology and medicine. Redox Biology. 2015;4:180-3. https://doi.org/10.1016/j.redox.2015.01.002
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Os agentes farmacológicos, em geral, podem usar a modulação de equilíbrio oxidativo para tratar algumas doenças, ou o desequilíbrio oxidativo pode representar um efeito colateral dos medicamentos. Além disso, precisamos ter em mente que o estresse oxidativo causado por condições ambientais (como, por exemplo, poluição do ar) e metabólicas (como, por exemplo, obesidade e diabetes) também está associado a maior risco de diversos cânceres.22 HayesJD, Dinkova-Kostova AT,Tew KD. Oxidative Stress in Cancer. Cancer Cell.2020;38(2):67-97. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2020.06.001
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A hiperproliferação de células tumorais é acompanhada por alta produção de EROS, mas sabe-se que a resposta ao estresse celular, as defesas antioxidantes e a resistência contra os efeitos citotóxicos da quimioterapia são bastante diferentes no tumor em comparação com as células do sistema imunológico e outros tecidos. Assim, o tumor é capaz de se adaptar às condições de carga oxidativa, enquanto outras células podem não apresentar autodefesa suficiente contra o dano oxidativo. O mecanismo de autoproteção tumoral envolve aumento dos níveis da principal defesa antioxidante não enzimática, a glutationa (GSH).22 HayesJD, Dinkova-Kostova AT,Tew KD. Oxidative Stress in Cancer. Cancer Cell.2020;38(2):67-97. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2020.06.001
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Como uma célula “faminta”, considerando a demanda comum por altos níveis de energia principalmente pela captação de glicose, os tumores ativam a glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) e redireciona o metabolismo da glicose desde a glicólise até o braço oxidativo da via das pentoses-fosfato (VPF) em direção à síntese de nucleotídeos. Por sua vez, o aumento da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) permite o aumento da GSH e de outros sistemas antioxidantes. Além disso, em nível molecular, o tumor evoca diversos fatores de transcrição, incluindo a proteína ativadora 1 (AP-1), fator de choque térmico 1 (HSF1), fator nuclear κB (NF-κB), fator nuclear eritroide 2 relacionado ao fator 2-p45 (NRF2), e proteína tumoral p53, representando uma estratégia proliferativa acompanhada por uma defesa robusta contra o estresse celular.22 HayesJD, Dinkova-Kostova AT,Tew KD. Oxidative Stress in Cancer. Cancer Cell.2020;38(2):67-97. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2020.06.001
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,33 Kolberg A, Rosa TG,Puhl MT,Scola G, da Rocha Janner D, Maslinkiewicz et al. Low expression of MRP1/GS-X pump ATPase in lymphocytes of Walker 256 tumour-bearing rats is associated with cyclopentenone prostaglandin accumulation and cancer immunodeficiency. Cell Biochem Func. 2006;24(1): 23–39. https://doi.org/10.1002/cbf.1290
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Em meio a essa tempestade, é necessário atacar o tumor com agentes agressivos. As antraciclinas, como a doxorrubicina (DOX), são altamente eficazes contra leucemias linfoblásticas e mieloblásticas agudas e também contra tumores sólidos (como, por exemplo, câncer de mama). No entanto, a cardiotoxicidade induzida pelas antraciclina pode ocorrer de forma aguda (durante o tratamento ou imediatamente após), induzindo pericardite-miocardite ou arritmias, promovendo complicações crônicas e aumentando o risco de morte. No coração, por ser um órgão com intenso metabolismo oxidativo por natureza, a DOX pode aumentar a produção de EROS ao metabolizar a droga. Enzimas mitocondriais, como a NADPH oxidase, citocromo P-450 redutase e xantina oxidase, podem transformar a DOX e outras antraciclinas na forma de quinona em semiquinona, que por sua vez gera EROS, como o radical ânion superóxido, entre outros. Além disso, EROS derivadas de DOX podem ativar o fator p53 e a sinalização pró-inflamatória, como vias centradas em NF-κB, resultando em um desequilíbrio entre proteínas pró e anti-apoptóticas e anti-inflamatórias. Por fim, a DOX pode afetar a transcrição e a expressão de proteínas cardíacas específicas, prejudicando a função dos cardiomiócitos, levando à deterioração miofibrilar, interrupção da organização do sarcômero e redução da função contrátil.44 Angsutararux P, Luanpitpong S, Issaragrisil S. Chemotherapy-Induced Cardiotoxicity: Overview of the Roles of Oxidative Stress. Oxid Med Cell Longev.2015;795602.2015: 795602. https://doi.org/10.1155/2015/795602
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Evitando o cenário oxidativo, a busca básica é por estratégias antioxidantes. Nesta edição, o estudo55 Brito VB, Nascimento LVM, Moura DJ, Saffi J. Cardioprotective Effect of Maternal Supplementation with Resveratrol on Toxicity Induced by Doxorubicin in Offspring Cardiomyocytes. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(6):1147-1158. mostrou que a suplementação com resveratrol durante o período gestacional tem efeito cardioprotetor no coração dos filhotes contra a toxicidade induzida pela DOX. Esse tratamento antioxidante induziu um aumento na viabilidade celular dos cardiomiócitos neonatais e diminuição dos marcadores apoptóticos/necróticos. Esses efeitos estiveram associados à melhora na defesa antioxidante e diminuição dos danos oxidativos ao DNA, e promoveram a expressão de proteínas relacionadas às vias de resposta celular ao estresse (Sirt6) nos cardiomiócitos dos filhotes. Além disso, esses resultados animadores mostraram a relevância da suplementação com antioxidantes durante o tratamento do câncer e destacaram a relevância de incluir intervenções relacionadas aos antioxidantes (por exemplo: exercícios)66 Cezar MD, Oliveira Junior AS, Damatto RL. Moderate-Intensity Resistance Training Improves Oxidative Stress in Heart. Arq Bras Cardiol. 2021;116(1):12-3. https://doi.org/10.36660/abc.20200561
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,77 Hajjar L A, Costa I, Lopes M, Hoff P, Diz M, Fonseca S., Bittar CS, et al. Brazilian Cardio-oncology Guideline - 2020. Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia. Arq Bras Cardiol.2020;115(5):1006-43. em ambientes maternos em resposta a agentes de estresse para a saúde dos filhotes a fim de evitar a cardiotoxicidade.

  • Minieditorial referente ao artigo: Efeito Cardioprotetor da Suplementação Materna com Resveratrol sobre a Toxicidade Induzida por Doxorrubicina em Cardiomiócitos de Neonatos

Referências

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    Sies H. Oxidative stress: a concept in redox biology and medicine. Redox Biology. 2015;4:180-3. https://doi.org/10.1016/j.redox.2015.01.002
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  • 2
    HayesJD, Dinkova-Kostova AT,Tew KD. Oxidative Stress in Cancer. Cancer Cell.2020;38(2):67-97. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2020.06.001
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  • 3
    Kolberg A, Rosa TG,Puhl MT,Scola G, da Rocha Janner D, Maslinkiewicz et al. Low expression of MRP1/GS-X pump ATPase in lymphocytes of Walker 256 tumour-bearing rats is associated with cyclopentenone prostaglandin accumulation and cancer immunodeficiency. Cell Biochem Func. 2006;24(1): 23–39. https://doi.org/10.1002/cbf.1290
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    Angsutararux P, Luanpitpong S, Issaragrisil S. Chemotherapy-Induced Cardiotoxicity: Overview of the Roles of Oxidative Stress. Oxid Med Cell Longev.2015;795602.2015: 795602. https://doi.org/10.1155/2015/795602
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  • 5
    Brito VB, Nascimento LVM, Moura DJ, Saffi J. Cardioprotective Effect of Maternal Supplementation with Resveratrol on Toxicity Induced by Doxorubicin in Offspring Cardiomyocytes. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(6):1147-1158.
  • 6
    Cezar MD, Oliveira Junior AS, Damatto RL. Moderate-Intensity Resistance Training Improves Oxidative Stress in Heart. Arq Bras Cardiol. 2021;116(1):12-3. https://doi.org/10.36660/abc.20200561
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2021
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