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Associação da Composição Corporal com Rigidez Arterial em Longevos

Resumo

Fundamento

Pouco se conhece sobre a relação entre sarcopenia e hemodinâmica central em idosos longevos.

Objetivo

Estudar a relação da rigidez arterial com a composição corporal em idosos longevos.

Métodos

A composição corporal foi avaliada por meio da absortometria de Raio X de dupla energia (DEXA) e dos parâmetros de circulação central (PCC) obtidos por método oscilométrico não invasivo, com o Mobil-O-Graph 24h PWA Monitor®. Os parâmetros centrais avaliados foram: velocidade da onda de pulso (VOP), augmentation index (AIx), índice de amplificação da pressão de pulso (iAPP) e pressão de pulso central (PPc). Estes foram correlacionados com massa magra total (MM) e apendicular (MA), percentual de gordura corporal e índice de Baumgartner (IB). Aceitou-se nível de significância de 5%.

Resultados

Participaram 124 longevos, com idade média de 87,1 anos (DP±4,3 anos), sendo 74,2% mulheres e 57,3% brancos. Houve correlação inversa do AIx com as variáveis MM (r = - 0,391, p < 0,001), MA (r= -0,378, p< 0,001) e IB (r = -0,258, p 0,004). A PPc apresentou associação inversa com MM (r= -0,268, p =0,003), MA (r=-0,288, p= 0,001) e IB (r= -0,265, p = 0,003). Houve relação direta apenas entre AIx e percentual de gordura corporal (r= 0,197, p= 0,029).

Conclusão

Em idosos longevos, o percentual de gordura corporal se associa diretamente com a rigidez arterial e tem associação inversa com a quantidade de MM. Esses achados podem estar associados ao maior risco cardiovascular.

Idoso; Gordura; Rigidez Arterial; Composição Corporal; DEXA

Abstract

Background

Arterial stiffness, obesity and sarcopenia correlate with each other and with cardiac outcomes in younger adults. However, there is little evidence of the association between body composition and markers of central arteries stiffness in long-lived people.

Objective

To evaluate the relationship between arterial stiffness and body composition in functionally independent long-lived individuals.

Methods

This is a cross-sectional analysis of the association between markers of arterial stiffness and body composition among participants in a longitudinal cohort of elderly individuals aged 80 years or older who were functionally independent and lived in the community . Body composition measurements were performed using dual energy X-ray absorptiometry (DEXA) and central circulation parameters (CCP) obtained by a non-invasive oscillometric method through the Mobil-O-Graph 24h PWA Monitor® device. The central parameters evaluated were: pulse wave velocity (PWV), augmentation Index (AIx), pulse pressure amplification index (PPAi) and central pulse pressure (cPP). These were correlated to total lean mass (LM) and appendicular lean mass (aLM), body fat percentage, and Baumgartner’s Index (BI). The level of significance was set at 5% for all tests.

Results

Data from 124 elderly people with a mean age of 87.1 years (SD ± 4.3 years) were analyzed, with 74.2% of women and 57.3% of white. There was a statistically significant inverse correlation of AIx with LM (r = -0.391, p <0.001), aLM (r = -0.378, p <0.001), and BI (r = -0.258, p = 0.004). Also, cPP had an inversely proportional association with LM (r = -0.268, p = 0.003), aLM (r = -0.288, p = 0.001), and BI (r = -0.265, p = 0.003). When assessing the relationship between fat mass and CCP, a statistically significant direct relationship was observed only between AIx and body fat percentage (r = 0.197, p = 0.029).

Conclusion

In long-lived people, body fat percentage is directly associated with arterial stiffness and inversely associated with the amount of LM. These findings may be associated with increased cardiovascular risk.

Aged; Fats; Vascular Stiffness; Body Composition; DEXA

Introdução

O envelhecimento é um fenômeno global, e a população com 80 anos ou mais (idosos longevos) irá triplicar de 2015 a 2050, sendo esse aumento mais acelerado nos países em desenvolvimento.11. He W, Goodkind D, and Kowal P; U.S. Census Bureau, International Population Reports. An Aging World: 2015. U.S. Government Publishing Office, Washington, DC. 2016; 16(1):1-13.

Em faixas etárias mais elevadas, há maior prevalência de doenças crônicas. Assim, além da própria idade, somam-se vários fatores de risco que elevam a taxa de eventos cardiovasculares (CV), que continuam sendo a principal causa de morbimortalidade nessa faixa etária.22. Lloyd-Jones D, Adams R, Carnethon M, De Simone G, Ferguson TB, Flegal K, et al. Heart disease and stroke statistics-2009 update: a report from the American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2009;119(3):480-6.

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Outro fator que apresenta correlação com o risco CV é a distribuição e a quantidade de gordura e de massa magra (MM) corporal. A gordura visceral abdominal está associada ao aumento da síndrome metabólica e do risco CV, mesmo naqueles que possuem um peso adequado para a altura.88. Zhang C, Rexrode KM, van Dam RM, Li TY, Hu FB. Abdominal obesity and the risk of all-cause, cardiovascular, and cancer mortality: sixteen years of follow-up in US women. Circulation. 2008;117(13):1658-67. , 99. Sahakyan KR, Somers VK, Rodriguez-Escudero JP, Hodge DO, Carter RE, Sochor O, Coutinho T, et al. Normal-Weight Central Obesity: Implications for Total and Cardiovascular Mortality. Ann Intern Med. 2015;163(11):827-35. Esta representa uma melhor associação com o risco CV do que o índice de massa corporal (IMC) na população idosa.1010. Romero-Corral A, Somers VK, Sierra-Johnson J, Korenfeld Y, Boarin S, Korinek J, et al. Normal weight obesity: a risk factor for cardiometabolic dysregulation and cardiovascular mortality. Eur Heart J. 2010;31(6):737-46.

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Alguns estudos sugerem que a rigidez arterial contribua para a relação entre a composição corporal e o aumento do risco CV.1515. Ochi M, Kohara K, Tabara Y, Kido T, Uetani E, Ochi N, et al. Arterial stiffness is associated with low thigh muscle mass in middle-aged to elderly. Atherosclerosis. 2010;212(1):327-32.

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Dessa maneira, mesmo não se conhecendo exatamente o mecanismo que une a obesidade e a sarcopenia ao dano vascular, acredita-se que possa haver associação com a rigidez arterial.1818. Laurent S, Boutouyrie P. Arterial stiffness: a new surrogate end point for cardiovascular disease? J Nephrol. 2007; 20 Suppl 12:S45-50. , 1919. Wohlfahrt P, Somers VK, Sochor O, Kullo I, Jean N, Lopez-Jimenez F. Influence of body fatness distribution and total lean mass on aortic stiffness in nonobese individuals. Am J Hypertens. 2015;28(3):401-8.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a relação entre rigidez arterial e composição corporal em idosos longevos que vivem na comunidade.

Método

Foi realizada uma análise transversal de uma coorte prospectiva de idosos com 80 anos ou mais, com independência funcional e cognitiva (Estudo Longevos). Este foi composto tanto por uma avaliação clínica, cognitiva, funcional e nutricional quanto pela realização de exames de rotina e de interesse científico. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para serem admitidos no programa.

Foram excluídos os indivíduos que apresentavam: insuficiência renal em programa de diálise; instabilidade hemodinâmica com necessidade de uso de fármacos vasoativos; insuficiência cardíaca com classe funcional III ou IV; doenças psiquiátricas que pudessem comprometer a realização das avaliações propostas no protocolo; doenças graves e/ou câncer com prognóstico menor que um ano.

Esta análise inclui todos aqueles indivíduos que realizaram uma avaliação da composição corporal e uma medida não invasiva dos parâmetros da circulação central (PCC), com um intervalo de tempo de no máximo um ano entre elas. Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP- UNIFESP) com Nº CEP 0190/2017 e Nº do parecer 2.381.489.

Os PCC foram obtidos de modo não invasivo com a utilização do equipamento Mobil-O-Graph 24h PWA Monitor® (I.E.M. GmbH, Stolberg, Germany) validado para essa finalidade, o qual capta simultaneamente a pressão arterial braquial e a forma da onda de pulso.2020. Wassertheurer S, Kropf J, Weber T, van der Giet M, Baulmann J, Ammer M, et al. A new oscillometric method for pulse wave analysis: comparison with a common tonometric method. J Hum Hypertens. 2010;24(8):498-504.

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A pressão arterial foi aferida em todos os pacientes no dia de aplicação do protocolo, usando como base as recomendações da VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.2323. Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. 7a Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(3Supl.3):1-83. Utilizamos a média das medidas válidas dos seguintes parâmetros centrais: velocidade da onda de pulso (VOP), augmentation index (Alx), índice de amplificação da pressão de pulso (iAPP), pressão de pulso central (PPc), e os correlacionamos aos dados da composição corporal.

A composição corporal foi avaliada pela DEXA (Absortometria de Raio X de Dupla Energia ou Dual Energy X-Ray Absorptiormetry) com o equipamento de densitometria Hologic (Modelo Discovery A, Waltham, USA), permitindo quantificar a MM total, a massa apendicular (MA) e o percentual de gordura corporal.2424. Mazess RB, Howard SB, Bisek JP, Hanson J. Dual-energy X-ray absorptiometry for total-body and regional bone mineral and soft tissue composition. Am J Clin Nutr. 1990;51:1106-12. , 2525. Martin AD, Drinkwater DT. Variability in the measures of body fat. Assumptions or technique? Sports Med. 1991;11(5):277-88. A MA foi calculada pela razão da quantidade de MM em braços e pernas, em gramas, e a altura do indivíduo ao quadrado, em metros (MA em g/m2). Além disso, a DEXA permite calcular o índice de Baumgartner (IB), que utiliza a MA no numerador da fórmula do IMC, em substituição à massa corporal total.

Análise estatística

Como o estudo utilizou uma coorte prospectiva de idosos longevos, o tamanho da amostra foi decidido por conveniência. Inicialmente os dados foram analisados descritivamente.

As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas. As variáveis contínuas numéricas com distribuição normal foram descritas como média e desvio-padrão.

Para se avaliar a associação linear entre duas variáveis numéricas, foi utilizada a correlação de Pearson. Foram apresentadas também as correlações parciais ajustadas pela idade.

Para todos os testes estatísticos, foi utilizado um nível de significância de 5%.

As análises estatísticas foram realizadas com o uso do software estatístico SPSS 20.0.

Resultados

Foram analisados 124 idosos longevos, dos 74,2% eram mulheres e 57,3% eram de cor branca, com média de idade de 87,1±4,3 anos, sendo observada uma idade mínima de 80 anos e máxima de 100 anos.

O tempo médio entre a realização das medidas de pressão e da DEXA foi 43,4 dias. Da amostra obtida, 41,9% eram eutróficos, pela classificação de Lipschitz (IMC 22 a 27 kg/m2) e 41,1% obesos (IMC>27 kg/m2). Na distribuição do percentual de gordura obtido na DEXA em tercis, percebeu-se que 1/3 da amostra possuía mais de 42,9% da composição corporal composta por massa gorda, 1/3 possuía de 36,4 a 42,9%, e 1/3 possuía menos de 36,4% de massa gorda.

Houve uma associação inversa da quantidade de MM, seja apendicular ou total, com a rigidez arterial ( Figura 1 ). Observou-se associação estatisticamente significante de dois PCC (PPc e AIx) com a MM ( Tabela 1 ).

Figura 1
Gráfico de dispersão mostrando a relação inversa (r= 0,378; p<0,001) entre AIx (%) e massa magra apendicular (g).

Tabela 1
– Correlação de Pearson entre as variáveis de rigidez arterial e a massa magra corporal, após ajuste pela idade

Foi observada uma associação inversamente proporcional entre o AIx e as variáveis MM (r=-0,391, p<0,001), MA (r=-0,378, p<0,001) e IB (r=-0,258, p=0,004). A PPc também apresentou significância estatística em suas relações inversas com a MM (r = -0,268, p = 0,030), MA (r= -0,288, p = 0,001) e IB (r = -0,265, p = 0,003). A VOP não apresentou significância estatística nesta análise.

Houve relação direta, mas sem significância estatística, entre iAPP e MM ( Tabela 1 ).

As correlações entre as variáveis de rigidez arterial e composição corporal foram ajustadas pela idade, e os resultados apresentaram-se semelhantes ( Tabela 1 e Figura 1 ). Assim, o AIx continuou a apresentar relação inversa com a quantidade de MM e o IB. O mesmo ocorreu na comparação ajustada pela idade entre a PPc e a MM. ( Tabela 1 )

Ao avaliar a relação da gordura corporal e os parâmetros da rigidez arterial, houve uma relação direta e estatisticamente significante entre o AIx e o percentual de gordura corporal, mas não com o peso total de gordura corporal (r= -0,029, p= 0,746). Esta associação se manteve após ajuste para a idade, conforme demonstrado na Tabela 2 . Os demais parâmetros analisados (VOP, iAPP e PPc) não apresentaram relação estatística com a gordura corporal. Nenhum dos parâmetros de rigidez arterial analisados (PPc, AIx, VOP, iAPP) mostrou relação com o IMC ( Tabela 2 ).

Tabela 2
– Correlação de Pearson entre as variáveis de rigidez arterial e gordura corporal após o ajuste para a idade

Discussão

Este é o primeiro estudo a avaliar a associação entre a rigidez arterial e composição corporal em idosos longevos. Nesta avaliação, houve relação entre a composição corporal e rigidez arterial, sendo que, quanto maior a quantidade de massa muscular, menor a rigidez da parede das artérias centrais. Esse resultado se deu pela associação do AIx e da PPc com a MM e a MA, com significância estatística (p<0,001), mesmo após a correção para a idade.

Observou-se também relação direta entre o percentual de gordura corporal e a rigidez arterial por meio do AIx (p= 0,029).

Esses resultados foram equivalentes àqueles encontrados em alguns estudos com adultos de meia idade. Wohlfahrt et al. avaliaram 136 voluntários com idade média de 45 anos, não obesos e sem doenças CV.1919. Wohlfahrt P, Somers VK, Sochor O, Kullo I, Jean N, Lopez-Jimenez F. Influence of body fatness distribution and total lean mass on aortic stiffness in nonobese individuals. Am J Hypertens. 2015;28(3):401-8. Concluíram que os indivíduos com maior MM e menor percentual de gordura possuíam artérias mais elásticas, e também foi mais forte a associação da rigidez aórtica com a MM do que com a massa gorda. Schouten et al.,2626. Schouten F, Twisk JW, de Boer MR, Stehouwer CD, Serné EH, Smulders YM, et al. Increases in central fat mass and decreases in peripheral fat mass are associated with accelerated arterial stiffening in healthy adults: the Amsterdam Growth and Health Longitudinal Study. Am J Clin Nutr. 2011;94(1):40-8. acompanharam adultos saudáveis e constataram que o aumento da gordura abdominal ou a perda de MA estava relacionado à maior rigidez arterial.2626. Schouten F, Twisk JW, de Boer MR, Stehouwer CD, Serné EH, Smulders YM, et al. Increases in central fat mass and decreases in peripheral fat mass are associated with accelerated arterial stiffening in healthy adults: the Amsterdam Growth and Health Longitudinal Study. Am J Clin Nutr. 2011;94(1):40-8.

Por outro lado, Benetos et al.,2727. Benetos A, Zervoudaki A, Kearney-Schwartz A, Perret-Guillaume C, Pascal-Vigneron V, Lacolley P, et al. Effects of lean and fat mass on bone mineral density and arterial stiffness in elderly men. Osteoporos Int. 2009;20(8):1385-91. ao analisarem 169 idosos, não encontraram associação da MM com a VOP, apenas com a gordura corporal. Porém, a amostra desse estudo era formada apenas por homens e com uma faixa etária mais jovem de 60 a 85 anos, em que 90% da amostra tinha abaixo de 75 anos. Além disso, não foram avaliados outros marcadores de rigidez arterial, como a PPc e o AIx.

Já Tanaka et al.,2828. Tanaka KI, Kanazawa I, Sugimoto T. Reduced muscle mass and accumulation of visceral fat are independently associated with increased arterial stiffness in postmenopausal women with type 2 diabetes mellitus. Diabetes Res Clin Pract. 2016;122:141-7. avaliaram uma população exclusivamente de mulheres diabéticas, com idade média de 65 anos, e apontaram a associação de rigidez arterial, medida pela VOP, tanto com o percentual de gordura corporal quanto com a MM.2828. Tanaka KI, Kanazawa I, Sugimoto T. Reduced muscle mass and accumulation of visceral fat are independently associated with increased arterial stiffness in postmenopausal women with type 2 diabetes mellitus. Diabetes Res Clin Pract. 2016;122:141-7.

No presente estudo, não houve relação estatística entre VOP e composição corporal, diferentemente dos artigos supracitados. Porém, o estudo PARTAGE (Predictive Values of Blood Pressure and Arterial Stiffness in Institutionalized Very Aged Population), realizado com 1.126 idosos com mais de 80 anos, ou seja, com idade similar à dos participantes do presente estudo, também não demonstrou correlação da VOP com desfechos CV e mortalidade global.77. Benetos A, Gautier S, Labat C, et al. Mortality and Cardiovascular Events Are Best Predicted by Low Central/Peripheral Pulse Pressure Amplification But Not by High Blood Pressure Levels in Elderly Nursing Home Subjects: the PARTAGE (Predictive Values of Blood Pressure and Arterial Stiffness in Institutionalized Very Aged Population) study. J Am Coll Cardiol. 2012.;60 (16):1503-11. Nesse estudo, o iAPP se mostrou o melhor marcador de risco para os eventos, podendo sugerir que, em idosos longevos, para medir a rigidez arterial, além da VOP, outros parâmetros devam ser analisados. É necessário destacar que o estudo aqui apresentado avaliou idosos da comunidade, enquanto, no PARTAGE, os idosos eram institucionalizados, apesar de também independentes para atividades básicas de vida diária.

Para a obtenção dos parâmetros arteriais centrais, utilizamos o equipamento não invasivo Mobil-O-Graph 24h PWA Monitor®, que utiliza um método oscilométrico validado. Uma revisão sistemática com metanálise publicada recentemente comparou os equipamentos comercialmente existentes para aferição indireta dos PCC.2929. Papaioannou TG, Karageorgopoulou TD, Sergentanis TN, Protogerou AD, Psaltopoulou T, Sharman JE, et al. Accuracy of commercial devices and methods for noninvasive estimation of aortic systolic blood pressure a systematic review and meta-analysis of invasive validation studies. J Hypertens. 2016;34(7):1237-48. Sua conclusão foi de que não há evidências suficientes para recomendar uma forma não invasiva de estimar a pressão arterial central como padrão-ouro. Apesar de a tecnologia do SphygmoCor® ter sido a mais estudada e validada até então, apresenta maior erro na estimativa da pressão arterial na raiz da aorta em relação ao método invasivo, o que dispositivos que usam um método automático oscilométrico. Estes possuem maior acurácia e parecem ser mais promissores.

No vigente estudo, foi utilizada a ferramenta de escolha para avalição da densidade mineral óssea conforme recomendação do Consenso Europeu de Sarcopenia para avaliação da MA na prática clínica, mas não há consenso sobre seu uso para a definição de obesidade.3030. Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing. 2010;39(4):412-23. , 3131. Kendler DL, Borges JL, Fielding RA, Itabashi A, Krueger D, Mulligan K, et al. The Official Positions of the International Society for Clinical Densitometry: Indications of Use and Reporting of DXA for Body Composition. J Clin Densitom. 2013;16(4):496-507.

A fraca associação encontrada entre rigidez arterial e gordura corporal corrobora a teoria do paradoxo da obesidade no idoso.3232. Dorner TE, Rieder A. Obesity paradox in elderly patients with cardiovascular diseases. Int J Cardiol. 2012;155(1):56-65. A menor associação de doenças CV com a obesidade pode ocorrer devido um viés de sobrevivência, em que os idosos que chegaram a essa faixa etária não estão suscetíveis aos malefícios metabólicos do excesso de gordura. Contudo, é importante enfatizar que, apesar de não possuir correlação com a mortalidade após os 75 anos, o excesso de gordura corporal aumenta a chance de fragilidade e de perda da funcionalidade, levando à dependência para atividades de vida diária.3333. Villareal DT, Apovian CM, Kushner RF, Klein S; American Society for Nutrition; NAASO, The Obesity Society.Obesity in older adults: technical review and position statement of the American Society for Nutrition and NAASO, The Obesity Society. Am J Clin Nutr. 2005;82(5):923-34

Dentre as limitações do presente estudo, podemos destacar que foi conduzido em centro único, em população de muitos idosos da comunidade, não permitindo generalização dos seus resultados para populações diversas. O tamanho amostral, relativamente pequeno, pode ter sido um importante limitador para os achados. Porém, este é o primeiro estudo específico para a população de 80 anos ou mais que vive na comunidade e não está institucionalizada, cujo acesso para pesquisa clínica é mais limitado, devido às dificuldades inerentes ao envelhecimento.

O desenho deste estudo não permite sugerir um mecanismo ou uma relação de causa e efeito entre as associações encontradas. Não foram levadas em consideração outras variáveis que podem interferir no enrijecimento vascular, tais como: hipertensão, diabetes, síndrome metabólica e dislipidemia. Também não foram avaliadas as medicações em uso, como os anti-hipertensivos, que podem influenciar diretamente os PCC.3434. Agabiti-Rosei E, Mancia G, O’Rourke MF, Roman MJ, Safar ME, Smulyan H, et al. Central blood pressure measurements and antihypertensive therapy: a consensus document. Hypertension. 2007;50(1):154-60.

Estudos longitudinais de coorte e ensaios clínicos são necessários para a confirmação das relações apresentadas com os desfechos CV,

Conclusão

O percentual de gordura corporal se associa diretamente com a rigidez arterial, em idosos longevos, enquanto a quantidade de MM tem associação inversa.

Levando-se em conta que a rigidez arterial pode ter relação direta com o aumento do risco CV, podemos levantar a hipótese de que a massa muscular esteja inversamente associada com o risco de desfechos CV em idosos longevos.

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Flávia Veríssimo Melo e Silva pela Universidade Federal de São Paulo.
  • Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Set 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2019
  • Revisado
    03 Jul 2020
  • Aceito
    16 Ago 2020
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