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Desnutrição e Caquexia na Insuficiência Cardíaca Descompensada e Cardiomiopatia Chagásica: Ocorrência e Associação com Desfechos Hospitalares

Resumo

Fundamento

Problemas nutricionais são comuns em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) e estão associados a um prognóstico ruim. É relevante mencionar que algumas populações de pacientes, como os com Doença de Chagas, são normalmente excluídas da maioria das análises.

Objetivo

Buscamos analisar a ocorrência de desnutrição e caquexia em pacientes com Doença de Chagas durante episódios de IC descompensada (ICD) em comparação a outras etiologias, e investigar a influência desses achados em desfechos hospitalares.

Método

Realizamos um estudo de série de casos consecutivos com pacientes hospitalizados com ICD. Os pacientes foram submetidos à Avaliação Nutricional Subjetiva Global (ASG), além de medidas antropométricas e laboratoriais, e foram avaliados para a ocorrência de caquexia, baixa massa muscular e força. Estudamos a ocorrência de morte e transplante cardíaco de urgência durante a internação.

Resultados

Ao todo, 131 pacientes foram analisados e 42 (32,1%) tinham Doença de Chagas. Pacientes com Doença de Chagas apresentavam índice de massa corporal (IMC) menor (22,4 kg/m2 [19,9-25,3] vs. 23,6 kg/m2 [20,8-27,3], p=0,03), maior frequência de desnutrição (76,2% vs 55,1%, p=0,015) e mais ocorrências de morte ou transplante (83,3% vs. 41,6%, p<0,001). Observamos que, dentre os pacientes com etiologia da Doença de Chagas, a ocorrência de morte ou transplante cardíaco esteve associada com desnutrição (3 [42,9%] pacientes com alta hospitalar vs. 29 [82,9%] pacientes que morreram ou receberam transplante cardíaco, P=0,043).

Conclusões

Ao todo, nossos resultados indicam que pacientes com Doença de Chagas internados com ICD costumam apresentar problemas nutricionais, principalmente desnutrição. É importante mencionar que este achado esteve associado à ocorrência de morte e transplante cardíaco durante a internação.

Cardiomiopatia Chagásica; Insuficiência Cardíaca; Desnutrição; Caquexia; Avaliação Nutricional

Abstract

Background

Nutritional disorders are common among patients with heart failure (HF) and associated with poor prognosis. Importantly, some populations of patients, like the ones with Chagas disease, are frequently excluded from most analyses.

Objective

We sought to study the occurrence of undernutrition and cachexia in patients with Chagas disease during episodes of decompensated HF (DHF) as compared to other etiologies, and to investigate the influence of these findings on hospital outcomes.

Methods

We performed a consecutive case series study with patients hospitalized with DHF. Patients underwent the Subjective Global Assessment of nutritional status (SGA), besides anthropometric and laboratorial measures, and were evaluated for the occurrence of cachexia, low muscle mass and strength. We studied the occurrence of death or urgent heart transplantation during hospitalization.

Results

Altogether, 131 patients were analyzed and 42 (32.1%) had Chagas disease. Patients with Chagas disease had lower Body Mass Index (BMI) (22.4 kg/m2[19.9-25.3] vs. 23.6 kg/m2 [20.8-27.3], p=0.03), higher frequency of undernutrition (76.2% vs 55.1%, p=0.015) and higher occurrence of death or transplant (83.3% vs. 41.6%, p<0.001). We found that, in patients with Chagas etiology, the occurrence of death or cardiac transplantation were associated with undernutrition (3 [42.9%] patients with hospital discharge vs 29 [82.9%] patients with death or heart transplant, p=0.043).

Conclusions

Taken together, our results indicate that patients with Chagas disease hospitalized with DHF often present with nutritional disorders, especially undernutrition; importantly, this finding was associated with the occurrence of death and heart transplant during hospitalization.

Chagas Cardiomyopathy; Heart Failure; Malnutrition; Cachexia; Nutrition Assessment

Introdução

Problemas nutricionais são uma das principais manifestações clínicas em pacientes com insuficiência cardíaca (IC), e são resultado de desordens sistêmicas envolvendo vias metabólicas, endócrinas e inflamatórias, assim como disfunção de órgãos. A ocorrência de distúrbios nutricionais no cenário da IC crônica esteve consistentemente associada à redução na qualidade de vida e sobrevivência dos pacientes.11. Anker SD, Ponikowski P, Varney S, Chua TP, Clark AL, Webb-Peploe KM, et al. Wasting as Independent Risk Factor for Mortality in Chronic Heart Failure. Lancet. 1997;349(9058):1050-3. doi: 10.1016/S0140-6736(96)07015-8.

2. Grossniklaus DA, O’Brien MC, Clark PC, Dunbar SB. Nutrient Intake in Heart Failure Patients. J Cardiovasc Nurs. 2008;23(4):357-63. doi: 10.1097/01.JCN.0000317433.52210.e0.

3. Fülster S, Tacke M, Sandek A, Ebner N, Tschöpe C, Doehner W, et al. Muscle Wasting in Patients with Chronic Heart Failure: Results from the Studies Investigating Co-Morbidities Aggravating Heart Failure (SICA-HF). Eur Heart J. 2013;34(7):512-9. doi: 10.1093/eurheartj/ehs381.

4. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.4.842...
- 55. Rossignol P, Masson S, Barlera S, Girerd N, Castelnovo A, Zannad F, et al. Loss in Body Weight is an Independent Prognostic Factor for Mortality in Chronic Heart Failure: Insights from the GISSI-HF and Val-HeFT Trials. Eur J Heart Fail. 2015;17(4):424-33. doi: 10.1002/ejhf.240.

As disfunções nutricionais podem se manifestar de várias formas clínicas, o que se reflete em uma terminologia extensa e heterogênea.11. Anker SD, Ponikowski P, Varney S, Chua TP, Clark AL, Webb-Peploe KM, et al. Wasting as Independent Risk Factor for Mortality in Chronic Heart Failure. Lancet. 1997;349(9058):1050-3. doi: 10.1016/S0140-6736(96)07015-8.

2. Grossniklaus DA, O’Brien MC, Clark PC, Dunbar SB. Nutrient Intake in Heart Failure Patients. J Cardiovasc Nurs. 2008;23(4):357-63. doi: 10.1097/01.JCN.0000317433.52210.e0.

3. Fülster S, Tacke M, Sandek A, Ebner N, Tschöpe C, Doehner W, et al. Muscle Wasting in Patients with Chronic Heart Failure: Results from the Studies Investigating Co-Morbidities Aggravating Heart Failure (SICA-HF). Eur Heart J. 2013;34(7):512-9. doi: 10.1093/eurheartj/ehs381.

4. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
https://doi.org/10.3305/nh.2015.31.4.842...
- 55. Rossignol P, Masson S, Barlera S, Girerd N, Castelnovo A, Zannad F, et al. Loss in Body Weight is an Independent Prognostic Factor for Mortality in Chronic Heart Failure: Insights from the GISSI-HF and Val-HeFT Trials. Eur J Heart Fail. 2015;17(4):424-33. doi: 10.1002/ejhf.240. Mais recentemente, uma padronização de termos foi proposta66. Cederholm T, Bosaeus I, Barazzoni R, Bauer J, Van Gossum A, Klek S, et al. Diagnostic Criteria for Malnutrition - An ESPEN Consensus Statement. Clin Nutr. 2015;34(3):335-40. doi: 10.1016/j.clnu.2015.03.001. , 77. Muscaritoli M, Anker SD, Argilés J, Aversa Z, Bauer JM, Biolo G, et al. Consensus Definition of Sarcopenia, Cachexia and Pre-Cachexia: Joint Document Elaborated by Special Interest Groups (SIG) “Cachexia-Anorexia in Chronic Wasting Diseases” and “Nutrition in Geriatrics”. Clin Nutr. 2010;29(2):154-9. doi: 10.1016/j.clnu.2009.12.004. e sugeriu que a desnutrição pode ser definida como uma condição na qual a energia e as reservas de proteína do organismo estão debilitadas; enquanto isso, a caquexia foi caracterizada pela intensa perda de gordura e massa muscular, acompanhada do aumento da inflamação e do catabolismo de proteínas devido a doenças crônicas.

Estima-se que a frequência de caquexia e desnutrição associada à IC mude de acordo com a população estudada e os critérios diagnósticos. Além disso, a retenção de água frequente nesta população afeta medidas básicas para a avaliação nutricional, como peso e Índice de Massa Corpórea (IMC), o que se torna um desafio na prática clínica. A estimativa é de que em torno de 15% dos pacientes com IC crônica apresentem caquexia, e que até 50% dos pacientes podem apresentar sinais de desnutrição;22. Grossniklaus DA, O’Brien MC, Clark PC, Dunbar SB. Nutrient Intake in Heart Failure Patients. J Cardiovasc Nurs. 2008;23(4):357-63. doi: 10.1097/01.JCN.0000317433.52210.e0. além disso, uma prevalência de 19,5% de atrofia muscular foi relatada.33. Fülster S, Tacke M, Sandek A, Ebner N, Tschöpe C, Doehner W, et al. Muscle Wasting in Patients with Chronic Heart Failure: Results from the Studies Investigating Co-Morbidities Aggravating Heart Failure (SICA-HF). Eur Heart J. 2013;34(7):512-9. doi: 10.1093/eurheartj/ehs381. Porém, a maioria dos dados deriva de pacientes com IC crônica, e poucos estudos foram sistematicamente reportados considerando a avaliação nutricional de pacientes durante episódios de descompensação aguda. Em um dos poucos estudos sobre IC descompensada (ICD), uma prevalência de 41,9% de desnutrição moderada foi relatada, enquanto 7,4% apresentou desnutrição grave, conforme a Avaliação Nutricional Subjetiva Global (ASG).44. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
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Embora a ASG tenha sido descrita 20 anos atrás,88. Detsky AS, McLaughlin JR, Baker JP, Johnston N, Whittaker S, Mendelson RA, et al. What is Subjective Global Assessment of Nutritional Status? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(1):8-13. doi: 10.1177/014860718701100108. o método demonstrou boa precisão diagnóstica quando realizado por observadores treinados; além disso, é simples, econômico e não-invasivo.99. Barbosa-Silva MCG, Barros AJD. Avaliação Nutricional Subjetiva: Parte 1 - Revisão de sua Validade após Duas Décadas de Uso. Arq Gastroenterol. 2020;39(3):181-7. doi: https://doi.org/10.1590/S0004-28032002000300009 .
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A ASG avalia o diagnóstico do status nutricional, diferentemente de outras ferramentas, como o Índice de Prognóstico Nutricional (IPN) e o Controle do Estado Nutricional (CONUT). Embora sejam frequentemente usados na prática clínica, são basicamente ferramentas de triagem e não se aplicam ao diagnóstico de desnutrição.1010. Shirakabe A, Hata N, Kobayashi N, Okazaki H, Matsushita M, Shibata Y, et al. The Prognostic Impact of Malnutrition in Patients with Severely Decompensated Acute Heart Failure, as Assessed Using the Prognostic Nutritional Index (PNI) and Controlling Nutritional Status (CONUT) Score. Heart Vessels. 2018;33(2):134-44. doi: 10.1007/s00380-017-1034-z.

Dados nutricionais são ainda mais escassos em outros cenários clínicos, como em populações de pacientes normalmente excluídas de ensaios clínicos e estudos prospectivos, referidas como estando em condições negligenciadas,1111. Standley C, Boyce MR, Klineberg A, Essix G, Katz R. Organization of Oversight for Integrated Control of Neglected Tropical Diseases within Ministries of Health. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(11):e0006929. doi: 10.1371/journal.pntd.0006929. como é o caso da Doença de Chagas.1212. Bocchi EA, Bestetti RB, Scanavacca MI, Cunha Neto E, Issa VS. Chronic Chagas Heart Disease Management: from Etiology to Cardiomyopathy Treatment. J Am Coll Cardiol. 2017;70(12):1510-24. doi: 10.1016/j.jacc.2017.08.004. Apesar de evidências mostrarem que pacientes com Doença de Chagas têm pior prognóstico em casos de IC crônica1313. Bestetti RB. Chagas Heart Failure in Patients from Latin America. Card Fail Rev. 2016;2(2):90-4. doi: 10.15420/cfr.2016:14:2. e descompensada,1414. Terhoch CB, Moreira HF, Ayub-Ferreira SM, Conceição-Souza GE, Salemi VMC, Chizzola PR, et al. Clinical Findings and Prognosis of Patients Hospitalized for Acute Decompensated Heart Failure: Analysis of the Influence of Chagas Etiology and Ventricular Function. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(2):e0006207. doi: 10.1371/journal.pntd.0006207. em comparação a outras etiologias, o quanto as características nutricionais de pacientes com Doença de Chagas se diferenciam e seu impacto no prognóstico ainda são muito pouco estudados.

Assim, nossa hipótese é a de que os distúrbios nutricionais sejam comuns em pacientes com ICD e tenham uma influência no prognóstico; também consideramos que as características nutricionais dos pacientes podem se diferenciar em termos de intensidade, apresentação clínica e implicação prognóstica de acordo com a etiologia da IC.

O objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência de desnutrição e caquexia em pacientes com ICD e observar características clínicas e nutricionais e sua influência em desfechos hospitalares de acordo com a presença da etiologia da Doença de Chagas.

Pacientes e Métodos

Desenho do Estudo

Realizamos um estudo de série de casos consecutivos com pacientes internados e diagnosticados com ICD no Instituto do Coração (InCor), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, um hospital acadêmico terciário especializado em doenças cardíacas. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento. Os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar.

Pacientes com 18 anos ou mais, internados com ICD e com disfunção sistólica ventricular esquerda foram considerados elegíveis para o estudo. A fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) menor do que 50%, medida pelo ecocardiograma transtorácico foi considerada como indicativo de disfunção sistólica. Os testes foram realizados até doze meses antes de o episódio de descompensação ser considerado válido. A primeira inclusão aconteceu em fevereiro de 2016, e a última foi em abril de 2018.

A identificação de casos se baseou nos registros médicos que reportavam o diagnóstico de ICD. Para ser incluído no estudo, o paciente precisava estar de acordo com os critérios de Framingham para o diagnóstico de IC.1515. McKee PA, Castelli WP, McNamara PM, Kannel WB. The Natural History of Congestive Heart Failure: The Framingham Study. N Engl J Med. 1971;285(26):1441-6. doi: 10.1056/NEJM197112232852601. Os seguintes critérios foram considerados como indicativos da descompensação: presença de qualquer novo sintoma ou piora dos sintomas atuais (falta de ar, ortopneia, edema periférico, ascite), combinada com qualquer outro sinal de congestão ou hipoperfusão (taquicardia, hipotensão, dispneia, taquipneia, edema de membros inferiores, crepitações pulmonares, efusão pleural, ascite, hepatomegalia, maior pressão venosa central e presença de refluxo hepatojugular). O diagnóstico da etiologia da Doença de Chagas se baseou na sorologia positiva para a condição, junto com a apresentação clínica típica e a exclusão de outras etiologias.

Os critérios de exclusão foram: presença de doença cardíaca congênita; cardiomiopatia restritiva; teste positivo de HIV; alcoolismo ativo; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) limitante; presença de megacólon chagásico e/ou megaesôfago; uso contínuo de corticosteroides ou imunossupressores nos últimos 3 meses; neoplasia maligna; embolia pulmonar nos últimos 6 meses; grandes cirurgias ou infecções graves nos últimos 30 dias; doenças valvulares primárias como causa da IC; limitações físicas que impossibilitaram as medidas antropométricas de forma minimamente adequada; impossibilidade de realizar a anamnese clínica e nutricional com o paciente, parente ou acompanhante.

A partir de julho de 2017, o tempo de internação hospitalar maior que 7 dias antes da inclusão no estudo foi adicionado como critério de exclusão.

Resultados estudados

Pacientes foram acompanhados desde a internação até a alta, em casos de morte ou transplante cardíaco de urgência.

Variáveis clínicas e nutricionais

As variáveis clínicas da amostra foram obtidas a partir da revisão da evolução médica computada em registros médicos eletrônicos e entrevistas com pacientes e/ou parentes.

Valores de hemoglobina (Hb), glicose, hemoglobina glicada (HbA1c), colesterol total, colesterol LDL, colesterol HDL, triglicérides (TG), albumina, contagem total de linfócitos (CTL), proteína C-reativa (PCR) foram coletados durante a internação. Para o peptídeo natriurético tipo-b (BNP), consideramos qualquer mensuração feita até 6 meses antes da internação como válida.

As variáveis não-bioquímicas relacionadas ao status nutricional foram obtidas a partir de uma entrevista com o paciente e/ou acompanhante, e a avaliação das medidas antropométricas foi realizada por um único nutricionista clínico. As medidas de altura, peso atual e usual foram referidos pelo paciente. A altura e o peso dos pacientes que conseguiam andar também foram verificados com uma balança digital com estadiômetro acoplado, com capacidade para até 150kg e 190cm (Filizola®). Em casos em que os indivíduos tinham edema na hora da avaliação, o peso atual desconsiderando o edema foi reportado pelo paciente, e o indivíduo não foi pesado na balança.

Pacientes que não podiam andar por causa da medicação, mas conseguiam ficar em pé, foram pesados com uma balança digital portátil (EKS 8873 DOMUS Plataforma ABS®). A altura desses mesmos pacientes foi medida com um estadiômetro portátil (Wood Portátil Compact®). Indivíduos que não souberam reportar peso e altura e aqueles acamados, que não podiam ser pesados, tiveram suas alturas e pesos estimados por fórmulas preditivas. Essas fórmulas consideram altura do joelho, idade, circunferência do braço (CB) e etnia.1616. Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating Stature from Knee Height for Persons 60 to 90 Years of Age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):116-20. doi: 10.1111/j.1532-5415.1985.tb02276.x.

17. Chumlea WC, Guo SS, Steinbaugh ML. Prediction of Stature from Knee Height for Black and White Adults and Children with Application to Mobility-Impaired or Handicapped Persons. J Am Diet Assoc. 1994;94(12):1385-8, 1391. doi: 10.1016/0002-8223(94)92540-2.
- 1818. Chumlea WC, Roche AF, Mukheriee D. Nutritional assessment of the elderly through anthropometry. Columbus: Ross Laboratories; 1987.

A CB foi medida com uma fita métrica no ponto médio do braço (entre o acrômio e o olecrano), com o braço esticado livremente ao longo do corpo. A dobra cutânea tricipital (DCT) foi medida com um adipômetro (Sahean®). A dobra foi pinçada no ponto médio do braço (entre o acrômio e o olecrano), com o braço esticado livremente ao longo do corpo. A medida foi repetida três vezes, e a média das medidas foi utilizada para análise. A força de preensão palmar (FPP), considerada como medida de força isométrica, medindo o aperto de mãos no membro superior dominante, foi medida com um dinamômetro digital (MG-4800®). O teste foi realizado com o indivíduo sentado, ou com a cabeça elevada a pelo menos 30º quando o paciente tinha um balão intra-aórtico, e o braço formando um ângulo de 90º com o apoio do cotovelo. Três medidas de força máxima foram realizadas com intervalos de 10 segundos entre elas, e a média dos três valores foi considerada.

Diagnóstico e categorização

O IMC foi categorizado de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS)1919. World Health Organization. Obesity: Preventing and Managing the Global Epidemic. Report of a WHO Consultation. World Health Organ Tech Rep Ser. 2000;894:1-253. para adultos, e considerando os critérios da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAs)2020. Organização Pan-Americana de Saúde. XXXVI Reunión del Comitê Asesor de Investigaciones en Salud: Salud Beinestar y Envejecimeiento (SABE) en América Latina e el Caribe. Washington: Organizacíon Panamericana de la Salud, 2001. para idosos com mais de sessenta anos. Para diagnosticar a desnutrição, utilizamos a ASG.88. Detsky AS, McLaughlin JR, Baker JP, Johnston N, Whittaker S, Mendelson RA, et al. What is Subjective Global Assessment of Nutritional Status? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(1):8-13. doi: 10.1177/014860718701100108. A aplicação de todos os questionários e exame físico foi realizada por um único nutricionista clínico. A identificação de indivíduos com baixa massa muscular foi realizada ao calcular a área muscular do braço (AMB), obtida por meio da CB e da DCT, usando a seguinte fórmula:

AMB ( c m 2 ) = [ C B ( c m ) ( D C T ( c m ) × ÷ 10 ) ] 2 / 4 Π

Indivíduos com baixa massa muscular foram aqueles abaixo do 10º percentil quando comparados à população de referência. Os valores comparativos de acordo com as porcentagens da população de referência foram obtidos a partir da distribuição apresentada por Frisancho2121. Frisancho AR. Anthropometric Standards for the Assessment of Growth and Nutritional Status. Ann Arbor: University of Michigan, 1989. para adultos, e da distribuição apresentada por Burr e Phillips2222. Burr ML, Phillips KM. Anthropometric Norms in the Elderly. Br J Nutr. 1984;51(2):165-9. doi: 10.1079/bjn19840020. para idosos.

O diagnóstico de força muscular reduzida foi realizado por meio da FPP. Para fins de análise, indivíduos com baixa força muscular foram os que apresentaram valores iguais ou menores do que aqueles considerados por Mathiowetz et al .2323. Mathiowetz V, Kashman N, Volland G, Weber K, Dowe M, Rogers S. Grip and Pinch Strength: Normative Data for Adults. Arch Phys Med Rehabil. 1985;66(2):69-74. em uma população saudável, de acordo com gênero e faixa etária.

O diagnóstico de caquexia cardíaca foi realizado com base nos critérios propostos por Evans et al .2424. Evans WJ, Morley JE, Argilés J, Bales C, Baracos V, Guttridge D, et al. Cachexia: a new definition. Clin Nutr. 2008;27(6):793-9. doi: 10.1016/j.clnu.2008.06.013. Esta definição envolve a presença de um diagnóstico de doença crônica (neste estudo, representada pela presença de IC), associado à perda de peso de 5% em relação ao peso usual em um período máximo de 12 meses, ou IMC menor que 20kg/m22. Grossniklaus DA, O’Brien MC, Clark PC, Dunbar SB. Nutrient Intake in Heart Failure Patients. J Cardiovasc Nurs. 2008;23(4):357-63. doi: 10.1097/01.JCN.0000317433.52210.e0. , acompanhado de pelo menos três dos critérios seguintes: fadiga, anorexia, baixa força muscular, baixa massa muscular e anormalidades bioquímicas, como marcadores inflamatórios aumentados, anemia e albumina sérica baixa.

A gravidade da IC foi estimada neste estudo ao observar a ocorrência de níveis mais altos de BNP circulante e valores menores de FEVE, conforme demonstrado na literatura.2525. Vasan RS, Larson MG, Benjamin EJ, Evans JC, Reiss CK, Levy D. Congestive Heart Failure in Subjects with Normal Versus Reduced Left Ventricular Ejection Fraction: Prevalence and Mortality in a Population-Based Cohort. J Am Coll Cardiol. 1999;33(7):1948-55. doi: 10.1016/s0735-1097(99)00118-7. , 2626. Santaguida PL, Don-Wauchope AC, Oremus M, McKelvie R, Ali U, Hill SA, et al. BNP and NT-proBNP as Prognostic Markers in Persons with Acute Decompensated Heart Failure: A Systematic Review. Heart Fail Rev. 2014;19(4):453-70. doi: 10.1007/s10741-014-9442-y.

Análise estatística

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para identificar o tipo de distribuição das variáveis contínuas. As variáveis numéricas contínuas foram expressas como mediana e intervalo interquartil (IIQ). Para variáveis contínuas, utilizamos o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis para comparar grupos com mais de duas categorias, e o teste U de Mann-Whitney para comparar grupos com duas categorias. O teste exato de Fisher foi utilizado para avaliar as associações entre as variáveis categóricas; valores de p menores que 0,05 foram considerados significativos. A análise estatística foi realizada com o software SPSS® para Windows®, versão 22.

Resultados

Um total de 316 pacientes internados com ICD e elegíveis para o estudo foram avaliados. Deles, 185 indivíduos apresentavam pelo menos um critério de exclusão; 131 foram, por fim, incluídos no estudo e, depois, avaliados, como demonstrado na Figura 1 .

Figura 1
– Fluxo da seleção de pacientes. DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

O tempo médio entre a internação e a avaliação nutricional foi de 6 (3-9) dias. A duração média da internação foi de 33 (20-57) dias. As características clínicas, demográficas e laboratoriais da amostra estão resumidas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

Tabela 1
Características dos pacientes
Tabela 2
– Características clínicas e nutricionais de acordo com a etiologia da Doença de Chagas

Durante a internação, ocorreram 16 mortes (38,1%) em pacientes com a etiologia da Doença de Chagas, e em 18 (20,2%) pacientes com outras etiologias; o transplante cardíaco foi realizado em 19 (45,2%) pacientes com a etiologia da Doença de Chagas, e em 19 (21,3%) pacientes com outras etiologias (p<0,001).

Características clínicas e nutricionais de acordo com a etiologia

As características clínicas e nutricionais de pacientes foram avaliadas de acordo com a etiologia da IC ( Tabela 2 ), e observamos que pacientes com a Doença de Chagas tinham IMC mais baixo (22,4 kg/m2 [19,9-25,3] vs. 23,6 kg/m2 [20,8-27,3], p=0,03), maior frequência de desnutrição de acordo com a ASG (76,2% vs. 55,1%, p=0,015) e maior média de BNP sérico (1,424 pg/mL [775,7-2,945,7] vs. 996 pg/mL [495,5 -2020], p = 0,022). Além disso, pacientes com Doença de Chagas apresentaram uma tendência a apresentar níveis mais baixos de hemoglobina (11,5 [9,9-13] g/dL vs. 12,4 [10,9-13,5] g/dL, p=0,053) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
– Achados bioquímicos de acordo com a etiologia

Variáveis nutricionais e resultados em pacientes com a etiologia da Doença de Chagas

As relações entre as variáveis nutricionais e clínicas e o desfecho hospitalar em pacientes com a etiologia da Doença de Chagas estão resumidos na Tabela 4 . Observou-se que a ocorrência de morte ou transplante cardíaco esteve associada à menos idade (67 [58-70] anos em pacientes que tiveram alta do hospital vs. 53 [41-60] anos em pacientes que morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco, p=0,007) e à desnutrição (3 [42,9%] pacientes que tiveram alta do hospital vs. 29 [82,9%] que morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco, p=0,007). A caquexia foi diagnosticada em apenas 2 (28,6%) pacientes que tiveram alta do hospital, e em 22 (62,9%) que morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco; porém, esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,118).

Tabela 4
– Características clínicas e nutricionais e desfechos em pacientes com a etiologia da Doença de Chagas

Discussão

Considerando os resultados de forma conjunta, observam-se indícios de que há alta frequência de desnutrição e caquexia entre pacientes hospitalizados com ICD em nosso meio. Mais da metade da amostra (61,8%) apresentava algum grau de desnutrição, e quase metade (48,1%) foi diagnosticada com caquexia cardíaca. É importante mencionar que a presença de desnutrição esteve associada a maior risco de morte e transplante cardíaco durante a internação de pacientes com a cardiomiopatia chagásica.

Deve-se considerar que nossa amostra de pacientes tem características específicas em comparação a outros dados da literatura, principalmente idade média baixa, grande proporção de pacientes com a etiologia da Doença de Chagas e baixa proporção de pacientes com doença cardíaca isquêmica.2727. Cowie MR, Mosterd A, Wood DA, Deckers JW, Poole-Wilson PA, Sutton GC, et al. The Epidemiology of Heart Failure. Eur Heart J. 1997;18(2):208-25. doi: 10.1093/oxfordjournals.eurheartj.a015223. Além disso, lidamos com uma população de alto risco, o que se reflete pelos marcadores da gravidade da doença (níveis mais baixos de FEVE e altos níveis de BNP circulante), assim como alta taxa de mortalidade e de transplantes. Esses achados podem ser explicados, dentre outros fatores, pelos critérios de seleção da amostra, que incluía indivíduos com FEVE menor que 50%, e as características do hospital onde o estudo foi realizado, que é um hospital terciário de referência.

Neste estudo, observamos a alta frequência de desnutrição diagnosticada pela ASG (61,8%). Um estudo espanhol também usou a ASG em pacientes internados com ICD e encontrou a desnutrição em 49,3% dos pacientes.44. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
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Um estudo brasileiro com 53 pacientes com IC mostrou que a desnutrição estava presente, utilizando a ASG, em 51,9% dos pacientes.2828. Yamauti AK, Ochiai ME, Bifulco PS, Araújo MA, Alonso RR, Ribeiro RH, et al. Subjective Global Assessment of Nutritional Status in Cardiac Patients. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):772-7. doi: 10.1590/s0066-782x2006001900014. Outros métodos de avaliação foram utilizados e demonstraram taxas mais baixas de desnutrição, de 13 a 25,4%.2929. Aggarwal A, Kumar A, Gregory MP, Blair C, Pauwaa S, Tatooles AJ, et al. Nutrition Assessment in Advanced Heart Failure Patients Evaluated for Ventricular Assist Devices or Cardiac Transplantation. Nutr Clin Pract. 2013;28(1):112-9. doi: 10.1177/0884533612457948.

30. Bonilla-Palomas JL, Gámez-López AL, Anguita-Sánchez MP, Castillo-Domínguez JC, García-Fuertes D, Crespin-Crespin M, et al. Impact of malnutrition on long-term mortality in hospitalized patients with heart failure. Rev Esp Cardiol. 2011;64(9):752-8. doi: 10.1016/j.recesp.2011.03.009.

31. Gastelurrutia P, Lupón J, Domingo M, Ribas N, Noguero M, Martinez C, et al. Usefulness of Body Mass Index to Characterize Nutritional Status in Patients with Heart failure. Am J Cardiol. 2011;108(8):1166-70. doi: 10.1016/j.amjcard.2011.06.020.
- 3232. Casas-Vara A, Santolaria F, Fernández-Bereciartúa A, González-Reimers E, García-Ochoa A, Martínez-Riera A. The Obesity Paradox in Elderly Patients with Heart Failure: Analysis of Nutritional Status. Nutrition. 2012;28(6):616-22. doi: 10.1016/j.nut.2011.10.006. Os dados apresentados aqui sugerem que a ASG pode ser ferramenta importante para o diagnóstico da desnutrição neste cenário.

Quando o IMC foi utilizado como indicador de status nutricional, a maioria da amostra se classificou como eutrófica (42,7%), seguida de sobrepeso ou obesidade (32,1%). Este achado contrasta com a alta porcentagem de desnutrição e caquexia. Acreditamos que este aspecto do estudo possa ser influenciado pelas limitações durante a coleta de dados em relação ao peso, já que uma medida direta do peso do paciente nem sempre foi clinicamente viável. Além disso, o peso pode se modificar com a retenção de líquidos no paciente com ICD, levando a um aumento não realista do IMC. Esta é provavelmente a explicação para a desnutrição na presença de sobrepeso ou obesidade medidos pelo IMC, uma ocorrência também reportada por outros autores.3131. Gastelurrutia P, Lupón J, Domingo M, Ribas N, Noguero M, Martinez C, et al. Usefulness of Body Mass Index to Characterize Nutritional Status in Patients with Heart failure. Am J Cardiol. 2011;108(8):1166-70. doi: 10.1016/j.amjcard.2011.06.020. , 3333. Gastelurrutia P, Lupón J, Antonio M, Zamora E, Domingo M, Urrutia A, et al. Body Mass Index, Body Fat, and Nutritional Status of Patients with Heart Failure: The PLICA study. Clin Nutr. 2015;34(6):1233-8. doi: 10.1016/j.clnu.2014.12.013. Além da influência da retenção de líquidos nesta amostra, uma redução significativa de massa muscular pode ter ocorrido, o que é um fenômeno conhecido como obesidade sarcopênica.3434. Stenholm S, Harris TB, Rantanen T, Visser M, Kritchevsky SB, Ferrucci L. Sarcopenic Obesity: Definition, Cause and Consequences. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2008;11(6):693-700. doi: 10.1097/MCO.0b013e328312c37d. Neste estudo, o diagnóstico de baixa massa muscular foi muito frequente (41,2%), assim como o diagnóstico de baixa força muscular (49,6%), o que aponta para certa perda de massa e função muscular nesta população. Nossos dados indicam que a classificação do IMC, como medida isolada, não é um bom indicador do status nutricional de pacientes com ICD.

Deve-se notar que a frequência de caquexia de 48,1% encontrada neste estudo difere-se das proporções achadas em outros estudos, que reportam prevalência de 10 a 16%.11. Anker SD, Ponikowski P, Varney S, Chua TP, Clark AL, Webb-Peploe KM, et al. Wasting as Independent Risk Factor for Mortality in Chronic Heart Failure. Lancet. 1997;349(9058):1050-3. doi: 10.1016/S0140-6736(96)07015-8. , 3535. Christensen HM, Kistorp C, Schou M, Keller N, Zerahn B, Frystyk J, et al. Prevalence of Cachexia in Chronic Heart Failure and Characteristics of Body Composition and Metabolic Status. Endocrine. 2013;43(3):626-34. doi: 10.1007/s12020-012-9836-3. Porém, vale mencionar que foram utilizadas diferentes definições de caquexia; neste estudo, usamos os critérios propostos por Evans et al.2424. Evans WJ, Morley JE, Argilés J, Bales C, Baracos V, Guttridge D, et al. Cachexia: a new definition. Clin Nutr. 2008;27(6):793-9. doi: 10.1016/j.clnu.2008.06.013. Esses critérios consideram não só os aspectos como perda de peso não-intencional, mas também as variáveis bioquímicas. Além disso, essas amostras são muito diversas em termos da gravidade da doença cardíaca.

Nossos resultados indicam que pacientes com Doença de Chagas apresentam a doença mais grave, representada por níveis séricos mais altos de BNP e piores desfechos hospitalares. Os pacientes com Doença de Chagas também apresentaram pior status nutricional, representado por baixo peso corporal e IMC, pouca massa muscular e maior frequência de desnutrição na ASG. Possíveis mecanismos podem incluir maior envolvimento do lado direito do coração (manifestado pela ascite, hepatomegalia e edema no intestino) e maior atividade inflamatória em pacientes com Doença de Chagas.3636. Silva CP, Del Carlo CH, Oliveira MT Jr, Scipioni A, Strunz-Cassaro C, Ramirez JA, et al. Why do Patients with Chagasic Cardiomyopathy have Worse Outcomes than those with Non-Chagasic Cardiomyopathy? Arq Bras Cardiol. 2008;91(6):358-62. doi: 10.1590/s0066-782x2008001800006.

Acreditamos que o cenário clínico menos favorável, acompanhado pela maior gravidade da doença e atividade inflamatória do paciente com Doença de Chagas, possa ter um impacto na maior ocorrência de desnutrição nesta amostra, o que agrega ainda mais valor à avaliação nutricional, principalmente em relação à melhoria de resultados clínicos.

De acordo com esses achados, um estudo espanhol observou níveis mais altos de BNP circulante e maiores taxas de mortalidade entre pacientes desnutridos e hospitalizados com ICD, quando avaliados pela ASG.44. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
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De acordo com esses mesmos autores, há sinais indicativos de uma relação bidirecional e mórbida entre a desnutrição e a insuficiência cardíaca. Nossos resultados reforçam esta teoria e indicam a importância de uma abordagem nutricional mais cuidadosa para a população com IC e Doença de Chagas.

Também observamos que a população mais nova e a presença de desnutrição estiveram associadas à maior ocorrência de mortes e transplante cardíaco em pacientes com a etiologia da Doença de Chagas. Embora a caquexia tenha sido duas vezes mais comum em pacientes que morreram ou foram submetidos a um transplante cardíaco durante a internação, ao compará-los com pacientes que tiveram alta, a diferença não foi estatisticamente diferente devido ao número limitado de pacientes em nossa amostra. A idade como fator protetivo pode ser explicado pelo fato de que a idade é um fator limitante para indicação do procedimento de transplante. A maior frequência de mortes dentre pacientes desnutridos e hospitalizados com ICD, e avaliados pela ASG, já foi anteriormente descrita na literatura.44. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
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No presente estudo, pôde-se observar que esta relação se mantém ao avaliar pacientes com ICD de etiologia da Doença de Chagas, o que reforça o status nutricional como importante aspecto que influencia o desfecho de pacientes com IC. Além disso, alguns autores buscaram registrar a associação entre o status nutricional e o prognóstico de pacientes com IC, e esses estudos mostram que a desnutrição, diagnosticada por diferentes métodos, apareceu como um fator de risco independente para mortalidade por todas as causas.44. Guerra-Sánchez L, Martínez-Rincón C, Fresno-Flores M. Prevalência de malnutrición em Pacientes Hospitalizados por Descompensación de Insuficiência Cardíaca Crônica; Valoración Subjetiva Global como Indicador Pronóstico. Nutr Hosp. 2015; 31(4):1757-62. doi: 10.3305/nh.2015.31.4.8424.
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, 2929. Aggarwal A, Kumar A, Gregory MP, Blair C, Pauwaa S, Tatooles AJ, et al. Nutrition Assessment in Advanced Heart Failure Patients Evaluated for Ventricular Assist Devices or Cardiac Transplantation. Nutr Clin Pract. 2013;28(1):112-9. doi: 10.1177/0884533612457948. , 3030. Bonilla-Palomas JL, Gámez-López AL, Anguita-Sánchez MP, Castillo-Domínguez JC, García-Fuertes D, Crespin-Crespin M, et al. Impact of malnutrition on long-term mortality in hospitalized patients with heart failure. Rev Esp Cardiol. 2011;64(9):752-8. doi: 10.1016/j.recesp.2011.03.009. , 3131. Gastelurrutia P, Lupón J, Domingo M, Ribas N, Noguero M, Martinez C, et al. Usefulness of Body Mass Index to Characterize Nutritional Status in Patients with Heart failure. Am J Cardiol. 2011;108(8):1166-70. doi: 10.1016/j.amjcard.2011.06.020. , 3333. Gastelurrutia P, Lupón J, Antonio M, Zamora E, Domingo M, Urrutia A, et al. Body Mass Index, Body Fat, and Nutritional Status of Patients with Heart Failure: The PLICA study. Clin Nutr. 2015;34(6):1233-8. doi: 10.1016/j.clnu.2014.12.013.

Este estudo apresenta limitações que devem ser reconhecidas. Por ser um ensaio clínico não-randomizado, não foi possível descartar a presença de variáveis de confusão ao comparar grupos de pacientes. A grande proporção de pacientes com Doença de Chagas e a alta gravidade dos casos impedem a extrapolação de nossos achados para outros cenários clínicos. Também, este estudo não analisou a influência das variáveis clínicas indicando congestão, como edema periférico, hepatomegalia e ascite. Assim, não podemos excluir a possibilidade de viés nas medidas de peso corporal total.

Conclusões

Ao todo, nossos resultados indicam que pacientes com Doença de Chagas internados com ICD costumam apresentar distúrbios nutricionais, principalmente desnutrição; é importante mencionar que este achado esteve associado à ocorrência de morte e transplante cardíaco durante a internação.

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Larissa Candido Alves Tavares pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2020
  • Aceito
    27 Jan 2021
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