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Amiloidose para Cardiologistas

Cardiomiopatia Amiloidótica

Atualmente, sabemos que a amiloidose cardíaca (AC) é mais frequente do que tradicionalmente considerada e que é particularmente relevante em pacientes acima de 65 anos de idade com insuficiência cardíaca ou estenose aórtica.11. Garcia-Pavia P, Domínguez F, Gonzalez-Lopez E. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. Med Clin (Barc). 2021;156(3):126-34. doi: 10.1016/j.medcli.2020.06.064. Hoje, dada a relevância da AC para cardiologistas, sua prevalência ainda é um problema e esforços devem ser feitos para acelerar o diagnóstico e maximizar as oportunidades de novos tratamentos modificadores da doença.11. Garcia-Pavia P, Domínguez F, Gonzalez-Lopez E. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy. Med Clin (Barc). 2021;156(3):126-34. doi: 10.1016/j.medcli.2020.06.064.

2. Maurer MS, Elliott P, Comenzo R, Semigran M, Rapezzi C. Addressing Common Questions Encountered in the Diagnosis and Management of Cardiac Amyloidosis. Circulation. 2017;135(14):1357-77. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.116.024438.
- 33. Ruberg FL, Grogan M, Hanna M, Kelly JW, Maurer MS. Transthyretin Amyloid Cardiomyopathy: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2019;73(22):2872-91. doi: 10.1016/j.jacc.2019.04.003. No Brasil, estima-se que existam mais de 5.000 pacientes com a variante da amiloidose por transtirretina (ATTRv) com polineuropatia,44. Cruz MW, Pinto MV, Pinto LF, Gervais R, Dias M, Perez C, et al. Baseline Disease Characteristics in Brazilian Patients Enrolled in Transthyretin Amyloidosis Outcome Survey (THAOS). Arq Neuropsiquiatr. 2019;77(2):96-100. doi: 10.1590/0004-282X20180156. onde o envolvimento cardíaco também desempenha um papel importante. Verificamos que 26% dos pacientes com V30M ATTRv-PN do nosso centro de referência registrados no THAOS eram casos de início tardio (LO).55. Pinto MV, Pinto LF, Dias M, Rosa RS, Mundayat R, Pedrosa RC, et al. Late-Onset Hereditary ATTR V30M Amyloidosis with Polyneuropathy: Characterization of Brazilian Subjects from the THAOS Registry. J Neurol Sci. 2019;403:1-6. doi: 10.1016/j.jns.2019.05.030. Nesses pacientes, encontramos hipertrofia do septo interventricular em quase 70% e ECG anormal em quase 90%. É de interesse que 78% dos pacientes com LO-V30M e cardiomiopatia não apresentaram sintomas de insuficiência cardíaca.55. Pinto MV, Pinto LF, Dias M, Rosa RS, Mundayat R, Pedrosa RC, et al. Late-Onset Hereditary ATTR V30M Amyloidosis with Polyneuropathy: Characterization of Brazilian Subjects from the THAOS Registry. J Neurol Sci. 2019;403:1-6. doi: 10.1016/j.jns.2019.05.030.

No nosso país, não há políticas de saúde públicas ou privadas destinadas especificamente ao monitoramento e acompanhamento dos pacientes com AC. Da mesma forma, pouco se sabe sobre as repercussões dessa doença nas taxas de mortalidade.44. Cruz MW, Pinto MV, Pinto LF, Gervais R, Dias M, Perez C, et al. Baseline Disease Characteristics in Brazilian Patients Enrolled in Transthyretin Amyloidosis Outcome Survey (THAOS). Arq Neuropsiquiatr. 2019;77(2):96-100. doi: 10.1590/0004-282X20180156.

5. Pinto MV, Pinto LF, Dias M, Rosa RS, Mundayat R, Pedrosa RC, et al. Late-Onset Hereditary ATTR V30M Amyloidosis with Polyneuropathy: Characterization of Brazilian Subjects from the THAOS Registry. J Neurol Sci. 2019;403:1-6. doi: 10.1016/j.jns.2019.05.030.

6. Sequeira VCC, Penetra MA, Duarte L, Azevedo FR, Sayegh RSR, Pedrosa RC, et al. Hereditary Transthyretin-Mediated Amyloidosis with Polyneuropathy: Baseline Anthropometric, Demographic and Disease Characteristics of Patients from a Reference Center. Arq Neuropsiquiatr. 2021:S0004-282X2021005021201. doi: 10.1590/0004-282X-ANP-2020-0590.

7. Queiroz MC, Pedrosa RC, Berensztejn AC, Pereira BB, Nascimento EM, Duarte MM, et al. Frequency of Cardiovascular Involvement in Familial Amyloidotic Polyneuropathy in Brazilian Patients. Arq Bras Cardiol. 2015;105(5):503-9. doi: 10.5935/abc.20150112.
- 88. Cruz MW, Foguel D, Berensztejn A, Pedrosa RC, Silva PF. The Phenotypical Expression of an European Inherited TTR Amyloidosis in Brazil. Orphanet J Rare Dis. 2015; 10(Suppl 1):07. doi: 10.1186/1750-1172-10-S1-O7. Muitas barreiras estruturais são difíceis de superar, tais como, a falta de implementação de programas de rastreamento e de testes diagnósticos validados, principalmente em áreas rurais. Não há entidade que monitore esses processos e os casos positivos podem não receber confirmação ou acesso ao tratamento. O sequenciamento genético do gene TTR é uma ferramenta nova, mas ainda não está disponível em laboratórios gerais, estando restrito à pesquisa clínica em hospitais ou universidades. Acreditamos que muitos pacientes com AC morrem dessa doença devido à falta de assistência médica adequada.44. Cruz MW, Pinto MV, Pinto LF, Gervais R, Dias M, Perez C, et al. Baseline Disease Characteristics in Brazilian Patients Enrolled in Transthyretin Amyloidosis Outcome Survey (THAOS). Arq Neuropsiquiatr. 2019;77(2):96-100. doi: 10.1590/0004-282X20180156. , 77. Queiroz MC, Pedrosa RC, Berensztejn AC, Pereira BB, Nascimento EM, Duarte MM, et al. Frequency of Cardiovascular Involvement in Familial Amyloidotic Polyneuropathy in Brazilian Patients. Arq Bras Cardiol. 2015;105(5):503-9. doi: 10.5935/abc.20150112. Consideramos que seja urgente adotar medidas que possam melhorar esta situação.

As diretrizes clínicas das sociedades médicas têm sido atualizadas. Mais recentemente a Sociedade Brasileira de Cardiologia,99. Simões MV, Fernandes F, Marcondes-Braga FG, Scheinberg P, Correia EB, Rohde LEP, et al. Position Statement on Diagnosis and Treatment of Cardiac Amyloidosis - 2021. Arq Bras Cardiol. 2021;117(3):561-98. doi: 10.36660/abc.20210718. a Sociedade Europeia de Cardiologia1010. Garcia-Pavia P, Rapezzi C, Adler Y, Arad M, Basso C, Brucato A, et al. Diagnosis and Treatment of Cardiac Amyloidosis: A Position Statement of the ESC Working Group on Myocardial and Pericardial Diseases. Eur Heart J. 2021;42(16):1554-68. doi: 10.1093/eurheartj/ehab072. e a American Heart Association1111. Kittleson MM, Maurer MS, Ambardekar AV, Bullock-Palmer RP, Chang PP, Eisen HJ, et al. Cardiac Amyloidosis: Evolving Diagnosis and Management: A Scientific Statement from the American Heart Association. Circulation. 2020;142(1):7-22. doi: 10.1161/CIR.0000000000000792. emitiram posicionamentos sobre AC, documentos com informações atualizadas incluindo diferentes aspectos da doença, algumas barreiras identificadoras, e soluções potenciais para cada etapa da doença. Infelizmente, essas diretrizes ainda não foram totalmente disseminadas ou implementadas.

Um dos aspectos desafiadores do manejo da AC é a identificação de pacientes que apresentam essa condição. É necessário garantir que todos os médicos que possam encontrar esses pacientes saibam o que procurar, não apenas no histórico dos pacientes, mas também em ecocardiogramas, estudos de ressonância magnética e cintilografia com pirofosfato. Na presente edição, Fernandes et al.1212. Fernandes F, Alencar Neto AC, Bueno BVK, Cafezeiro CRF, Rissato JH, Szor RS, et al. Perfil Clínico, Laboratorial e de Métodos de Imagem na Amiloidose Sistêmica em um Centro de Referência Cardiológico Brasileiro. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(2):422-432. apresentaram um estudo brasileiro que contribui para o nosso entendimento sobre uma importante característica da amiloidose sistêmica, ou seja, a falta de dados na população brasileira a respeito da prevalência e gravidade do acometimento cardíaco. Para responder a esta questão, os autores realizaram um estudo retrospectivo de uma amostra de conveniência de pacientes acompanhados em um centro de referência em cardiologia de um hospital terciário brasileiro, com diagnóstico confirmado de amiloidose sistêmica com cardiomiopatia, e indivíduos de outras unidades de saúde e diferentes especialidades (neurologia, hematologia, nefrologia e gastroenterologia) para avaliação do envolvimento cardíaco (cardiomiopatia amiloidótica) da doença já confirmada em outros órgãos e sistemas. O objetivo foi descrever o perfil clínico, laboratorial, eletrocardiográfico e de imagem dos pacientes com AC.

Foram avaliados 105 pacientes (idade mediana de 66 anos); 83 tinham amiloidose transtirretina (ATTR) e 22 amiloidose de cadeia leve (AL). Em relação aos casos de ATTR, 68,7% eram da forma hereditária (ATTRv) e 31,3% eram do tipo selvagem (ATTRw). As mutações mais prevalentes foram V142Ile (45,6%) e V30M (40,3%). O tempo desde o início dos sintomas até o diagnóstico foi de 0,54 e 2,15 anos, nas formas AL e ATTR, respectivamente (p < 0,001). O envolvimento cardíaco foi observado em 77,9% dos pacientes com ATTR e em 90,9% daqueles com AL.

Na interpretação desses resultados, é necessário considerar o desenho do estudo (amostra de conveniência), com coleta retrospectiva de dados, que representa uma amostra parcial da população de pacientes atendidos neste centro único para AC, sem cálculo do tamanho da amostra ou pareamento para variáveis importantes como idade e sexo. A amostra é constituída por uma subpopulação submetida a exames de imagem cardíaca; portanto, não representa o cenário real da população com AC, mas sim um subgrupo selecionado com o melhor prognóstico para o qual o médico assistente indicou a realização de exames de imagem cardíaca. Os autores reconhecem essas limitações.

É importante enfatizar que, no processo dinâmico de envolvimento cardíaco em pacientes com AC suspeita e/ou confirmada, é de extrema importância identificar, com poucos recursos, pacientes com AC com maior risco de ocorrência de óbito ou eventos cardíacos recorrentes. Isso se traduz em monitoramento da frequência cardíaca e do remodelamento ventricular.

Mais importante, as complicações cardiovasculares da AC ao longo do tempo são inevitáveis, e nós, como cardiologistas, devemos considerar que todos os pacientes com CA podem se beneficiar de diretrizes direcionadas para disfunção sistólica do VE. A responsabilidade dos profissionais de saúde, das sociedades médicas, das organizações de pacientes e dos legisladores é trabalhar junto a longo prazo para mudar o conceito de que a AC seja uma doença intratável.

Referências

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    Fernandes F, Alencar Neto AC, Bueno BVK, Cafezeiro CRF, Rissato JH, Szor RS, et al. Perfil Clínico, Laboratorial e de Métodos de Imagem na Amiloidose Sistêmica em um Centro de Referência Cardiológico Brasileiro. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(2):422-432.
  • Minieditorial referente ao artigo: Perfil Clínico, Laboratorial e de Métodos de Imagem na Amiloidose Sistêmica em um Centro de Referência Cardiológico Brasileiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Fev 2022
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