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Deficiência de Ferro na Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Reduzida: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento

Resumo

A deficiência de ferro (DF) ou ferropenia é uma importante comorbidade na insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) estável, e muito prevalente tanto nos anêmicos como não anêmicos. A ferropenia na ICFER deve ser pesquisada por meio da coleta de saturação de transferrina e ferritina. Há dois tipos de ferropenia na IC: absoluta, em que as reservas de ferro estão depletadas; e funcional, onde o suprimento de ferro é inadequado apesar das reservas normais. A ferropenia está associada com pior classe funcional e maior risco de morte em pacientes com ICFER, e evidências científicas apontam melhora de sintomas e de qualidade de vida desses pacientes com tratamento com ferro parenteral na forma de carboximaltose férrica. O ferro exerce funções imprescindíveis como o transporte (hemoglobina) e armazenamento (mioglobina) de oxigênio, além de ser fundamental para o funcionamento das mitocôndrias, constituídas de proteínas à base de ferro, e local de geração de energia na cadeia respiratória pelo metabolismo oxidativo. A geração insuficiente e utilização anormal de ferro nas células musculares esquelética e cardíaca contribuem para a fisiopatologia da IC. A presente revisão tem o objetivo de aprofundar o conhecimento a respeito da fisiopatologia da ferropenia na ICFER, abordar as ferramentas disponíveis para o diagnóstico e discutir sobre a evidência científica existente de reposição de ferro.

Ferro; Deficiência de Ferro; Insuficiência Cardíaca Sistólica

Abstract

Iron deficiency (ID) is an important comorbidity in heart failure with reduced ejection (HFrEF) and is highly prevalent in both anemic and non-anemic patients. In HFrEF, iron deficiency should be investigated by measurements of transferrin saturation and ferritin. There are two types of ID: absolute deficiency, with depletion of iron stores; and functional ID, where iron supply is not sufficient despite normal stores. ID is associated with worse functional class and higher risk of death in patients with HFrEF, and scientific evidence has indicated improvement of symptoms and quality of life of these patients with treatment with parenteral iron in the form of ferric carboxymaltose. Iron plays vital roles such as oxygen transportation (hemoglobin) and storage (myoblogin), and is crucial for adequate functioning of mitochondria, which are composed of iron-based proteins and the place of energy generation by oxidative metabolism at the electron transport chain. An insufficient generation and abnormal uptake of iron by skeletal and cardiac muscle cells contribute to the pathophysiology of HF. The present review aims to increase the knowledge of the pathophysiology of ID in HFrEF, and to address available tools for its diagnosis and current scientific evidence on iron replacement therapy.

Iron; Iron Deficiency; Heart Failure, Systolic

O Problema Clínico

A insuficiência cardíaca (IC) tem sido considerada um problema de saúde pública global que afeta 26 milhões de pacientes no mundo todo.11. Ambrosy AP, Fonarow GC, Butler J, Chioncel O, Greene SJ, Vaduganathan M, et al. The Global Health and Economic Burden of Hospitalizations for Heart Failure: Lessons Learned from Hospitalized Heart Failure Registries. J Am Coll Cardiol. 2014;63(12):1123-33. doi: 10.1016/j.jacc.2013.11.053. O número de pacientes com IC em 2015 no Brasil foi de aproximadamente 2.846.000, correspondendo à 2% da população adulta, sendo que ocorre aumento da prevalência com o avançar da idade.22. Stevens B, Pezzullo L, Verdian L, Tomlinson J, George A, Bacal F. The Economic Burden of Heart Conditions in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2018;111(1):29-36. doi: 10.5935/abc.20180104.

Em registro brasileiro de pacientes internados por IC de diferentes regiões do Brasil, a mortalidade intra-hospitalar encontrada foi de 12,6%.33. Albuquerque DC, Souza Neto JD, Bacal F, Rohde LE, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al. I Brazilian Registry of Heart Failure - Clinical Aspects, Care Quality and Hospitalization Outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42. doi: 10.5935/abc.20150031. Além da alta mortalidade intra-hospitalar, estima-se que 50% dos pacientes diagnosticados com IC estarão mortos dentro de um período de 5 anos.44. Gerber Y, Weston SA, Redfield MM, Chamberlain AM, Manemann SM, Jiang R, et al. A Contemporary Appraisal of the Heart Failure Epidemic in Olmsted County, Minnesota, 2000 to 2010. JAMA Intern Med. 2015;175(6):996-1004. doi: 10.1001/jamainternmed.2015.0924. , 55. Benjamin EJ, Blaha MJ, Chiuve SE, Cushman M, Das SR, Deo R, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2017 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation. 2017;135(10):146-603. doi: 10.1161/CIR.0000000000000485. Outro ponto que merece destaque é o impacto financeiro da doença. Em 2015 a IC gerou no Brasil um custo substancial de R$ 22,1 bilhões de reais.22. Stevens B, Pezzullo L, Verdian L, Tomlinson J, George A, Bacal F. The Economic Burden of Heart Conditions in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2018;111(1):29-36. doi: 10.5935/abc.20180104.

A anemia é uma doença comum na insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER).66. Tang YD, Katz SD. Anemia in Chronic Heart Failure: Prevalence, Etiology, Clinical Correlates, and Treatment Options. Circulation. 2006;113(20):2454-61. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.105.583666. Define-se como a concentração de hemoglobina < 13,0 g/dl em homens e < 12,0 g/dl em mulheres.77. Nutritional Anaemias. Report of a WHO Scientific Group. World Health Organ Tech Rep Ser. 1968;405:5-37. As causas mais comuns de anemia nos pacientes com IC são deficiência de ferro (DF), anemia da doença crônica, dilucional e secundária à insuficiência renal.88. Rohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC, Rassi S, et al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436-539. doi: 10.5935/abc.20180190. A DF ou ferropenia é uma importante comorbidade na IC, estando presente em metade dos pacientes99. von Haehling S, Ebner N, Evertz R, Ponikowski P, Anker SD. Iron Deficiency in Heart Failure: An Overview. JACC Heart Fail. 2019;7(1):36-46. doi: 10.1016/j.jchf.2018.07.015. , 1010. Rocha BML, Cunha GJL, Falcão LFM. The Burden of Iron Deficiency in Heart Failure: Therapeutic Approach. J Am Coll Cardiol. 2018;71(7):782-93. doi: 10.1016/j.jacc.2017.12.027. não estando restrita apenas aos anêmicos, visto que ocorre em 46% dos pacientes não anêmicos com IC estáveis.1111. Klip IT, Comin-Colet J, Voors AA, Ponikowski P, Enjuanes C, Banasiak W, et al. Iron Deficiency in Chronic Heart failure: an International Pooled Analysis. Am Heart J. 2013;165(4):575-82. doi: 10.1016/j.ahj.2013.01.017.

A ferropenia na IC é mais encontrada em pacientes com doença avançada (pior classe funcional e maior valor de peptídeo natriurético cerebral) e em mulheres.1111. Klip IT, Comin-Colet J, Voors AA, Ponikowski P, Enjuanes C, Banasiak W, et al. Iron Deficiency in Chronic Heart failure: an International Pooled Analysis. Am Heart J. 2013;165(4):575-82. doi: 10.1016/j.ahj.2013.01.017. , 1212. Jankowska EA, Rozentryt P, Witkowska A, Nowak J, Hartmann O, Ponikowska B, et al. Iron Deficiency: An Ominous Sign in Patients with Systolic Chronic Heart Failure. Eur Heart J. 2010;31(15):1872-80. doi: 10.1093/eurheartj/ehq158. A presença de ferropenia influencia o prognóstico. Em estudo observacional com 546 pacientes com ICFER, a ferropenia foi apontada como um forte preditor independente de morte ou necessidade de transplante cardíaco, aumentando o risco desses desfechos em aproximadamente 60%.1212. Jankowska EA, Rozentryt P, Witkowska A, Nowak J, Hartmann O, Ponikowska B, et al. Iron Deficiency: An Ominous Sign in Patients with Systolic Chronic Heart Failure. Eur Heart J. 2010;31(15):1872-80. doi: 10.1093/eurheartj/ehq158. Em outra coorte constituída de 1506 pacientes europeus com IC crônica, a ferropenia (sem presença de anemia) também foi considerada um preditor de morte.1111. Klip IT, Comin-Colet J, Voors AA, Ponikowski P, Enjuanes C, Banasiak W, et al. Iron Deficiency in Chronic Heart failure: an International Pooled Analysis. Am Heart J. 2013;165(4):575-82. doi: 10.1016/j.ahj.2013.01.017. A alta prevalência e poder prognóstico da ferropenia na IC são justificativas para maior compreensão de sua fisiopatologia, diagnóstico e tratamento.

Fisiopatologia

Ferro – Absorção, distribuição e funções no organismo

O ferro é um micronutriente metabolicamente ativo com características bioquímicas únicas. Encontra-se em dois estados oxidativos: ferroso (Fe2+), encontrado no meio intracelular; e férrico (Fe3+), encontrado no meio extracelular.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224.

O consumo médio diário de ferro é de 10–20 mg/dia, mas apenas 10–20% do ferro da dieta é normalmente absorvido utilizando sistemas de transporte específicos, principalmente através dos enterócitos duodenais. O ferro pode ser eliminado por descamação de células mucosas intestinais, menstruação ou outras perdas sanguíneas, porém o corpo não tem um mecanismo fisiologicamente regulado de excreção do ferro, logo a regulação da absorção através do duodeno tem um papel fundamental na homeostase do ferro no organismo.1414. Siah CW, Ombiga J, Adams LA, Trinder D, Olynyk JK. Normal Iron Metabolism and the Pathophysiology of Iron Overload Disorders. Clin Biochem Rev. 2006;27(1):5-16. A maior parte do ferro necessário para eritropoiese (20-25mg) é derivado da reciclagem dos eritrócitos senescentes através da fagocitose dos macrófagos do sistema reticuloendotelial.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224. , 1515. Babitt JL, Lin HY. Molecular Mechanisms of Hepcidin Regulation: Implications for the Anemia of CKD. Am J Kidney Dis. 2010;55(4):726-41. doi: 10.1053/j.ajkd.2009.12.030.

O ferro é distribuído principalmente na hemoglobina das hemácias (65%). Aproximadamente 10% é encontrado em fibras musculares (na mioglobina). O restante é armazenado no fígado, macrófagos do sistema reticuloendotelial e medula óssea.1616. Muñoz M, García-Erce JA, Remacha AF. Disorders of Iron Metabolism. Part 1: Molecular Basis of Iron Homoeostasis. J Clin Pathol. 2011;64(4):281-6. doi: 10.1136/jcp.2010.079046.

O ferro tem um papel fundamental no transporte de oxigênio por meio da hemoglobina e armazenamento de oxigênio por parte da mioglobina (células musculares esquelética e cardíaca). Age como componente das enzimas envolvidas na oxidação (fosforilação oxidativa e geração de energia) e das proteínas ferro enxofre (Fe-S) e Heme da cadeia respiratória das mitocôndrias. Também atua na síntese e degradação de proteínas, lipídeos e ácidos ribonucleicos.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224. , 1717. Miñana G, Cardells I, Palau P, Llàcer P, Fácila L, Almenar L, et al. Changes in Myocardial Iron Content Following Administration of Intravenous Iron (Myocardial-IRON): Study Design. Clin Cardiol. 2018;41(6):729-35. doi: 10.1002/clc.22956.

O ferro é potencialmente tóxico porque causa a redução de moléculas de oxigênio dentro da célula, levando à formação de espécies reativas de oxigênio. Logo, o ferro necessita de um neutralizante intracelular na forma de ferritina e intravascular pela ligação à transferrina.99. von Haehling S, Ebner N, Evertz R, Ponikowski P, Anker SD. Iron Deficiency in Heart Failure: An Overview. JACC Heart Fail. 2019;7(1):36-46. doi: 10.1016/j.jchf.2018.07.015.

A transferrina age como um reservatório de ferro solúvel. Trata-se de uma glicoproteína transportadora de ferro para células alvo como células eritróides, imunológicas, musculares e hepatócitos. O ferro ligado à transferrina penetra nas células utilizando o receptor de transferrina tipo 1 (TfR1) via endocitose.1616. Muñoz M, García-Erce JA, Remacha AF. Disorders of Iron Metabolism. Part 1: Molecular Basis of Iron Homoeostasis. J Clin Pathol. 2011;64(4):281-6. doi: 10.1136/jcp.2010.079046.

O ferro encontra-se armazenado no fígado, medula óssea e baço na forma de ferritina, considerada a principal proteína de reserva do ferro. Em situações de sobrecarga de ferro ou inflamação, ocorre aumento da ferritina tecidual.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224.

A hepcidina é um peptídeo hormonal produzido principalmente pelos hepatócitos, sendo considerada a principal reguladora do metabolismo do ferro.1515. Babitt JL, Lin HY. Molecular Mechanisms of Hepcidin Regulation: Implications for the Anemia of CKD. Am J Kidney Dis. 2010;55(4):726-41. doi: 10.1053/j.ajkd.2009.12.030. Sua síntese é regulada pelas mudanças de demanda de ferro no organismo; tem ação direta sobre a ferroportina, um canal transmembrana de ferro. A ferroportina localiza-se na superfície de enterócitos duodenais, responsáveis pela absorção de ferro, assim como nos hepatócitos e macrófagos, responsáveis pelo armazenamento de ferro. Quando ocorre a ligação da hepcidina com a ferroportina, essa é destruída dentro do lisossomo, causando menor liberação de ferro.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224. , 1515. Babitt JL, Lin HY. Molecular Mechanisms of Hepcidin Regulation: Implications for the Anemia of CKD. Am J Kidney Dis. 2010;55(4):726-41. doi: 10.1053/j.ajkd.2009.12.030. , 1818. Andrews NC. Closing the Iron Gate. N Engl J Med. 2012;366(4):376-7. doi: 10.1056/NEJMcibr1112780.

Em estudo com ratos submetidos à dieta deficiente em ferro durante 12 semanas, comparados aos controles, os animais deficientes em ferro apresentaram coração de peso e tamanho maiores. O exame por microscopia revelou desorganização estrutural dos sarcômeros e mitocôndrias aberrantes no tecido miocárdico.1919. Dong F, Zhang X, Culver B, Chew HG Jr, Kelley RO, Ren J. Dietary Iron Deficiency Induces Ventricular Dilation, Mitochondrial Ultrastructural Aberrations and Cytochrome c Release: Involvement of Nitric Oxide Synthase and Protein Tyrosine Nitration. Clin Sci (Lond). 2005;109(3):277-86. doi: 10.1042/CS20040278.

A ferropenia no organismo pode causar efeitos deletérios desde em estruturas mais básicas, como mitocôndrias e células, até níveis mais complexos ( Figura 1 ).1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224. , 2020. Stugiewicz M, Tkaczyszyn M, Kasztura M, Banasiak W, Ponikowski P, Jankowska EA. The Influence of Iron Deficiency on the Functioning of Skeletal Muscles: Experimental Evidence and Clinical Implications. Eur J Heart Fail. 2016;18(7):762-73. doi: 10.1002/ejhf.467.

Figura 1
Efeitos prejudiciais da deficiência de ferro em diferentes níveis de complexidade do organismo (adaptado de Jankowska et al.13 e Stugiewicz et al.20). Fe-S: ferro-enxofre; O2: oxigênio.

Estudo com portadores de IC avançada submetidos a transplante cardíaco mostrou depleção de ferro intramiocárdico nesses pacientes em comparação a corações (saudáveis) selecionados para o transplante, sugerindo que a ferropenia intramiocárdica pode ter um papel na patogênese e progressão da IC.2121. Maeder MT, Khammy O, Remedios C, Kaye DM. Myocardial and Systemic iron Depletion in Heart Failure Implications for Anemia Accompanying Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 2011;58(5):474-80. doi: 10.1016/j.jacc.2011.01.059.

Não apenas a DF causa a IC, como também a IC parece ser capaz de induzir DF, logo a teoria de um ciclo vicioso pode ser formulada.1010. Rocha BML, Cunha GJL, Falcão LFM. The Burden of Iron Deficiency in Heart Failure: Therapeutic Approach. J Am Coll Cardiol. 2018;71(7):782-93. doi: 10.1016/j.jacc.2017.12.027. O surgimento da ferropenia pode ser resultante da baixa captação de ferro devido à desnutrição e sobrecarga de volume; sangramentos associados com uso de antiplaquetários e anticoagulantes, e desordem na utilização e armazenamento do ferro devido ao estado inflamatório da IC.2222. van der Wal HH, Beverborg NG, Dickstein K, Anker SD, Lang CC, Ng LL, et al. Iron Deficiency in Worsening Heart Failure is Associated with Reduced Estimated Protein Intake, Fluid Retention, Inflammation, and Antiplatelet Use. Eur Heart J. 2019;40(44):3616-25. doi: 10.1093/eurheartj/ehz680. , 2323. McDonagh T, Damy T, Doehner W, Lam CSP, Sindone A, van der Meer P, et al. Screening, Diagnosis and Treatment of Iron Deficiency in Chronic Heart Failure: Putting the 2016 European Society of Cardiology Heart Failure Guidelines into Clinical Practice. Eur J Heart Fail. 2018;20(12):1664-72. doi: 10.1002/ejhf.1305.

Pacientes com estados inflamatórios crônicos como IC, doença renal crônica, câncer e doença inflamatória intestinal apresentam maior risco de desenvolver ferropenia.99. von Haehling S, Ebner N, Evertz R, Ponikowski P, Anker SD. Iron Deficiency in Heart Failure: An Overview. JACC Heart Fail. 2019;7(1):36-46. doi: 10.1016/j.jchf.2018.07.015. Pacientes com IC apresentam aumento na produção de hepcidina no fígado, como já visto, que compromete a absorção de ferro do trato gastrintestinal e a mobilização de ferro proveniente dos estoques de ferro incluindo o sistema reticuloendotelial.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224. , 2323. McDonagh T, Damy T, Doehner W, Lam CSP, Sindone A, van der Meer P, et al. Screening, Diagnosis and Treatment of Iron Deficiency in Chronic Heart Failure: Putting the 2016 European Society of Cardiology Heart Failure Guidelines into Clinical Practice. Eur J Heart Fail. 2018;20(12):1664-72. doi: 10.1002/ejhf.1305. , 2424. Weber CS, Beck-da-Silva L, Goldraich LA, Biolo A, Clausell N. Anemia in Heart Failure: Association of Hepcidin Levels to Iron Deficiency in Stable Outpatients. Acta Haematol. 2013;129(1):55-61. doi: 10.1159/000342110.

Diagnóstico

A distinção da anemia com ferropenia de anemia da doença crônica é notoriamente difícil. Na ausência de inflamação, níveis séricos de ferritina < 30ng/mL indicam ferropenia.2525. Weiss G, Goodnough LT. Anemia of Chronic Disease. N Engl J Med. 2005;352(10):1011-23. doi: 10.1056/NEJMra041809. Em trabalho com pacientes com IC avançada e anemia, foi medido o conteúdo de ferro na biópsia de medula óssea; 73% tinham reservas de ferro reduzidas, sendo que a média de ferritina foi 75 ng/mL nos pacientes com DF e 211 ng/mL nos pacientes sem deficiência. Na IC a ferritina pode estar aumentada ou com nível normal devido ser uma proteína de fase aguda, mesmo em situações como a ferropenia. Logo, o uso de marcadores bioquímicos e pontos de corte convencionais derivados de coortes não-inflamatórias para identificar ferropenia na IC é questionável.2626. Nanas JN, Matsouka C, Karageorgopoulos D, Leonti A, Tsolakis E, Drakos SG, et al. Etiology of Anemia in Patients with Advanced Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 2006;48(12):2485-9. doi: 10.1016/j.jacc.2006.08.034.

Há dois tipos de ferropenia: absoluta, a qual reflete as reservas de ferro depletadas, com homeostase do ferro e eritropoiese preservadas; e funcional, onde o suprimento de ferro está inadequado para atender a demanda apesar das reservas de ferro normais ou abundantes, devido o ferro estar preso dentro das células do sistema reticuloendotelial e estar indisponível para o metabolismo celular.1313. Jankowska EA, von Haehling S, Anker SD, Macdougall IC, Ponikowski P. Iron Deficiency and Heart Failure: Diagnostic Dilemmas and Therapeutic Perspectives. Eur Heart J. 2013;34(11):816-29. doi: 10.1093/eurheartj/ehs224.

Em pacientes com ICFER, convencionou-se ferropenia absoluta como ferritina < 100mg/L, e ferropenia funcional como ferritina 100-299 mg/L e saturação de transferrina (TSAT) <20%.2727. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the Special Contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975. doi: 10.1002/ejhf.592.

28. Wish JB. Assessing Iron Status: Beyond Serum Ferritin and Transferrin Saturation. Clin J Am Soc Nephrol. 2006;1 (Suppl 1):4-8. doi: 10.2215/CJN.01490506.
- 2929. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Failure Society of America. J Am Coll Cardiol. 2017;70(6):776-803. doi: 10.1016/j.jacc.2017.04.025.

Ferropenia - Um alvo terapêutico

Foram realizados vários ensaios clínicos randomizados (ECRs) para tratamento da DF na ICFER estável ou crônica ( Tabela 1 ). O IRON-HF3030. Beck-da-Silva L, Piardi D, Soder S, Rohde LE, Pereira-Barretto AC, Albuquerque D, et al. IRON-HF Study: A Randomized Trial to Assess the Effects of Iron in Heart Failure Patients with Anemia. Int J Cardiol. 2013;168(4):3439-42. doi: 10.1016/j.ijcard.2013.04.181. foi o primeiro ECR a comparar uso de ferro oral, endovenoso e placebo. Não houve diferença estatística da variação do VO2 de pico entre os grupos. O ensaio foi finalizado antes do previsto devido recrutamento prolongado e problemas de financiamento. Em outro estudo, o IRONOUT-HF, o uso de ferro oral foi comparado com placebo e, novamente, não houve diferença na variação do VO2 de pico.3131. Lewis GD, Malhotra R, Hernandez AF, McNulty SE, Smith A, Felker GM, et al. Effect of Oral Iron Repletion on Exercise Capacity in Patients with Heart Failure with Reduced Ejection Fraction and Iron Deficiency: The IRONOUT HF Randomized Clinical Trial. JAMA. 2017;317(19):1958-66. doi: 10.1001/jama.2017.5427. Esses estudos corroboram o fato de que o ferro por via oral não traz benefício clínico em pacientes com ICFER e DF.

Tabela 1
– Ensaios clínicos randomizados com tratamento de deficiência de ferro em pacientes com insuficiência cardíaca

Enquanto os primeiros estudos de intervenção com ferro endovenoso utilizaram o sacarato de hidróxido férrico,3232. Okonko DO, Grzeslo A, Witkowski T, Mandal AK, Slater RM, Roughton M, et al. Effect of Intravenous Iron Sucrose on Exercise Tolerance in Anemic and Nonanemic Patients with Symptomatic Chronic Heart Failure and Iron Deficiency FERRIC-HF: A Randomized, Controlled, Observer-Blinded Trial. J Am Coll Cardiol. 2008;51(2):103-12. doi: 10.1016/j.jacc.2007.09.036. , 3333. Toblli JE, Lombraña A, Duarte P, Di Gennaro F. Intravenous Iron Reduces NT-pro-brain Natriuretic Peptide in Anemic Patients with Chronic Heart Failure and Renal Insufficiency. J Am Coll Cardiol. 2007;50(17):1657-65. doi: 10.1016/j.jacc.2007.07.029. os estudos mais recentes utilizaram a carboximaltose férrica, outra forma de ferro parenteral. Em 2009, foi publicado o FAIR-HF, considerado o maior ECR (n=459) comparando reposição de carboximaltose férrica endovenosa com placebo. Os desfechos primários de interesse foram a classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) para IC e o Patient Global Assessment (PGA) com 24 semanas. O PGA é uma ferramenta onde o paciente dá notas sobre gravidade e evolução da sua doença. No braço carboximaltose férrica, 47% apresentavam classe funcional NYHA I ou II após 24 semanas, comparado com 30% dos que receberam placebo (OR para melhora=2,40; IC95%, 1,55-3,71; p<0,001). O PGA na semana 24 foi melhor no grupo intervenção, 50% relataram estar moderadamente ou muito melhor, comparado com 28% no grupo placebo (OR para melhora=2,51; IC95%, 1,75-3,61; p<0,001). Resultados foram semelhantes em pacientes com anemia e sem anemia.3434. Anker SD, Colet JC, Filippatos G, Willenheimer R, Dickstein K, Drexler H, et al. Ferric Carboxymaltose in Patients with Heart Failure and Iron Deficiency. N Engl J Med. 2009;361(25):2436-48. doi: 10.1056/NEJMoa0908355.

O estudo CONFIRM-HF foi realizado em nove países da Europa com 301 pacientes, com seguimento mais longo (52 semanas) que o FAIR-HF. De forma semelhante, comparou-se a carboximaltose férrica EV com placebo. O desfecho primário foi a mudança do teste de caminhada de 6 minutos da semana 24 em relação ao basal. Observou-se um aumento de 33 ± 11 metros em favor do grupo que recebeu a carboximaltose, o qual foi mantido até o final do seguimento de 52 semanas. O efeito foi observado tanto nos anêmicos como não-anêmicos, reforçando a ideia de que a ferropenia é um alvo terapêutico independente válido.3535. Ponikowski P, van Veldhuisen DJ, Comin-Colet J, Ertl G, Komajda M, Mareev V, et al. Beneficial Effects of Long-term Intravenous Iron Therapy with Ferric Carboxymaltose in Patients with Symptomatic Heart Failure and Iron Deficiency†. Eur Heart J. 2015;36(11):657-68. doi: 10.1093/eurheartj/ehu385. Essa diferença excedendo 30 metros nos últimos seis meses do estudo foi robusta e clinicamente significativa, visto que em estudos de intervenção prévios, benefícios de tal magnitude foram apenas vistos com ressincronização cardíaca, relatados em revisão sistemática.3636. Olsson LG, Swedberg K, Clark AL, Witte KK, Cleland JG. Six Minute Corridor Walk Test as an Outcome Measure for the Assessment of Treatment in Randomized, Blinded Intervention Trials of Chronic Heart Failure: A Systematic Review. Eur Heart J. 2005;26(8):778-93. doi: 10.1093/eurheartj/ehi162. Também foi encontrado menor risco de hospitalização por IC descompensada (HR 0,39; IC95%, 0,19–0,82; p=0,009). Não houve diferença no desfecho de morte cardiovascular (HR 0,96; IC95%, 0,42-2,16; p=0,91).

Em metanálise com cinco ECRs, e total de 851 pacientes, comparando o uso de ferro EV com placebo, não houve diferença na mortalidade cardiovascular (OR 0,80; IC95%, 0,39-1,63; p=0,54) e mortalidade por todas as causas (OR 0,83; IC95% 0,43-1,59; p=0,57). A hospitalização por IC, esta foi menos frequente nos pacientes tratados com ferro endovenoso (OR 0,28; IC95% 0,16-0,50; p<0,0001). Importante ressaltar que 89% dos pacientes incluídos na metanálise receberam ferro parenteral na forma de carboximaltose férrica.3737. Jankowska EA, Tkaczyszyn M, Suchocki T, Drozd M, von Haehling S, Doehner W, et al. Effects of Intravenous Iron Therapy in Iron-Deficient Patients with Systolic Heart Failure: A Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Eur J Heart Fail. 2016;18(7):786-95. doi: 10.1002/ejhf.473.

Em outra metanálise3838. Anker SD, Kirwan BA, van Veldhuisen DJ, Filippatos G, Comin-Colet J, Ruschitzka F, et al. Effects of Ferric Carboxymaltose on Hospitalisations and Mortality Rates in Iron-Deficient Heart Failure Patients: An Individual Patient Data Meta-Analysis. Eur J Heart Fail. 2018;20(1):125-33. doi: 10.1002/ejhf.823. com quatro ECRs e 839 pacientes, comparou-se carboximaltose endovenosa exclusivamente com placebo. Houve redução no desfecho primário de hospitalização de causa cardiovascular e mortalidade cardiovascular (RR 0,59; IC95%, 0,40–0,88; p=0,009) no grupo intervenção. Quando analisada a mortalidade cardiovascular como desfecho isolado, não houve diferença entre os grupos (RR 0,84; IC95%, 0,43-1,66; p=0,620).3838. Anker SD, Kirwan BA, van Veldhuisen DJ, Filippatos G, Comin-Colet J, Ruschitzka F, et al. Effects of Ferric Carboxymaltose on Hospitalisations and Mortality Rates in Iron-Deficient Heart Failure Patients: An Individual Patient Data Meta-Analysis. Eur J Heart Fail. 2018;20(1):125-33. doi: 10.1002/ejhf.823. A partir dos resultados do CONFIRM-HF e das metanálises, a carboximaltose férrica passou a ser considerada capaz de reduzir as hospitalizações por IC ou causa cardiovascular nos pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida, estáveis e sintomáticos.

A ferropenia passou a ser considerada um alvo terapêutico na ICFER estável, independente da presença de anemia. A diretriz europeia2727. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the Special Contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975. doi: 10.1002/ejhf.592. de IC passou a considerar recomendação IIa a reposição com carboximaltose férrica endovenosa em pacientes NYHA II-III para melhora de sintomas, capacidade de exercício físico e qualidade de vida.2727. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the Special Contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975. doi: 10.1002/ejhf.592. No ano seguinte, a diretriz americana ( American College of Cardiology /AHA) de IC utilizou recomendação IIb para o uso de ferro endovenoso na ICFER.2929. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA Focused Update of the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Failure Society of America. J Am Coll Cardiol. 2017;70(6):776-803. doi: 10.1016/j.jacc.2017.04.025. Em 2018 foi publicada a diretriz brasileira de IC, sendo abordada a DF na ICFER, independente da presença de anemia. Foi definida como uma recomendação IIa a administração de ferro endovenoso com intuito de aumento da capacidade de exercício, melhora na qualidade de vida e diminuição de hospitalizações.88. Rohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC, Rassi S, et al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436-539. doi: 10.5935/abc.20180190.

Assim, a identificação dos candidatos à reposição de ferro ( Figura 2 ) é importante e, para isso, é necessário o rastreio de todos os pacientes com IC estáveis e fração de ejeção ≤45%, por meio da medida de ferritina e TSAT.1010. Rocha BML, Cunha GJL, Falcão LFM. The Burden of Iron Deficiency in Heart Failure: Therapeutic Approach. J Am Coll Cardiol. 2018;71(7):782-93. doi: 10.1016/j.jacc.2017.12.027. , 2727. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the Special Contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891-975. doi: 10.1002/ejhf.592. A segurança do uso de ferro parenteral é desconhecida em pacientes com IC e hemoglobina >15 g/dL.

Figura 2
Algoritmo diagnóstico e terapêutico de pacientes com insuficiência cardíaca e deficiência de ferro (adaptado de Rocha et al.)10. DF: deficiência de ferro; EV: endovenoso; FE: fração de ejeção; Hb: hemoglobina; IC: insuficiência cardíaca; NYHA: New York Heart Association; TSAT: saturação de transferrina; DF: deficiência de ferro; EV: endovenosa; HB: hemoglobina; FE: fração de ejeção.

O diagnóstico de DF na IC aguda ainda é um desafio. Em estudo observacional com 47 pacientes com IC aguda, o perfil laboratorial do ferro foi obtido no dia da admissão hospitalar e 30º dia. A prevalência de DF foi 83% na admissão, sendo que em 30 dias houve uma queda para 68%. A mediana da ferritina e TSAT foi 93µg/L (IQR: 76–107 μg/L) e 13% (IQR: 6–20%) respectivamente no dia da admissão; com aumento para 159 µg/L (IQR: 134–190 μg/L; p <0,0001) e 17% (IQR: 12–23%; p =0,0176) respectivamente no dia 30, sem qualquer terapia com ferro. Esse estudo demonstra que os marcadores sanguíneos do metabolismo do ferro não são estacionários na IC aguda, mesmo em curto período de observação, tornando questionável o diagnóstico de ferropenia no cenário de descompensação aguda.3939. van Aelst LNL, Abraham M, Sadoune M, Lefebvre T, Manivet P, Logeart D, et al. Iron Status and Inflammatory Biomarkers in Patients with Acutely Decompensated Heart Failure: Early in-Hospital Phase and 30-day Follow-up. Eur J Heart Fail. 2017;19(8):1075-6. doi: 10.1002/ejhf.837.

Existem outros exames laboratoriais a serem usados na investigação de DF, como o receptor solúvel de transferrina (sTfR) e a hepcidina. No cenário de IC aguda especialmente, o sTfR com valor ≥ 1,59 ng/mL e a hepcidina <14,5 ng/mL parecem ser mais adequados para revelar a DF.4040. Jankowska EA, Kasztura M, Sokolski M, Bronisz M, Nawrocka S, Oleśkowska-Florek W, et al. Iron Deficiency Defined as Depleted Iron Stores Accompanied by Unmet Cellular Iron Requirements Identifies Patients at the Highest Risk of Death After an Episode of Acute Heart Failure. Eur Heart J. 2014;35(36):2468-76. doi: 10.1093/eurheartj/ehu235. Além disso, foi encontrado que o sTfR tem valor prognóstico na IC, pois seu nível aumentado esteve associado com pior classe funcional de NYHA (p <0,05).4141. Enjuanes C, Bruguera J, Grau M, Cladellas M, Gonzalez G, Meroño O, et al. Iron Status in Chronic Heart Failure: Impact on Symptoms, Functional Class and Submaximal Exercise Capacity. Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2016;69(3):247-55. doi: 10.1016/j.rec.2015.08.018.

Ferro no miocárdico

O diagnóstico de DF na IC é relativamente simples de realizar, pois depende apenas de exames laboratoriais (ferritina e TSAT). Em estudo pré-transplante de pacientes com IC avançada, realizaram-se biópsias de miocárdio dos ventrículos para mensurar o ferro miocárdico, investigar sua correlação com marcadores sanguíneos, e compará-los a de doadores (coração saudável). Não foi encontrada correlação entre o ferro intramiocárdico e TSAT, ferritina, ou ferro sérico.4242. Leszek P, Sochanowicz B, Szperl M, Kolsut P, Brzóska K, Piotrowski W, et al. Myocardial Iron Homeostasis in Advanced Chronic Heart Failure Patients. Int J Cardiol. 2012;159(1):47-52. doi: 10.1016/j.ijcard.2011.08.006. Isso reforça que o metabolismo sistêmico do ferro e do ferro miocárdico são em parte independentes.4343. Melenovsky V, Petrak J, Mracek T, Benes J, Borlaug BA, Nuskova H, et al. Myocardial Iron Content and Mitochondrial Function in Human Heart Failure: A Direct Tissue Analysis. Eur J Heart Fail. 2017;19(4):522-30. doi: 10.1002/ejhf.640.

Ressonância Magnética Cardíaca

A Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) é uma ferramenta útil para avaliação de pacientes com IC, fornecendo informações a respeito da etiologia e prognóstico.4444. Patel AR, Kramer CM. Role of Cardiac Magnetic Resonance in the Diagnosis and Prognosis of Nonischemic Cardiomyopathy. JACC Cardiovasc Imaging. 2017;10(10 Pt A):1180-93. doi: 10.1016/j.jcmg.2017.08.005. Anderson et al.4545. Anderson LJ, Holden S, Davis B, Prescott E, Charrier CC, Bunce NH, et al. Cardiovascular T2-star (T2*) Magnetic Resonance for the Early Diagnosis of Myocardial Iron Overload. Eur Heart J. 2001;22(23):2171-9. doi: 10.1053/euhj.2001.2822. desenvolveram a técnica da sequência T2* (T2-estrela) dentro da RMC, e demonstraram que valores de T2* < 20 ms estão associados à sobrecarga de ferro miocárdico e disfunção ventricular.4545. Anderson LJ, Holden S, Davis B, Prescott E, Charrier CC, Bunce NH, et al. Cardiovascular T2-star (T2*) Magnetic Resonance for the Early Diagnosis of Myocardial Iron Overload. Eur Heart J. 2001;22(23):2171-9. doi: 10.1053/euhj.2001.2822.

Pelo fato da sequência T2* ter sua utilidade estabelecida na sobrecarga de ferro miocárdico, passou-se a questionar se seria capaz de detectar a ferropenia no miocárdio. Em estudo caso-controle de pacientes portadores de IC submetidos à RMC, foi sugerido que um valor de T2* maior estaria relacionado com menor conteúdo de ferro intramiocárdico.4646. Nagao M, Matsuo Y, Kamitani T, Yonezawa M, Yamasaki Y, Kawanami S, et al. Quantification of Myocardial Iron Deficiency in Nonischemic Heart Failure by Cardiac T2* Magnetic Resonance Imaging. Am J Cardiol. 2014;113(6):1024-30. doi: 10.1016/j.amjcard.2013.11.061. Em um ECR duplo-cego com pacientes portadores de IC sintomáticos (NYHA II e III), fração de ejeção < 50% e ferropenia, os pacientes receberam carboximaltose férrica ou placebo. O desfecho primário foi mudança das sequências T2* e T1 na RMC com sete dias e 30 dias após tratamento. O T2*(ms) foi menor no grupo que recebeu carboximaltose férrica com sete dias [36,6 (34,6–38,7) versus 40 (38–42,1); p=0,025] e 30 dias [36,3 (34,1–38,5) versus 41,1 (38,9–43,4), p=0,003]. Essas mudanças no T2* foram sugestivas de repleção miocárdica após a terapia com carboximaltose.4747. Núñez J, Miñana G, Cardells I, Palau P, Llàcer P, Fácila L, et al. Noninvasive Imaging Estimation of Myocardial Iron Repletion Following Administration of Intravenous Iron: The Myocardial-IRON Trial. J Am Heart Assoc. 2020;9(4):e014254. doi: 10.1161/JAHA.119.014254.

Até o momento não está estabelecido um ponto de corte de T2* para definição de ferropenia miocárdica, logo a utilidade dessa ferramenta não invasiva na avaliação de pacientes com ferropenia ainda merece mais investigação.

Tratamento

Na Tabela 2 , encontram-se recomendações de dose da carboximaltose férrica. Depois da correção da ferropenia, considera-se reavaliar os marcadores do ferro (ferritina e TSAT) 1-2x ao ano.2323. McDonagh T, Damy T, Doehner W, Lam CSP, Sindone A, van der Meer P, et al. Screening, Diagnosis and Treatment of Iron Deficiency in Chronic Heart Failure: Putting the 2016 European Society of Cardiology Heart Failure Guidelines into Clinical Practice. Eur J Heart Fail. 2018;20(12):1664-72. doi: 10.1002/ejhf.1305.

Tabela 2
– Dose de carboximaltose férrica endovenosa em pacientes com insuficiência cardíaca e deficiência de ferro10

A carboximaltose férrica demonstrou ser custo-efetiva a partir de mudança de classe funcional dos pacientes e redução na taxa de hospitalização.4848. Gutzwiller FS, Schwenkglenks M, Blank PR, Braunhofer PG, Mori C, Szucs TD, et al. Health Economic Assessment of Ferric Carboxymaltose in Patients with Iron Deficiency and Chronic Heart Failure Based on the FAIR-HF Trial: An Analysis for the UK. Eur J Heart Fail. 2012;14(7):782-90. doi: 10.1093/eurjhf/hfs083. Comparativamente a outras formulações EV, a carboximaltose férrica é infundida menos vezes, logo o custo total do tratamento pode ser menor,4949. Brock E, Braunhofer P, Troxler J, Schneider H. Budget Impact of Parenteral Iron Treatment of Iron Deficiency: Methodological Issues Raised by Using Real-Life Data. Eur J Health Econ. 2014;15(9):907-16. doi: 10.1007/s10198-013-0533-9. além de um bom perfil de segurança. Os efeitos indesejáveis dificilmente levam à suspensão da droga. Os efeitos adversos mais comuns (1-10% dos casos) são flushing, tontura, hipertensão arterial, cefaleia, hipofosfatemia e reações locais no sítio de infusão (dor, e descoloração ou irritação da pele).5050. Ferinject (ferric carboxymaltose) - Summary of Product Characteristics (SmPC) [Internet]. London: Electronic Medicines Compendium; 2021 [cited 2020 Apr 05]. Available from: https://www.medicines.org.uk/emc/product/5910/smpc.
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Pacientes devem ser observados por pelo menos 30 minutos depois da injeção endovenosa para avaliar a ocorrência de efeitos adversos. As contraindicações para o uso da carboximaltose férrica são: hipersensibilidade à carboximaltose ou seus excipientes; hipersensibilidade séria a outro produto parenteral contendo ferro; anemia não atribuída à ferropenia e evidência de sobrecarga de ferro ou distúrbios na utilização do ferro.2323. McDonagh T, Damy T, Doehner W, Lam CSP, Sindone A, van der Meer P, et al. Screening, Diagnosis and Treatment of Iron Deficiency in Chronic Heart Failure: Putting the 2016 European Society of Cardiology Heart Failure Guidelines into Clinical Practice. Eur J Heart Fail. 2018;20(12):1664-72. doi: 10.1002/ejhf.1305.

Tratamento da ferropenia na IC aguda

Diferentemente dos outros ensaios já citados em que os participantes eram pacientes estáveis (ambulatoriais), o ECR multicêntrico AFFIRM-AHF, recentemente publicado, incluiu pacientes com FEVE < 50% e DF hospitalizados por IC aguda. Após estabilizados e antes da alta hospitalar os participantes receberam carboximaltose férrica ou placebo por 24 semanas. O desfecho primário foi um composto de hospitalizações totais por IC e morte cardiovascular com 52 semanas, o qual não houve diferença entre os grupos (RR 0,79; IC95%, 0,62-1,01; p=0,059). O desfecho isolado de morte cardiovascular não foi diferente (HR 0,96; IC95% 0,70-1,32; p=0,81), enquanto hospitalizações totais por IC foi menor no braço carboximaltose (RR 0,74; IC95% 0,58-0,94; p=0,013).5151. Ponikowski P, Kirwan BA, Anker SD, Dorobantu M, Drozdz J, Fabien V, et al. Rationale and Design of the AFFIRM-AHF Trial: A Randomised, Double-blind, Placebo-controlled Trial Comparing the Effect of Intravenous Ferric Carboxymaltose on Hospitalisations and Mortality in Iron-deficient Patients Admitted for Acute Heart Failure. Eur J Heart Fail. 2019;21(12):1651-8. doi: 10.1002/ejhf.1710. , 5252. Ponikowski P, Kirwan BA, Anker SD, McDonagh T, Dorobantu M, Drozdz J, et al. Ferric Carboxymaltose for Iron Deficiency at Discharge After Acute Heart Failure: A Multicentre, Double-blind, Randomised, Controlled Trial. Lancet. 2020;396(10266):1895-904. doi: 10.1016/S0140-6736(20)32339-4. Esta é uma evidência científica atual e relevante, visto que corrobora a indicação de reposição com carboximaltose férrica para pacientes hospitalizados com ICFER e DF com objetivo de diminuir o risco de nova hospitalização por IC.

Áreas de incerteza

Os critérios para ferropenia utilizados em vários ECRs foram arbitrariamente definidos, sem serem sido validados com a dosagem de ferro no aspirado de medula óssea, considerado o método padrão ouro. Em trabalho5353. Beverborg NG, Klip IT, Meijers WC, Voors AA, Vegter EL, van der Wal HH, et al. Definition of Iron Deficiency Based on the Gold Standard of Bone Marrow Iron Staining in Heart Failure Patients. Circ Heart Fail. 2018;11(2):e004519. doi: 10.1161/CIRCHEARTFAILURE.117.004519. realizado com portadores de IC com FEVE ≤ 45% submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica (n=42), foi realizada a dosagem dos marcadores do ferro (ferro sérico, ferritina e TSAT) e aspirado de medula óssea do esterno. A DF foi confirmada na medula óssea em 40% dos pacientes. A partir do diagnóstico de ferropenia da medula óssea, a TSAT ≤ 19,8% apresentou sensibilidade de 94,1% e especificidade de 84% para diagnóstico de ferropenia, enquanto ferro sérico ≤ 13 μmol/L teve sensibilidade 94% e especificidade de 88%. Em contrapartida, a ferritina com valor ≤ 145 ng/mL teve sensibilidade 70,6% e especificidade 60%.5353. Beverborg NG, Klip IT, Meijers WC, Voors AA, Vegter EL, van der Wal HH, et al. Definition of Iron Deficiency Based on the Gold Standard of Bone Marrow Iron Staining in Heart Failure Patients. Circ Heart Fail. 2018;11(2):e004519. doi: 10.1161/CIRCHEARTFAILURE.117.004519. Trata-se de um estudo pequeno, mas levanta a questão se a TSAT e o ferro sérico teriam maior valor para o diagnóstico de ferropenia em vez da ferritina.

A maioria dos pacientes incluídos em ECRs (FAIR, CONFIRM e EFFECT) apresentavam DF absoluta (80-90%), enquanto a DF funcional foi pouco representada.1010. Rocha BML, Cunha GJL, Falcão LFM. The Burden of Iron Deficiency in Heart Failure: Therapeutic Approach. J Am Coll Cardiol. 2018;71(7):782-93. doi: 10.1016/j.jacc.2017.12.027. Em estudo transversal realizado com pacientes com ICFER, os pacientes foram classificados dentro de categorias: transporte de ferro reduzido (TSAT < 20%); DF absoluta (ferritina < 100 μg/L); e status do ferro normal. Os pacientes com transporte de ferro reduzido isoladamente apresentaram níveis maiores de fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP) e pior qualidade de vida [OR 1,7 (1,2–2,5); p=0,005] quando comparados àqueles com status de ferro normal [OR 2,1 (1,5–2,9) p<0,001], e não houve diferença do NT-proBNP e qualidade de vida quando comparados os grupos com DF absoluta e status do ferro normal.5454. Moliner P, Jankowska EA, van Veldhuisen DJ, Farre N, Rozentryt P, Enjuanes C, et al. Clinical Correlates and Prognostic Impact of Impaired Iron Storage Versus Impaired Iron Transport in an International Cohort of 1821 Patients with Chronic Heart Failure. Int J Cardiol. 2017;243:360-6. doi: 10.1016/j.ijcard.2017.04.110. Os achados desse estudo tornam relevante a discussão sobre a importância dos pacientes com TSAT <20% ou DF funcional terem maior representatividade nos ECRs.

Até a presente data, os ECRs já realizados não foram desenhados com poder suficiente para avaliar o benefício do ferro endovenoso em reduzir mortalidade em pacientes com ICFER estáveis. Está em andamento o ECR duplo-cego placebo controlado, FAIR-HF 2,5555. Clinical Trials Register [Internet]. Brussels: European Union; 2021 [cited 2020 Ap 05]. Available from: https://www.clinicaltrialsregister.eu/ctr-search/trial/2016-000068-40/PT.
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o qual pretende recrutar pacientes com ICFER e ferropenia de modo a avaliar se a carboximaltose férrica é capaz de reduzir o desfecho primário combinado de hospitalização por IC e morte cardiovascular.

A maior parte da evidência científica de ferropenia e IC origina-se de estudos de pacientes com fração de ejeção reduzida. Existe uma lacuna de conhecimento a respeito de estudos de intervenção na ferropenia e IC com fração de ejeção preservada (ICFEP). Em revisão sistemática e metanálise com 1877 pacientes com ICFEP, a prevalência de ferropenia foi de 59%. Os portadores de ferropenia apresentaram pior classe funcional, capacidade de exercício e qualidade de vida quando comparados aos sem ferropenia. Não houve diferença quanto ao risco de morte ou de hospitalização.5656. Beale AL, Warren JL, Roberts N, Meyer P, Townsend NP, Kaye D. Iron Deficiency in Heart Failure with Preserved Ejection Fraction: A Systematic Review and Meta-Analysis. Open Heart. 2019;6(1):e001012. doi: 10.1136/openhrt-2019-001012. Outro ECR, o FAIR-HFpEF,5757. Effect of IV Iron in Patients with Heart Failure with Preserved Ejection Fraction - Full Text View. Bethesda: ClinicalTrials; 2021 [cited 2020 Sep 16]. Available from: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03074591.
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está sendo conduzido para avaliar a eficácia e a segurança da reposição de carboximaltose férrica nos pacientes com ICFEP e ferropenia.

Conclusões

A ferropenia é uma comorbidade muito comum nos portadores de ICFER e passou a ser considerada um alvo terapêutico. A carboximaltose férrica endovenosa melhora os sintomas, capacidade de exercício físico e qualidade de vida nos pacientes com ICFER estáveis, sintomáticos e com FEVE ≤45%, tanto nos anêmicos como não anêmicos. Também há evidência de redução do risco de hospitalização por IC. Em contrapartida, a formulação de ferro oral não traz benefício clínico em pacientes com ICFER e DF. Até o momento não há evidência científica que sustente a indicação de carboximaltose férrica nos pacientes com ICFEP.

Referências

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  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Guilherme Augusto Reissig Pereira pelo Programa de Pós-Graduação em Cardiologia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2020
  • Revisado
    19 Fev 2021
  • Aceito
    12 Maio 2021
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