Acessibilidade / Reportar erro

Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST Tratado com Intervenção Coronária Percutânea Primária: A Importância de Dados Locais

Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST; Intervenção Coronária Percutânea; Reperfusão Miocárdica; Terapia Fibrinolítica; Epidemiologia; Mortalidade

Castro et al.,11. Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457. devem ser elogiados por fornecerem à comunidade científica uma publicação útil que analisa os preditores de mortalidade por todas as causas em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST (IAMCSST) submetidos à intervenção coronária percutânea primária (ICPP).

A ICPP é o método preferido de reperfusão para pacientes com IAMCSST que se apresentam dentro de 12 horas de evolução do início dos sintomas.22. Avezum Jr A, Feldman A, Carvalho ACC, Sousa ACS, Mansur AP, Bozz AAZ, et al. Piegas LS, Timerman A, Feitosa GS et al. [V Guideline of the Brazilian Society of Cardiology on Acute Myocardial Infarction Treatment with ST Segment Elevation]. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2Suppl 1):1-105. DOI: 10.5935/abc.20150107
https://doi.org/10.5935/abc.20150107...
Do que seja do meu conhecimento, a metanálise mais recente que comparou terapia fibrinolítica com ICPP encontrou odds ratios de 0,73 (p = 0,002), 0,38 (p < 0,001), 0,38 (p < 0,001) e 1,03 (p = 0,86), respectivamente para morte por todas as causas, reinfarto, acidente vascular cerebral e sangramento maior. Porém, a ausência de ampla disponibilidade de laboratórios de cateterismo e problemas logísticos, principalmente relacionados ao transporte, limitam o acesso dos pacientes com IAMCSST a essa forma de tratamento.33. Fazel R, Joseph TI, Sankardas MA, et al. Comparison of Reperfusion Strategies for ST-Segment-Elevation Myocardial Infarction: A Multivariate Network Meta-analysis. J Am Heart Assoc. 2020;9(12):e015186. DOI: 10.5935/abc.20150107
https://doi.org/10.5935/abc.20150107...
Isso é destacado na presente publicação, onde apenas 0,26% da população analisada era da vasta região Norte do Brasil, enquanto a maioria (58%) era da região Sudeste. Talvez mais importante seja o fato de que a utilização de terapias de reperfusão (fibrinolíticos ou ICPP) em geral está longe do ideal no Brasil, e importantes diferenças regionais têm sido observadas.44. Nicolau JC, Franken M, Lotufo PA, Carvalho AC, Marin Neto JÁ, Lima FG, et al. Use of demonstrably effective therapies in the treatment of acute coronary syndromes: comparison between different Brazilian regions. Analysis of the Brazilian Registry on Acute Coronary Syndromes (BRACE). Arq Bras Cardiol. 2012;98(4):282-9. DOI: 10.1590/s0066-782x2012000400001 , 55. Oliveira JC, Ferreira GJDS, Oliveira JC, Lima TM, Barreto IC, Oliveira LC, et al. Influence of Geographical Location on Access to Reperfusion Therapies and Mortality of Patients with IAMCSST in Sergipe: VICTIM Register. Arq Bras Cardiol. 2021;117(1):120-9. DOI: 10.36660/abc.20200015 É importante ressaltar que a metanálise anteriormente citada de Fazel et al.,33. Fazel R, Joseph TI, Sankardas MA, et al. Comparison of Reperfusion Strategies for ST-Segment-Elevation Myocardial Infarction: A Multivariate Network Meta-analysis. J Am Heart Assoc. 2020;9(12):e015186. DOI: 10.5935/abc.20150107
https://doi.org/10.5935/abc.20150107...
encontrou odds ratios de 0,79, 0,53, 0,70 e 1,19 para morte por todas as causas, reinfarto, acidente vascular cerebral e sangramento grave, respectivamente, ao comparar o tratamento farmacoinvasivo e a abordagem com tratamento fibrinolítico, que pode ser uma opção para problemas relacionados ao acesso à ICPP.

A comparação entre o artigo de Castro et al.11. Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457. e a literatura resumida na Tabela 3 deve ser interpretada com cautela. Primeiro, o artigo brasileiro analisou apenas a fase intra-hospitalar, enquanto os demais analisaram períodos de seguimento que variaram de 30 dias a 1 ano. Segundo, nem todos os estudos estavam relacionados a pacientes submetidos à ICPP. Por exemplo, o “DynTIMI”66. Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI risk score for IAMCSST. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. DOI: 10.1161/JAHA.112.003269 foi derivado do estudo ExTRACT, que testou o papel da enoxaparina versus heparina não fracionada em pacientes com IAMCSST, e o GRACE77. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, et al. Predictors of hospital mortality in the global registry of acute coronary events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. DOI: 10.1001/archinte.163.19.2345 foi um registro internacional com uma ampla população de pacientes com síndromes coronárias agudas (com ou sem supradesnível do segmento ST). Vale ressaltar que todos os estudos incluídos na Tabela 3 desenvolveram escores de risco para facilitar a compreensão e facilitar a utilização dos resultados na prática diária, o que não foi o caso da publicação de Castro et al.11. Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457. Os autores perderam uma excelente oportunidade para desenvolver um escore de risco baseado em uma população brasileira, assim como fizeram algumas publicações anteriores do Brasil.88. Franken M, Giugliano RP, Goodman SG et al. Performance of acute coronary syndrome approaches in Brazil. A report from the BRACE (Brazilian Registry in Acute Coronary syndromEs). Eur Heart J Qual Care Clin Outcomes. 2020;6(4):284-92. DOI: 10.1093/ehjqcco/qcz045

De maneira um tanto simplificada, Castro et al.,11. Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457. afirmaram que o único fator de risco da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) que não estava de acordo com as demais publicações era o sexo feminino. O papel do sexo feminino como fator de risco prognóstico no IAMCSST é motivo de discussão há décadas, com alguns estudos, como o presente, concluindo que o sexo feminino é um fator de risco independente para pior prognóstico, e outros concluindo o contrário.99. Nicolau JC, Auxiliadora FM, Nogueira PR, Coimbra Garzon SA, Serrano CV, Jr., Ramires JA. The role of gender in the long-term prognosis of patients with myocardial infarction submitted to fibrinolytic treatment. AnnEpidemiol. 2004;14(1):17-23. DOI: 10.1016/s1047-2797(03)00076-0 Talvez a melhor explicação seja aquela fornecida na publicação clássica de Vacarinno et al.,1010. Vaccarino V, Parsons L, Every NR, Barron HV, Krumholz HM. Sex-based differences in early mortality after myocardial infarction. National Registry of Myocardial Infarction 2 Participants. N Engl J Med. 1999;341(4):217-25. DOI: 10.1056/NEJM199907223410401 há muitos anos, a saber, que existe uma interação entre sexo, idade e mortalidade por infarto do miocárdio, onde mulheres mais jovens, mas não mulheres mais velhas, apresentam maiores taxas de óbito hospitalar do que homens da mesma idade;1010. Vaccarino V, Parsons L, Every NR, Barron HV, Krumholz HM. Sex-based differences in early mortality after myocardial infarction. National Registry of Myocardial Infarction 2 Participants. N Engl J Med. 1999;341(4):217-25. DOI: 10.1056/NEJM199907223410401 no entanto, publicação recente sugeriu que outras interações também podem ser importantes.1111. van Loo HM, van den Heuvel ER, Schoevers RA, Anselmino M, Carney R, Denollet J, et al. Sex dependent risk factors for mortality after myocardial infarction: individual patient data meta-analysis. BMC Med. 2014;12:242. DOI: 10.1186/s12916-014-0242-y Em uma análise mais detalhada, podemos notar que existem muitas outras diferenças entre o estudo brasileiro e os demais. Por exemplo, o escore de risco CADILLAC incluiu 7 variáveis, incluindo anemia e insuficiência renal,1212. Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of mortality after primary percutaneous coronary intervention for acute myocardial infarction: the CADILLAC risk score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. DOI: 10.1016/j.jacc.2005.01.041 e o escore ALPHA teve apenas 5 variáveis, incluindo frequência cardíaca, necessidade de suporte de vida e acesso arterial, atingindo uma estatística c impressionante de 0,88 para mortalidade por todas as causas em 30 dias.1313. Hizoh I, Gulyas Z, Domokos D, Banhegyi G, Majoros Z, Major L, et al. A novel risk model including vascular access site for predicting 30-day mortality after primary PCI: The ALPHA score. Cardiovasc Revasc Med. 2017;18(1):33-9. DOI: 10.1016/j.carrev.2016.10.002

Em resumo, o estudo de Castro et al.,11. Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457. contribui para uma melhor compreensão da epidemiologia do IAMCSST no Brasil, com um número robusto de aproximadamente 27.000 pacientes analisados. Sua principal limitação é provavelmente um potencial viés de inclusão, uma vez que a contribuição dos pesquisadores foi espontânea e, talvez mais importante, foi perdida a oportunidade de se desenvolver e validar um escore brasileiro para pacientes com IAMCSST submetidos à ICPP.

Referências

  • 1
    Castro PPN, Castro MAN, Nascimento GA, Moura I, Pena JLB. Predictors of Hospital Mortality Based on Primary Angioplasty Treatment: A Multicenter Case-Control Study. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(3):448-457.
  • 2
    Avezum Jr A, Feldman A, Carvalho ACC, Sousa ACS, Mansur AP, Bozz AAZ, et al. Piegas LS, Timerman A, Feitosa GS et al. [V Guideline of the Brazilian Society of Cardiology on Acute Myocardial Infarction Treatment with ST Segment Elevation]. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2Suppl 1):1-105. DOI: 10.5935/abc.20150107
    » https://doi.org/10.5935/abc.20150107
  • 3
    Fazel R, Joseph TI, Sankardas MA, et al. Comparison of Reperfusion Strategies for ST-Segment-Elevation Myocardial Infarction: A Multivariate Network Meta-analysis. J Am Heart Assoc. 2020;9(12):e015186. DOI: 10.5935/abc.20150107
    » https://doi.org/10.5935/abc.20150107
  • 4
    Nicolau JC, Franken M, Lotufo PA, Carvalho AC, Marin Neto JÁ, Lima FG, et al. Use of demonstrably effective therapies in the treatment of acute coronary syndromes: comparison between different Brazilian regions. Analysis of the Brazilian Registry on Acute Coronary Syndromes (BRACE). Arq Bras Cardiol. 2012;98(4):282-9. DOI: 10.1590/s0066-782x2012000400001
  • 5
    Oliveira JC, Ferreira GJDS, Oliveira JC, Lima TM, Barreto IC, Oliveira LC, et al. Influence of Geographical Location on Access to Reperfusion Therapies and Mortality of Patients with IAMCSST in Sergipe: VICTIM Register. Arq Bras Cardiol. 2021;117(1):120-9. DOI: 10.36660/abc.20200015
  • 6
    Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI risk score for IAMCSST. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. DOI: 10.1161/JAHA.112.003269
  • 7
    Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, et al. Predictors of hospital mortality in the global registry of acute coronary events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. DOI: 10.1001/archinte.163.19.2345
  • 8
    Franken M, Giugliano RP, Goodman SG et al. Performance of acute coronary syndrome approaches in Brazil. A report from the BRACE (Brazilian Registry in Acute Coronary syndromEs). Eur Heart J Qual Care Clin Outcomes. 2020;6(4):284-92. DOI: 10.1093/ehjqcco/qcz045
  • 9
    Nicolau JC, Auxiliadora FM, Nogueira PR, Coimbra Garzon SA, Serrano CV, Jr., Ramires JA. The role of gender in the long-term prognosis of patients with myocardial infarction submitted to fibrinolytic treatment. AnnEpidemiol. 2004;14(1):17-23. DOI: 10.1016/s1047-2797(03)00076-0
  • 10
    Vaccarino V, Parsons L, Every NR, Barron HV, Krumholz HM. Sex-based differences in early mortality after myocardial infarction. National Registry of Myocardial Infarction 2 Participants. N Engl J Med. 1999;341(4):217-25. DOI: 10.1056/NEJM199907223410401
  • 11
    van Loo HM, van den Heuvel ER, Schoevers RA, Anselmino M, Carney R, Denollet J, et al. Sex dependent risk factors for mortality after myocardial infarction: individual patient data meta-analysis. BMC Med. 2014;12:242. DOI: 10.1186/s12916-014-0242-y
  • 12
    Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of mortality after primary percutaneous coronary intervention for acute myocardial infarction: the CADILLAC risk score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. DOI: 10.1016/j.jacc.2005.01.041
  • 13
    Hizoh I, Gulyas Z, Domokos D, Banhegyi G, Majoros Z, Major L, et al. A novel risk model including vascular access site for predicting 30-day mortality after primary PCI: The ALPHA score. Cardiovasc Revasc Med. 2017;18(1):33-9. DOI: 10.1016/j.carrev.2016.10.002
  • Minieditorial referente ao artigo: Preditores de Mortalidade Hospitalar nos Pacientes Tratados por Angioplastia Primária: Um Estudo de Caso-Controle Multicêntrico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br