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Ablação Septal com Radiofrequência e Uso de Novas Tecnologias em Pacientes com Cardiomiopatia Hipertrófica no Laboratório de Eletrofisiologia

Ablação por radiofrequência; Cardiomiopatia hipertrófica; Eletrofisiologia

Prezado Editor,

Lemos com grande interesse o artigo “Ablação septal com cateteres e radiofrequência guiada pela ecocardiografia para tratamento de pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CHO): Experiência inicial”, publicado recentemente por Valdigem et al. 11. Chokr M, Mayrink M, Vandoni PMP, Linhares PV, Sousa IBS, Castello Júnior HJ, et al. Septal Ablation with Radiofrequency and the Use of New Technologies in Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy in an Electrophysiology Laboratory. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):634-637. nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia.

Nesse estudo, os autores avaliaram os efeitos da ablação endocárdica por radiofrequência (RF) do septo interventricular com redução do gradiente ventrículo-arterial e melhora de classe funcional em 12 pacientes com CHO. Cateteres com pontas sólidas de 8 mm de comprimento foram utilizados para aplicação de RF termo controlada. A intensidade de energia foi de 80 Watts com temperatura máxima de 60 0 C. A região de maior gradiente na via de saída do ventrículo esquerdo foi o alvo para ablação e identificada pelo ecocardiograma transesofágico. Os autores observaram uma redução média dos gradientes obtidos de 96,8±34 mmHg para 36,1±23 mmHg (p=0,0001) no seguimento de 1 ano, com melhora clínica em todos os pacientes da série. Concluíram que a ablação septal com RF é uma estratégia eficaz, segura e uma nova opção para tratamento de pacientes com CHO com gradiente elevados e sintomáticos. Parabenizamos os autores pelos bons resultados ao utilizar tecnologia de fácil acessibilidade e ao trazer novas informações sobre um procedimento ainda em desenvolvimento.

No período de agosto de 2020 a janeiro de 2021, realizamos ablação com RF do septo interventricular em dois pacientes (homem de 44 anos e mulher de 38 anos de idade) com CHO sintomática, refratários ao tratamento clínico, ambos com seguimento superior a 12 meses. Entretanto, diferentemente da técnica descrita por Valdigem et al., 11. Chokr M, Mayrink M, Vandoni PMP, Linhares PV, Sousa IBS, Castello Júnior HJ, et al. Septal Ablation with Radiofrequency and the Use of New Technologies in Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy in an Electrophysiology Laboratory. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):634-637. utilizamos novas tecnologias de imagem, como mapeamento eletroanatômico (MEA) e o ecocardiograma intracardíaco ( Figura 1 ). O MEA permitiu delimitar a localização do sistema de condução intraventricular e conferiu maior segurança na aplicação de RF (evitar o bloqueio do ramo esquerdo ou atrioventricular total). A construção da geometria pelo MEA dos ventrículos esquerdo e direito também forneceu informação importante na delimitação da área a ser abordada. O ecocardiograma intracardíaco (ICE) permitiu acompanhar a produção das lesões de RF no septo interventricular e a evolução do edema próximo à via de saída do ventrículo esquerdo durante o procedimento, sem a necessidade de um ecocardiografista. Adicionalmente, a ablação com radiofrequência foi otimizada com a utilização de cateteres com ponta irrigada, e as lesões foram controladas pelo software VISITAG SURPOINT (J&J) 22. Lawrenz T, Lawin D, Radke K, Stellbrink C. Acute and Chronic Effects of Endocardial Radiofrequency Ablation of Septal Hypertrophy in HOCM. J Cardiovasc Electrophysiol. 2021;32(10):2617-24. doi: 10.1111/jce.15203. para uniformizar sua profundidade.

Figura 1
A) Mapa eletroanatômico Carto 3 do ventrículo direito e esquerdo. Pode-se observar o ponto de maior espessamento septal (25 mm). Os pontos em vermelho representam a região onde foi aplicada radiofrequência. B) Início da aplicação de radiofrequência. Os pontos amarelos representam as áreas a serem evitadas em que foi identificado sistema de condução. C) Hiperecogenicidade da região septal, avaliada continuamente com ecocardiografia intracardíaca durante a aplicação de radiofrequência. É possível identificar cateter em alça apoiado sobre a região septal. D) Ao término do procedimento, observado intenso edema na região septal, associado a hiperecogenicidade próximo a via de saída do ventrículo esquerdo.

O critério de interrupção do procedimento utilizado por Valdigem et al. 11. Chokr M, Mayrink M, Vandoni PMP, Linhares PV, Sousa IBS, Castello Júnior HJ, et al. Septal Ablation with Radiofrequency and the Use of New Technologies in Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy in an Electrophysiology Laboratory. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):634-637. foi a queda aguda de 25% no gradiente ventrículo-arterial. No entanto, alguns autores sugerem que a ablação septal excessiva para atingir esses índices agudamente pode provocar aumento paradoxal e agudo do gradiente com risco de congestão pulmonar importante após a ablação. 33. Lawrenz T, Lawin D, Radke K, Stellbrink C. Acute and Chronic Effects of Endocardial Radiofrequency Ablation of Septal Hypertrophy in HOCM. J Cardiovasc Electrophysiol. 2021;32(10):2617-2624. doi: 10.1111/jce.15203. Nossa impressão é que o uso de uma estratégia puramente anatômica, com aplicações septais logo acima do ramo esquerdo, tendo como alvo um Ablation Index entre 600 e 700, usando cateter irrigado de 3,5 mm (50 Watts e 43 0 C) e avaliação contínua do edema da via de saída do ventrículo esquerdo com o ICE, pode tornar o procedimento mais seguro.

As diversas séries publicadas até o momento não valorizam o gradiente imediato sugerindo que o maior benefício na redução do gradiente ocorre entre 9 e 12 meses da ablação. 44. Cooper RM, Shahzad A, Hasleton J, Digiovanni J, Hall MC, Todd DM, et al. Radiofrequency Ablation of the Interventricular Septum to Treat Outflow Tract Gradients in Hypertrophic Obstructive Cardiomyopathy: A Novel Use of CARTOSound® Technology to Guide Ablation. Europace. 2016;18(1):113-20. doi: 10.1093/europace/euv302. , 55. Crossen K, Jones M, Erikson C. Radiofrequency Septal Reduction in Symptomatic Hypertrophic Obstructive Cardiomyopathy. Heart Rhythm. 2016;13(9):1885-90. doi: 10.1016/j.hrthm.2016.04.018. Nossos pacientes tiveram uma redução significativa do gradiente intraventricular, com redução média de 91±22 mmHg para 27±14 mmHg cerca de 12 meses após o procedimento índice, e redução no primeiro dia de pós-operatório de 22±6 mmHg, ambos com melhora significativa dos sintomas e atualmente em classe funcional II. A utilização de cateter irrigado, permite a realização de lesões mais previsíveis, mas pode contribuir com quadros de congestão pulmonar como descrito pelos autores. A utilização simultânea do ICE para acompanhar as aplicações de RF também pode evitar a ocorrência de “Stem Pops” , fato comum em aplicações prolongadas e com alta energia. Adicionalmente, o ecocardiograma intracardíaco auxilia na monitoração do risco de aplicações excessivas ao acompanhar a formação de edema septal. Apesar disso, um dos nossos pacientes apresentou quadro de congestão pulmonar imediatamente após a ablação, que foi resolvido com uso de diuréticos e ventilação não invasiva. Tanto a utilização de cateter irrigado como o edema importante na via de saída podem ter contribuído para o quadro apresentado pela paciente. Novos estudos são necessários a fim de comparar diferentes técnicas bem como padronizar qual seria a forma ideal de criar as lesões, que minimizem o risco de aumentos agudos de gradiente ventrículo-arterial após a ablação.

Referências

  • 1
    Valdigem BP, Correia EB, Moreira DAR, Bihan DL, Pinto IMF, Abizaid AAC, et al. Septal Ablation with Radiofrequency Catheters Guided by Echocardiography for Treatment of Patients with Obstructive Hypertrophic Cardiomyopathy: Initial Experience. Arq Bras Cardiol. 2022;118(5):861-872. doi: 10.36660/abc.20200732.
  • 2
    Okumura Y, Watanabe I, Iso K, Nagashima K, Sonoda K, Sasaki N, et al. Clinical Utility of Automated Ablation Lesion Tagging Based on Catheter Stability Information (VisiTag Module of the CARTO 3 System) with Contact Force-Time Integral During Pulmonary Vein Isolation for Atrial Fibrillation. J Interv Card Electrophysiol. 2016;47(2):245-252. doi: 10.1007/s10840-016-0156-z.
  • 3
    Lawrenz T, Lawin D, Radke K, Stellbrink C. Acute and Chronic Effects of Endocardial Radiofrequency Ablation of Septal Hypertrophy in HOCM. J Cardiovasc Electrophysiol. 2021;32(10):2617-2624. doi: 10.1111/jce.15203.
  • 4
    Cooper RM, Shahzad A, Hasleton J, Digiovanni J, Hall MC, Todd DM, et al. Radiofrequency Ablation of the Interventricular Septum to Treat Outflow Tract Gradients in Hypertrophic Obstructive Cardiomyopathy: A Novel Use of CARTOSound® Technology to Guide Ablation. Europace. 2016;18(1):113-20. doi: 10.1093/europace/euv302.
  • 5
    Crossen K, Jones M, Erikson C. Radiofrequency Septal Reduction in Symptomatic Hypertrophic Obstructive Cardiomyopathy. Heart Rhythm. 2016;13(9):1885-90. doi: 10.1016/j.hrthm.2016.04.018.

Carta-resposta

Parabéns pelo interesse no procedimento,11. Chokr M, Mayrink M, Vandoni PMP, Linhares PV, Sousa IBS, Castello Júnior HJ, et al. Septal Ablation with Radiofrequency and the Use of New Technologies in Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy in an Electrophysiology Laboratory. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):634-637. acreditamos que novos protocolos de ablação e em especial dos cuidados de pós-operatório devem ser estimulados, visto que mesmo a forma de liberação de energia e a localização do ponto de aplicação da radiofrequência não são um consenso entre os autores (note que Lawrenz em publicação de agosto de 2021, apresentou dados com aplicação bilateral e apenas em septo direito).22. Lawrenz T, Lawin D, Radke K, Stellbrink C. Acute and Chronic Effects of Endocardial Radiofrequency Ablation of Septal Hypertrophy in HOCM. J Cardiovasc Electrophysiol. 2021;32(10):2617-24. doi: 10.1111/jce.15203.

Após revisão cuidadosa dos primeiros 40 casos realizados por nosso grupo (publicação pendente) pudemos observar que diferenças relacionadas a morfologia do septo interventricular podem ser importantes na escolha do local de início da ablação. Septos com hipertrofia mais homogênea tendem a apresentar migração do gradiente no sentido apical. Assim, ablação guiada apenas pela anatomia pode resultar em lesões mais extensas sem necessidade. Também podem ocorrer gradientes medioventriculares residuais que implicariam numa segunda abordagem.

Outro benefício do uso do ecocardiograma transesofágico (ETE) seria a localização do ponto de real início do gradiente. Não raramente, o gradiente se inicia mais na região apical que do que na região mais espessa do septo, marcado pelo ponto de maior aliasing , evidenciado pelo mapeamento de fluxo a cores ao ecocardiograma ( Figura 1 ). O ETE apresenta imagens com melhor visualização da via de saída do ventrículo esquerdo do que o ecocardiograma intracardíaco, informação que é extremamente importante para adequado alinhamento do cateter.

Figura 1
ETE intraprocedimento com e sem color (a 150°): avaliação da valva mitral, identificação do SAM e sua localização. Nessa angulação conseguimos identificar mais facilmente o local de maior aceleração de fluxo e o grau do refluxo mitral.

A avaliação ecocardiográfica diferencia as curvas de obstruções valvares (na estenose aórtica) da subvalvar, por meio da imagem espectral do Doppler contínuo ( Figura 2 ). Tal informação é fundamental nos casos de estenoses sequenciais, como ocorre nos casos de ablação septal por radiofrequência pré-TAVI (em que esse método tem demonstrado um papel promissor).

Figura 2
Registro do Doppler contínuo com as curvas relacionadas à estenose aórtica e à obstrução subvalvar.

Adicionalmente, o ETE fornece informações sobre estruturas adjacentes ao ponto de aplicação da radiofrequência, permitindo a pronta identificação de intercorrências possíveis como lesões em cordas tendíneas, ou cúspide anterior da valva mitral.

Um dos parâmetros indicadores de sucesso no intraprocedimento é a redução do refluxo mitral, decorrente da redução no deslocamento sistólico anterior do aparato valvar mitral devido à redução da obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo.

Mais uma vez parabenizamos os autores pelas suas considerações e pelo esforço em simplificar o procedimento e aumentar sua propagação. Colocamo-nos à disposição para análise conjunta de dados e trocas de experiências.

  • 1
    Chokr M, Mayrink M, Vandoni PMP, Linhares PV, Sousa IBS, Castello Júnior HJ, et al. Septal Ablation with Radiofrequency and the Use of New Technologies in Patients with Hypertrophic Cardiomyopathy in an Electrophysiology Laboratory. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):634-637.
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    Lawrenz T, Lawin D, Radke K, Stellbrink C. Acute and Chronic Effects of Endocardial Radiofrequency Ablation of Septal Hypertrophy in HOCM. J Cardiovasc Electrophysiol. 2021;32(10):2617-24. doi: 10.1111/jce.15203.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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