Comentários Sobre o Eletrocardiograma do Atleta nas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos – 2022

Eletrocardiografia; Atletas; Guia de Prática Clínica

Prezado Editor,

Foi com grande interesse que tivemos acesso ao documento intitulado “Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos – 2022”, publicado na Edição de setembro dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC),¹ elaborado por um grupo de especialistas brasileiros no assunto. É nossa opinião que uma atualização se fazia necessária, tendo sido a mesma detalhada e de agradável leitura.

No entanto, chamamos atenção para duas informações apresentadas sobre a interpretação do eletrocardiograma do atleta que nos trouxeram preocupação. A primeira se encontra na seção “Sobrecargas das Câmaras Cardíacas” (Página 18), na qual os autores descrevem que o Critério de Sokolow-Lyon NÃO DEVE ser utilizado para avaliação da sobrecarga ventricular esquerda (SVE) EM ATLETAS.

Discordamos dessa afirmativa e nos baseamos para tanto no International criteria for electrocardiographic interpretation in athletes: Consensus statement,²-⁴ do qual o autor sênior desta carta foi um dos autores. Nesse documento, publicado simultaneamente em três periódicos de alto impacto,²-⁴ o Critério de Sokolow-Lyon (soma da onda S em V1 + onda R em V5 ou V6 >3,5 mV) serve sim para definir SVE nesse grupo de indivíduos treinados (Tabela 1 do documento).² É fato que embora existam vários critérios para definir a SVE em atletas, o de Sokolow-Lyon ainda é o mais utilizado. Cabe salientar que uma série de estudos que avaliaram o eletrocardiograma do atleta também utilizaram esse critério para avaliar tal sobrecarga.⁵-¹²

Neste ponto, nos permitimos fazer uma suposição: Talvez os autores da “Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos – 2022”¹ quiseram dizer que o critério de Sokolow-Lyon não deve ser usado isoladamente para definir SVE em atletas, visto que estas alterações são consideradas variantes da normalidade nesse cenário? Contudo, ao escrever “não deve ser utilizado em atletas”, nos parece que tal assertiva pode causar confusão ao leitor, trazendo uma informação incorreta.

A segunda preocupação que veio à tona ao lermos o manuscrito diz respeito à seção 12.1.2 (Página 29), na qual os autores das Diretrizes colocam um complexo QRS com duração ≥160 ms como anormal. De fato, eles têm razão. No entanto e em contraste, os critérios internacionais para interpretação do eletrocardiograma do atleta² destacam uma duração do QRS como sendo anormal já quando ≥140 ms (Figura 1 do documento),² e não somente ao alcançar a duração ≥160 ms.

Por fim, é importante destacar que os mesmos autores das recentes Diretrizes Brasileiras de Eletrocardiograma¹ fazem referência aos critérios internacionais para interpretação do eletrocardiograma do atleta² em seu documento. Dessa forma, acreditamos que essas correções pontuais por nós propostas possam ser consideradas, sem que isso desmereça em nada o importante e certamente árduo trabalho realizado na confecção dessa Diretriz.

Referências

• ¹
  Samesima N, God EG, Kruse JCL, Leal MG, Pinho C, França FFAC, et al. Brazilian Society of Cardiology Guidelines on the Analysis and Issuance of Electrocardiographic Reports - 2022. Arq Bras Cardiol. 2022;119(4):638-680. doi: 10.36660/abc.20220623.
  » https://doi.org/10.36660/abc.20220623
• ²
  Drezner JA, Sharma S, Baggish A, Papadakis M, Wilson MG, Prutkin JM, et al. International Criteria for Electrocardiographic Interpretation in Athletes: Consensus Statement. Br J Sports Med. 2017;51(9):704-31. doi: 10.1136/bjsports-2016-097331.
• ³
  Sharma S, Drezner JA, Baggish A, Papadakis M, Wilson MG, Prutkin JM, et al. International Recommendations for Electrocardiographic Interpretation in Athletes. Eur Heart J. 2018;39(16):1466-80. doi: 10.1093/eurheartj/ehw631.
• ⁴
  Sharma S, Drezner JA, Baggish A, Papadakis M, Wilson MG, Prutkin JM, et al. International Recommendations for Electrocardiographic Interpretation in Athletes. J Am Coll Cardiol. 2017;69(8):1057-75. doi: 10.1016/j.jacc.2017.01.015.
• ⁵
  Pentikäinen H, Toivo K, Kokko S, Alanko L, Heinonen OJ, Korpelainen R, et al. Resting Electrocardiogram and Blood Pressure in Young Endurance and Nonendurance Athletes and Nonathletes. J Athl Train. 2021;56(5):484-90. doi: 10.4085/78-20.
• ⁶
  Churchill TW, Petek BJ, Wasfy MM, Guseh JS, Weiner RB, Singh TK, et al. Cardiac Structure and Function in Elite Female and Male Soccer Players. JAMA Cardiol. 2021;6(3):316-25. doi: 10.1001/jamacardio.2020.6088.
• ⁷
  Beale AL, Julliard MV, Maziarski P, Ziltener JL, Burri H, Meyer P. Electrocardiographic Findings in elite Professional Cyclists: The 2017 International Recommendations in Practice. J Sci Med Sport. 2019;22(4):380-84. doi: 10.1016/j.jsams.2018.06.017.
• ⁸
  Papadakis M, Carre F, Kervio G, Rawlins J, Panoulas VF, Chandra N, et al. The Prevalence, Distribution, and Clinical Outcomes of Electrocardiographic Repolarization Patterns in Male Athletes of African/Afro-Caribbean Origin. Eur Heart J. 2011;32(18):2304-13. doi: 10.1093/eurheartj/ehr140.
• ⁹
  Huttin O, Selton-Suty C, Venner C, Vilain JB, Rochecongar P, Aliot E. Electrocardiographic Patterns and Long-Term Training-Induced Time Changes in 2484 Elite Football Players. Arch Cardiovasc Dis. 2018;111(5):380-88. doi: 10.1016/j.acvd.2017.10.005.
• ¹⁰
  Prakash K, Sharma S. The Electrocardiogram in Highly Trained Athletes. Clin Sports Med. 2015;34(3):419-31. doi: 10.1016/j.csm.2015.03.008.
• ¹¹
  Zaffalon D, Papatheodorou E, Merghani A, Dhutia H, Moccia E, Malhotra A, et al. Role of the Electrocardiogram in Differentiating Genetically Determined Dilated Cardiomyopathy from Athlete’s Heart. Eur J Clin Invest. 2022;52(10):e13837. doi: 10.1111/eci.13837.
• ¹²
  Sokunbi OJ, Okoromah CAN, Ekure EN, Olawale OA, Eke WS. Electrocardiographic Pattern of Apparently Healthy African Adolescent Athletes in Nigeria. BMC Pediatr. 2021;21(1):97. doi: 10.1186/s12887-021-02557-8.

Carta-resposta

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Agradeço o envio dos apontamentos feitos pelo(s) colega(s) referentes à nova Diretriz sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocadiográficos, a qual será, em breve, lançada pelos Arquivos Brasileiros de Cardiologia.

1. As duas observações feitas sobre a Diretriz são absolutamente pertinentes. Apesar de ter sido extensamente revisada (versões em Português e em Inglês), alguns erros podem ter passado despercebidos.

2. Sim, faltou a palavra ISOLADAMENTE na página 16 (Item 6.1.4.2 Índice de Sokolow Lyon), sendo a frase correta: “Isoladamente, não deve ser utilizado em atletas.”

Houve um erro de digitação na página 27 (Item 12.1.2 Achados Eletrocardiográficos Atuais (Grupo 2)), sendo o correto: “Duração do QRS³ 140ms.”

Mais uma vez, agradeço aos colegas.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jan 2023
• Data do Fascículo
  2023