Acessibilidade / Reportar erro

Enxerto Multiarterial na Cirurgia de Revascularização Coronária. A Busca Renovada por Resultados Aprimorados

Palavras-chave
Revascularização Miocárdica/enxerto; Revascularização Miocárdica/tendências; Artéria Torácica Interna/cirurgia; Doença da Artéria Coronariana/cirurgia; Fatores de Risco/complicações

Com uma crescente série de evidências contemporâneas e históricas fortalecendo a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) como o procedimento mais eficaz para o tratamento da doença arterial coronariana (DAC) aterosclerótica avançada, a busca por melhores resultados e aprimoramento da qualidade está se acelerando.11 Gaudino M, Chikwe J, Falk V, Lawton JS, Puskas JD, Taggart DP. Transatlantic Editorial: The Use of Multiple Arterial Grafts for Coronary Revascularization in Europe and North America. Eur J Cardiothorac Surg. 2020;57(6):1032-7. Doi:10.1093/ejects/ezaaa077
https://doi.org/10.1093/ejects/ezaaa077...

A patência do enxerto a longo prazo é fundamental para os benefícios da cirurgia, evitando o desencadeamento de infarto do miocárdio (IM) espontâneo e aumentando a sobrevida a longo prazo, o que é demonstrado com o emprego de condutos da artéria torácica interna (ATI) anastomosados à artéria coronária descendente anterior esquerda.

Uma vez que os enxertos arteriais demonstraram superioridade sobre os enxertos convencionais de veia safena (EVS) em termos de perviedade a longo prazo, torna-se intuitivo empregar outros enxertos arteriais para benefício incremental.

Isso se alinha e apoia a compreensão contemporânea da fisiopatologia da DAC, onde o conceito desatualizado, mas ainda vigente, de isquemia miocárdica crônica como a principal causa de resultado adverso na DAC foi sepultado.A ruptura e a erosão da placa associada à estenose não crítica, comumente localizada na artéria coronária, longe da placa estável, são as causas da maioria dos infartos do miocárdio, com a evidência da carga aterosclerótica como o principal determinante dos resultados em DAC.22 Arbab-Zadeh A, Fuster V. The myth of the “vulnerable plaque”: transitioning from a focus on individual lesions to atherosclerotic disease burden for coronary artery disease risk assessment. J Am Coll Cardiol. 2015; 65(8):846-55. Doi:10.1016/j.jacc.2014.11.041
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2014.11.0...
A CRM anastomosa um enxerto coronário à porção distal do vaso doente, contornando suas numerosas placas ateroscleróticas espalhadas a montante que formam o substrato para ruptura da placa, trombose e infarto do miocárdio, em última análise, levando à morte e insuficiência cardíaca.

Paredes et al.,33 Paredes RAM, Borgomoni GB, Micalay AKP, Camacho JCA, Dallan LRP, Lisboa LAF, et al. Immediate Results after Multiple Arterial Grafts in Coronary Artery Bypass Graft Surgery in the São Paulo State: Cross Cohort Study. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220627. relatam os resultados precoces de pacientes submetidos à CRM com múltiplos enxertos arteriais (MEA) em comparação com um único enxerto arterial (UEA) em um estudo de coorte do REPLICCAR II (Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular II). De uma coorte original de 3.122 pacientes, 531 (17%) receberam múltiplos enxertos arteriais. Após pareamento pelo escore de propensão, os pacientes do grupo UEA apresentaram maior prevalência do sexo masculino e história familiar de DAC, com maior taxa de procedimentos de urgência, pneumonia recente e eventos coronarianos agudos. Em contraste, os pacientes do grupo UEA eram mais velhos e apresentavam maior taxa de diabetes mellitus, hipertensão, infarto do miocárdio prévio e tabagismo.33 Paredes RAM, Borgomoni GB, Micalay AKP, Camacho JCA, Dallan LRP, Lisboa LAF, et al. Immediate Results after Multiple Arterial Grafts in Coronary Artery Bypass Graft Surgery in the São Paulo State: Cross Cohort Study. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220627.

Reiterando achados de relatórios anteriores, o uso de MEA foi associado a uma taxa mais alta de infecção profunda da ferida esternal (IPFE). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas com acidente vascular cerebral pós-operatório, lesão renal, tempo de intubação, mortalidade e tempo de internação > 14 dias. É digno de nota que a taxa de mortalidade hospitalar foi de 1,8% em ambos os grupos, tornando-se uma conquista notável em uma população com DAC avançada, favorável em comparação com os números de um banco de dados nacional brasileiro, o registro BYPASS.44 Paez RP, Hossne Junior NA, Santo JADE, Berwanger O, Santos RHN, Kalil RAK, et al. BYPASS Registry Study Group. Coronary artery bypass surgery in Brazil: analysis of the national reality through the BYPASS registry. Braz J Cardiovasc Surg. 2019;34(2):142-8. Doi:10.21470/1678-9741-2018-0313
https://doi.org/10.21470/1678-9741-2018-...

Embora seja instintivo que os enxertos de múltiplas artérias possam fornecer perviedade superior a longo prazo e resultados clínicos em comparação com o EVS, as evidências permanecem controversas e a prova de conceito está faltando até o momento. Vários estudos observacionais e meta-análises sugeriram a associação de múltiplos enxertos arteriais com benefícios superiores de sobrevida a longo prazo.55 Rocha RV, Tam DY, Karkhanis R, Wang X, Austin PC, Ko DT, et al. Long-term Outcomes Associated With Total Arterial Revascularization vs Non-Total Arterial Revascularization. JAMA Cardiol. 2020;5(5):507-14. Doi:10.1001/jamacardiol.2019.6104
https://doi.org/10.1001/jamacardiol.2019...
,66 Rayol SC, Van den Eynde J, Cavalcanti LRP, Escorel AC Neto, Rad AA, Amabile A,et al. Total arterial coronary bypass graft surgery is associated with better long-term survival in patients with multivessel coronary artery disease: a systematic review with meta-analysis. Braz J Cardiovasc Surg. 2021;36(1):78-85. Doi:10.21470/1678-9741-2020-0653
https://doi.org/10.21470/1678-9741-2020-...
No entanto, o Arterial Revascularization Trial (ART), o único estudo randomizado a comparar pacientes recebendo enxertos bilaterais versus únicos de ATI, não encontrou nenhuma diferença significativa na taxa de sobrevida de 10 anos.77 Taggart DP, Benedetto U, Gerry S, Altman DG, Gray AM, Lees B, et al. Bilateral versus single internal-thoracic-artery grafts at 10 years. N Engl J Med. 2019; 380(5): 437–46. Doi:10.1056/NEJMoa1808783
https://doi.org/10.1056/NEJMoa1808783...
No entanto, uma análise post-hoc do estudo ART sugeriu um benefício do enxerto de ATI bilateral em relação ao enxerto de ATI88 Gaudino M, Di Franco A, Flather M, Gerry S, Bagiella E, Gray A, et al. Association of age with 10-year outcomes after coronary surgery in the arterial revascularization trial. J Am Coll Cardiol 2021; 77(1):18-26. Doi:10.1016/j.jacc.2020.10.047
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2020.10.0...
,99 Neumann FJ, Sousa-Uva M, Ahlsson A, Alfonso F, Banning AP, Benedetto U, et al. 2018 ESC/EACTS guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2019;40(2):87-165. Doi:10.1093/eurheartj/ehy.394
https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehy.39...
único quando a análise de intenção de tratar foi restrita a pacientes com idades entre 50 e 70 anos, com uma incidência significativamente menor de eventos adversos maiores (mortalidade por todas as causas.

Uma preocupação de segurança dos achados do REPLICCAR II está relacionada à taxa mais alta de IPFE, que ficou em 5,6% no braço MEA e 2,26% no braço UEA. O risco de cicatrização prejudicada pode ser minimizado com a seleção cuidadosa do paciente e modificação da técnica de dissecção da ATI para esqueletizada em vez de pediculada, o que preserva a circulação colateral e o suprimento sanguíneo esternal.1010 Schwann TA, Gaudino MFL, Engelman DT, Sedrakyan A, Li D, Tranbaugh RF, et al. Effect of skeletonization of bilateral internal thoracic arteries on deep sternal wound infections. Ann Thorac Surg. 2021;111(2):600-6. Doi:10.1016/j.thoracsur-2020.05.44
https://doi.org/10.1016/j.thoracsur-2020...
,1111 Sá MPBO, Ferraz PE, Soares AF, Miranda RGA, Araújo ML, Silva FV, et al. Development and validation of a stratification tool for predicting risk of deep sternal wound infection after coronary artery bypass grafting at a Brazilian hospital. Braz J Cardiovasc Surg. 2017;32(1):1-7. Doi: 10.1016/j.ygyno.2022.01.005
https://doi.org/10.1016/j.ygyno.2022.01....
Evidências do estudo ART e outros demonstraram que, quando a técnica esqueletizada é usada para a coleta de ATIB, nenhuma diferença é observada uma vez em comparação com o grupo ATI único.1212 Benedetto U, Altman DG, Gerry S, Gray A, Lees B, Pawlaczyk R, et al. Arterial Revascularization Trial investigators. Pedicled and skeletonized single and bilateral internal thoracic artery grafts and the incidence of sternal wound complications: insights from the Arterial Revascularization Trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2016;152(1):270-6. Doi:10.1016/j.jtcvs.2016.03.056
https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2016.03....
A taxa de esqueletização ATI de 52% no braço REPLICAR II MEA fica abaixo da margem padrão para segurança, provavelmente justificando a diferença obtida.

No entanto, além do estímulo para o uso de MEA em CRM, o EVS também está fazendo progressos significativos em resultados em longo prazo. A técnica no-touch de dissecção de EVS, que envolve a remoção de um EVS pediculado com o tecido perivascular intacto sem manipulação direta ou distensão de alta pressão, preservando a integridade do endotélio e da parede do vaso, demonstrou melhora da perviedade do conduto VS a longo prazo, comparável à perviedade do enxerto de ATI.1313 Samano N, Geijer H, Liden M, Fremes S, Bodin L, Souza D. The no-touch saphenous vein for coronary artery bypass grafting maintains a patency, after 16 years, comparable to the left internal thoracic artery: A randomized trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2015;150(4):880-8. Doi:10.1016/j.jtcvs.2015.07.027
https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2015.07....
,1414 Samano N, Souza D, Pinheiro BB, Kopjar T, Dashwood M. Twenty-five years of no-touch saphenous vein harvesting for coronary artery bypass grafting: structural observations and impact on graft performance. Braz J Cardiovasc Surg. 2020; 35(1):91-9. Doi: 10.21470/1678-9741-2019-0238
https://doi.org/10.21470/1678-9741-2019-...

Finalmente, os autores devem ser enaltecidos pelo enorme esforço para construir o registro REPLICCAR II, fornecendo informações valiosas para os sistemas de saúde e sinalizando a prática nacional de revascularização cirúrgica coronariana.

  • Minieditorial referente ao artigo: Resultados Imediatos após Múltiplos Enxertos Arteriais em Cirurgia de Revascularização Miocárdica no Estado de São Paulo: Estudo de Coorte

Referências

  • 1
    Gaudino M, Chikwe J, Falk V, Lawton JS, Puskas JD, Taggart DP. Transatlantic Editorial: The Use of Multiple Arterial Grafts for Coronary Revascularization in Europe and North America. Eur J Cardiothorac Surg. 2020;57(6):1032-7. Doi:10.1093/ejects/ezaaa077
    » https://doi.org/10.1093/ejects/ezaaa077
  • 2
    Arbab-Zadeh A, Fuster V. The myth of the “vulnerable plaque”: transitioning from a focus on individual lesions to atherosclerotic disease burden for coronary artery disease risk assessment. J Am Coll Cardiol. 2015; 65(8):846-55. Doi:10.1016/j.jacc.2014.11.041
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2014.11.041
  • 3
    Paredes RAM, Borgomoni GB, Micalay AKP, Camacho JCA, Dallan LRP, Lisboa LAF, et al. Immediate Results after Multiple Arterial Grafts in Coronary Artery Bypass Graft Surgery in the São Paulo State: Cross Cohort Study. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220627.
  • 4
    Paez RP, Hossne Junior NA, Santo JADE, Berwanger O, Santos RHN, Kalil RAK, et al. BYPASS Registry Study Group. Coronary artery bypass surgery in Brazil: analysis of the national reality through the BYPASS registry. Braz J Cardiovasc Surg. 2019;34(2):142-8. Doi:10.21470/1678-9741-2018-0313
    » https://doi.org/10.21470/1678-9741-2018-0313
  • 5
    Rocha RV, Tam DY, Karkhanis R, Wang X, Austin PC, Ko DT, et al. Long-term Outcomes Associated With Total Arterial Revascularization vs Non-Total Arterial Revascularization. JAMA Cardiol. 2020;5(5):507-14. Doi:10.1001/jamacardiol.2019.6104
    » https://doi.org/10.1001/jamacardiol.2019.6104
  • 6
    Rayol SC, Van den Eynde J, Cavalcanti LRP, Escorel AC Neto, Rad AA, Amabile A,et al. Total arterial coronary bypass graft surgery is associated with better long-term survival in patients with multivessel coronary artery disease: a systematic review with meta-analysis. Braz J Cardiovasc Surg. 2021;36(1):78-85. Doi:10.21470/1678-9741-2020-0653
    » https://doi.org/10.21470/1678-9741-2020-0653
  • 7
    Taggart DP, Benedetto U, Gerry S, Altman DG, Gray AM, Lees B, et al. Bilateral versus single internal-thoracic-artery grafts at 10 years. N Engl J Med. 2019; 380(5): 437–46. Doi:10.1056/NEJMoa1808783
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1808783
  • 8
    Gaudino M, Di Franco A, Flather M, Gerry S, Bagiella E, Gray A, et al. Association of age with 10-year outcomes after coronary surgery in the arterial revascularization trial. J Am Coll Cardiol 2021; 77(1):18-26. Doi:10.1016/j.jacc.2020.10.047
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2020.10.047
  • 9
    Neumann FJ, Sousa-Uva M, Ahlsson A, Alfonso F, Banning AP, Benedetto U, et al. 2018 ESC/EACTS guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2019;40(2):87-165. Doi:10.1093/eurheartj/ehy.394
    » https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehy.394
  • 10
    Schwann TA, Gaudino MFL, Engelman DT, Sedrakyan A, Li D, Tranbaugh RF, et al. Effect of skeletonization of bilateral internal thoracic arteries on deep sternal wound infections. Ann Thorac Surg. 2021;111(2):600-6. Doi:10.1016/j.thoracsur-2020.05.44
    » https://doi.org/10.1016/j.thoracsur-2020.05.44
  • 11
    Sá MPBO, Ferraz PE, Soares AF, Miranda RGA, Araújo ML, Silva FV, et al. Development and validation of a stratification tool for predicting risk of deep sternal wound infection after coronary artery bypass grafting at a Brazilian hospital. Braz J Cardiovasc Surg. 2017;32(1):1-7. Doi: 10.1016/j.ygyno.2022.01.005
    » https://doi.org/10.1016/j.ygyno.2022.01.005
  • 12
    Benedetto U, Altman DG, Gerry S, Gray A, Lees B, Pawlaczyk R, et al. Arterial Revascularization Trial investigators. Pedicled and skeletonized single and bilateral internal thoracic artery grafts and the incidence of sternal wound complications: insights from the Arterial Revascularization Trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2016;152(1):270-6. Doi:10.1016/j.jtcvs.2016.03.056
    » https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2016.03.056
  • 13
    Samano N, Geijer H, Liden M, Fremes S, Bodin L, Souza D. The no-touch saphenous vein for coronary artery bypass grafting maintains a patency, after 16 years, comparable to the left internal thoracic artery: A randomized trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2015;150(4):880-8. Doi:10.1016/j.jtcvs.2015.07.027
    » https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2015.07.027
  • 14
    Samano N, Souza D, Pinheiro BB, Kopjar T, Dashwood M. Twenty-five years of no-touch saphenous vein harvesting for coronary artery bypass grafting: structural observations and impact on graft performance. Braz J Cardiovasc Surg. 2020; 35(1):91-9. Doi: 10.21470/1678-9741-2019-0238
    » https://doi.org/10.21470/1678-9741-2019-0238

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br