Acessibilidade / Reportar erro

A Relação NUS/Cr Confere Pior Prognóstico em Todos os Espectros de Fração de Ejeção?

Palavras-chave
Insuficiência Cardíaca; Nitrogênio da Ureia Sanguínea; Volume Sistólico/fisiologia; Doenças Renais/complicações; Hospitalização; Mortalidade

A ativação neuro-hormonal é uma das características fisiopatológicas mais relevantes na insuficiência cardíaca (IC), promovendo efeitos deletérios em longo prazo que contribuem para o desenvolvimento da síndrome cardiorrenal. Essa hiperativação está associada ao prognóstico de insuficiência cardíaca aguda; portanto, é plausível supor que sua atividade esteja associada ao prognóstico de insuficiência cardíaca.11 Gardner RS, McDonagh TA. The prognostic value of anemia, right-heart catheterization and neurohormones in chronic heart failure. Expert Rev Cardiovasc Ther 2006; 4(1):51-7. Doi: 10.1586/14779072.4.1.51
https://doi.org/10.1586/14779072.4.1.51...

A atual classificação universal da insuficiência cardíaca, atualizada em 2021, modificou a classificação da IC de acordo com a fração de ejeção (FE), substituindo a FE intermediária (ICFEmr) pela FE levemente reduzida para aqueles com FE de 41% a 49%, mantendo a classificação de fração de ejeção reduzida (ICFEr) para aqueles com FE menor que 40% e preservada (ICFEp) para pacientes com FE acima de 50%.22 Bozkurt B, Coats AJS, Tsutsui H, Adamopoulos s, Abdelhamid M, Albert n, et al. Universal Definition and Classification of Heart Failure A Report of the Heart Failure Society of America, Heart Failure Association of the European Society of Cardiology, Japanese Heart Failure Society and Writing Committee of the Universal Definition of Heart Failure. J Card Fail.2021;27(4);S1071-9164(21)000506. Doi: org/10.1016/j.cardfail.2021.01.022
org/10.1016/j.cardfail.2021.01.022...
O sistema de classificação mais utilizado atualmente é baseado nessa categorização dos pacientes em grupos com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), e esse modelo tornou-se o principal modelo utilizado pelas diretrizes para fornecer recomendações de tratamento.33 Greenberg B, O'Connor CM, Felker M. Classifying heart failure in the 21st century. JACC Heart Fail.2021;9(10):771-3. Doi:10.1016/j.jch.2021.08.004
https://doi.org/10.1016/j.jch.2021.08.00...

IC e disfunção renal frequentemente coexistem, compartilhando muitos fatores de risco (diabetes, hipertensão e hiperlipidemia), contribuindo para piorar o prognóstico.44 Damman K, Voors AA, O’Connor CM, Van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis.: Eur Heart J. 2014;35(7):455–69. Doi:10.1093/euheartj/eht386
https://doi.org/10.1093/euheartj/eht386...
,55 Filippatos G, Farmakis D, Parissis J. Renal dysfunction and heart failure: things are seldom what they seem.: Eur Heart J .2014;35(7):416–8. Doi: 10.1093/euheartj/eht515
https://doi.org/10.1093/euheartj/eht515...
A síndrome cardiorrenal é caracterizada pela piora da função renal durante a internação por insuficiência cardíaca, ou logo após a alta, apesar da melhora sintomática com tratamento com diuréticos e manutenção de volume intravascular adequado.55 Filippatos G, Farmakis D, Parissis J. Renal dysfunction and heart failure: things are seldom what they seem.: Eur Heart J .2014;35(7):416–8. Doi: 10.1093/euheartj/eht515
https://doi.org/10.1093/euheartj/eht515...
A creatinina, o nitrogênio ureico no sangue (NUS) e a taxa de filtração glomerular (TFG) são os marcadores tradicionalmente utilizados na prática clínica para avaliar a IC descompensada. A atividade neuro-hormonal na insuficiência cardíaca afeta muito a magnitude da reabsorção do NUS. Portanto, a relação NUS para creatinina (NUS/Cr) é geralmente considerada uma métrica de atividade neuro-hormonal relevante.66 Bock J, Gottlieb SS. Cardiorenal syndrome. News perspectives. Circulation.2010;121(23):2592-600. Doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.109.886473
https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.1...

Assim, o estudo “Relação entre NUS/Cr e prognóstico da IC em todo o espectro da fração de ejeção”77 Jorge MS, Rodrigues AJ, Vicente WVA, Evora PRB. nfective Endocarditis Surgery. Insights from 328 Patients Operated in a University Tertiary Hospital. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220608. forneceu informações importantes sobre esse tema. Este estudo retrospectivo incluiu 2.255 pacientes com IC sintomática (NYHA classe III-IV) que mediram NUS e creatinina na admissão. A relação NUS/Cr foi avaliada de forma dicotomizada (ponto de corte = 25,5) em subgrupos de acordo com a fração de ejeção (FE). Os resultados do estudo foram definidos como reinternação por IC, morte cardiovascular e morte por todas as causas, avaliadas em 3, 12 e 24 meses, respectivamente.

Na população de FE reduzida, os pacientes com relação NUS/creatinina elevada (>25,5) exibiram um risco aumentado de morte cardiovascular em 3, 12 e 24 meses e morte por todas as causas em 3 meses. Por outro lado, em pacientes com ICFEmr, não houve diferença significativa nos resultados. Finalmente, em pacientes com ICFEp, uma alta relação NUS/Cr aumentou o risco de reinternação por IC aos 12 e 24 meses e o risco de morte por todas as causas.

Estudos anteriores já demonstraram o valor prognóstico da relação NUS/creatinina em pacientes com IC, principalmente naqueles com disfunção renal.88 Brisco MA, Coca SG, Chen J, Owens AT, McCauley BD, Kimmel SE, et al. Blood urea nitrogen/creatinine ratio identifies a high-risk but potentially reversible form of renal dysfunction in patients with decompensated heart failure. Circ Heart Fail. 2013 Mar;6(2):233-9. doi: 10.1161/CIRCHEARTFAILURE.112.968230.
https://doi.org/10.1161/CIRCHEARTFAILURE...
,99 Murata A, Kasai T, Matsue Y, Matsumoto H, Yatsu S, Kato T, et al. Relationship between blood urea nitrogen-to-creatinine ratio at hospital admission and long-term mortality in patients with acute decompensated heart failure. Heart Vessels. 2018 Aug;33(8):877-85. doi: 10.1007/s00380-018-1135-.3
https://doi.org/10.1007/s00380-018-1135-...
Além disso, Parrinelo demonstrou que essa relação pode estar correlacionada com o grau de congestão sistêmica, justificando seu aumento em pacientes internados com IC descompensada.1010 Parrinello G, Torres D, Testani JM, Almasio PL, Bellanca M, Pizzo G, et al. Blood urea nitrogen to creatinine ratio is associated with congestion and mortality in heart failure patients with renal dysfunction. Intern Emerg Med. 2015 Dec;10(8):965-72. doi: 10.1007/s11739-015-1261-1
https://doi.org/10.1007/s11739-015-1261-...
Por fim, nesse mesmo cenário, a presença de relação NUS/Cr elevada na admissão identifica pacientes com probabilidade de recuperação da função renal com o tratamento,88 Brisco MA, Coca SG, Chen J, Owens AT, McCauley BD, Kimmel SE, et al. Blood urea nitrogen/creatinine ratio identifies a high-risk but potentially reversible form of renal dysfunction in patients with decompensated heart failure. Circ Heart Fail. 2013 Mar;6(2):233-9. doi: 10.1161/CIRCHEARTFAILURE.112.968230.
https://doi.org/10.1161/CIRCHEARTFAILURE...
demonstrando que diversos mecanismos podem explicar como essa relação impactará na mortalidade.

Alguns estudos não demonstraram diferença na mortalidade de acordo com a classificação baseada na fração de ejeção em curto e longo prazo.1111 Dutra GP, Gomes BFO, Carmo Jr PR, Petriz JLF, Nascimento EM, Pereira BB, et al. Mortalidade por insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária. Arq Bras Cardiol. 2022;118(4):694-700. Doi: 10.36660/abc.20210050
https://doi.org/10.36660/abc.20210050...
Entretanto, sabemos que existem diferenças fisiopatológicas nesses espectros de FE, o que pode justificar o valor prognóstico da relação NUS/Cr, principalmente na IC com FE reduzida, uma vez que esses pacientes apresentam maior congestão sistêmica. Esse fator justificaria o aumento dessa relação.

O papel da relação NUS/Cr como uma métrica da atividade neuro-hormonal, portanto, precisa ser mais estudado. É necessário entender seu papel no espectro de classificação da fração de ejeção e toda a prática clínica, justificando assim seu uso rotineiro na prática clínica.

  • Minieditorial referente ao artigo: Relação entre a Razão Nitrogênio Ureico/Creatinina e Prognóstico de Insuficiência Cardíaca em Todo o Espectro da Fração de Ejeção

Referências

  • 1
    Gardner RS, McDonagh TA. The prognostic value of anemia, right-heart catheterization and neurohormones in chronic heart failure. Expert Rev Cardiovasc Ther 2006; 4(1):51-7. Doi: 10.1586/14779072.4.1.51
    » https://doi.org/10.1586/14779072.4.1.51
  • 2
    Bozkurt B, Coats AJS, Tsutsui H, Adamopoulos s, Abdelhamid M, Albert n, et al. Universal Definition and Classification of Heart Failure A Report of the Heart Failure Society of America, Heart Failure Association of the European Society of Cardiology, Japanese Heart Failure Society and Writing Committee of the Universal Definition of Heart Failure. J Card Fail.2021;27(4);S1071-9164(21)000506. Doi: org/10.1016/j.cardfail.2021.01.022
    » org/10.1016/j.cardfail.2021.01.022
  • 3
    Greenberg B, O'Connor CM, Felker M. Classifying heart failure in the 21st century. JACC Heart Fail.2021;9(10):771-3. Doi:10.1016/j.jch.2021.08.004
    » https://doi.org/10.1016/j.jch.2021.08.004
  • 4
    Damman K, Voors AA, O’Connor CM, Van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis.: Eur Heart J. 2014;35(7):455–69. Doi:10.1093/euheartj/eht386
    » https://doi.org/10.1093/euheartj/eht386
  • 5
    Filippatos G, Farmakis D, Parissis J. Renal dysfunction and heart failure: things are seldom what they seem.: Eur Heart J .2014;35(7):416–8. Doi: 10.1093/euheartj/eht515
    » https://doi.org/10.1093/euheartj/eht515
  • 6
    Bock J, Gottlieb SS. Cardiorenal syndrome. News perspectives. Circulation.2010;121(23):2592-600. Doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.109.886473
    » https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.886473
  • 7
    Jorge MS, Rodrigues AJ, Vicente WVA, Evora PRB. nfective Endocarditis Surgery. Insights from 328 Patients Operated in a University Tertiary Hospital. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220608.
  • 8
    Brisco MA, Coca SG, Chen J, Owens AT, McCauley BD, Kimmel SE, et al. Blood urea nitrogen/creatinine ratio identifies a high-risk but potentially reversible form of renal dysfunction in patients with decompensated heart failure. Circ Heart Fail. 2013 Mar;6(2):233-9. doi: 10.1161/CIRCHEARTFAILURE.112.968230.
    » https://doi.org/10.1161/CIRCHEARTFAILURE.112.968230
  • 9
    Murata A, Kasai T, Matsue Y, Matsumoto H, Yatsu S, Kato T, et al. Relationship between blood urea nitrogen-to-creatinine ratio at hospital admission and long-term mortality in patients with acute decompensated heart failure. Heart Vessels. 2018 Aug;33(8):877-85. doi: 10.1007/s00380-018-1135-.3
    » https://doi.org/10.1007/s00380-018-1135-.3
  • 10
    Parrinello G, Torres D, Testani JM, Almasio PL, Bellanca M, Pizzo G, et al. Blood urea nitrogen to creatinine ratio is associated with congestion and mortality in heart failure patients with renal dysfunction. Intern Emerg Med. 2015 Dec;10(8):965-72. doi: 10.1007/s11739-015-1261-1
    » https://doi.org/10.1007/s11739-015-1261-1
  • 11
    Dutra GP, Gomes BFO, Carmo Jr PR, Petriz JLF, Nascimento EM, Pereira BB, et al. Mortalidade por insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária. Arq Bras Cardiol. 2022;118(4):694-700. Doi: 10.36660/abc.20210050
    » https://doi.org/10.36660/abc.20210050

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br