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Uma Apresentação Atípica e Não-Cardíaca de Cardiomiopatia Hipertrófica

Cardiomiopatia Hipertrófica; Acidente Vascular Cerebral; Aneurisma Cardíaco; Imagem Multimodal

Um homem brasileiro de 33 anos foi admitido no departamento de emergência com início súbito de afasia global e hemiparesia direita. Uma angiotomografia de urgência das artérias cerebrais confirmou o diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC), mostrando uma oclusão da artéria carótida interna esquerda. O paciente foi submetido a trombólise sistêmica e trombectomia mecânica com posterior melhora neurológica. Considerando o diagnóstico de AVC em um adulto jovem provavelmente de origem cardioembólica, ele realizou uma avaliação diagnóstica completa. De realçar que tinha antecedentes familiares de cardiomiopatia, nomeadamente o pai com cardiomiopatia hipertrófica (CMH) e o avô com doença de Chagas. No entanto, o paciente não apresentava sintomas cardíacos (como dispneia aos esforços, dor torácica, palpitações ou síncope), fatores de risco cardiovascular ou história de abuso de drogas ilícitas, e não fazia exames cardíacos desde a juventude. Durante a internação, seu eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal (68/minutos) com inversão da onda T nas derivações inferiores (II, III, aVF), derivações I e V6, mas sem critérios de hipertrofia ventricular esquerda (VE). Realizou também Holter 24 horas, descartando fibrilação atrial ou outras arritmias. A ecocardiografia transtorácica ( Figura 1 , Vídeo Complementar 1, Vídeo Complementar 2) revelou hipertrofia septal ventricular assimétrica moderada (espessura do septo interventricular 14 mm, espessura da parede posterior 9 mm), fração de ejeção VE discretamente reduzida (45%), acinesia apical e imagem sugestivo de trombo, explicando o AVC cardioembólico. A ressonância magnética cardíaca (RMC) confirmou o diagnóstico de CMH, com extensa fibrose apical e acinesia dos segmentos apicais, delineando aneurisma apical e trombo ( Figura 2 ). A coronariografia foi realizada quanto à possibilidade de cardiopatia isquêmica concomitante, descartando-se doença arterial coronariana obstrutiva. O exame sorológico para Trypanosoma cruzi foi negativo. O paciente iniciou anticoagulação sistêmica com antagonista da vitamina K (AVK). Considerando o diagnóstico de CMH com fibrose apical extensa e aneurisma apical, após tomada de decisão compartilhada pelo paciente, optou-se pela colocação de cardioversor-desfibrilador implantável subcutâneo (S-CDI). Teve alta após 18 dias. No seguimento de 1 ano, o ecocardiograma transtorácico de controle mostrou resolução completa do trombo apical, e o paciente permaneceu em anticoagulação sistêmica com AVK.

Figura 1
– Ecocardiografia transtorácica levantando a suspeita de cardiomiopatia hipertrófica e trombo apical. Painel A) Ecocardiograma transtorácico (corte apical quatro câmaras) mostrando hipertrofia septal assimétrica do ventrículo esquerdo (VE) (seta vermelha) e imagem sugestiva de trombo (seta branca). Painel B) imagem de zoom (da visão apical de quatro câmaras) representando uma massa hiperecóica dentro do ápice do VE. VE: ventrículo esquerdo.

Figura 2
– Ressonância magnética cardiovascular (RMC) confirmando o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica. Painel A) Imagem de RMC sem contraste em precessão livre de estado estacionário (visão de quatro câmaras) mostrando hipertrofia significativa do ventrículo esquerdo (VE) e um ápice aneurismático do VE (setas) contendo um trombo intracavitário (seta preta). Painel B) Sequência de recuperação da inversão da RMC (visão de quatro câmaras) confirmando o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica. Há realce tardio intramiocárdico irregular (RTG) no septo interventricular (seta vermelha), RTG transmural no ápice e segmento apical lateral do VE (setas brancas) e um trombo intracavitário (seta preta) dentro do aneurisma do VE.

A CMH é uma doença cardíaca relativamente comum, mas ainda subdiagnosticada.11. Maron BJ, Desai MY, Nishimura RA, Spirito P, Rakowski H, Towbin JA, et al. Management of Hypertrophic Cardiomyopathy: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2022;79(4):390-414. doi: 10.1016/j.jacc.2021.11.021.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2021.11.0...
Este caso ilustra uma primeira apresentação não cardíaca extremamente rara e com risco de vida de CMH. Esse fenótipo incomum de CMH com aneurisma apical do VE com cicatriz e paredes finas está associado a um risco aumentado de morte súbita arrítmica e acidente vascular cerebral tromboembólico.22. Rowin EJ, Maron MS. The Role of Cardiac MRI in the Diagnosis and Risk Stratification of Hypertrophic Cardiomyopathy. Arrhythm Electrophysiol Rev. 2016;5(3):197-202. doi: 10.15420/aer.2016:13:3.
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, 33. Raza M, Chalfoun N, Wissam A, Hashmi H, McNamara R. Hypertrophic Cardiomyopathy with a Large Apical Ventricular Aneurysm and Mural Thrombus. Glob Cardiol Sci Pract. 2018;2018(1):9. doi: 10.21542/gcsp.2018.9.
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A imagiologia cardiovascular multimodal é de suma importância para o diagnóstico etiológico de acidente vascular cerebral cardioembólico em uma idade jovem. A penetração ampliada da RMC na prática de rotina é essencial para diagnosticar esse fenótipo de CMH, que traz implicações prognósticas e de manejo significativas, como terapia com cardioversor desfibrilador implantável e anticoagulação sistêmica para prevenção de AVC.22. Rowin EJ, Maron MS. The Role of Cardiac MRI in the Diagnosis and Risk Stratification of Hypertrophic Cardiomyopathy. Arrhythm Electrophysiol Rev. 2016;5(3):197-202. doi: 10.15420/aer.2016:13:3.
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, 44. Maron BJ, Maron MS. The Remarkable 50 Years of Imaging in HCM and How it Has Changed Diagnosis and Management: From M-Mode Echocardiography to CMR. JACC Cardiovasc Imaging. 2016;9(7):858-72. doi: 10.1016/j.jcmg.2016.05.003.
https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2016.05.0...

* Material suplementar

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Referências

  • 1
    Maron BJ, Desai MY, Nishimura RA, Spirito P, Rakowski H, Towbin JA, et al. Management of Hypertrophic Cardiomyopathy: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2022;79(4):390-414. doi: 10.1016/j.jacc.2021.11.021.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2021.11.021
  • 2
    Rowin EJ, Maron MS. The Role of Cardiac MRI in the Diagnosis and Risk Stratification of Hypertrophic Cardiomyopathy. Arrhythm Electrophysiol Rev. 2016;5(3):197-202. doi: 10.15420/aer.2016:13:3.
    » https://doi.org/10.15420/aer.2016:13:3
  • 3
    Raza M, Chalfoun N, Wissam A, Hashmi H, McNamara R. Hypertrophic Cardiomyopathy with a Large Apical Ventricular Aneurysm and Mural Thrombus. Glob Cardiol Sci Pract. 2018;2018(1):9. doi: 10.21542/gcsp.2018.9.
    » https://doi.org/10.21542/gcsp.2018.9
  • 4
    Maron BJ, Maron MS. The Remarkable 50 Years of Imaging in HCM and How it Has Changed Diagnosis and Management: From M-Mode Echocardiography to CMR. JACC Cardiovasc Imaging. 2016;9(7):858-72. doi: 10.1016/j.jcmg.2016.05.003.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2016.05.003
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Dez 2022
  • Revisado
    05 Abr 2022
  • Aceito
    05 Abr 2022
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