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Síndrome Pós-COVID ou COVID Longa: Um Novo Desafio para o Sistema de Saúde

COVID-19; Síndrome Pós-COVID-19 Aguda; Sistemas de Saúde

A COVID-19 representou um desafio sem precedentes para a saúde pública em todo o mundo. Segundo o ‘WHO Coronavirus (Covid-19) Dashboard ’ (atualizado em 18/10/23), a doença afetou 770 milhões de pessoas e causou 6,9 milhões de óbitos. 11. World Health Organization. WHO Coronavirus (Covid-19) [Internet]. Geneva: WHO; 2023 [cited 2023 Nov 14]. Available from: https://covid19.who.int/region/amro/country/brazil.
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Em número de casos o Brasil ocupa a 8 a posição (38 milhões), subindo para a 2 a em número de óbitos (mais de 700 mil) e, infelizmente, alcança o 1 o na taxa de letalidade com, aproximadamente, 368 óbitos/100 mil habitantes. Esses dados indicam que, se a pandemia foi devastadora para o mundo, foi ainda mais drástica para a população brasileira. A letalidade da doença a nível mundial foi de cerca de 1% e, também neste indicador, o Brasil tem destaque negativo com letalidade próxima a 1,9%. Como a doença afetou um número enorme de indivíduos, também é grande o contingente sobrevivente à doença.

A maior parte dos indivíduos afetados pelo SARS-CoV-2 se recupera plenamente após a doença. Uma parcela importante, entretanto, permanece sintomática por um período variável de tempo. 22. Fernández-de-Las-Peñas C, Palacios-Ceña D, Gómez-Mayordomo V, Florencio LL, Cuadrado ML, Plaza-Manzano G, et al. Prevalence of Post-COVID-19 Symptoms in Hospitalized and Non-Hospitalized COVID-19 Survivors: A Systematic Review and Meta-Analysis. Eur J Intern Med. 2021;92:55-70. doi: 10.1016/j.ejim.2021.06.009.
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A persistência de sintomas é mais frequente e variada nas formas mais graves da doença. Numa coorte de 41 pacientes que necessitaram internação hospitalar por, em média, 9 dias, 80% apresentavam função pulmonar diminuída 30 dias após alta, a qual persistiu por até 6 meses em cerca de 10% dos pacientes, alguns deles com sinais claros de síndrome pulmonar restritiva, fator limitante para o esforço físico. 33. Polese J, Sant’Ana L, Moulaz IR, Lara IC, Bernardi JM, Lima MD, et al. Pulmonary Function Evaluation After Hospital Discharge of Patients with Severe COVID-19. Clinics (Sao Paulo). 2021;76:e2848. doi: 10.6061/clinics/2021/e2848.
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, 44. Polese J, Ramos AD, Moulaz IR, Sant’Ana L, Lacerda BSP, Soares CES, et al. Pulmonary Function and Exercise Capacity six Months After Hospital Discharge of Patients with Severe COVID-19. Braz J Infect Dis. 2023;27(4):102789. doi: 10.1016/j.bjid.2023.102789.
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A persistência de sintomas levou a Organização Mundial da Saúde a definir a síndrome pós-Covid ou Covid longa como uma nova entidade clínica que aparece em pacientes recuperados da infecção pelo SARS-CoV-2. A síndrome se caracteriza pela persistência, por mais de 3 meses, de sintomas que não podem ser explicados por uma condição prévia à infecção viral. 55. Soriano JB, Murthy S, Marshall JC, Relan P, Diaz JV; WHO Clinical Case Definition Working Group on Post-COVID-19 Condition. A Clinical Case Definition of Post-COVID-19 Condition by a Delphi Consensus. Lancet Infect Dis. 2022;22(4):e102-e107. doi: 10.1016/S1473-3099(21)00703-9.
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Adotando-se essa definição, vários estudos mostram que até 30% dos casos desenvolvem a síndrome. 22. Fernández-de-Las-Peñas C, Palacios-Ceña D, Gómez-Mayordomo V, Florencio LL, Cuadrado ML, Plaza-Manzano G, et al. Prevalence of Post-COVID-19 Symptoms in Hospitalized and Non-Hospitalized COVID-19 Survivors: A Systematic Review and Meta-Analysis. Eur J Intern Med. 2021;92:55-70. doi: 10.1016/j.ejim.2021.06.009.
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A dificuldade de caracterizar a síndrome decorre da grande variedade de sintomas. A subjetividade destes sintomas, entretanto, dificulta a exclusão da sua existência antes da doença. Em metanálise de 76 estudos, os sintomas mais frequentemente reportados foram fadiga (37,8%), desconforto pós-esforço (35,5%), distúrbios do sono (25,2%), dispneia (23,4%), ansiedade (21,7%), confusão mental (13,4%), depressão (13,1%), dificuldade de se concentrar (13,1%) e alterações do paladar (11,2%). 66. Kuodi P, Gorelik Y, Gausi B, Bernstine T, Edelstein M. Characterization of Post-COVID Syndromes by Symptom Cluster and Time Period up to 12 Months Post-Infection: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Infect Dis. 2023;134:1-7. doi: 10.1016/j.ijid.2023.05.003.
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Mas uma miríade de outros sintomas também foram relatados. Essa variedade dificulta a identificação de possíveis mecanismos. Várias hipóteses têm sido levantadas, incluindo desregulação do sistema imune, persistência prolongada do vírus, instalação ou agravamento de estado inflamatório crônico ou ainda que os sintomas seriam secundários a lesões em órgãos específicos afetados pelo vírus, incluindo sistema nervoso, coração/vasos sanguíneos, rins, etc. 77. Castanares-Zapatero D, Chalon P, Kohn L, Dauvrin M, Detollenaere J, Maertens de Noordhout C, et al. Pathophysiology and Mechanism of Long COVID: A Comprehensive Review. Ann Med. 2022;54(1):1473-87. doi: 10.1080/07853890.2022.2076901.
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Alguns autores têm tentado agregar os sintomas (clusters) e três agregados têm sido propostos como os mais comuns. 66. Kuodi P, Gorelik Y, Gausi B, Bernstine T, Edelstein M. Characterization of Post-COVID Syndromes by Symptom Cluster and Time Period up to 12 Months Post-Infection: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Infect Dis. 2023;134:1-7. doi: 10.1016/j.ijid.2023.05.003.
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O mais comum seria vinculado a alterações cardiovasculares decorrentes de sequelas cardíacas ou vasculares pós-infecção que levam aos sintomas que predominam na listagem acima, como desconforto pós-esforço, fadiga muscular e dispneia. Outro cluster seria constituído por alterações no sistema nervoso, onde predominam os distúrbios do sono, a ansiedade e a depressão. Um terceiro teria sintomas mais difusos secundários à persistência, a longo prazo, do estado inflamatório da fase aguda.

Os sintomas variam em função de comorbidades pré-existentes, da idade e da gravidade da doença. Um estudo multicêntrico encontra-se em andamento no Brasil visando quantificar o impacto da COVID-19 leve ou moderada na qualidade de vida e na função cardiovascular de pacientes. 88. Rover MM, Trott G, Scolari FL, Silva MMDD, Souza D, Santos RDRMD, et al. Health-Related Quality of Life and Long-Term Outcomes after Mildly Symptomatic COVID-19: The Post-COVID Brazil Study 2 Protocol. Arq Bras Cardiol. 2023;120(9):e20220835. doi: 10.36660/abc.20220835.
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Neste número dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Trott et al. apresentam um artigo metodológico de estudo multicêntrico que concentrará esforços para elucidar o quadro sintomatológico ao longo do tempo em pacientes acometidos de COVID-19 moderada a grave visando correlacionar os sintomas ao longo de um ano com o quadro clínico da fase aguda da doença. Serão incluídos apenas pacientes que tiveram assistência hospitalar especializada na fase aguda da doença. 99. Trott G, Scolari FL, Rover MM, Silva MMD, Souza D, Santos RRM, et al. Qualidade de Vida em Longo Prazo e Desfechos após Internação por COVID-19 no Brasil: Protocolo do Estudo Pós-COVID Brasil 1. Arq Bras Cardiol. 2023;120(11):e20230378. doi: 10.36660/abc.20230378.
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Apesar de a coleta de dados não ser presencial, o que seria ideal, a seleção rigorosa de pacientes e o acompanhamento aos 3, 6, 9 e 12 meses após a alta constitui esforço relevante para obter melhor entendimento da dimensão do problema visando propor mecanismos que possam explicar a diversidade de sintomas e abrir pistas para tratamentos mais específicos. O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) tem obtido alguns dados importantes nesse sentido, notadamente em função de variáveis de saúde mental, uma vez que o estudo dispõe de dados dos mesmos indivíduos e com os mesmos métodos antes e após a pandemia. 1010. Griep RH, Almeida MDCC, Barreto SM, Brunoni AR, Duncan BB, Giatti L, et al. Working from Home, Work-Time Control and Mental Health: Results from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Front Psychol. 2022;13:993317. doi: 10.3389/fpsyg.2022.993317.
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Análises de dados dos participantes do ELSA-Brasil que foram acometidos ou não pela Covid-19 podem fornecer dados importantes para uma melhor compreensão do impacto da doença em vários órgãos, sistemas e comportamentos. A COVID-19 representou um enorme desafio para os sistemas de saúde em todo mundo. Desafio não menos importante deverá ser enfrentado na abordagem das sequelas físicas e psíquicas deixadas pela pandemia.

Referências

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    Soriano JB, Murthy S, Marshall JC, Relan P, Diaz JV; WHO Clinical Case Definition Working Group on Post-COVID-19 Condition. A Clinical Case Definition of Post-COVID-19 Condition by a Delphi Consensus. Lancet Infect Dis. 2022;22(4):e102-e107. doi: 10.1016/S1473-3099(21)00703-9.
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    Castanares-Zapatero D, Chalon P, Kohn L, Dauvrin M, Detollenaere J, Maertens de Noordhout C, et al. Pathophysiology and Mechanism of Long COVID: A Comprehensive Review. Ann Med. 2022;54(1):1473-87. doi: 10.1080/07853890.2022.2076901.
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    Trott G, Scolari FL, Rover MM, Silva MMD, Souza D, Santos RRM, et al. Qualidade de Vida em Longo Prazo e Desfechos após Internação por COVID-19 no Brasil: Protocolo do Estudo Pós-COVID Brasil 1. Arq Bras Cardiol. 2023;120(11):e20230378. doi: 10.36660/abc.20230378.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230378
  • 10
    Griep RH, Almeida MDCC, Barreto SM, Brunoni AR, Duncan BB, Giatti L, et al. Working from Home, Work-Time Control and Mental Health: Results from the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Front Psychol. 2022;13:993317. doi: 10.3389/fpsyg.2022.993317.
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  • Minieditorial referente ao artigo: Qualidade de Vida em Longo Prazo e Desfechos após Internação por COVID-19 no Brasil: Protocolo do Estudo Pós-COVID Brasil 1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2023
  • Revisado
    08 Nov 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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