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Diversidade e estimativas de riqueza de aranhas em quatro fitofisionomias na Serra do Cachimbo, Pará, Brasil

Spiders diversity and richness estimates in four vegetations types of Serra do Cachimbo, Pará, Brazil

Resumos

Um inventário da fauna de aranhas foi realizado na Serra do Cachimbo, no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, município de Novo Progresso, Pará. As coletas ocorreram em duas expedições, uma na estação seca (agosto e setembro de 2003) e outra na chuvosa (março e abril de 2004). Cada expedição contou com a participação de três coletores. O esforço de amostragem foi de 240 amostras, sendo 96 através de guarda-chuva entomológico e rede de varredura, 96 através de coleta manual noturna e 48 por triagem manual e extratores de Winkler. Foi comparada a diversidade de aranhas de quatro tipos de vegetação, Floresta Ombrófila Aberta, mata de galeria, áreas de Cerrado (Savana Arbórea) e de Campina. As coletas resultaram em um total de 4.990 indivíduos, dos quais 2.750 adultos. Foram identificadas 427 morfoespécies em 37 famílias, sendo as mais abundantes Theridiidae, Salticidae e Araneidae e as mais ricas em espécies Araneidae, Salticidae e Theridiidae. As espécies representadas por apenas um indivíduo somaram 40% do total e apenas duas ultrapassaram cem indivíduos. A curva de riqueza específica estimada (ACE) atingiu 614 espécies. A maior diversidade alfa (índice de Shannon-Wiener) foi encontrada em Floresta Ombrófila, seguida pela mata de galeria, Campina e Cerrado. Tais diferenças entre as vegetações podem ser explicadas devido a variações na complexidade da vegetação e na disponibilidade de microhábitats em cada fitofisionomia.

Aranhas; riqueza de espécies; estimativa de riqueza; Amazônia brasileira


An inventory of the spider fauna was carried out at Serra do Cachimbo, inside the "Campo de Provas Brigadeiro Velloso", municipality of Novo Progresso, state of Pará, Brazil. Two expeditions were made, during both dry (August and September, 2003) and wet (March and April, 2004) seasons. Three collectors participated in each expedition. The sampling effort, represented by 240 samples, was divided into the following methods: beating tray and sweeping net (96 samples); nocturnal hand search (96 samples) and concentrated litter sorted by a combination of hand search and Winkler extractors (48 samples). The spiders assemblages from four vegetation types (open rainforest, riparian forest, arboreal savanna and white sand vegetation) were compared. A total of 4,990 spiders were obtained, from which 2,750 adults, resulting in 427 morphospecies of 37 families. The most abundant families were Theridiidae, Salticidae, and Araneidae and the ones with more species were Salticidae, Araneidae, and Theridiidae. Singletons represented 40% of the total species richness and only two species presented more than 100 individuals. The estimated species richness curve produced by ACE reached 614 species. The highest alpha-diversity (Shannon-Wiener index) was observed in open rainforest, followed by riparian forest, white sand vegetation and arboreal savanna. These differences among the various vegetations can be explained by variations in vegetation complexity and micro-habitat availability in each vegetation type.

Spiders; species richness; richness estimate; Brazilian Amazonia


Diversidade e estimativas de riqueza de aranhas em quatro fitofisionomias na Serra do Cachimbo, Pará, Brasil

Spiders diversity and richness estimates in four vegetations types of Serra do Cachimbo, Pará, Brazil

Janael Ricetti; Alexandre B. Bonaldo

Coordenação de Zoologia, Museu Paraense Emílio Goeldi, Caixa Postal 399, 66040-170 Belém, Pará, Brasil. (jricetti@gmail.com; bonaldo@museu-goeldi.br)

RESUMO

Um inventário da fauna de aranhas foi realizado na Serra do Cachimbo, no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, município de Novo Progresso, Pará. As coletas ocorreram em duas expedições, uma na estação seca (agosto e setembro de 2003) e outra na chuvosa (março e abril de 2004). Cada expedição contou com a participação de três coletores. O esforço de amostragem foi de 240 amostras, sendo 96 através de guarda-chuva entomológico e rede de varredura, 96 através de coleta manual noturna e 48 por triagem manual e extratores de Winkler. Foi comparada a diversidade de aranhas de quatro tipos de vegetação, Floresta Ombrófila Aberta, mata de galeria, áreas de Cerrado (Savana Arbórea) e de Campina. As coletas resultaram em um total de 4.990 indivíduos, dos quais 2.750 adultos. Foram identificadas 427 morfoespécies em 37 famílias, sendo as mais abundantes Theridiidae, Salticidae e Araneidae e as mais ricas em espécies Araneidae, Salticidae e Theridiidae. As espécies representadas por apenas um indivíduo somaram 40% do total e apenas duas ultrapassaram cem indivíduos. A curva de riqueza específica estimada (ACE) atingiu 614 espécies. A maior diversidade alfa (índice de Shannon-Wiener) foi encontrada em Floresta Ombrófila, seguida pela mata de galeria, Campina e Cerrado. Tais diferenças entre as vegetações podem ser explicadas devido a variações na complexidade da vegetação e na disponibilidade de microhábitats em cada fitofisionomia.

Palavras-Chave: Aranhas, riqueza de espécies, estimativa de riqueza, Amazônia brasileira.

ABSTRACT

An inventory of the spider fauna was carried out at Serra do Cachimbo, inside the "Campo de Provas Brigadeiro Velloso", municipality of Novo Progresso, state of Pará, Brazil. Two expeditions were made, during both dry (August and September, 2003) and wet (March and April, 2004) seasons. Three collectors participated in each expedition. The sampling effort, represented by 240 samples, was divided into the following methods: beating tray and sweeping net (96 samples); nocturnal hand search (96 samples) and concentrated litter sorted by a combination of hand search and Winkler extractors (48 samples). The spiders assemblages from four vegetation types (open rainforest, riparian forest, arboreal savanna and white sand vegetation) were compared. A total of 4,990 spiders were obtained, from which 2,750 adults, resulting in 427 morphospecies of 37 families. The most abundant families were Theridiidae, Salticidae, and Araneidae and the ones with more species were Salticidae, Araneidae, and Theridiidae. Singletons represented 40% of the total species richness and only two species presented more than 100 individuals. The estimated species richness curve produced by ACE reached 614 species. The highest alpha-diversity (Shannon-Wiener index) was observed in open rainforest, followed by riparian forest, white sand vegetation and arboreal savanna. These differences among the various vegetations can be explained by variations in vegetation complexity and micro-habitat availability in each vegetation type.

Keywords: Spiders, species richness, richness estimate, Brazilian Amazonia.

O conhecimento da diversidade biológica da Amazônia é ainda escasso, concentrando-se, principalmente, ao redor dos centros urbanos e nas margens dos grandes rios da região, os quais historicamente constituem a via de acesso ao interior da bacia amazônica (HEYER et al., 1999). A utilização de inventários estruturados para a avaliação dos padrões de riqueza e diversidade de espécies tem se tornado cada vez mais constante nos estudos de fauna, principalmente porque permite a comparação entre ambientes (CODDINGTON et al., 1996). Além disso, esses protocolos otimizam o tempo despendido em campo, uma vez que aumentam a quantidade e a qualidade da informação obtida sobre os padrões de diversidade e distribuição das espécies.

As aranhas são consideradas um grupo mega-diverso (CODDINGTON & LEVI, 1991), representando um dos mais diversificados e abundantes grupos de organismos. PLATNICK (2007) listou mais de 39.725 espécies descritas em 3.677 gêneros em todo o mundo. Porém, a fauna de aranhas das regiões tropicais e subtropicais ainda não é bem conhecida. CODDINGTON & LEVI (1991) estimaram que de 60% a 70% das espécies de aranhas tecedoras de teias orbiculares neotropicais, disponíveis em coleções, representam espécies novas para a ciência. O percentual de espécies novas neotropicais é certamente ainda maior para grupos de aranhas menos conspícuos, presentes em hábitats pouco estudados, como a serapilheira e o dossel, principalmente na Amazônia brasileira. Segundo ADIS et al. (2002), existem mais de 65 famílias, 300 gêneros e 1000 espécies de aranhas descritas para a porção brasileira da Amazônia. Porém, estes números ainda estão longe de refletir a realidade, pois a araneofauna da Amazônia brasileira passou a ser amostrada com maior intensidade apenas nas duas últimas décadas do século XX.

Os pontos mais intensamente amostrados até o momento, na Amazônia Central, foram a Reserva Florestal Adolfo Ducke (HÖFER, 1990, 1997; VIEIRA & HÖFER, 1994, 1998; GASNIER et al., 1995; HÖFER et al., 1996; GASNIER & HÖFER, 2001; HÖFER & BRESCOVIT, 2001; ADIS et al., 2002); a Estação Ecológica da Ilha de Maracá (LISE, 1998) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (BORGES & BRESCOVIT, 1996). Na Amazônia oriental, a única lista faunística recente de Araneae é a de MARTINS & LISE (1997), que trabalharam na Estação Científica Ferreira Penna (ECFP), Floresta Nacional de Caxiuanã, Melgaço, Pará.

A Serra do Cachimbo, um divisor de águas no sul do Estado do Pará, formando as nascentes de rios pertencentes à bacia do Tapajós e Xingu, é uma das regiões ainda não inventariadas do bioma amazônico. O propósito deste estudo foi realizar um inventário da fauna de aranhas, procurando avaliar de que maneira a diversidade deste grupo se mantém nos diversos tipos fitofisionômicos da Serra do Cachimbo.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido na Serra do Cachimbo, dentro do Campo de Provas Brigadeiro Veloso, município de Novo Progresso, Pará, sudeste da Amazônia. A região tem altitude média de 700m acima do nível do mar e está compreendida dentro da área de transição entre as formações florestais amazônicas e as formações abertas do planalto central brasileiro, resultando em uma grande heterogeneidade ambiental (TOLEDO, 1962; ASKEW et al., 1970). Segundo LIERAS & KIRKBRIDE (1978), a região possui uma vegetação peculiar, distribuída em um mosaico de florestas ombrófilas e vegetações de savana, apresentando diversos componentes típicos do cerrado. A formação vegetal predominante nos locais amostrados é a savana, com áreas de campinas e campinaranas; manchas de Floresta Ombrófila, porém, ocorrem em extensões consideráveis.

Para a classificação da área, foram determinados alguns tipos fitofisionômicos e escolhido um ponto referencial para cada um: Floresta Ombrófila Aberta (FO-09º16'18,6"S; 54º56'22,9"O); Mata de Galeria (MG-09º22'02,9"S; 55º01'11,9"O); Campina (CA-09º21'45,3"S; 54º54'54,4"O) e Cerrado (CE-09º21'41,5"S; 55º02'07,5"O). Esta definição está em concordância ao descrito pelo projeto RADAMBRASIL (1980). As áreas estudadas estão sobre solo arenoso, sendo a área de CA caracterizada por uma vegetação não-florestal, possuindo uma estrutura baixa, com arbustos de até dois metros de altura e aglomerados esparsos de árvores maiores. Esta formação pode apresentar solo exposto (areia branca) ou coberto por grandes aglomerados de liquens. A área de CE é uma formação florestada, apresentando estrutura arbórea com camadas definidas de matéria orgânica sobre o solo. A FO é reconhecida como área de transição entre a Amazônia e o espaço extra-amazônico, possuindo uma estrutura semelhante à Floresta Ombrófila Densa, porém com dossel mais baixo e paisagem mais aberta, devido à presença de palmeiras, cipós ou bambus (RADAMBRASIL, 1980). A MG estende-se ao longo de cursos d'água, apresentando larguras que variam desde poucos metros até cerca de 400m das margens. É formada por árvores esparsas de porte grande e médio a grande, tornando a altura da serapilheira variável.

As amostras da araneofauna foram obtidas por três coletores em duas expedições, uma durante o período seco (agosto e setembro de 2003) e outra durante o chuvoso (março e abril de 2004), nas quatro áreas. As amostras foram realizadas em diferentes períodos do dia e através de diferentes métodos de coleta, com o intuito de maximizar o acesso a diferentes micro-ambientes, visto que a distribuição, história natural e comportamento das espécies são variáveis. Foram obtidas 60 amostras em cada área, utilizando os métodos descritos a seguir.

Guarda-chuva entomológico e rede de varredura (CGE/RV). Estas duas técnicas foram aplicadas concomitantemente, para a amostragem de aranhas presentes na vegetação arbustiva (GCE) e rasteira (gramíneas, RV). As amostras foram controladas por tempo e obtidas sem a delimitação de parcelas. Cada hora de coleta foi considerada uma amostra, totalizando 24 amostras em cada fisionomia.

Coleta manual noturna (MN). Técnica que acessa animais ativos durante a noite, incluindo aqueles que caminham sobre o solo e a vegetação. As amostras foram realizadas dentro de parcelas de 30m por 10m de largura. Cada hora de coleta foi considerada uma amostra, totalizando 24 amostras em cada fisionomia.

Amostragem de serapilheira (AS). Utilizada para a captura das espécies de tamanho pequeno presentes no solo. Foram retiradas amostras de um metro quadrado de serapilheira, concentradas com auxílio de peneiras. O material particulado resultante foi submetido à triagem manual e em seguida incluído em extratores de Winkler por um período de três dias. Foram obtidas 12 amostras em cada fisionomia.

As aranhas coletadas foram fixadas em álcool 80%. A maioria dos espécimes adultos foi identificada ou morfotipada no Laboratório de Aracnologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém, PA). Parte do material foi enviado a especialistas de outras instituições. Apenas os animais adultos foram utilizados para as análises.

O material foi tombado na coleção aracnológica do Museu Paraense Emílio Goeldi, sendo que os procedimentos de curadoria adotados foram compatíveis com a manutenção do registro de esforço amostral. Duplicatas de algumas espécies foram depositadas nas coleções aracnológicas do Instituto Butantan (São Paulo, SP), e do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS).

Para tornar os dados obtidos comparáveis a outros inventários e verificar a efetividade da amostragem de aranhas realizada nas quatro fisionomias, foram calculadas estimativas de riqueza (CHAO & LEE, 1992; COLWELL & CODDINGTON, 1994). Uma das melhores maneiras de interpretar as informações obtidas através de estimadores é dar preferência aos que apresentem curvas estáveis (ou com tendência à estabilidade) e que não se afastem muito da curva de espécies observadas (CODDINGTON et al., 1996; TOTI et al., 2000). Um teste de desempenho dos estimadores não-paramétricos (ACE) e Jackknife 2 indicou que o algoritmo mais adequado para a presente base de dados é ACE, uma vez que este foi o que mais se aproximou da estabilização ao final da adição de amostras. Assim, são apresentados apenas os resultados deste estimador, que utiliza informação sobre abundância de espécies representadas por até 10 indivíduos no total de amostras (SANTOS, 2003). Para a comparação entre as riquezas observadas em cada fisionomia, foram calculadas curvas de rarefação (Mao-Tau) (COLWELL, 2005). A completude do inventário foi calculada para cada fisionomia amostrada e consiste na porcentagem de espécies que não foram representadas por um único indivíduo (CODDINGTON et al., 1996). Foram realizadas comparações da diversidade alfa entre as fisionomias através de índices de diversidade e uniformidade baseados em proporções de abundância de espécies. Os índices utilizados foram Shannon-Wiener (H') e o de uniformidade (U) (KREBS, 1999). Para estas análises foi utilizado o programa EstimateS 7.5 (COLWELL, 2005).

Para comparar as diferenças de riqueza e abundância entre as fisionomias, foram realizadas análises de variância através de testes não-paramétricos de Kruskall-Wallis (H) (ZAR, 1996).

RESULTADOS

Foram obtidos 4.990 indivíduos, dos quais 2.240 (45%) eram jovens e 2.750 (55%) adultos. As aranhas adultas foram segregadas em 37 famílias e 427 espécies (Tab. I). Apenas 17% dos táxons foram identificados até o nível específico.

Considerando os indivíduos adultos, a família mais abundante foi Theridiidae (28%), seguida por Salticidae (15%) e Araneidae (14%). Quanto à riqueza, Araneidae apresentou o maior valor (83 espécies), seguida por Salticidae (75) e Theridiidae (56). A distribuição das abundâncias apresentou poucas espécies comuns e muitas espécies raras, sendo que apenas Episinus sp. 2 e Ctenidae indet. 2 apresentaram mais de cem indivíduos (n=302 e 171, respectivamente). Das 427 espécies observadas, 40% foi representada por apenas um indivíduo (singleton) e 17% por dois indivíduos (doubleton); desta forma, a completude do inventário em função do número de singletons foi de 60%.

A estimativa de riqueza para o conjunto total de amostras foi de 614 espécies. A análise de variância apontou diferenças entre as fisionomias quanto à riqueza de espécies por amostras (H(3,240) = 9,32; p < 0,05) (Fig. 1) e o teste a posteriori para Kruskal-Wallis evidenciou diferença significativa entre a campina e os demais tipos de vegetação (Tab. II). Este teste indicou a campina como a fisionomia com a menor riqueza por amostra, embora a riqueza acumulada ao final das amostras tenha sido próxima à riqueza do cerrado. Não houve diferença significativa entre as áreas quanto à abundância de indivíduos.


As curvas de acumulação observadas (Fig. 2), para cada uma das quatro fisionomias, não estabilizaram ao final das amostragens, ao passo que as curvas estimadas tiveram desempenho diferente em cada tipo vegetacional. Para FO e CA, estas curvas apresentaram estabilização após 49 e 54 amostras, respectivamente, enquanto que para MG e CE, não foram esboçadas assíntotas. A estimativa para FO indicou uma riqueza de 315 espécies para uma riqueza observada (Sobs) de 204 espécies. Para MG foram estimadas 294 espécies (Sobs = 170), para CA, 201 (Sobs = 135) e para CE, 251 (Sobs = 136).


A riqueza entre as áreas foi comparada utilizando-se curvas de rarefação (Fig. 3), uma vez que houve uma diferença de mais de 200 indivíduos entre a campina e as outras áreas. Apesar de terem sido coletados menos indivíduos em CA, a riqueza neste tipo vegetacional foi semelhante à de CE, que apresentou a maior abundância.


Assim, se fosse coletado o mesmo número de indivíduos nas duas áreas, CA teria cerca de 25 espécies a mais do que CE. Já FO teria cerca de 40 espécies a mais que todas as áreas. A curva de rarefação da FO foi mais íngreme que as outras, o que sugere uma distribuição de indivíduos mais uniforme entre as espécies.

O índice de diversidade alfa de Shannon-Wiener (H'), calculado para as quatro fisionomias (Tab. III), atribuiu à FO um maior valor (H'=4,47) e à CE o menor (H'=3,84). O índice de uniformidade (U) baseado em (H') revelou que a uniformidade variou entre 79% (CE) e 85% (FO) para as quatro áreas.

DISCUSSÃO

Araneidae, Salticidae e Theridiidae, que dominaram as amostragens da Serra do Cachimbo, são conhecidas como as famílias mais comuns na Amazônia (BRESCOVIT et al., 2002), superando as demais tanto em abundância quanto em riqueza. O fato de grande parte das morfoespécies reconhecidas neste trabalho não terem sido passíveis de determinação demonstra as grandes lacunas no conhecimento taxonômico de aranhas neotropicais e impede que a lista taxonômica obtida seja comparada com outras listas disponíveis. Os inventários de araneofauna na Amazônia não-brasileira têm gerado números de espécies altos, com 497 espécies (SILVA & CODDINGTON, 1996) e 252 espécies (CORDOVA & DUAREZ, 2001) nas florestas do Peru. Inventários realizados na Amazônia brasileira apresentaram listas com 102 espécies na Reserva de Mamirauá (BORGES & BRESCOVIT, 1996), 134 espécies na Floresta Nacional de Caxiuanã (MARTINS & LISE, 1997), 270 na Ilha de Maracá (LISE, 1998) e 506 espécies na Reserva Ducke (HÖFER & BRESCOVIT, 2001).

Outros fatores que impossibilitam comparações dos padrões de diversidade entre diferentes localidades inventariadas na Amazônia são as diferenças em termos de esforço de coleta empreendido em cada estudo. Assim como na Serra do Cachimbo, os métodos mais utilizados em inventários de aranhas na Amazônia brasileira são guarda-chuva entomológico, coletas manuais e armadilhas de solo. Entretanto, as diferenças na riqueza observada gerada por estes métodos devem ser atribuídas às diferenças no esforço de coleta. A incipiência atual na disponibilidade de informações sobre padrões de diversidade na Amazônia brasileira revela a urgência no desenvolvimento de novos inventários faunísticos padronizados, que gerem dados comparáveis em diferentes regiões.

As estimativas de riqueza calculadas sobre o total de amostras resultaram em números bem maiores do que o observado. Para o conjunto de dados obtidos na Serra do Cachimbo, o estimador demonstrou estabilização apenas nas últimas seis amostras, assim como desvio padrão igual a zero na última. Estes atributos podem indicar um desempenho realista dos cálculos de estimativa (TOTI et al., 2000), apesar de terem sido aplicados a uma comunidade tropical caracteristicamente megadiversa. Estas estimativas altas estão relacionadas à ocorrência de um grande número de espécies raras ou menos freqüentes, indicando que se deve amplificar o esforço de coleta. Os dados de completude indicam que seria necessário incrementar em 40% o esforço de coleta empreendido até o momento, sem adição de singletons para que o inventário fosse considerado completo.

Da mesma forma, as curvas de acumulação de espécies calculadas para cada fisionomia apresentaram valores de riqueza estimada bem maiores do que o observado. No presente estudo, as estimativas obtidas pelo algoritmo ACE apresentaram estabilidade a partir das últimas seis amostras em FO e CA, com desvio igual a zero ao final da adição de amostras. Todas as estimativas geraram valores que variaram dentro de um intervalo de aproximadamente 100 espécies, exceto para CA, onde foram estimadas 66 espécies a mais que o observado. Conforme SANTOS (2003), esta situação é típica em inventários em regiões tropicais, onde é pouco provável conseguir-se curvas estabilizadas de acumulação de espécies. Apesar disso, as curvas estimadas para FO e CA, que atingiram um patamar estável, podem servir como um indicador de que a diferença entre as riquezas destas duas formações vegetais pode ser maior do que a diferença observada a partir do esforço empregado.

A análise de variância sugere que é provável encontrar mais espécies de aranhas em uma amostra realizada em FO e MG do que em uma amostra em CA. A diferença de riqueza de espécies entre as fisionomias, provavelmente, se deve às diferenças na complexidade da vegetação. Os resultados obtidos sugerem que a disponibilidade de micro-hábitats é o principal mecanismo de influência da vegetação sobre a fauna de aranhas, sendo apoiado por estudos que relacionam positivamente a complexidade do ambiente e a riqueza de aranhas (HATLEY & MACMAHON, 1980; PROVENCHER & VICKERY, 1988; UETZ, 1991; WISE, 1993; HALAJ et al., 1998; RYPSTRA et al., 1999; MCNETT & RYPSTRA, 2000; YSNEL & CANARD, 2000).

As comparações de diversidade, feitas através da curva de rarefação e de índices de diversidade, demonstraram um mesmo padrão entre as vegetações. A utilização de curvas de rarefação com redimensionamento do Eixo X para o número de indivíduos, como uma ferramenta na comparação de padrões de riqueza é uma maneira de visualizar o conjunto de dados evitando o erro causado pela variação da abundância dos indivíduos, o que ocorre naturalmente entre as áreas comparadas (GOTELLI & COLWELL, 2001). Segundo aqueles autores, quanto maior a uniformidade da distribuição das abundâncias de espécies em uma área mais íngreme será a sua curva de espécies por indivíduos. Esta análise (intervalo de confiança de 95%) evidenciou que FO foi a vegetação mais diversa e o CE a menos diversa da área de estudo. A comparação dessas vegetações através de um índice de diversidade, o qual atribui peso às espécies raras e expressa a importância da abundância relativa de cada espécie (MAGURRAN, 1988), evidenciou que CE possui a araneofauna menos diversa. Estas observações podem ter relação com uma provável menor variabilidade de ambientes nessa vegetação, uma vez que a dominância de uma espécie (Episinus sp. 2) afetou os valores de uniformidade. Na Floresta Ombrófila, Episinus sp. 2 também foi mais dominante, porém a riqueza de espécies era maior e a variação na abundância das mesmas foi menor.

Os padrões de diversidade de aranhas dos quatro tipos de fisionomias estudados demonstram que o mosaico de vegetações da Serra do Cachimbo é responsável pela manutenção de uma grande diversidade de espécies, muitas das quais raras ou ainda desconhecidas para a ciência. O presente estudo demonstra a importância da conservação desta região e a urgência na aplicação de recursos para fomentar o conhecimento taxonômico e ecológico de invertebrados terrestres neotropicais. A continuidade dos estudos sobre a araneofauna desta área, incluindo análises das diferenças de composição da fauna nas várias fitofisionomias, bem como ao longo do período sazonal, poderá trazer subsídios concretos para o desenvolvimento de estratégias de conservação dos mosaicos de vegetação da Serra do Cachimbo, uma das regiões com maior heterogeneidade ambiental da Amazônia brasileira.

Agradecimentos. Ao M.Sc. José Augusto P. Barreiros (in memorian), pelo auxílio no trabalho de campo e procedimentos de coleta e pela identificação das espécies da família Oonopidae. Ao Dr. Antônio Brescovit (Instituto Butantan) e Dr. Adalberto José dos Santos (UFMG), pelo auxílio, sugestões sobre o desenvolvimento e análises deste estudo e identificação de gêneros e espécies de aranhas das famílias Anyphaenidae e Oxyopidae. À PhD. Cristina Rheims, M.Sc. Gustavo Ruiz, M.Sc. Daniele Polotow (Universidade de São Paulo), às pesquisadoras Erica Buckup, Maria Aparecida Marques (Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul) e à Bióloga Naiara Abrahim dos Santos (Museu Paraense Emílio Goeldi), pela identificação de gêneros e espécies de aranhas das famílias Sparassidae, Scytodidae, Salticidae, Ctenidae, Theridiidae, e Araneidae. Ao M.Sc. Carlos Eduardo Conte e M.Sc. Fausto Nomura, pelas sugestões e M.Sc. Luciano Montag, pela ajuda nas análises. Ao CNPq, pela concessão da Bolsa de Mestrado (JR) e bolsa de pesquisa (ABB, processo 303591/2006-3). Este estudo fez parte do projeto "Paisagens e Biodiversidade: uma perspectiva integrada para inventário e conservação da Serra do Cachimbo" (PROBIO – MMA).

Recebido em março de 2006. Aceito em julho de 2007.

Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Zoologia do Convênio Universidade Federal do Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi. Bolsista CNPQ.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 2008

Histórico

  • Aceito
    Jul 2007
  • Recebido
    Mar 2006
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