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Descrição do girino de Physalaemus cicada (Anura, Leiuperidae)

Description of the tadpole of Physalaemus cicada (Anura, Leiuperidae)

Resumos

O girino de Physalaemus cicada Bokermann, 1966 é descrito com base em exemplares obtidos a partir de uma desova coletada em uma poça temporária na Fazenda Olho D’água localizada no município de São João do Cariri, Estado da Paraíba. No estágio 37, o girino possui comprimento total de 17,5mm, corpo correspondendo a 42% do comprimento total, oval em vista dorsal, levemente deprimido em vista lateral e fórmula das fileiras de dentes labiais 2(2)/3(1). A presença de um disco oral com o lábio posterior estreito presente no girino de P. cicada possibilita diferencia-lo dos demais girinos das outras espécies pertencentes ao gênero Physalaemus.

Girino; Physalaemus cicada; morfologia larval


The tadpole of Physalaemus cicada Bokermann, 1966 is described with base in specimens obtained through a spawning collected in a temporary pond in Fazenda Olho D’água, municipality of São João do Cariri, state of Paraiba, Brazil. In the stage 37, the tadpole attains a total length of 17,5 mm, body corresponding to 42% of the total length, oval in dorsal view, slightly depressed in lateral view and tooth row formula 2(2)/3(1). The presence of an oral disc with a narrow posterior labium makes possible differentiates the tadpole of P. cicada from other species of Physalaemus.

Tadpole; Physalaemus cicada; larval morphology


Descrição do girino de Physalaemus cicada (Anura, Leiuperidae)

Description of the tadpole of Physalaemus cicada (Anura, Leiuperidae)

Washington L. da S. VieiraI; Cristina ArzabeII

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Zoologia), Laboratório e Coleção de Herpetologia, Departamento de Sistemática e Ecologia, Universidade Federal da Paraíba, Campus I, João Pessoa, PB, Brasil. (wlsvieira@yahoo.com.br)

IIEMBRAPA Meio-Norte, Teresina, PI, Brasil. (arzabe@cpamn.embrapa.br)

RESUMO

O girino de Physalaemus cicada Bokermann, 1966 é descrito com base em exemplares obtidos a partir de uma desova coletada em uma poça temporária na Fazenda Olho D’água localizada no município de São João do Cariri, Estado da Paraíba. No estágio 37, o girino possui comprimento total de 17,5mm, corpo correspondendo a 42% do comprimento total, oval em vista dorsal, levemente deprimido em vista lateral e fórmula das fileiras de dentes labiais 2(2)/3(1). A presença de um disco oral com o lábio posterior estreito presente no girino de P. cicada possibilita diferencia-lo dos demais girinos das outras espécies pertencentes ao gênero Physalaemus.

Palavras-chave: Girino, Physalaemus cicada, morfologia larval.

ABSTRACT

The tadpole of Physalaemus cicada Bokermann, 1966 is described with base in specimens obtained through a spawning collected in a temporary pond in Fazenda Olho D’água, municipality of São João do Cariri, state of Paraiba, Brazil. In the stage 37, the tadpole attains a total length of 17,5 mm, body corresponding to 42% of the total length, oval in dorsal view, slightly depressed in lateral view and tooth row formula 2(2)/3(1). The presence of an oral disc with a narrow posterior labium makes possible differentiates the tadpole of P. cicada from other species of Physalaemus.

Keywords: Tadpole, Physalaemus cicada, larval morphology.

A família Leiuperidae é constituída por sete gêneros e 76 espécies distribuídas no sul do México, América Central e sul da América do Sul (GRANT et al, 2006; FROST, 2007). O gênero Physalaemus Fitzinger, 1826 caracterizase por ser um táxon bastante heterogêneo, com 41 espécies agrupadas em sete grupos: P. albifrons, P. cuvieri, P. deimaticus, P. gracilis, P. henselii, P. olfersii e P. signifer (NASCIMENTO et al., 2005).

O grupo P. cuvieri é constituído por oito espécies: P. albonotatus (Steindachner, 1864), P. centralis (Bokermann, 1962), P. cicada Bokermann, 1966, P. cuqui Lobo, 1993, P. cuvieri Fitzinger, 1826, P. ephippifer (Steindachner, 1864), P. erikae Cruz & Pimenta, 2004, P. fischeri (Boulenger, 1890) e P. kroyeri (Reinhard & Lütken, 1862 "1861"). As espécies deste grupo possuem uma ampla distribuição geográfica pela América do Sul a oeste dos Andes nas formações abertas do Cerrado, Caatinga, Chaco e Lhanos (NASCIMENTO et al., 2005). Contudo, informações sobre girinos das espécies deste grupo ainda permanecem incipientes (PEROTTI, 1997).

Physalaemus cicada possui distribuição restrita à Região Nordeste do Brasil (FROST, 2007), sendo uma espécie típica das caatingas semi-áridas. Portanto, este trabalho tem como objetivo descrever o girino de P. cicada Bokermann, 1966 e compará-lo com outros girinos das espécies do gênero Physalaemus.

MATERIAL E MÉTODOS

Uma desova obtida de um casal de P. cicada foi coletada em 27 de abril de 2003 em uma poça temporária (07º22’52’’S, 36º31’51’’W) com dimensões de 60m de comprimento por 50m de largura, com profundidade máxima de 56cm, um hidroperíodo de quatro meses e temperatura da água variando entre 25º e 32ºC. As margens e o centro deste reservatório possuem uma vegetação constituída predominantemente por cactáceas e espécies das famílias Euphorbiaceae, Cyperaceae e Poaceae. Este corpo d’água temporário está localizado na fazenda Olho D’água, uma área de clima semi-árido com vegetação de caatinga arbustiva, situada no município de São João do Cariri (7º29’34"S e 36º41’53"W), a 203km a oeste da capital João Pessoa na micro-região do Cariri Paraibano, Brasil. Após a eclosão dos girinos, os mesmos foram transportados para o laboratório, criados em um aquário e alimentados com ração para peixe até completarem a metamorfose.

Os girinos foram fixados em formalina a 10% e estão depositados no Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG 19257) e na Coleção Herpetológica do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB 4424). A fórmula dentária segue ALTIG (1970), a nomenclatura morfológica e as características morfométricas, obtidas de oito indivíduos, utilizando-se um paquímetro (0,05mm) e ocular micrométrica em estereomicroscópico, seguem ALTIG & MCDIARMID (1999). As ilustrações a nanquim foram realizadas com base em exemplares no estágio 37 de desenvolvimento e confeccionadas utilizando uma câmara clara acoplada ao estereomicroscópico.

RESULTADOS

Descrição do girino: no estágio 37 (GOSNER, 1960), o girino apresenta um corpo levemente deprimido em vista lateral (Fig. 1) e oval em vista dorsal (Fig. 2), sendo mais largo do que alto. Comprimento do corpo correspondendo a aproximadamente 42% do comprimento total; focinho arredondado dorsalmente e lateralmente, olhos grandes, dorsais, com diâmetro igual a 9,5% do comprimento do corpo, distância interorbital igual a 15,5% da largura do corpo; distância olho-focinho igual a 10% da largura do corpo e distância olho-narina equivalente a 4,6% do comprimento do corpo (Tab. I).




Narinas pequenas, arredondadas, com distância internasal igual a 10,8% da largura do corpo e posicionadas dorsalmente na metade da distância entre os olhos e o focinho; espiráculo curto, sinistro, fusionado ao corpo e localizado no terço médio do corpo (Fig. 2). Tubo anal mediano, curto, fundido à nadadeira ventral; nadadeira dorsal com origem no terço posterior do corpo, mais alta que a ventral, com sua maior altura no terço médio da cauda; nadadeira ventral estreita e levemente arqueada (Fig. 1).

Disco oral ântero-ventral, emarginado lateralmente, com largura equivalendo a 21,3% da largura do corpo, circundado por uma fileira de papilas uniseriada, com ampla interrupção no lábio superior e uma menor no lábio inferior, papilas submarginais ausentes, presença de um estreitamento no lábio posterior (Fig. 3).

Fórmula das fileiras de dentes labiais 2(2)/3(1). Comprimento da fileira P-3 equivalente à metade da P-2, mandíbulas intensamente pigmentadas, levemente serrilhadas. A mandíbula superior é levemente convexa e a inferior com formato de U (Fig. 3).

Em vida, o girino apresenta a região dorsal de cor olivácea com manchas dispersas de cor marrom escuro, flancos com mesma coloração do dorso; espiráculo transparente; terço anterior da região do ventre esbranquiçado e posterior transparente, sendo possível visualizar os órgãos internos.

Nadadeira dorsal e ventral pouco pigmentada, apresentando algumas manchas de coloração semelhante à do dorso, porção muscular da cauda com a região dorsal mais pigmentada que a ventral. Em formalina, a coloração dorsal é marrom-escuro, com manchas negras dispostas de forma irregular, flancos com a mesma coloração do dorso, ventre transparente, nadadeiras dorsal e ventral transparentes, porção muscular da cauda pouco pigmentada com pequenas manchas na região dorsal.

Os girinos desta espécie não formam agregados, são predominantemente noturnos, bentônicos, permanecendo nas partes rasas da poça em substrato argiloso ou pedregoso em microhabitats expostos à luz solar ou entre a vegetação aquática. Além disso, foram registradas desovas de Physalaemus cicada depositadas sobre a superfície da água (n=12) como também diretamente no solo úmido (n=6) nas margens da poça temporária.

DISCUSSÃO

O girino de P. cicada é bastante semelhante aos de outras espécies do gênero tais como de P. centralis, P. cuvieri, P. fernandezae, P. cuqui, P. enesefae, P. albonotatus, P. aguirrei, P. gracilis, P. henselii, P. riograndensis, P. spiniger (Tab. II). A grande maioria tem corpo ovóide em vista dorsal, deprimido e globular em vista lateral, exceto P. gracilis e P. riograndensis, que têm um corpo elíptico em vista lateral.

O disco oral do girino de P. cicada é margeado por uma fileira uniseriada de papilas, com uma pequena interrupção no lábio inferior (Fig. 3). Esta característica o diferencia dos girinos de outras espécies, como por exemplo, de P. aguirrei, que apresenta fileira de papilas uniseriada no lábio superior e biseriada no lábio inferior (PIMENTA & CRUZ, 2004), P. caete, por possuir fileira uniseriada no lábio superior e biseriada no lábio inferior (POMBAL & MADUREIRA, 1997), P. fernandezae, por possuir uma fileira biseriada de papilas orais, P. henselii, por apresentar uma fileira uniseriada no lábio superior e uma biseriada no lábio inferior (CEI, 1980) e de P. gracilis, por possuir o disco oral margeado por uma fileira biseriada de papilas orais (LANGONE, 1989) (Tab. II).

O girino de P. cicada, por possuir uma estreita interrupção no lábio inferior, difere dos de P. aguirrei, P. gracilis e P. riograndensis, que não apresentam esta característica (PIMENTA & CRUZ, 2004; LANGONE, 1989; CEI, 1980). A fórmula das fileiras de dentes labiais em P. cicada diferencia das espécies P. centralis, P. fuscomaculatus, P. henselii e P. riograndensis (Tab. II). HEYER et al. (1990) redescreveram os girinos de P. cuvieri da Estação Biológica de Boracéia, Estado de São Paulo, sudeste do Brasil, com fórmula das fileiras de dentes labiais do tipo 2(2)/3(1), semelhante ao observado nos girinos de P. cicada, enquanto que as larvas de P. cuvieri, descritas por BOKERMANN (1962), possuem fórmula 2/3(1).

De acordo com as comparações interespecíficas, os girinos das espécies do gênero Physalaemus possuem uma morfologia externa bastante semelhante e dados sobre anatomia oral interna são escassos. Vários caracteres morfológicos observados nos girinos de P. cicada são comuns às larvas pertencentes a este gênero, o que dificulta o seu reconhecimento, embora a presença de um disco oral com lábio posterior estreito e com uma pequena interrupção na fileira de papilas orais possibilita a sua identificação. Nesse sentido, estudos detalhados sobre anatomia oral interna das estruturas bucofaringeanas e morfologia do condrocrânio são necessários para uma melhor caracterização dos girinos das espécies pertencentes a este gênero.

As informações obtidas sobre história natural dos girinos de P. cicada são semelhantes às de outras espécies de Physalaemus. A deposição de ninhos de espuma de P. cicada encontrada no solo também foi registrada para P. spiniger por HADDAD & POMBAL (1998) e está diretamente relacionada à postura em locais extremamente rasos e a ausência de chuvas associada à incidência solar faz com que o nível da água da poça diminua bastante deixando as desovas depositadas sobre o solo úmido em locais onde havia água.

Agradecimentos. A Luciana B. Nascimento, Rafael de Sá e Marinus Hoogmoed pela revisão do manuscrito, Yuri Cláudio C. de Lima pela colaboração nos trabalhos de campo. À direção da Estação Meteorológica de São João do Cariri, por ter disponibilizado alojamento durante o período de coleta, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de mestrado concedida ao autor sênior e ao Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), pelo suporte financeiro.

Recebido em fevereiro de 2006. Aceito em outubro de 2007.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Recebido
    Fev 2006
  • Aceito
    Out 2007
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