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Abundância, distribuição espacial de ninhos de abelhas Meliponina (Hymenoptera, Apidae, Apini) e espécies vegetais utilizadas para nidificação em áreas de cerrado do Maranhão

Abundance, spatial distribution of Meliponina bees' nests (Hymenoptera, Apidae, Apini) and plant species used as nesting sites in savanna areas of Maranhão, Brazil

Resumos

O trabalho objetivou identificar as espécies de abelhas sem ferrão (Hymenoptera, Apidae, Apini, Meliponina) presentes em três áreas de cerrado no Maranhão, nordeste do Brasil, por meio do levantamento de seus ninhos. Também foi objetivo do trabalho identificar e caracterizar os substratos vegetais utilizados como locais de nidificação. Pretendeu-se averiguar a abundância e a distribuição espacial de ninhos, bem como padrões de uso dos substratos para nidificação. Foram encontrados 73 ninhos pertencentes a 15 espécies. As espécies mais abundantes foram Partamona chapadicola Pedro & Camargo, 2003 (34,25%) e Oxytrigona sp. 2 (20,55%). Identificaramse 11 espécies vegetais utilizadas para construção dos ninhos. O substrato de nidificação mais freqüente foi Qualea parviflora (Vochysiaceae), na qual encontrou-se 38,36% do total de ninhos (n=28), seguido por Salvertia convallariodora (Vochysiaceae) (n=17; 23,29%). O intervalo de confiança de 95% para o DAP situou-se entre 36,21 cm a 41,68 cm. Este intervalo representaria árvores mais velhas que teriam mais cavidades disponíveis para nidificação, o que poderia ser o caso de S. convallariodora e Q. parviflora. O padrão de dispersão dos substratos com ninhos mostrou-se aleatório nas áreas 1 e 2 e uniforme na área 3. Padrões de distribuição aleatórios seriam um indício da ausência de competição e padrões uniformes indicariam competição.

Meliponina; fragmentação; cerrado; substratos de nidificação; distribuição espacial


This study aimed at identifying the stingless bees species (Hymenoptera: Apidae, Apini, Meliponina) those were found in three study sites of cerrado, northeastern Brazil. The study also aimed identifying the plant species those were used as nesting sites by the stingless bees and verifying their characteristics. We intended to verify abundance and spatial distribution of the nests and patterns of the plants used as nesting sites. Seventy-three nests of 15 species were found. The most abundant species were Partamona chapadicola Pedro & Camargo, 2003 (34,25%) and Oxytrigona sp. 2 (20,55%). Eleven tree species were used as nesting sites. The most common host tree species was Qualea parviflora (Vochysiaceae) where 38,36% of the nests (n=28) nestled, followed by Salvertia convallariodora (Vochysiaceae) (n=17, 23,29%). The 95% confidence interval of DHB was between 36,21 cm and 41,68 cm. This interval is related with older trees that should have more hollows to be used as nesting sites. This process might be occurring with S. convallariodora and Q. parviflora. The patterns of spatial distribution for study sites 1 and 2 were random and the pattern for study site 3 was uniform. Random pattern would be a sign for absence of competition. On the other hand uniform pattern would indicate competition.

Meliponina; fragmentation; Cerrado; nesting sites; spatial distribution


Abundância, distribuição espacial de ninhos de abelhas Meliponina (Hymenoptera, Apidae, Apini) e espécies vegetais utilizadas para nidificação em áreas de cerrado do Maranhão

Abundance, spatial distribution of Meliponina bees' nests (Hymenoptera, Apidae, Apini) and plant species used as nesting sites in savanna areas of Maranhão, Brazil

Bruna D. V. SerraI; Murilo S. DrummondII; Lenira de M. LacerdaII; Ivan P. AkatsuIII

IDepartamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Viçosa, Av. P. H. Rholfs, s/n, 36570-000 Viçosa, MG, Brasil. (bruna@amavida.org.br)

IIDepartamento de Biologia, Universidade Federal do Maranhão, Av. dos Portugueses, s/n, Bacanga, 65080-040 São Luís, MA, Brasil. (msdrumm@uol.com.br; leniralacerda@uol.com.br)

IIIDepartamento de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, Av. Bandeirantes, 3900, 14040-901 Ribeirão Preto, SP, Brasil. (akatsu@usp.br)

RESUMO

O trabalho objetivou identificar as espécies de abelhas sem ferrão (Hymenoptera, Apidae, Apini, Meliponina) presentes em três áreas de cerrado no Maranhão, nordeste do Brasil, por meio do levantamento de seus ninhos. Também foi objetivo do trabalho identificar e caracterizar os substratos vegetais utilizados como locais de nidificação. Pretendeu-se averiguar a abundância e a distribuição espacial de ninhos, bem como padrões de uso dos substratos para nidificação. Foram encontrados 73 ninhos pertencentes a 15 espécies. As espécies mais abundantes foram Partamona chapadicola Pedro & Camargo, 2003 (34,25%) e Oxytrigona sp. 2 (20,55%). Identificaramse 11 espécies vegetais utilizadas para construção dos ninhos. O substrato de nidificação mais freqüente foi Qualea parviflora (Vochysiaceae), na qual encontrou-se 38,36% do total de ninhos (n=28), seguido por Salvertia convallariodora (Vochysiaceae) (n=17; 23,29%). O intervalo de confiança de 95% para o DAP situou-se entre 36,21 cm a 41,68 cm. Este intervalo representaria árvores mais velhas que teriam mais cavidades disponíveis para nidificação, o que poderia ser o caso de S. convallariodora e Q. parviflora. O padrão de dispersão dos substratos com ninhos mostrou-se aleatório nas áreas 1 e 2 e uniforme na área 3. Padrões de distribuição aleatórios seriam um indício da ausência de competição e padrões uniformes indicariam competição.

Palavras-chave: Meliponina, fragmentação, cerrado, substratos de nidificação, distribuição espacial.

ABSTRACT

This study aimed at identifying the stingless bees species (Hymenoptera: Apidae, Apini, Meliponina) those were found in three study sites of cerrado, northeastern Brazil. The study also aimed identifying the plant species those were used as nesting sites by the stingless bees and verifying their characteristics. We intended to verify abundance and spatial distribution of the nests and patterns of the plants used as nesting sites. Seventy-three nests of 15 species were found. The most abundant species were Partamona chapadicola Pedro & Camargo, 2003 (34,25%) and Oxytrigona sp. 2 (20,55%). Eleven tree species were used as nesting sites. The most common host tree species was Qualea parviflora (Vochysiaceae) where 38,36% of the nests (n=28) nestled, followed by Salvertia convallariodora (Vochysiaceae) (n=17, 23,29%). The 95% confidence interval of DHB was between 36,21 cm and 41,68 cm. This interval is related with older trees that should have more hollows to be used as nesting sites. This process might be occurring with S. convallariodora and Q. parviflora. The patterns of spatial distribution for study sites 1 and 2 were random and the pattern for study site 3 was uniform. Random pattern would be a sign for absence of competition. On the other hand uniform pattern would indicate competition.

Keywords: Meliponina, fragmentation, Cerrado, nesting sites, spatial distribution.

Os cerrados maranhenses recobrem a região oriental e meridional do Estado e constituem uma das regiões de cerrado menos conhecidas quanto à fauna, principalmente de invertebrados (REBÊLO & CABRAL, 1997; ALBUQUERQUE & MENDONÇA, 1999; RÊGO et al., 2006). A maioria dos estudos sobre a fauna de abelhas do Maranhão abrange principalmente o norte do Estado (REBÊLO, 1995; GONÇALVES et al., 1996; BRITO & RÊGO, 2001; SILVA & REBÊLO, 2002). A subtribo Meliponina (Hymenoptera, Apidae, Apini) possui aproximadamente 54 espécies inventariadas em diferentes ecossistemas no Estado (ALBUQUERQUE & RÊGO, 2000). Apesar disso, há poucos trabalhos sobre espécies vegetais utilizadas para nidificação, bem como sobre a abundância destas em áreas de cerrado (ou mesmo em regiões semi-áridas do Brasil) (RÊGO & BRITO, 1996; ANTONINI & MARTINS, 2003; MARTINS et al., 2004).

As abelhas sem ferrão são insetos eussociais e freqüentemente nidificam em ocos de árvores, ninhos de térmitas ou formigas, em cavidades subterrâneas ou expostos em galhos (CAMARGO, 1970; WILLE & MICHENER, 1973; ROUBIK, 1983; ROUBIK, 1989). Os padrões de distribuição espacial e abundância de ninhos de insetos eussociais são bem estudados em formigas (WIERNASZ & COLE, 1995), térmitas (JONES, 1993) e Apis spp. (MCNALLY & SCHNEIDER, 1996; OLDROYD et al., 1997). Em abelhas sem ferrão, porém, estes estudos são raros (MICHENER, 1974; HUBBELL & JOHNSON, 1977; HUBBELL & JOHNSON, 1978). A compreensão do padrão de sua distribuição e abundância é importante para o desenvolvimento de estratégias de conservação que reduzam os efeitos da fragmentação de habitats sobre a estrutura genética e ecológica de populações de abelhas do grupo Meliponina (BREED et al., 1999).

O desaparecimento de polinizadores, resultado da degradação da fauna, pode impor prejuízos às populações de plantas (falha na reprodução, perda de diversidade genética ou decréscimo da progênie devido à depressão endogâmica) (JENNERSTEN, 1988; BAWA, 1990). Quaisquer alterações nos níveis de polinização podem afetar ainda diversos organismos que dependem direta ou indiretamente da polinização: animais que se utilizam de sementes e frutos produzidos pelas plantas, e animais que tem em sua dieta aqueles que dependem dos recursos vegetais (JANZEN, 1987). Assim, torna-se importante a conservação destas abelhas, já que são reconhecidas polinizadoras em ambientes naturais (HEARD, 1999).

Os invertebrados, particularmente os insetos, por responderem rapidamente a mudanças e distúrbios nos ecossistemas e contribuírem para sua sustentabilidade através de processos como decomposição, transferência de energia e polinização (RECHER et al., 1993; ANDERSEN & SPARLING, 1997), são freqüentemente usados como indicadores da qualidade do ambiente (PEARSON & CASSOLA, 1992; HAMER et al., 1997; HILL, 1999; JONES & EGGLETON, 2000; KITCHING et al., 2000).

Muitos esquemas de conservação utilizam práticas de manejo da paisagem para conservar e realçar as comunidades florais, conseqüentemente melhorando a disponibilidade de alimento e recursos utilizados na construção dos ninhos de abelhas do grupo Meliponina. Entretanto, relativamente poucos esforços têm enfocado a necessidade de recursos para nidificação em áreas reduzidas (POTTS et al., 2005).

A redução de grandes extensões de cerrado em todo o Brasil (RATTER et al., 1997), torna imprescindível compreender aspectos da estrutura de comunidade de abelhas Meliponina para subsidiar a formulação de estratégias de conservação. Desta forma, o trabalho objetivou identificar as espécies de abelhas sem ferrão presentes em três áreas de cerrado no Maranhão. Também foi objetivo do trabalho identificar e caracterizar os substratos vegetais utilizados como locais de nidificação. Através destes propósitos, pretendeu-se averiguar a abundância e distribuição espacial de ninhos, a riqueza de espécies de abelhas e os padrões de uso dos substratos para nidificação.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado entre julho de 2001 e julho de 2004 em áreas de reserva pertencente à Comercial e Agrícola Paineiras Ltda, localizada no município de Urbano Santos, Maranhão (3º12'28''S, 43º24'12''W). O clima da região é tropical quente e úmido, com precipitação média anual de 1.500 mm, estação chuvosa de janeiro a junho e de estiagem de julho a dezembro (EITEN, 1994).

As observações e coletas foram feitas mensalmente em três áreas de cerrado sensu stricto denominadas área 1 (41,9 ha), área 2 (29,6 ha) e área 3 (114 ha), que futuramente constituirão ilhas de vegetação natural interligadas por corredores ecológicos após implantação de projeto de silvicultura em porções vizinhas às áreas de estudo (Fig. 1). Foram feitas observações minuciosas em toda extensão das três áreas, por meio de deslocamentos ao longo de transectos paralelos para detectar os locais de nidificação de abelhas Meliponina (ninhos aéreos e ninhos no solo). Ao final de todas as coletas e observações toda a extensão das áreas havia sido vistoriada. Os ninhos encontrados foram numerados e georeferenciados. Coletaram-se amostras dos indivíduos de cada ninho e das espécies vegetais nas quais estes nidificaram para posterior identificação. As abelhas coletadas foram depositadas na coleção entomológica e as amostras das espécies vegetais no herbário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Para caracterizar os substratos nidificados pelas abelhas mediu-se o diâmetro da árvore na altura do peito (DAP) e a altura da entrada do ninho em relação ao solo, utilizando-se fita métrica.


Estimou-se o intervalo de confiança de 95% para o DAP das árvores ocupadas. Foi realizada análise de variância e teste de Tukey para amostras de tamanhos diferentes entre as médias de DAP das espécies vegetais que abrigavam ninhos. As espécies vegetais representadas por apenas um ou dois indivíduos e as espécies de abelhas representadas por um ou dois ninhos foram agrupadas para a análise. Utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis para averiguar diferenças nas alturas das entradas dos ninhos entre as espécies de abelhas, bem como o teste de comparação múltipla. Verificou-se ainda, a distribuição espacial dos ninhos, através do índice de dispersão do vizinho mais próximo (R) (CLARK & EVANS, 1954). As análises estatísticas foram realizadas através do programa R (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2007), exceto os cálculos relacionados com o método do vizinho mais próximo que foram executados em planilha do Microsoft® Office Excel 2003.

RESULTADOS

Setenta e três ninhos de abelhas pertencentes a 15 espécies foram localizados nas três áreas estudadas. Dentre estes, ninhos de Partamona chapadicola Pedro & Camargo, 2003 foram mais abundantes (34,25%), seguidos por Oxytrigona sp. 2 (20,55%) (Fig. 2, Tab. I). A espécie mais generalista com relação aos substratos utilizados (sete espécies vegetais) foi Oxytrigona sp. 2.


Foram identificadas 11 espécies vegetais utilizadas para construção dos ninhos: Qualea parviflora (Vochysiaceae), Salvertia convallariodora (Vochysiaceae), Caryocar brasiliense (Caryocaraceae), Tabebuia sp. (Bignoniaceae), Vatairea sp. (Fabaceae), Parkia platycephala (Fabaceae), Buchenavia sp. (Combretaceae), Jacaranda sp. (Bignoniaceae), Platonia insignis (Clusiaceae), Terminalia fagifolia (Combretaceae) e Salacia amygdalina (Hippocrateaceae). A freqüência de ninhos por tipo de substrato variou entre as espécies de abelhas. O substrato de nidificação mais freqüente foi Q. parviflora (n=28) com 38,36% do total de ninhos registrados. Esse substrato abrigou 72% dos ninhos de P. chapadicola (n=25). O substrato no qual ocorreu maior diversidade de espécies, e onde se encontrou a maioria das espécies de abelhas com apenas um ninho registrado foi S. convallariodora.

A maioria dos ninhos de abelhas sem ferrão ocorreu em cavidades de árvores. Apenas Partamona spp. ocorreram associadas a ninhos de outros insetos. Ninhos de Partamona seridoensis Pedro & Camargo, 2003 foram encontrados em termiteiros arborícolas externos, ativos, construídos de terra e localizados na base das árvores. Partamona chapadicola ocorreu em termiteiros, em ocos de troncos e em galhos de árvores vivas. Em três ocasiões encontraram-se mais de um ninho desta espécie em uma mesma árvore: dois ninhos em Q. parviflora e Vatairea sp., e dois ninhos de P. chapadicola mais um de Trigona pallens (Fabricius, 1798) em Q. parviflora. A ocorrência de mais de um ninho na mesma árvore também foi constatada para Oxytrigona spp. (Oxytrigona sp. 1 e Oxytrigona sp. 2 em S. convallariodora) e Melipona compressipes (Fabricius, 1804) (dois ninhos em S. convallariodora). Ninhos aéreos de Trigona branneri Cockerell, 1912 foram construídos sobre ramos de árvores e apoiados em forquilhas, e algumas espécies nidificaram próximo ao solo, na base de árvores: Tetragonisca angustula (Latreille, 1811), Melipona sp. e Trigona fulviventris Guérin, 1837 .

A análise de variância entre o DAP médio das espécies de árvores com ninho indicou diferenças entre os grupos (α<0,05). Através do teste de Tukey, observouse que a média igual a 25,75 cm de Tabebuia sp. é inferior as médias de C. brasiliense, (=44,06 cm), S. convallariodora (=43,22 cm) e P. platycephala (=50,32 cm). O DAP médio de Tabebuia sp. mostrou-se marginalmente inferior (α= 0,0544) ao de Q. parviflora (=40,42 cm) e semelhante a Vatairea sp. (=44,07 cm). Segundo o teste de Kruskal-Wallis, as espécies de abelhas apresentaram diferenças em relação à altura da entrada dos ninhos (α<0,05). O teste de comparação múltipla indicou que T. branneri possui entrada mais alta (=11,6 m) do que P. chapadicola (=2,82 m), do que o grupo de espécies agregadas (=1,44 m) e do que T. pallens (=0,59 m). Já Oxytrigona sp.1 (=6,17 m) tem entrada mais alta que T. pallens.

O padrão de dispersão dos ninhos de abelhas nas três áreas foi o seguinte: na área 1 os substratos nidificados distribuíram-se de forma aleatória (R=0,81; z= -1,57; p>0,05; n=18) (Fig. 3); na área 2 o padrão de dispersão também foi aleatório (R=0,89; z = -0,78; p>0,05; n=15) (Fig. 4), e na área 3, os ninhos ocorreram uniformemente espaçados, com índice de dispersão do vizinho mais próximo igual a 1,88 (z=10,35; p<0,05; n=40) (Fig. 5).



DISCUSSÃO

A fauna de abelhas Meliponina encontrada inclui espécies cuja distribuição não havia sido relatada para o Maranhão. O gênero Frieseomelitta, até então representado por quatro espécies no Estado: F. flavicornis (Fabricius, 1798), F. varia (Lepeletier, 1836), F. portoi (Friese, 1900) e F. silvestrii (Friese, 1902) (REBÊLO et al., 2003) foi acrescido de mais duas espécies: F. longipes (Smith, 1854) e F. doederleini (Friese, 1900).

As espécies de abelhas encontradas nidificaram em diferentes espécies arbóreas; entretanto, 61,65% dos ninhos foram observados em apenas duas espécies de árvores: Q. parviflora e S. convallariodora. MARTINS et al. (2004) observaram utilização de 12 espécies arbóreas por meliponíneos na caatinga e 75% destes ninhos ocorreram em apenas duas espécies de árvores. RÊGO & BRITO (1996) verificaram a utilização de apenas duas espécies vegetais para nidificação por meliponíneos em cerrado maranhense. Segundo aqueles autores, S. convallariodora foi a espécie vegetal que abrigou maior diversidade de espécies de abelhas sem ferrão e também o substrato de nidificação utilizado pela maioria dos meliponíneos (88%; n=22), sendo os demais ninhos encontrados em ocos de P. insignis.

Quando se compara as freqüências relativas dos substratos vegetais com ninhos, aqui observadas, com as freqüências destas espécies em outra área de cerrado no Maranhão (IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA, 2003), observam-se algumas diferenças. Salvertia convallariodora, segundo IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA (2003), ocorre com freqüência relativa de 11,42%. No entanto, foi verificado seu uso como local de nidificação, em 25,71% das observações. Por outro lado, Parkia platycephala e Platonia insignis, ocorreriam no cerrado maranhense com freqüências de 15,87% e 7,3% respectivamente (IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA, 2003), mas, foram observadas contendo ninhos em 4,28% e 1,42% das observações. As diferenças entre freqüência de utilização das espécies vegetais pelas abelhas, e a freqüência de ocorrência destas árvores no cerrado maranhense podem ser explicadas pela longevidade distinta das espécies arbóreas. As espécies de abelhas encontradas tenderiam a nidificar em árvores com DAP médio entre 36,21 cm e 41,68 cm, representando árvores mais velhas (AQUINO et al., 2007). Desta forma, S. convallariodora poderia ter maior longevidade, permitindo maior crescimento, ao contrário de P. insignis que possui longevidade menor. Logo, idades maiores implicam em maiores chances de formação de cavidades. Em acréscimo, IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA (2003) verificaram uma freqüência relativa de 39,04% para Q. parviflora, sendo a freqüência de árvores com ninho de 34,28%. Estas freqüências podem ser consideradas similares e ao relacioná-las ao fato de que Q. parviflora possui baixa longevidade, porém sua taxa de recrutamento de novos indivíduos para geração seguinte tende a ser elevada, o que torna a densidade desta árvore significativa nas áreas de cerrado em que ocorre (IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA, 2003; AQUINO et al., 2007). Tabebuia sp., Q. parviflora e S. convallariodora contiveram 62,89% dos ninhos, e, segundo AQUINO et al. (2007), possuem extensa longevidade. A análise de variância indicou que Tabebuia sp. tende a possuir o menor DAP médio. Contudo, estes valores são maiores que a média de 11,35 cm apresentada por IMAÑA-ENCINAS & DE PAULA (2003). Mesmo com a tendência de possuir o menor valor médio de DAP, a análise de variância aponta que este valor possui chance de estar entre os valores do intervalo de confiança. Se o padrão for o mesmo observado por AQUINO et al. (2007), as árvores com DAP do intervalo de confiança têm uma freqüência baixa, indicando que os locais para nidificação por abelhas Meliponina tendem a ser um recurso escasso no cerrado do Maranhão. Ainda é possível propor que não apenas a longevidade contribui para uma maior freqüência de nidificação em dada espécie de árvore, mas também as taxas de crescimento. AQUINO et al. (2007), apontam que Q. parviflora e S. convallariodora (que continham 62,82% dos ninhos) tiveram taxas de crescimento de maior magnitude. Outro fator relevante é que a nidificação em dada espécie de árvore dependerá também da natureza da fibra da madeira. Algumas espécies arbóreas possuem fibra mais resistente e, portanto, menos susceptíveis a formarem cavidades.

Em geral, a estrutura interna dos ninhos de meliponíneos em troncos de árvore fica próxima à entrada dos ninhos (WILLE & MICHENER,1973), assim a altura da entrada é uma referência para a altura dos ninhos como um todo. O teste de comparação múltipla sugere a construção preferencial do ninho em posições mais baixas por T. pallens e em posições mais altas por T. branneri. Porém, a maioria dos pares comparados não se diferenciou, indicando que a altura dos ninhos nas árvores possa ser dada ao acaso.

O padrão de distribuição espacial dos ninhos em abelhas sociais é pouco conhecido. Possivelmente, está relacionado a fatores extrínsecos como à distribuição e densidade de substratos adequados à construção destes, aos aspectos ecológicos de ocupação dos ocos e à predação, bem como aos aspectos intrínsecos de cada espécie (como a enxameação próximo à colônia mãe). O padrão de dispersão uniforme dos ninhos observados na área 3 pode ser devido a esta área ser mais impactada (maior ocorrência de incêndios durante o período de estudo e maior interferência antrópica), possuir mais trechos de vegetação de capoeira (quando comparada às áreas 1 e 2) e, possivelmente, possuir menor disponibilidade de recursos (florais e de nidificação). Já o padrão aleatório dos ninhos observados nas áreas 1 e 2, pode estar relacionado ao fato destas áreas possuírem vegetação mais densa e possivelmente apresentarem maior disponibilidade de recursos. HUBBELL & JOHNSON (1977), argumentam que competição agressiva por alimento seria a razão para dispersão uniforme em meliponíneos neotropicais que forrageiam em grupo e que o espaçamento entre ninhos seria mediado por encontros agressivos entre colônias que competem por um novo sítio de nidificação. Por conseguinte, o padrão aleatório encontrado nas áreas 1 e 2 pode indicar ausência (ou baixo nível) de competição por recursos. Uma vez que os recursos estejam disponíveis para as populações, a dispersão de novas colônias até novos sítios de nidificação ocorreria ao acaso. Ou, alternativamente, a distribuição aleatória poderia indicar que as fontes de recursos também estariam dispersas aleatoriamente.

Os resultados gerados neste trabalho certamente auxiliarão os projetos de conservação e contribuirão para uma melhor compreensão da organização das comunidades do cerrado. Os recursos para nidificação, em adição aos recursos disponíveis para forrageamento e outras dinâmicas da estrutura de comunidades de abelhas Meliponina também necessitam ser considerados para uma melhor avaliação das conseqüências da redução e isolamento de populações em fragmentos, permitindo o estabelecimento de programas efetivos de manejo em áreas reduzidas de floresta.

Agradecimentos. Ao PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo auxílio financeiro. À Comercial e Agrícola Paineiras Ltda pelo apoio logístico. Ao professor Gabriel Melo (UFPR) pela identificação das espécies de abelhas. Ao professor Paulo Figueiredo (UFMA) pela identificação das espécies vegetais. Aos senhores Nonato e "Codó" pela assistência em campo.

Recebido em dezembro de 2007.

Aceito em julho de 2008.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Mar 2009

Histórico

  • Aceito
    Jul 2008
  • Recebido
    Dez 2007
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