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Estimativas de parâmetros populacionais e demográficos de Ozotoceros bezoarticus (Artiodactyla, Cervidae) em Piraí do Sul, Paraná, sul do Brasil

Estimates of population and demographic parameters of Ozotoceros bezoarticus (Artiodactyla, Cervidae) in Piraí do Sul, Paraná, southern Brazil

Resumos

Este estudo foi realizado em duas propriedades particulares, situadas no município de Piraí do Sul, sul do Brasil. Foram realizadas 16 fases de campo mensais, com três dias de duração, no período compreendido entre fevereiro de 2001 e maio de 2002, com o objetivo de obter informações sobre a biologia do veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus Linnaeus, 1758) e identificar os principais fatores de impacto sobre o mesmo. Foram computadas 1.065 observações, estimando-se 71,45 indivíduos na população, sendo o tamanho médio dos grupos de 2,29 (DV ± 0,55), e a razão sexual de 0,83. Indivíduos isolados corresponderam a 40% das observações, sendo o maior grupo composto por 10 indivíduos. Registrou-se um pico de nascimentos entre setembro e novembro, embora esses tenham acontecido ao longo de todo o estudo. Foram registrados 34 óbitos, correspondendo a uma mortalidade de 47,6%, sendo as principais causas a predação por Puma concolor (Linnaeus, 1771), a caça e os atropelamentos. A população estudada encontra-se severamente ameaçada, e não sobreviverá por muito tempo a menos que políticas que garantam a sua conservação sejam adotadas. Estas políticas devem incluir o manejo adequado das áreas e o controle dos vetores de pressão.

Veado-campeiro; razão sexual; conservação; ameaças populacionais


This study was conducted in two private properties in the municipality of Piraí do Sul (Paraná state, southern Brazil). Sixteen monthly visits were made each one lasting three days between February 2001 and May 2002. The study aimed at the observation of pampas deer biology (Ozotoceros bezoarticus Linnaeus, 1758), and the evaluation of main impacts to this population. We computed 1,065 observations of estimated 71.45 individuals. The average size of the groups was 2.29 (SD ± 0.55) animals, and the sexual ratio was 0.83. Isolated deer accounted for 40% of the observations, whereas the largest group comprised 10 individuals. It was recorded a peack period of births between September and November, although births were observed along all the studied period. Thirty-four deaths were recorded corresponding to a 47.6% death rate. The main causes of death were predatory actions by cougar Puma concolor (Linnaeus, 1771), hunting and individuals being run over by motor vehicles. The studied population is seriously endangered and it will not escape extinction unless certain policies to guarantee its conservation are adopted. These policies should include correct management of the areas and control of pressure vectors.

Pampas deer; sexual ratio; conservation; population threats


Estimativas de parâmetros populacionais e demográficos de Ozotoceros bezoarticus (Artiodactyla, Cervidae) em Piraí do Sul, Paraná, sul do Brasil

Estimates of population and demographic parameters of Ozotoceros bezoarticus (Artiodactyla, Cervidae) in Piraí do Sul, Paraná, southern Brazil

Fernanda G. BragaI; Yoshiko S. KuniyoshiII

IBio situ Projetos e Estudos Ambientais Ltda, Rua Carlos Belão 45, 82.330-090 Piraquara, PR, Brasil. (fernanda@biositu.com.br)

IIPrograma de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, Universidade Federal do Paraná, Rua Lothário Meissner 632, Jd. Botânico, 80.210-170 Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

Este estudo foi realizado em duas propriedades particulares, situadas no município de Piraí do Sul, sul do Brasil. Foram realizadas 16 fases de campo mensais, com três dias de duração, no período compreendido entre fevereiro de 2001 e maio de 2002, com o objetivo de obter informações sobre a biologia do veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus Linnaeus, 1758) e identificar os principais fatores de impacto sobre o mesmo. Foram computadas 1.065 observações, estimando-se 71,45 indivíduos na população, sendo o tamanho médio dos grupos de 2,29 (DV ± 0,55), e a razão sexual de 0,83. Indivíduos isolados corresponderam a 40% das observações, sendo o maior grupo composto por 10 indivíduos. Registrou-se um pico de nascimentos entre setembro e novembro, embora esses tenham acontecido ao longo de todo o estudo. Foram registrados 34 óbitos, correspondendo a uma mortalidade de 47,6%, sendo as principais causas a predação por Puma concolor (Linnaeus, 1771), a caça e os atropelamentos. A população estudada encontra-se severamente ameaçada, e não sobreviverá por muito tempo a menos que políticas que garantam a sua conservação sejam adotadas. Estas políticas devem incluir o manejo adequado das áreas e o controle dos vetores de pressão.

Palavras-chave: Veado-campeiro, razão sexual, conservação, ameaças populacionais.

ABSTRACT

This study was conducted in two private properties in the municipality of Piraí do Sul (Paraná state, southern Brazil). Sixteen monthly visits were made each one lasting three days between February 2001 and May 2002. The study aimed at the observation of pampas deer biology (Ozotoceros bezoarticus Linnaeus, 1758), and the evaluation of main impacts to this population. We computed 1,065 observations of estimated 71.45 individuals. The average size of the groups was 2.29 (SD ± 0.55) animals, and the sexual ratio was 0.83. Isolated deer accounted for 40% of the observations, whereas the largest group comprised 10 individuals. It was recorded a peack period of births between September and November, although births were observed along all the studied period. Thirty-four deaths were recorded corresponding to a 47.6% death rate. The main causes of death were predatory actions by cougar Puma concolor (Linnaeus, 1771), hunting and individuals being run over by motor vehicles. The studied population is seriously endangered and it will not escape extinction unless certain policies to guarantee its conservation are adopted. These policies should include correct management of the areas and control of pressure vectors.

Keywords: Pampas deer, sexual ratio, conservation, population threats.

O veado-campeiro Ozotoceros bezoarticus Linnaeus, 1758 é um cervídeo social, típico de áreas abertas como campos e cerrados, que originalmente ocorria em grandes populações no Brasil, ao sul do Rio São Francisco, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. No Paraná, registros atuais apontam a sua ocorrência nos municípios de Guarapuava, Candói, Palmas, Pinhão, Piraí do Sul, Jaguariaíva, Sengés, Ventania, Palmeira, Balsa Nova e Lapa (BRAGA, 2009). O macho adulto pode atingir cerca de 1,20 a 1,50 m de comprimento e pesar cerca de 30 a 40 kg (GIMENEZ-DIXON, 1986), e ao contrário das fêmeas, possui chifres, que apresentam ciclos de troca. As fêmeas são um pouco menores e menos corpulentas que os machos e os filhotes possuem, ao nascer, duas faixas de manchas brancas no dorso que permanecem até os três meses de idade (MERINO et al., 1997). A gestação dura cerca de sete meses (GONZALES-SIERRA, 1985; REDFORD & EISENBERG, 1992) e a época de nascimento de filhotes está relacionada à disponibilidade de recursos alimentares (Robbins, 1983 apud MERINO et al., 1997), sendo em algumas regiões relacionada à época de maior pluviosidade (PINDER, 1992; RODRIGUES, 1996). Seus grupos são geralmente pequenos (CABRERA & YEPES, 1960) e não são fixos, formando-se e desfazendo-se continuamente (RODRIGUES, 1996). A diminuição de suas populações deve-se, principalmente, à redução do seu ambiente natural pela ação antrópica, por expansão das fronteiras agrícolas e crescimento urbano, introdução de espécies exóticas e caça excessiva (JACKSON & GIULIETTI, 1988). Ainda, segundo WEBER & GONZALEZ (2003), as populações de veado-campeiro estão sujeitas ao uso extensivo de áreas para a pecuária e agricultura (principalmente soja e cana-de-açúcar), e à implantação de povoamentos florestais de pinus e eucalipto. Diante da sua situação no Paraná, o presente estudo teve como objetivo obter informações populacionais desta espécie em Piraí do Sul, identificando os principais fatores de impacto sobre a população local.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo. A área estudada localiza-se no município de Piraí do Sul, Paraná, sul do Brasil, e compreende duas propriedades particulares, as Fazendas Monte Negro (24º19'30"S, 50º00'02"W) e 4N (24º21'38"S, 50º00'22"W), totalizando cerca de 6.000 ha. As propriedades destinam-se à produção de grãos e a Fazenda 4N também realiza pecuária extensiva. O sistema de plantio em ambas as propriedades é rotacionado, com culturas de verão (soja e milho) e inverno (aveia, azevém e trigo), sendo definido pelos proprietários conforme a valorização de cada produto.

Procedimentos. Os dados foram obtidos em 16 fases de campo no período compreendido entre fevereiro de 2001 e maio de 2002. As estradas das propriedades foram percorridas de automóvel, de maneira a abranger os ambientes potencialmente utilizáveis pela espécie, tendo sido a coleta de dados limitada às estradas pré-existentes, como uma condição imposta pelos proprietários das áreas para a realização do estudo.

Os diferentes ambientes existentes nas propriedades, resultado do tipo de manejo utilizado (pastagem ou agricultura), foram agrupados e amostrados com a definição de circuitos que foram percorridos aleatoriamente, duas vezes em cada fase de campo. O objetivo foi verificar os padrões de agrupamento, anotando-se tamanho e composição dos grupos, bem como avaliar alterações populacionais com registros de nascimentos e óbitos.

Os nascimentos foram quantificados mediante a observação de filhotes e de fêmeas que apresentassem sinais de comportamento parental. Óbitos foram registrados por meio de carcaças, sendo considerados ainda relatos de moradores e trabalhadores locais a respeito de exemplares mortos.

Os animais observados não foram individualizados, uma vez que a espécie não apresenta diferenças morfológicas evidentes entre indivíduos e não foi realizada captura e marcação dos mesmos.

Considerou-se para as análises de padrões de agrupamento a composição dos grupos, observando-se o número de machos adultos, machos jovens, fêmeas adultas, fêmeas jovens, e infantes. Foram denominados infantes aqueles animais cuja pelagem apresentava pintas brancas, e jovens aqueles nos quais estas manchas não mais ocorriam, até quando ainda pudessem ser diferenciados dos adultos pelo seu tamanho corporal, incluindo neste caso machos e fêmeas, uma vez que nesta etapa a diferenciação sexual não é evidente. Aqueles que não puderam ser enquadrados nas categorias anteriores foram considerados "indeterminados".

Os grupos foram, ainda, analisados conforme o seu tamanho e composição. O tamanho médio dos grupos foi calculado tendo como base a média das médias mensais observadas e é apresentado com respectivo desvio padrão.

A razão sexual foi obtida somente para os animais adultos, cujo dimorfismo era evidente. Para tanto, utilizou-se o quociente entre o número total de machos adultos sobre o número total de fêmeas adultas observadas ao longo de todo o estudo.

O total de indivíduos existentes na população foi estimado adaptando-se o método de contagem total (SUTHERLAND, 1994), através do somatório do número médio de animais observados em cada setor. É um bom método para estudos de espécies conspícuas em áreas abertas, onde a contagem pode ser realizada relativamente mais rápido que a velocidade da espécie se movendo entre os blocos (SUTHERLAND, 1994). Há que se ter em conta, no entanto, que avaliações desta natureza podem incidir em um erro amostral maior, do que métodos como amostragens por distância e contagem dupla.

A natalidade foi estimada com base nas observações de infantes, bem como de fêmeas com comportamento parental típico. Para obter dados de mortalidade todas as carcaças encontradas em campo foram identificadas quanto ao sexo, categoria de idade e causa da morte, quando possível. Todos os animais coletados foram depositados no acervo do Museu de História Natural Capão da Imbuia (MHNCI), em Curitiba (CTX 4368, 4369, 4371, 4373, 4374, 4376, 4407, 4512, 4710, 4711, 4713, 4714, 4715, 4724, 4725, 4794, 4795, 4876).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram computadas 1.065 observações, sendo 734 relativas a indivíduos adultos (334 machos e 400 fêmeas), 88 a jovens, 9 a infantes e 234 indeterminados, distribuídos em 483 grupos distintos.

O número total de indivíduos estimado para a área foi de 71,45 animais, porém acredita-se estar subestimado, uma vez que nem todas as áreas que compõem as fazendas foram amostradas devido às limitações impostas pelos proprietários. A obrigatoriedade de restrição das amostragens às estradas pré-existentes, uma vez que as lavouras não poderiam ser afetadas pela coleta de dados, condicionou todas as amostragens, o que pôde, em muitos momentos, ter sido responsável por problemas na obtenção de algumas informações, ou mesmo pelo aumento do erro amostral. Por não ser permitida a avaliação da área em sua totalidade, pode-se inferir que o método utilizado resultou em uma subestimativa, podendo este valor ser considerado como tamanho populacional mínimo na área de estudo.

O resultado encontrado reflete uma densidade populacional de 1,19 ind/km2, número semelhante ao encontrado em outros locais de ocorrência da espécie. No Parque Nacional das Emas, GO, as densidades encontradas foram 1-1,3 ind/km2 (Schaller & Duplaix-Hall, 1975 apud REDFORD, 1987) e 1 ind/km2 (RODRIGUES, 1996). Na APA Cabeça de Veado, DF, LEEUWENBERG & LARA-RESENDE (1994) registraram 1,27-1,65 ind/km2. Na Argentina Merino & Giulietti (1994) apud MERINO et al. (1997) encontraram 1,3 ind/km2 em San Luis e Merino & Moschione (1995) apud MERINO et al. (1997) 0,75 ± 0,19 ind/km2 na Bahia Samborombón, província de Buenos Aires. Cabe ressaltar que cada um dos trabalhos acima citados utilizou-se de um método amostral distinto, sendo necessária muita cautela na comparação das informações.

A razão sexual entre indivíduos adultos foi de 0,83 sendo significativamente diferente da esperada (1:1) (χ2 = 5,934; p<0,05). A proporção sexual varia conforme os estudos realizados; alguns deles apontam um maior número de fêmeas na população, como GIMENEZ-DIXON (1991), que encontraram uma razão sexual de 0,7; LEEUWENBERG & LARA-RESENDE (1994) de 0,74; REDFORD (1987) de 0,77; e MERINO et al. (1997) de 0,93. Outros autores encontraram um número de machos superior ao de fêmeas, como Rodrigues (1996), que relatou uma proporção de 1,07; JACKSON et al. (1980) de 1,15; GONZALEZ (1994) de 1,76. Este padrão pode ser reflexo de uma mortalidade diferencial entre sexos nas populações estudadas, variando maiores perdas entre machos e fêmeas.

O tamanho médio dos grupos foi de 2,29±0,55 indivíduos, variando sazonalmente em relação ao seu tamanho e composição. Este resultado foi superior ao encontrado no Parque Nacional das Emas por REDFORD (1987) de 1,36; por RODRIGUES (1996) de 1,97; e por NETTO et al. (2000) de 2,11 ind/grupo. No cerrado do Brasil Central foi encontrado um tamanho médio de 1,84 (LEEUWENBERG & LARA-RESENDE, 1994); e no estado do Paraná de 1,5 ind/grupo (BRAGA et al., 2000). Entretanto, foi inferior ao encontrado no Uruguai por JACKSON et al. (1980) de 4,8 a 5,6; e por GONZALEZ (1994) de 5,13. A variação no tamanho de grupo pode estar relacionada à densidade populacional das áreas amostradas, e ainda à concentração e disponibilidade de recursos nas mesmas.

Indivíduos isolados e grupos compostos por dois indivíduos foram os mais frequentemente observados (40% e 27%, respectivamente), sendo o maior grupo observado composto por 10 indivíduos. Indivíduos isolados também configuraram 54% das observações no Parque Nacional das Emas por REDFORD (1987), 47,4% por RODRIGUES (1996), e 44% por NETTO et al. (2000) no mesmo parque. JACKSON et al. (1980) registraram grupos de até 14 ; RODRIGUES (1996) e NETTO et al. (2000) de até 11 e REDFORD (1987) grupos de até oito animais. PEREZ et al. (2007) encontraram grupos que variaram entre um e sete indivíduos e BRAGA et al. (2000) grupos com no máximo quatro animais. Embora seja uma espécie social, muitos estudos têm verificado que a unidade estrutural da espécie é o indivíduo. Isto também pode ser reflexo da baixa densidade populacional atual nas áreas estudadas, grande disponibilidade de recursos bem distribuídos no ambiente e/ou ainda estar relacionado à sazonalidade.

Grupos mistos foram observados ao longo de todo o período, apresentando uma diminuição a partir de julho/2001, com a aproximação do período de nascimentos, estendendo-se até dezembro. NETTO et al. (2000) observaram grupos mistos ao longo de todo o período estudado, porém com menor frequência entre abril e maio, durante a queda de chifres, e entre outubro e novembro, durante o período de pico de nascimentos.

De agosto a dezembro as fêmeas estiveram acompanhadas dos seus filhotes, sendo fêmeas isoladas mais observadas entre setembro e dezembro, quando se afastam dos machos devido ao período de nascimento de filhotes. O aumento no número de fêmeas isoladas em maio e em outubro foi observado por NETTO et al. (2000).

O maior percentual de casais foi observado no mês de março/2001, seguido pelo mesmo período no ano seguinte, o que pode refletir um pico no período de acasalamento. Fêmeas acompanhadas de jovens foram mais visualizadas em fevereiro/2001 e janeiro/2002, ao passo que NETTO et al. (2000) observaram fêmeas com filhotes em maio e entre setembro e janeiro, principalmente em novembro.

Machos isolados foram observados constantemente, ao longo de todo o período, sendo mais frequentes nos meses de maio a julho/2001 e entre outubro e dezembro/2002. O oposto foi observado por NETTO et al. (2000), que sugere uma tendência ao agrupamento dos machos entre abril e maio como reflexo das mudanças hormonais envolvidas na queda de chifres.

O ciclo de chifres (Fig. 1) teve início no primeiro ano (2001) em junho, quando 74% dos machos estavam sem os chifres. No mês seguinte, 18% dos machos observados estavam sem os chifres, enquanto o restante estava com o chifre coberto por velame. Em agosto todos os machos observados apresentavam os chifres encapados, enquanto que, em setembro, 81% destes já apresentavam o chifre exposto. Em 2002 a perda dos chifres teve início mais cedo, sendo que 18% dos machos observados em maio já estavam sem os chifres. Os dados obtidos mostram uma regularidade na perda dos chifres, condizendo com os dados de literatura (BIANCHINI & LUNAPEREZ, 1972a; GONZALES-SIERRA, 1985; JACKSON, 1986; JACKSON & LANGGUTH, 1987; GONZALEZ, 1994; RODRIGUES, 1996; DUARTE, 1997; BRAGA et al., 2000; PEREIRA et al., 2005; PEREIRA et al., 2006; LACERDA, 2008), como sendo restrita ao período de inverno.


Segundo HAIGH & HUDSON (1993) há evidências de que a luz desempenha um papel crucial no controle do ciclo de chifres, podendo a sua troca ser resultado de alterações do fotoperíodo anual. Segundo PEREIRA et al. (2005) há correlação significativa entre os níveis de testosterona encontrados nas fezes e o ciclo dos chifres dos animais. No Uruguai, a troca dos chifres acontece entre junho e agosto (GONZALES-SIERRA, 1985; JACKSON & LANGGUTH, 1987; GONZALEZ, 1994) e na Argentina, entre julho e setembro (BIANCHINI & LUNA-PEREZ, 1972b; JACKSON, 1986; JACKSON & LANGGUTH, 1987). No Parque Nacional das Emas, a queda dos chifres foi observada nos meses de abril e maio (RODRIGUES, 1996), enquanto no Pantanal de Nhecolândia, MS, Walfrido Moraes Tomas (com. pess.) observou machos com chifres recém-caídos entre março e maio e LACERDA (2008) registrou os primeiros machos com chifres caídos em maio; BRAGA et al. (2000) registraram, no estado do Paraná, a perda dos chifres entre maio e junho.

A sazonalidade reprodutiva, bem marcada pelo período restrito de troca de galhadas nos machos, resulta numa estação definida de nascimentos, embora estes possam ocorrer em grande parte do ano, corroborando os estudos de WHITEHEAD (1972) e JACKSON & LANGGUTH (1987). Este fato pode estar relacionado à disponibilidade de alimento, conferida pela rotação de cultivo nas lavouras.

Infantes foram visualizados em nove ocasiões, sendo três em junho, um em setembro, três em outubro e dois em novembro. O maior número de nascimentos ocorreu entre os meses de setembro e novembro, o que condiz com as informações apresentadas por WHITEHEAD (1972), GONZALES-SIERRA (1985), JACKSON & LANGGUTH (1987), RODRIGUES (1996) e LACERDA (2008). Indivíduos jovens foram observados ao longo de todo o ano (n=88), exceto no mês de março/01. Fêmeas isoladas dos grupos, apresentando comportamento parental típico, que são detalhadamente descritos em JACKSON (1985), foram observadas em 2001 nos meses de setembro (n=5), outubro (n=7), novembro (n=9) e dezembro (n=2), e no ano seguinte em março (n=1) e abril (n=1).

Sabendo-se que pelo menos sete dos nove infantes observados tratavam-se de indivíduos diferentes e, inferindo que metade das fêmeas que apresentavam comportamento parental típico tenha sido vista apenas uma vez, estima-se um número mínimo de 20 nascimentos ao longo do período amostrado.

Em relação à mortalidade (Tab. I), foram registradas 34 carcaças, sendo 15 machos, 16 fêmeas, um infante e dois indeterminados. Destes animais, 15 foram predados por puma, Puma concolor (Linnaeus, 1771) (BRAGA et al., 2005), quatro foram abatidos por caçadores, um foi atropelado e em 14 deles a causa da morte não pôde ser identificada.

Embora a literatura existente sugira uma maior mortalidade de machos em mamíferos altamente poligínicos e que apresentem dimorfismo sexual em relação àquelas espécies menos dimórficas (Clutton-Brock et al., 1982 apud BEADE et al., 2000), o registro de óbitos entre machos e fêmeas não apresentou diferenças significativas (χ2 = 0,3225; p>0,05). No entanto, a significativa diferença entre machos e fêmeas adultas pode ser um indicativo de uma maior mortalidade nos machos, ou ainda de um nascimento mais acentuado de indivíduos deste sexo.

A predação, a caça e os atropelamentos mostraram-se os principais fatores de ameaça à população estudada, devendo os esforços de manejo ser direcionados ao seu controle e mitigação. Segundo BEADE et al. (2000) a probabilidade de se encontrar carcaças de indivíduos jovens é baixa, devido à pressão de espécies que se alimentam de carcaças e ainda pela rápida degradação de peças ósseas de indivíduos pequenos. É sabido que as populações de veados-campeiros têm uma capacidade bastante limitada de recuperação em caso de predação frequente e que a predação não natural prejudica severamente populações reduzidas, devendo ser tomadas medidas de combate permanente (LEEUWENBERG & LARA-RESENDE, 1994).

Os números referentes à predação indicam uma perda muito acentuada de fêmeas em um curto espaço de tempo, o que pode resultar em um impacto imediato sobre o tamanho populacional (BRAGA et al., 2005).

Sabe-se que a caça é frequente na área estudada, pelo número de carcaças encontradas, e principalmente pelo relato de moradores. No entanto, o número total de animais abatidos registrado certamente está subestimado, uma vez que os caçadores utilizam animais abatidos para alimentação. Antigamente predominava na região a caça de subsistência, porém hoje a caça esportiva é amplamente realizada, apresentando uma preferência pelo abate de machos devido ao valor dos chifres como troféu. Já as fêmeas e jovens são caçados para fins de alimentação, sendo encontrados cabeças e membros deixados no campo. Segundo relatos de moradores locais a carne do macho adulto possui sabor muito forte, conferido pelo odor característico da espécie. SANTOS (1950) já relatava que o cheiro dos machos é tão ativo que se nota a grande distância, servindo sua carne apenas para alimento aos cães, mesmo depois de assada.

Atropelamentos mostraram-se pouco frequentes, porém pode-se considerar a possibilidade de animais atropelados também serem aproveitados para consumo. O atropelamento de filhotes por colheitadeiras foi relatado pelos proprietários das áreas como sendo comum, com pelo menos três casos a cada ano. Após o início deste estudo e da conscientização dos funcionários quanto à importância da preservação desta espécie, nenhum caso de atropelamento de filhotes foi relatado.

Esta é a única população de veados-campeiros, estudada no Paraná e com os resultados obtidos pode-se concluir que está sujeita a impactos que resultam em um rápido declínio populacional. Atropelamentos e predação mostraram-se fatores de pressão juntamente à caça, que pode ter sido responsável, historicamente, pelo desaparecimento da espécie das áreas adjacentes. A conscientização dos proprietários e funcionários sobre a importância da conservação de espécies pode colaborar muito para o restabelecimento da população, juntamente com a adoção de medidas de manejo adequado de áreas produtivas. Esta população encontra-se sob forte ameaça de desaparecimento em curto prazo, podendo o desenvolvimento de estratégias para a sua conservação prolongar a permanência da espécie no local.

Agradecimentos. Ao Instituto Ambiental do Paraná, CNPq, Fundação ABC, Universidade Federal do Paraná, Emygdio de Araújo Monteiro Filho e José Ricardo Pachaly. À Susana Gonzalez e Tereza C. C. Margarido pela revisão crítica do manuscrito. E especialmente aos proprietários das Fazendas Monte Negro e 4N pela autorização à realização deste trabalho.

Recebido em dezembro de 2007.

Aceito em janeiro de 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    Dez 2007
  • Aceito
    Jan 2010
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