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Uso do alimento por duas espécies simpátricas de Moenkhausia (Characiformes, Characidae) em um riacho da Região Centro-Oeste do Brasil

Food used by two sympatric species of Moenkhausia (Characiformes, Characidae), in a stream of center-western Brazil

Resumos

Esse estudo avaliou sazonalmente a dieta de Moenkhausia dichroura (Kner, 1858) e M. sanctaefilomenae (Steindachner, 1907), coletadas em simpatria no riacho Cancela, Mato Grosso, Brasil. Independente do período hidrológico, alimentos de origem alóctone predominaram na dieta de ambas as espécies (>50% do total de itens consumidos), sendo insetos terrestres o recurso principal, embora, para M. dichroura insetos aquáticos tenham contribuído na dieta também. Hymenoptera (Formicidae) foi o alimento mais consumido, sendo ambas as espécies caracterizadas como insetívoras terrestres. A dieta restrita dessas espécies é confirmada pelos baixos valores de amplitude de nicho trófico: Ba=0,26 para M. dichroura em ambos os períodos e Ba=0,41 no período de seca e 0,38 no período de chuva, para M. sanctaefilomenae. A sobreposição alimentar foi elevada no período de chuva (Ojk=0,75) e apresentou valor intermediário no período de seca (Ojk=0,41), evidenciando maior partilha do alimento entre as espécies neste período.

Dieta; Moenkhausia dichroura; M. sanctaefilomenae; coexistência


This study evaluated the seasonality in the diet of Moenkhausia dichroura (Kner, 1858) and M. sanctaefilomenae (Steindachner, 1907), sympatric species of the Cancela stream, state of Mato Grosso, Brazil. Regardless of the seasonal period, allochthonous food source predominated in the diet of both species (>50% of all items consumed) and among these terrestrial insects were the dominant resource. However, aquatic insects were important in the diet of M. dichroura as well. Hymenoptera (Formicidae) was the dominant item to both species, thus they were characterized as terrestrial insectivorous. The restricted diet of these species is confirmed by the trophic niche breadth, whose values were in general low: Ba=0.26 to M. dichroura in both periods and Ba=0.41 and 0.38 in the dry and rainy period, respectively, to M. sanctaefilomenae. The feeding overlap was high in the rainy period (Ojk=0.75) and intermediate in the dry period (Ojk=0.41), showing that the food partitioning between species was larger in this period.

Diet; Moenkhausia dichroura; M. sanctaefilomenae; coexistence


Uso do alimento por duas espécies simpátricas de Moenkhausia (Characiformes, Characidae) em um riacho da Região Centro-Oeste do Brasil

Food used by two sympatric species of Moenkhausia (Characiformes, Characidae), in a stream of center-western Brazil

Raffael M. TófoliI; Norma S. HahnI,II; Gustavo H. Z. AlvesI; Gisele C. NovakowskiI,III

IPrograma de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900 Maringá, PR, Brasil. (raffaeltofoli@hotmail.com)

IINúcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900 Maringá, PR, Brasil

IIIUnidade de Ensino Superior Ingá, Av. Colombo, 9727 KM 130, Bloco D, sala 13, 87070-810 Maringá, PR, Brasil

RESUMO

Esse estudo avaliou sazonalmente a dieta de Moenkhausia dichroura (Kner, 1858) e M. sanctaefilomenae (Steindachner, 1907), coletadas em simpatria no riacho Cancela, Mato Grosso, Brasil. Independente do período hidrológico, alimentos de origem alóctone predominaram na dieta de ambas as espécies (>50% do total de itens consumidos), sendo insetos terrestres o recurso principal, embora, para M. dichroura insetos aquáticos tenham contribuído na dieta também. Hymenoptera (Formicidae) foi o alimento mais consumido, sendo ambas as espécies caracterizadas como insetívoras terrestres. A dieta restrita dessas espécies é confirmada pelos baixos valores de amplitude de nicho trófico: Ba=0,26 para M. dichroura em ambos os períodos e Ba=0,41 no período de seca e 0,38 no período de chuva, para M. sanctaefilomenae. A sobreposição alimentar foi elevada no período de chuva (Ojk=0,75) e apresentou valor intermediário no período de seca (Ojk=0,41), evidenciando maior partilha do alimento entre as espécies neste período.

Palavras-chave: Dieta, Moenkhausia dichroura, M. sanctaefilomenae, coexistência.

ABSTRACT

This study evaluated the seasonality in the diet of Moenkhausia dichroura (Kner, 1858) and M. sanctaefilomenae (Steindachner, 1907), sympatric species of the Cancela stream, state of Mato Grosso, Brazil. Regardless of the seasonal period, allochthonous food source predominated in the diet of both species (>50% of all items consumed) and among these terrestrial insects were the dominant resource. However, aquatic insects were important in the diet of M. dichroura as well. Hymenoptera (Formicidae) was the dominant item to both species, thus they were characterized as terrestrial insectivorous. The restricted diet of these species is confirmed by the trophic niche breadth, whose values were in general low: Ba=0.26 to M. dichroura in both periods and Ba=0.41 and 0.38 in the dry and rainy period, respectively, to M. sanctaefilomenae. The feeding overlap was high in the rainy period (Ojk=0.75) and intermediate in the dry period (Ojk=0.41), showing that the food partitioning between species was larger in this period.

Keywords: Diet, Moenkhausia dichroura, M. sanctaefilomenae, coexistence.

A partilha dos recursos alimentares entre espécies coexistentes tem sido descrita como mais importante que a partilha de hábitats em ambientes aquáticos (SHOENER, 1974; ROSS, 1986), sendo vista como um dos processos responsáveis na estruturação de populações e comunidades. Esse processo pode ocorrer em dois níveis, intraespecífico e interespecífico, sendo que neste último caso as espécies podem ser filogeneticamente próximas ou não (GERKING, 1994). Espécies filogeneticamente relacionadas tendem a ser ecologicamente mais semelhantes em muitos aspectos. Consequentemente, a coexistência entre elas é difícil de explicar (MOL, 1995). Entretanto, CHASE & LEIBOLD (2003) argumentam que, em pequenas escalas, espécies relacionadas que coexistem em comunidades geralmente exibem algum tipo de diferenciação (temporal ou espacial) na ocupação de micro-hábitats, na dieta ou em outros fatores. Nesse sentido, dados sobre alimentação subsidiam os fatores que segregam espécies simpátricas.

Moenkhausia dichroura (Kner, 1858), conhecida popularmente como lambari ou lambari-corintiano, e Moenkhausia sanctaefilomenae (Steindachner, 1907) (lambari olho-de-fogo, pequira, maconherinho) pertencem à família Characidae, subfamília Tetragonopterinae, a qual representa um aglomerado polifilético incertae sedis dentro da família (BUCKUP, 1999; BUCKUP, 2003; LIMA et al., 2003). Ambas as espécies foram encontradas em simpatria no riacho Cancela, localizado na bacia dos rios Manso/Cuiabá, Mato Grosso, corroborando a informação de BUCKUP (1999) sobre o predomínio de Moenkhausia Eigenmann, 1903 em riachos localizados mais ao norte do país.

A oportunidade de encontrar espécies congêneres em simpatria e a importância de estudar riachos (devido às peculiaridades desse tipo de ambiente e de sua ictiofauna) podem fornecer informações singulares para questões ecológicas, tais como competição e partilha do alimento.

Este estudo avaliou a dieta de duas espécies simpátricas de Moenkhausia, objetivando responder as seguintes perguntas: existe partilha de alimento entre M. dichroura e M. sanctaefilomenae? e a sazonalidade interfere na utilização dos recursos alimentares?

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo. Os peixes foram amostrados no riacho Cancela, tributário do rio Cuiabá, constituinte da bacia dos rios Manso/Cuiabá, Mato Grosso (Fig. 1). No trecho amostrado o riacho apresentou cerca de 3 m de largura, profundidade máxima de 40 cm, fundo com predominância de cascalho e cobertura abundante de material alóctone, principalmente folhas em decomposição e pequenos galhos. O riacho apresenta vegetação ciliar impactada por ação antrópica, com algumas áreas ainda preservadas, encostas superiores dominadas por pastagens para criação de gado e alguns rebanhos de cabras, além de áreas com culturas de subsistência (milho e mandioca).


Amostragem e análise dos dados. As amostragens foram realizadas mensalmente, de março de 2003 a fevereiro de 2004. A distinção dos períodos de seca e chuva foi feita com base na análise das variações dos níveis hidrológicos locais (fornecidos pela ANA - Agência Nacional de Águas). Foram considerados como meses de chuva aqueles em que ocorreram chuvas em até 10 dias antes da coleta. Desta forma, o período entre abril e setembro foi considerado como período de seca, enquanto que o período entre outubro e março foi considerado como período de chuva. Os peixes foram coletados empregando-se a pesca elétrica, que consiste em produzir um campo elétrico na água, passando uma corrente entre dois eletrodos submersos (UIEDA & CASTRO, 1999). O equipamento funciona com auxílio de um gerador de 220 V, acoplado a um transformador de alta voltagem com conversor de corrente (1,5 KW, 200, 300 e 500 V, 1A) equipado com um cabo com saída para dois puçás e aro metálico (cátodo e ânodo). O limite inferior do trecho amostrado foi bloqueado com uma rede de malha de 1 cm entre nós opostos, no sentido jusante-montante.

Exemplares testemunhos dos peixes capturados e utilizados nesse estudo foram depositados na coleção de peixes do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura (Nupélia/UEM): M. dichroura (NUP 4096) e M. sanctaefilomenae (NUP 929).

Cada exemplar foi medido (comprimento padrão, cm), pesado (peso total, g) e eviscerado, sendo os estômagos com alimento fixados em formol 4% para posterior análise em laboratório.

A dieta de cada espécie foi avaliada separadamente para os períodos de seca e chuva, de acordo com: a origem do alimento (autóctone, alóctone e indeterminada); os recursos alimentares (alimento identificado em nível de grandes grupos) e os itens alimentares (alimento identificado em nível taxonômico, o mais inferior possível). Foram utilizados os métodos de frequência volumétrica (%V) e/ou de ocorrência (%F), dependendo da análise (HYSLOP, 1980). No primeiro método, registrase o volume de cada item alimentar, obtendo-se a porcentagem em relação ao volume total dos conteúdos estomacais. O volume de cada item foi obtido em mm3 através de placa milimetrada e posteriormente transformado em ml (HELLAWEL & ABEL, 1971). No segundo método, é registrado o número de peixes em que cada item ocorre, calculando-se a porcentagem em relação ao total de estômagos com alimento.

A amplitude de nicho trófico (amplitude da dieta) foi calculada para os períodos de seca e chuva para cada espécie, usando o índice padronizado de Levins (HURLBERT, 1978). Esse índice varia de 0, quando a espécie consumiu somente um tipo de alimento, a 1, quando a espécie consumiu de forma similar vários tipos de alimento. O índice é dado pela fórmula:

Ba = [ ( Σj P2ij)-1 - 1] ( n - 1)-1

onde, Ba = amplitude do nicho trófico padronizada; Pij = proporção do item alimentar j na dieta da espécie i; n = número total de itens alimentares.

A sobreposição alimentar foi estimada considerando-se os períodos de seca e chuva para cada espécie, de acordo com o índice de PIANKA (1973), que varia de 0 (nenhuma sobreposição) a 1 (sobreposição total) e é dado pela fórmula:

onde, Ojk = medida de sobreposição alimentar de Pianka entre a espécie j e a espécie k; pij = proporção do item alimentar i no total de itens utilizados pela espécie j; pik = proporção do item alimentar i no total de itens utilizados pela espécie k, n = número total de itens alimentares. Os resultados da sobreposição interespecífica foram arbitrariamente considerados: alto (>0,6), intermediário (0,4-0,6) ou baixo (<0,4) (GROSSMAN, 1986).

Para avaliar se o padrão de sobreposição observado difere do padrão gerado ao acaso, a matriz original dos dados foi aleatorizada. Utilizando um modelo nulo, as proporções de volume dos itens alimentares observados para cada espécie foram randomizadas 10.000 vezes e, para cada randomização, um índice de Pianka foi calculado. Dessa forma, a significância estatística foi determinada através da comparação da sobreposição observada com a distribuição de valores nulos, considerando significância ao nível de α< 0,05. Para essa análise foi utilizado o programa EcoSim (GOTELLI & ENTSMINGER, 2006).

RESULTADOS

Foram analisados 124 conteúdos estomacais de M. dichoura e 91 de M. sanctaefilomenae. Alimentos de origem alóctone predominaram na dieta de ambas as espécies, independentemente do período hidrológico considerado, enquanto que os de origem autóctone representaram a segunda categoria mais importante na seca. Para M. sanctaefilomenae, recursos indeterminados, representados por detritos, foram também relevantes neste mesmo período (Fig. 2).


Insetos terrestres foram dominantes na dieta de ambas as espécies, principalmente no período de chuva. Entretanto, para M. dichroura, insetos aquáticos também tiveram importante participação em ambos os períodos (Figs 3-6), principalmente em ocorrência (>70%).


Dentre os insetos terrestres, Hymenoptera (Formicidae) foi o alimento mais consumido (ocorrência x volume) por ambas as espécies de modo geral, especialmente no período de chuva. Entretanto, na dieta de M. dichroura, Coleoptera e Diptera tiveram participação relevante também. Com relação aos insetos aquáticos, destacaram-se Chironomidae, Ephemeroptera, outros Diptera e outros insetos aquáticos, em ocorrência e/ou volume, dependendo do período considerado (Tab. I).

O consumo elevado de insetos (tanto formas adultas quanto imaturas) sugere uma dieta restrita para ambas as espécies, o que é comprovado pelos baixos valores de amplitude de nicho trófico (< 0,6): M. dichroura (Ba=0,26 em ambos os períodos) e M. sanctaefilomenae (Ba=0,41 no período de seca e Ba=0,38 no período de chuva) (Fig. 7).


Os valores de sobreposição alimentar interespecífica variaram de intermediário no período de seca (Ojk = 0,41) (média simulada = 0,32; p= 0,23) a elevados no período de chuva (Ojk = 0,75), sendo este último valor significantemente maior do que o esperado (média simulada = 0,28; p= 0,02). Por conseguinte, os valores observados não poderiam ser originados ao acaso e refletem, portanto, processos biológicos.

DISCUSSÃO

O consumo expressivo de alimento de origem alóctone constatado para as duas espécies de Moenkhausia é bem documentado na literatura para peixes de riachos tropicais (SABINO & CASTRO, 1990; HENRY et al., 1994; SABINO & ZUANON, 1998; ESTEVES & ARANHA, 1999; CASTRO, 1999; GRACIOLLI et al., 2003). O sombreamento produzido pela vegetação arbórea limita a produção primária e os peixes se tornam dependentes dos recursos provenientes das encostas (LOWE-MCCONNELL, 1999), sendo esse tipo de alimento considerado como o principal recurso energético para habitantes destes ambientes (STEWART & DAVIES, 1990). No riacho Cancela, a elevada contribuição de recursos alóctones na dieta das espécies de Moenkhausia provavelmente está associada à mata ripária moderadamente preservada. Porém, o incremento no consumo deste tipo de recurso no período chuvoso, para ambas as espécies, certamente está associado ao carreamento de invertebrados terrestres pela chuva e/ou pelo vento, bem como ao alagamento das margens, que amplia a área de forrageamento. Teoricamente, é nesta época que ocorre maior disponibilidade de invertebrados terrestres para os peixes desses ambientes, devido à maior produtividade geral e à expansão no curso de água para áreas marginais (LOWE-MCCONNELL, 1999).

Insetos terrestres foram predominantes nos conteúdos estomacais ao longo de todo o período de estudo, fato amplamente estabelecido para a ictiofauna de riachos (ANGERMEIER & KARR, 1983; GARMAN, 1991; REZENDE & MAZZONI, 2006). Apesar de vários estudos sobre a alimentação de espécies de Characidae indicarem forte influência sazonal na dieta (ARANHA et al., 2000; ESTEVES & PINTO-LOBO, 2001; MAZZONI & REZENDE, 2003), para as espécies de Moenkhausia esta variável teve pouca influência, o que sugere que estes insetos estiveram disponíveis durante todo o ano. Dessa forma, ambas as espécies apresentaram hábito alimentar insetívoro, com tendência à captura de insetos terrestres, provavelmente na superfície da água. Este fato é corroborado pelo estudo de CASATTI (2002), no córrego São Carlos (SP), onde M. sanctaefilomenae praticou, em 95 % dos registros, a cata de itens arrastados pela corrente (driftfeeding, GRANT & NOAKES, 1987). Estudos referentes à dieta de M. dichroura mostram que, dependendo do ambiente e da sazonalidade, a dieta é composta por zooplâncton e insetos (POUILLY et al., 2003; REJAS et al., 2005). Na planície de inundação do rio Mamoré, Bolívia, POUILLY et al. (2004) verificaram predomínio de insetos aquáticos e terrestres na dieta desta espécie, enquanto que SILVA & HAHN (2009) relatam o consumo expressivo de zooplâncton no início da formação do reservatório de Manso (Mato Grosso).

Hymenoptera (Formicidae) foi um item altamente expressivo para ambas as espécies independente do período hidrológico, mostrando-se especialmente abundante nos conteúdos estomacais no período de chuva. BORBA et al. (2008) registraram que, dentre os insetos terrestres consumidos por Astyanax asuncionensis Géry, 1972 (também no riacho Cancela), Hymenoptera esteve entre os principais itens. Dessa forma, é possível inferir que o consumo destes insetos esteve associado à sua elevada abundância e disponibilidade no período considerado. Uma provável causa da disponibilidade seria a queda de indivíduos provenientes do dossel da mata pela ação da chuva e do vento, uma vez que as formigas foram consumidas mesmo durante o período da seca. A mata ripária, sem sinais severos de degradação, pode ter sido importante na oferta destes e de outros insetos terrestres, também constatados na dieta das espécies. É relatado que dentre os artrópodes, as formigas se destacam em número e biomassa na ocupação de copas de florestas tropicais (HARADA & ADIS, 1998; SANTOS et al., 2003; BATTIROLA et al., 2007).

Por conseguinte, ambas as espécies apresentaram dieta restrita, a qual foi confirmada pelos baixos valores de amplitude de nicho trófico (<0,6), podendo ser consideradas especialistas (sensu POUILLY et al., 2004). Porém, para as espécies contempladas neste estudo, é mais prudente denominá-las de especialistas pontuais, pois uma dieta restrita nem sempre indica especialização. Uma espécie pode ser induzida a consumir uma determinada fonte de alimento que se encontra temporariamente abundante no ambiente e este provavelmente seja o caso dos Hymenoptera no riacho Cancela.

A sobreposição alimentar foi alta no período de chuva, principalmente devido ao elevado consumo de insetos terrestres (em especial Hymenoptera) por ambas as espécies, embora outros tipos de alimento tenham sido consumidos em pequenas proporções. Já na estação seca, as espécies apresentaram um maior grau de segregação trófica. Assim, além de insetos terrestres, M. dichroura passou a consumir insetos aquáticos (principalmente Chironomidae e Ephemeroptera) em proporções expressivas, enquanto que para M. sanctaefilomenae vegetais e também insetos aquáticos (principalmente larvas de Diptera) foram categorias importantes. Portanto, as dietas foram mais semelhantes no período de chuva, época em que supostamente ocorre maior oferta de alimento (MARÇAL-SIMABUKU & PERET, 2002). Entretanto, parece não haver um padrão sazonal determinante na tomada do alimento entre os peixes. LOWE-MCCONNELL (1964) relata baixos valores de sobreposição no período de chuva, quando o alimento é abundante e os peixes podem se segregar mais facilmente. Entretanto, ZARET & RAND (1971), PREJS & PREJS (1987) e WINEMILLER (1989) registraram baixos valores de sobreposição durante a época seca. Em contrapartida, MARÇAL-SIMABUKU & PERET (2002) e NOVAKOWSKI et al. (2008) não encontraram diferenças entre períodos hidrológicos distintos.

Dessa forma, as espécies de Moenkhausia apresentaram dietas semelhantes, quando se considera que ambas consumiram os mesmos tipos de recursos alimentares, tais como, insetos e outros invertebrados terrestres e aquáticos, vegetais e detritos. Entretanto, as proporções desses recursos nos conteúdos estomacais diferiram entre os períodos hidrológicos, evidenciando maior partilha do alimento no período de seca.

Agradecimentos. Os autores agradecem ao Nupélia (Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura) pelo apoio logístico e ao Convênio UEM/Nupélia/Furnas Centrais Elétricas pelo apoio financeiro.

Recebido em novembro de 2009.

Aceito em abril de 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010

Histórico

  • Recebido
    Nov 2009
  • Aceito
    Abr 2010
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