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Diversidade e composição da araneofauna do Mato Grosso do Sul, Brasil

Diversity and composition of the spider fauna of Mato Grosso do Sul, Brazil

RESUMO

Nós compilamos uma lista de espécies de aranhas registradas no Mato Grosso do Sul (Brasil) a partir da literatura taxonômica e de inventários não publicados. A lista inclui 228 espécies em 134 gêneros e 32 famílias. Apenas cerca de 35% da área do estado apresenta registros de ocorrência de espécies de aranhas, e não mais que 5% apresenta mais de um registro de ocorrência por quadrícula de 0,5° (≈2.916 km2). Existem grandes lacunas de amostragem no estado, particularmente na porção norte do Pantanal. A maioria das espécies tem menos de 10 registros de ocorrência, ou seja, sua distribuição geográfica é praticamente desconhecida. Extrapolando a curva de acumulação de espécies dessas aranhas, concluímos que seria necessário ampliar em 10 vezes a área amostrada para que sejam listadas 90% das espécies que ocorrem no estado. Número de espécies: no mundo, 44.906; no Brasil, 3.730; no Mato Grosso do Sul, 228. Portanto, novos inventários são essenciais para que a araneofauna do Mato Grosso do Sul seja minimamente conhecida.

PALAVRAS-CHAVE:
Araneae; Programa BIOTA/MS

ABSTRACT

Here we compile a list of spider species recorded in Mato Grosso do Sul state (Brazil), based on information from the taxonomic literature and unpublished inventories. The list includes 228 species in 134 genera and 32 families. Only approximately 35% of the state area have records of spider species, and no more than 5% of the area presents more than one record per 0.5° grid cell (≈2,916 km2). There are large gaps in the knowledge of the state’s spider fauna, particularly in the northern Pantanal. Most of the species are known by less than 10 distribution records, indicating that their geographic distribution is virtually unknown. Extrapolating a species accumulation curve, we show that a ten-time increase in sampled area would be necessary to discover 90% of the species occurring in the state. Number of species: in the world, 44,906; in Brazil, 3,730; in Mato Grosso do Sul, 228. Therefore new inventories are essential for an adequate description of the spider fauna of the state of Mato Grosso do Sul.

KEYWORDS:
Araneae; BIOTA/MS Program

Atualmente são conhecidas mais de 44.000 espécies de aranhas, distribuídas em 114 famílias ( Platnick, 2014 Platnick, N. 2014. The world spider catalog. New York, American Museum of Natural History. Version 14.0. Disponível em: < Disponível em: http://research.amnh.org/iz/spiders/catalog >. Acessado em 16/07/2014.
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), mas estima-se que existam entre 60.000 e 170.000 espécies ( Coddington & Levi, 1991Coddington, J. A. & Levi, H. W. 1991. Systematics and evolution of spiders (Araneae). Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 22:565-592.; Platnick, 1999Platnick, N. I. 1999. Dimensions of biodiversity: targeting megadiverse groups. In: Cracraft, J. & Grifo, T. eds. The living planet in crisis: biodiversity science and policy. New York, Columbia University Press, p. 33-52. ; Costello et al., 2012Costello, M. J.; Wilson, M. & Houlding, B. 2012. Predicting total global species richness using rates of species description and estimates of taxonomic effort. Systematic Biology 61:871-883.). Essas estimativas sugerem que o número de espécies conhecidas está entre 25% e 75% do total de espécies de aranhas. O Brasil destaca-se por possuir uma grande parcela dessa diversidade, com mais de 3.000 espécies descritas, o que representa cerca de 9% das espécies conhecidas para o mundo ( Brescovit et al., 2011Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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). Entretanto, o conhecimento sobre a fauna de aranhas do Brasil não é distribuído de maneira uniforme pelo país. Por exemplo, Brescovit et al. (2011Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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) mostraram que a densidade de registros de ocorrência de aranhas é muito mais alta nos estados mais ricos do país, onde estão localizados os principais centros de estudo em sistemática de aranhas.

O Mato Grosso do Sul está entre os estados menos conhecidos quanto à sua araneofauna ( Oliveira et al., dados inéditos)Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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, o que se deve em grande parte à escassez de material em coleções científicas. Entretanto, tendo em vista que o estado reúne grande diversidade de hábitats, pode-se presumir que sua fauna seja relativamente diversa. O Mato Grosso do Sul reúne três dos seis biomas brasileiros ( IBGE, 2007IBGE. 2007. Área Territorial. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm>.
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), dois destes considerados hotspots de biodiversidade (Cerrado e Mata Atlântica - Myers et al., 2000Myers, N.; Mittermeier, R. A.; Mittermeier, C. G.; Fonseca, G. A. B. & Kent, J. 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403:853-858. ), além do maior ecossistema alagável do mundo, o Pantanal, considerado pela UNESCO Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera. Este bioma apresenta ainda grande diversidade de hábitats, o que está relacionado tanto à sua geomorfologia quanto à marcante variação sazonal provocada pelo regime de cheias e secas ( Alho, 2008Alho, C. J. 2008. Biodiversity of the Pantanal: response to seasonal flooding regime and to environmental degradation. Brazilian Journal of Biology 68:957-966. ; Mercante et al., 2011Mercante, M. A.; Rodrigues, S. C. & Ross, J. L. S. 2011. Geomorphology and habitat diversity in the Pantanal. Brazilian Journal of Biology71:233-240. ). Para que a fauna de aranhas do estado seja melhor conhecida, é essencial que novas áreas sejam amostradas, com a inserção de espécimes em coleções científicas. Para que isto seja possível, entretanto, é essencial que o conhecimento atual sobre a araneofauna do estado seja compilado, o que permitiria identificar áreas potencialmente ricas em espécies, assim como aquelas mais carentes de amostragem. Neste estudo, compilamos as espécies de aranhas, mapeamos a riqueza em espécies e o esforço amostral e identificamos lacunas de coleta no estado do Mato Grosso do Sul, a partir de listas de espécies e da literatura taxonômica.

MATERIAL E MÉTODOS

A lista de espécies de aranhas do Mato Grosso do Sul, bem como seus registros de ocorrência no estado, foram compilados a partir de um banco de dados baseado na literatura taxonômica e em inventários publicados (mais detalhes em Brescovit et al., 2011Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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). As informações do banco de dados foram complementadas com dados de inventários não publicados de duas localidades: Passo do Lontra (município de Corumbá) e Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista (Serra do Amolar), no Pantanal sul-mato-grossense. Na região do Passo do Lontra foram amostrados bancos de macrófitas aquáticas ao longo da Rodovia MS-184 entre 19°22’ a 19°33’S e 57°02’ a 57°03’W ( Raizer, 1997Raizer, J. 1997. Aranhas associadas a macrófitas aquáticas no pantanal sul-mato-grossense. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. ) e em capões de mata na Fazenda São Bento (19°30’S, 57°01’W) e às margens do Rio Vermelho (19°36’S, 56°56’W; Raizer, 2004_____. 2004. Comunidade de aranhas em capões de mata das sub-regiões Miranda e Abobral no pantanal sul-mato-grossense. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas.). Na Serra do Amolar as aranhas foram registradas ao longo de três trilhas em fitofisionomias de cerradão, floresta estacional semidecidual e savana gramíneo lenhosa, entre 18°05’ e 18°06’S e 57°28’ e 57°29’W ( Raizer et al., 2013Raizer, J.; Berscovit, A. D.; Giroti, A. M. & Leonel, B. 2013. Araneae. In: Rabelo, A. C. P.; Moreira, V. F.; Bertassoni, A. & Aoki, C. org. Aspectos biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista - RPPN-EEB / Pantanal Sul. Corumbá, Instituto Homem Pantaneiro. ).

Para mapear a riqueza em espécies e o esforço amostral de aranhas para o estado, os números de espécies e de registros de ocorrência foram quantificados em grades de quadrículas de 0,5° (≈2.916 km2 no equador). Este tamanho de quadrículas foi considerado ideal porque mapas com quadrículas maiores em geral ocultavam lacunas de coleta. Por outro lado, quadrículas menores seriam inapropriadas tendo em vista a baixa precisão de georreferenciamento de muitos registros. Os valores de riqueza e esforço amostral observados foram classificados em cinco categorias segundo a divisão natural de intervalos, que classifica valores em intervalos que apresentem maior variação, calculada pelo programa DIVA-GIS ( Hijmans et al., 2004Hijmans, R. J.; Guarino, L.; Bussink, C.; Mathur, P.; Cruz, M.; Barrantes, I. & Rojas, E. 2004. DIVA-GIS. Sistema de Información Geográfica para el Análisis de Datos de Distribución de Especies. Disponível em: < http://www.diva-gis.org/docs/DIVA-GIS4_manual_Esp.pdf>. 91p.
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).

O estado de conhecimento da araneofauna do estado foi avaliada a partir de uma curva de acumulação de espécies, tendo o número de registros como medida de esforço amostral. Essa curva foi estimada a partir de 1000 simulações do número de espécies em vários tamanhos amostrais no programa EcoSim ( Gotelli & Entsminger, 2001Gotelli, N. J. & Entsminger, G. L. 2001. EcoSim: Null models software for ecology. Version 7.0. Acquired Intelligence Inc. & Kesey-Bear. Disponível em: < http://homepages.together.net/~gentsmin/ecosim.htm.>.
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). Esta curva foi ajustada ao modelo de Clench para a estimativa do número de espécies de aranhas no Mato Grosso do Sul (veja Jiménez-Valverde & Hortal, 2003Jiménez-Valverde, A. & Hortal, J. 2003. Las curvas de acumulación de especies y la necesidad de evaluar la calidad de los inventarios biológicos. Revista Ibérica de Aracnologia 8:151-161. para obter detalhes do método utilizado).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram compilados 723 registros de 228 espécies de aranhas (134 gêneros e 32 famílias) para 43 quadrículas de 0,5º, aproximadamente 125.000 km2 (35%), no Mato Grosso do Sul ( Tab. I). Cerca de 38.000 km2 (30% da área amostrada) apresentam apenas um registro por quadrícula e cerca de 27.000 km2 (20% da área amostrada) incluem de dois a cinco registros por quadrícula ( Fig. 1).

Tab. I
Lista das espécies de aranhas do Mato Grosso do Sul, Brasil. As referências bibliográficas estão listadas em Platnick (2014 Platnick, N. 2014. The world spider catalog. New York, American Museum of Natural History. Version 14.0. Disponível em: < Disponível em: http://research.amnh.org/iz/spiders/catalog >. Acessado em 16/07/2014.
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). Referências marcadas com asterisco, que se referem a inventários, estão listadas nas Referências.

Fig. 1
Número de registros de ocorrência de espécies de aranhas em quadrículas de 0,5º no Mato Grosso do Sul, Brasil.

As duas quadrículas com o maior número de registros (174 registros e 80 espécies) e o maior número de espécies (81 espécies e 163 registros) incluem a localidade do Passo do Lontra, município de Corumbá, no Pantanal ( Fig. 2, seta preta). O grande número de registros nessa localidade está relacionado a coletas sistemáticas realizadas entre os anos de 1994 e 1997 em macrófitas aquáticas ( Raizer, 1997Raizer, J. 1997. Aranhas associadas a macrófitas aquáticas no pantanal sul-mato-grossense. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. ; Raizer & Amaral, 2001Raizer, J. & Amaral, M. E. C. 2001. Does the structural complexity of aquatic macrophytes explain the diversity of associated spider assemblages? Journal of Arachnology 29:227-237. ) e entre os anos de 1998 e 1999 em capões de mata ( Raizer, 2004_____. 2004. Comunidade de aranhas em capões de mata das sub-regiões Miranda e Abobral no pantanal sul-mato-grossense. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).

Fig. 2
Riqueza em espécies de aranhas em quadrículas de 0,5º no Mato Grosso do Sul, Brasil.

As quadrículas com o segundo maior intervalo de riqueza (16 a 26 espécies) estão distribuídas nos três biomas que compõem o estado. O Pantanal foi o bioma mais diverso, com 124 espécies, seguido pelo Cerrado (123 espécies) e a Mata Atlântica (35 espécies). A maior área sem amostragem está no Cerrado, com cerca de 90.000 km2 (42% do Cerrado no estado) não amostrados, seguido pelo Pantanal (35.000 km2 - 39%) e a Mata Atlântica (14.000 km2 - 28%). A maior área amostrada também foi no Cerrado (≈140.000 km2), apesar de cerca de um terço dessa área ainda estar muito mal amostrada, com até três registros por quadrícula. Há uma grande lacuna de coleta na região norte do Pantanal sul-mato-grossense, que compreende principalmente o norte do município de Corumbá e região oeste dos municípios de Aquidauana, Coxim, Rio Verde do Mato Grosso e Sonora. Outras lacunas de amostragem estão no sul do estado, em áreas de transição de Mata Atlântica e Cerrado ( Figs 1, 2).

Aproximadamente 45% das espécies de aranhas registradas apresentam somente um registro no estado. Apenas seis espécies são conhecidas por mais de dez registros no Mato Grosso do Sul: Phoneutria nigriventer (Keyserling, 1891), Ancylometes concolor (Perty, 1833), Nhandu carapoensis Lucas, 1983, Eupalaestrus campestratus (Simon, 1891), Acanthoscurria chacoana Brèthes, 1909 e Psecas chapoda (Peckman & Peckman, 1894). As duas primeiras espécies apresentam ampla distribuição geográfica e estão entre as espécies de aranhas com maior número de registros para o Brasil ( Oliveira et al., dados inéditos)Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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. Apesar da alta riqueza em espécies de aranhas no Mato Grosso do Sul, há poucas informações confiáveis relativas à distribuição da maioria das espécies. Quinze espécies (cerca de 7% do total) são conhecidas apenas para o estado do Mato Grosso do Sul: Aillutticus raizeri Ruiz & Brescovit, 2006, Ancylometes pantanal Höfer & Brescovit, 2000, Cyriocosmus fernandoi Fukushima, Bertani & da Silva, 2005, Dipoenata morosa (Bryant, 1948), Mangora paranaiba Levi, 2007, Metazygia corumba Levi, 1995, Metepeira galatheae (Thorell, 1891), Odo pulcher Keyserling, 1891, Paradossenus corumba Brescovit & Raizer, 2000, Paradossenus pozo Carico & Silva, 2010, Scytodes jyapara Rheims & Brescovit, 2006, Scytodes tuyuca Brescovit, Rheims & Raizer, 2004, Speocera eleonorae Baptista, 2003, Tetragnatha parva Badcock, 1932 e Theridion urucum Levi, 1963 . Entretanto, todas essas espécies são conhecidas por no máximo três registros. Uma vez que áreas de distribuição de espécies são limitadas por barreiras geográficas e características ambientais ( Franklin & Miller, 2009Franklin, J. & Miller, J. A. 2009. Mapping species distributions - Spatial inference and prediction. Cambridge, Cambridge University Press. 325p.), que nem sempre coincidem com limites de estados ou nações, seria esperado encontrar espécies endêmicas dos biomas que compõem o Mato Grosso do Sul, mas não do estado em si. Entretanto, o escasso conhecimento atual sobre a distribuição das espécies de aranhas torna especialmente difícil determinar se espécies como aquelas listadas acima são endêmicas de determinada área ou se são deficientemente amostradas. Infelizmente, esse problema é particularmente acentuado para o Pantanal, que está entre os biomas brasileiros menos conhecidos quanto à sua araneofauna ( Oliveira, 2011Oliveira, U. 2011. Diversidade e biogeografia de aranhas do Brasil: esforço amostral, riqueza potencial e áreas de endemismo. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais.).

A curva de acumulação construída para as aranhas registradas no Mato Grosso do Sul não mostrou sinais de estabilização ( Fig. 3), o que indica que ainda existem muitas espécies a serem descobertas no estado. O ajuste da curva ao modelo de Clench (r² = 0,99) indicou que existiriam pelo menos 342 espécies de aranhas no estado, e que seria necessário um incremento de dez vezes no número atual de registros para representar 90% de sua araneofauna. Esta estimativa é uma aproximação grosseira e conservadora, baseada em um esforço amostral distribuído de forma heterogênea pelo território estadual, mas indica claramente a necessidade de ampliar e equalizar o esforço amostral a fim de conhecer a distribuição das espécies de aranhas no Mato Grosso do Sul.

Figura 3
A - Riqueza em espécies de aranhas em relação ao número de registros por quadrículas de 0,5º no Mato Grosso do Sul, Brasil. O ponto preenchido indica a quadrícula mais amostrada. B - Curva de acumulação de espécies de aranhas no Mato Grosso do Sul, em relação ao número de registros. As linhas tracejadas indicam o intervalo de confiança de 95% das curvas médias obtidas em 1000 iterações.

Este estudo representa um passo para a ampliação do conhecimento sobre a araneofauna do Mato Grosso do Sul. Nós mostramos que a riqueza em espécies no estado é muito maior do que se poderia imaginar pela literatura taxonômica, já que as áreas mais diversas foram exatamente aquelas amostradas em inventários ( Raizer 1997Raizer, J. 1997. Aranhas associadas a macrófitas aquáticas no pantanal sul-mato-grossense. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. , 2004_____. 2004. Comunidade de aranhas em capões de mata das sub-regiões Miranda e Abobral no pantanal sul-mato-grossense. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas.; Raizer & Amaral, 2001Raizer, J. & Amaral, M. E. C. 2001. Does the structural complexity of aquatic macrophytes explain the diversity of associated spider assemblages? Journal of Arachnology 29:227-237. ). Isto demonstra que novos inventários são necessários para que a fauna de aranhas do estado seja mais bem conhecida, já que há uma óbvia deficiência de material proveniente do estado em coleções científicas. Esses inventários teriam como objetivo não apenas descobrir espécies ainda não descritas, mas também aumentar o conhecimento sobre a distribuição das espécies já conhecidas para o estado, o que seria essencial para planejar sua conservação. As áreas prioritárias para inventários são seguramente a porção significativa do território estadual que permanece sem qualquer registro de ocorrência de aranhas.

Principais grupos de pesquisa. Em Mato Grosso do Sul não existem grupos de pesquisa em sistemática de aranhas. Dois pesquisadores no estado participam de inventários e orientam estudantes de graduação e pós-graduação em estudos envolvendo estes aracnídeos. Atualmente, Josué Raizer é professor da Universidade Federal da Grande Dourados, atuando em ecologia de aranhas, e Douglas de Araujo é professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e desenvolve estudos em citogenética de aranhas. Esses pesquisadores têm interagido com colegas taxonomistas e seus projetos frequentemente resultam na adição de novos espécimes principalmente à coleção do Instituto Butantan (IBSP, São Paulo, SP).

Principais acervos. A maior parte do acervo de aranhas coletadas no Mato Grosso do Sul está depositado na coleção do IBSP (São Paulo, SP), como pode ser verificado em Brescovit et al. (2011Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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), onde é apresentado um inventário das coleções brasileiras de aranhas.

Principais lacunas de conhecimento. Este estudo evidencia que a araneofauna do estado é esparsamente conhecida, com informações pontuais na maioria das vezes resumidas a um único registro de ocorrência ( Figs 1, 2). A falta de conhecimento taxonômico básico compromete diretamente o entendimento dos padrões de distribuição e demais características ecológicas e evolutivas das aranhas que ocorrem no Cerrado, Pantanal e Floresta Atlântica do estado. Esta falta de conhecimento é consequência da ausência de especialistas taxônomos vinculados a instituições de pesquisa, inventários sistemáticos e de projetos de longo prazo, que deveriam preencher prioritariamente as grandes lacunas de coleta na região norte do Pantanal sul-mato-grossense e no sul do estado, na transição entre Floresta Atlântica e Cerrado.

Perspectivas de pesquisa para o grupo nos próximos 10 anos. No Brasil, as perspectivas de que inventários e estudos de sistemática do grupo cresçam são alentadoras ( Brescovit et al., 2011Brescovit, A. D.; Oliveira, U. & Santos, A. J. 2011. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. Biota Neotropica 11:1-31. Disponível em: < Disponível em: http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1a/en/abstract?inventory+bn0381101a2011 >. Acessado em 15/01/2012.
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). A formação de taxonomistas em Araneae vem crescendo de maneira continuada, com estes taxonomistas se estabelecendo em instituições de pesquisa de distintas regiões do país, apesar da concentração no sudeste. No Mato Grosso do Sul o cenário é oposto, alguns poucos inventários foram realizados, geralmente em pequenas áreas, por poucos pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação, principalmente ligados à ecologia.

O Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação em Biodiversidade do Mato Grosso do Sul (Programa Biota-MS) é uma oportunidade para suprir a carência de conhecimento e de especialistas no estado, com investimentos em inventários nas diferentes regiões de Cerrado, Pantanal e Floresta Atlântica que incentivariam a formação de taxonomistas estudando material coletado no estado. Neste caminho, o fluxo de material para ser incorporado às coleções biológicas aumentaria, o que exigiria recursos financeiros para manutenção de acervos e formação e contratação de técnicos para curadoria.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciências e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect) e à Superintendência de Ciências e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Sucitec/MS) pelo convite de participação neste fascículo especial da Iheringia, Série Zoologia e o suporte financeiro para sua publicação. Os resultados apresentados aqui foram obtidos através de projetos financiados pelo CNPq (proc. 475179/2012-9, 308072/2012-0, 301776/2004-0 e 521746/1997-3), FAPEMIG (PPM-00335-13), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Hymenoptera Parasitóides da Região Sudeste Brasileira (http:/www.hympar.ufscar.br/) e FAPESP (2011/50689-0). Ubirajara de Oliveira é bolsista da CAPES pela Pós-Graduação em Zoologia da UFMG

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2016
  • Aceito
    06 Fev 2017
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