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Os fundos setoriais e a redefiniçao do modelo de promoção de ciência, tecnologia e inovação no Brasil: uma análise à luz do CT-Agro

The Sectoral Funds and the redefinition of the model of science, technology and innovation promotion in Brazil: a review of CT-Agro

Los Fondos Sectoriales y la redefinición del modelo de promoción de la ciencia, tecnología e innovación en Brasil: un análisis a la luz del CT-Agro

RESUMO

O objetivo neste trabalho é analisar se os Fundos Setoriais redefiniram o modelo de promoção de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), mudando de ofertista-linear para o modelo sistêmico, como previsto em sua concepção. Para a consolidação desse modelo, o setor produtivo precisa estar inserido no processo inovativo. Dessa forma, apoiou-se na análise da presença ou não da empresa em dois objetos dos Fundos Sociais. Os resultados apontam que nem as agências de fomento, nem os projetos aprovados têm buscado estimular a cooperação universidade-empresa. Assim, o que se verifica é que não houve uma redefinição para o modelo sistêmico de inovação, e sim que a política de promoção de CT&I continua a seguir um modelo linear, mas agora induzido pela demanda.

Palavras-chave:
fundos setoriais; modelo sistêmico de inovação; modelo linear de inovação

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze if the Sectoral Funds (SFs) redefined the model for the promotion of Science, Technology and Innovation (ST&I), changing from an offering-linear model to the systemic model, as provided for in its conception. In order to consolidate this model, the productive sector needs to be inserted into the innovation process. Thus, this study relied on the analysis of the presence or not of the company in two objects of the SFs. The results show that neither the funding agencies nor the approved projects have sought to encourage university-industry cooperation. So it was possible to see that there wasn't any redefinition to the systemic innovation model; on the contrary, the promotion policy of ST&I continues to follow a linear model, now driven by demand.

Keywords:
sectoral funds; systemic innovation model; linear innovation model

RESUMEN

El objetivo en este estudio es analizar si los Fondos Sectoriales han redefinido el modelo para la promoción de la Ciencia, Tecnología e Innovación (C,T&I), por medio del cambio del modelo ofertista lineal para el sistémico, se gún lo previsto en su concepción. Para que pueda consolidar este modelo, el sector productivo debe insertarse en el proceso de innovación. Así, este estudio tiene como base el análisis de la presencia o ausencia de la empresa en dos objetos de los Fondos Sectoriales. Los resultados indican que ni las agencias de fomento ni los proyectos aprobados han tratado de promover la cooperación universidad-empresa. Por lo tanto, lo que se comprueba es que no ha habido un ajuste para el modelo sistémico de innovación, sino que la política de promoción de C, T & I continúa siguiendo un modelo lineal, pero ahora impulsado por la demanda.

Palabras clave:
fondos sectoriales; modelo sistémico de innovación; modelo lineal de innovación

1. INTRODUÇÃO

O Brasil, seguindo as tendências internacionais, tem, desde a segunda metade do século XX, procurado estimular a pesquisa científica e tecnológica. As políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), implementadas no País até o final da década de 1990, seguiram a lógica do modelo linear de inovação, o que marcou a realidade brasileira em uma assimetria, com bons indicadores acadêmicos, mas índices frágeis quanto a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) privados.

Visando superar a desarticulação entre universidades e empresas, no fim da década de 1990 foram criados diferentes mecanismos de financiamento no Sistema Nacional de Inovação. Esse passou a entender o processo inovativo como um modelo sistêmico, em que diversos atores (universidades, empresas e governo) estão envolvidos e trabalham em rede (Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação [ABIPTI], 2001Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação [ABIPTI]. CTAgronegócio. (2001, 3 de julho). Fundo setorial de agronegócio . Brasília: Gestão C&T. Disponível em http://www.gestaoct.org.br/fsetor/set_ctagronegocio.htm%3E
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; Kuhlmann, 2008Kuhlmann, S. (2008). Lógicas e evolução de políticas públicas de pesquisa e inovação no contexto de avaliação . (pp. 45-74). Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.; Godin, 2009)Godin, B. T. (2009). Making science, technology and innovation policy: Conceptual frameworks as narratives. Review Innovation RICEC 1(1), 1-23.. Com isso, a empresa, como geradora de P&D, passou a ter papel central nas políticas de financiamento nacionais.

Seguindo esse propósito de mudança, o governo criou, em 1999, os Fundos Setoriais, cuja concepção deu início à implantação de um novo instrumento de financiamento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no País. Esses fundos teriam como foco o desenvolvimento científico e tecnológico de um determinado setor, sendo um programa integrado, com participação de universidades, centros de pesquisa e do setor privado.

Passada mais de uma década desde a criação dos Fundos Sociais, o objetivo geral neste trabalho é analisar se os Fun dos Setoriais redefiniram o modelo de promoção de CT&I, mudando de ofertista-linear para o modelo sistêmico, como previsto em sua concepção. Para a consolidação de um modelo sistêmico, o setor produtivo precisa estar inserido no processo inovativo. Dessa forma, apoiou-se na análise da presença ou não da empresa em dois objetos distintos dos Fundos Sociais: as demandas lançadas pelas agências de fomento; e os projetos aprovados para essas demandas.

A metodologia empregada neste trabalho fundamentou-se em pesquisa documental de dados secundários e registros públicos, constantes nas bases de informações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e de suas agências de fomento, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Foi escolhido, para coleta e análise, o Fundo CT-Agro, do qual foram extraídas informações de caráter populacional sobre as demandas e os projetos aprovados com seus recursos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Modelos de inovação e suas dinâmicas

Um dos primeiros modelos teóricos desenvolvidos para entender o processo da ciência e tecnologia e suas relações com a economia foi o modelo linear de inovação. Nesse modelo, a pesquisa científica é a fonte de novas tecnologias, implicando uma relação direta entre quantidade de insumos utilizados em P&D e os resultados deles em termos de inovação tecnológica e desempenho econômico. Nessa abordagem, a inovação é entendida como um ato de produção sequencial, em vez de um processo social contínuo, envolvendo atividades de gestão, coordenação, aprendizado, negociação, investigação de necessidades de usuários, aquisição de competência, gestão do desenvolvimento de novo produto e gestão financeira, dentre outras. (Viotti, 2003)Viotti, E. B. (2003). Fundamentos e evolução dos indicadores de CT&I. In E. B. Viotti, & M. D. M. Macedo (Ed.), Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil (Cap.1, pp. 43-87). Campinas: Editora Unicamp.

O Modelo Linear foi bastante influente e disseminado por parte das organizações acadêmicas, a fim de teorizar e justificar o suporte governamental à ciência. Como consequência, as políticas públicas voltadas à promoção da ciência e tecnologia seguiram, por décadas, esse modelo, dando ênfase a recursos e instituições dedicadas a P&D (Godin, 2006)Godin, B. (2006). The linear model of innovation: The historical construction of an analytical framework. Science Technology & Human Values 31(6), 639-667. DOI:10.1177/0162243906291865. Embora carregado de condenações, o modelo linear possui defensores. Balconi, Brusoni e Orsenigo (2010)Balconi, M., Brusoni, S., & Orsenigo, L. (2010, February). In defence of the linear model: An essay. Research Policy 39 (1), 1-13. DOI:10.1016/j.respol.2009.09.013
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argumentam que, embora a generalidade do modelo linear seja reduzida pelo reconhecimento de que ciência não é a origem direta, nem a principal fonte de inovação, a ciência continua sendo uma condição importante e um componente essencial do progresso tecnológico, fundamental em indústrias baseadas em ciência.

Na década de 1980, Kline e Rosenberg (1986)Kline, S. J., & Rosenberg, N. (1986). An overview on innovation. In R. Landau, & N. Rosenberg (Eds.). The positive sum strategy . Washington, DC: National Academy of Press. desenvolvem um dos mais influentes modelos não lineares de inovação. O chain-linked model, ou modelo elo da cadeia, destaca a concepção de que a inovação é resultado de um processo de interação entre a oportunidade de mercado e a base de conhecimento e capacitação da firma. Além disso, enfatiza a importância de feedbacks constantes durante as diversas fases do modelo, que permitem trocas de informações entre os agentes envolvidos no processo.

A partir da década de 1990, ganha importância a abordagem de caráter sistêmico, que leva em consideração a influência simultânea de fatores institucionais, econômicos e organizacionais, originando-se da impossibilidade de se explicar o porquê de alguns países apresentarem processos de desenvolvimento econômico e tecnológico superiores a outros. Seu foco principal é centrado na ideia de consolidação e organização de Sistemas Nacionais de Inovação. No modelo sistêmico, o processo inovativo ocorre em um ambiente de redes de relações diretas e indiretas entre empresas, institutos de pesquisas públicos e privados, infraestrutura de ensino, além de uma economia nacional e internacional favorável.

Indo além dos modelos de inovação, nos últimos tempos tem havido, na literatura econômica, um esforço concomitante para que sejam definidos os elementos comuns de um conjunto amplo de inovações, além da procura por certo tipo de força motora da atividade inventiva. Nessa direção, duas abordagens básicas têm sido definidas: a indução pela demanda (demand pull) e a tecnology push - ou teoria do "impulso pela tecnologia" - (Dosi, 2006)Dosi, G. (2006). Mudança técnica e a transformação industrial: A teoria e uma aplicação à industria de semicondutores (Clássicos da Inovação) (C. D. Szlak, trad.). Campinas: Editora Unicamp..

As teorias de indução pela demanda, ou demand pull, baseiam-se na ideia de que a mudança tecnológica irá ocorrer em reconhecimento das necessidades da sociedade por um determinado bem ou serviço, objetivando satisfazê-las. Do lado oposto, estão as teorias que se fundamentam no impulso pela tecnologia, ou tecnology push, em que a mudança tecno lógica seria consequência de uma concepção unidirecional de "ciência-tecnologia-produção", independente e neutra. Dessa forma, o caminho é investir em universidades e centros de pesquisa, de onde iriam emergir inovações, independente da consulta ao mercado (Dosi, 2006)Dosi, G. (2006). Mudança técnica e a transformação industrial: A teoria e uma aplicação à industria de semicondutores (Clássicos da Inovação) (C. D. Szlak, trad.). Campinas: Editora Unicamp..

2.2. Sistemas setoriais de inovação

A ideia de desenvolvimento científico e tecnológico setorial tem seu início em conhecimentos difundidos na literatura econômica da década de 1980, com Bell e Pavitt (1995)Bell, M. & Pavitt, K. (1995). The development of technological capabilities. In T. W. Bank (Ed.), Trade, technology and international competitiveness . Washington: The World Bank., Nelson e Winter (2002Nelson, R. R., & Winter, S. G. (2002, Spring). Evolutionary theorizing in Economics.The Journal of Economic Perspectives 16(2), 23-46. Doi: 10.1257/0895330027247
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; 2005)Nelson, R. R., & Winter, S. G. (2005). Uma teoria evolucionária da mudança econômica . Campinas: Editora Unicamp. e Dosi (2006)Dosi, G. (2006). Mudança técnica e a transformação industrial: A teoria e uma aplicação à industria de semicondutores (Clássicos da Inovação) (C. D. Szlak, trad.). Campinas: Editora Unicamp.. A emersão da Teoria Evolucionista, como teoria de desenvolvimento econômico, abriu espaço para o conceito de sistema setorial de inovação e processo, uma vez que ela dava ênfase na dinâmica do processo e da transformação tecnológica, com base na aprendizagem e no conhecimento (Pereira, 2007)Pereira, N. M. (2007). Fundos Setoriais no Brasil: Um pouco de história. Ciência e Cultura 59(4)..

Com base nesses autores e, consequentemente, na Teoria Evolucionista, Malerba (2002)Malerba, F. (2002). Sectoral systems of innovation and production. Research Policy 31, pp. 247-264. DOI:10.1016/S0048-7333(01)00139-1
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afirma que o conceito de setorização deve ser visto a partir de uma visão dinâmica, integrada e multidimensional. Para ele, cada setor na economia é caracterizado por uma gama de atores direta ou indiretamente relacionados ao mercado; atores esses que podem ser indivíduos ou organizações em diversos níveis de agregação. Esse reconhecimento de Sistema Setorial de Inovação compreende que esses atores possuem processos específicos de aprendizagem, competências, crenças, objetivos, estruturas organizacionais, que interagem por meio de trocas, cooperações e comandos em competições.

Malerba (2002)Malerba, F. (2002). Sectoral systems of innovation and production. Research Policy 31, pp. 247-264. DOI:10.1016/S0048-7333(01)00139-1
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sustenta, também, que cada setor é caracterizado por específicas bases de conhecimento, tecnologias, processos de produção, demandas, heterogeneidade de firmas ofertistas e de organizações e instituições que o compõem. Nessa direção, a vantagem dessa visão sistêmica setorial de inovação reside no fato da possibilidade de se conhecer as particularidades de cada setor, permitindo uma otimização dos recursos destinados às políticas de ciência, tecnologia e inovação.

2.3. A criação dos fundos setoriais

Embora marcados pela oportunidade da vinculação de recursos, os Fundos Setoriais foram idealizados como um novo instrumento de política científica e tecnológica para o Brasil (Pereira, 2007Pereira, N. M. (2007). Fundos Setoriais no Brasil: Um pouco de história. Ciência e Cultura 59(4).). Uma de suas particularidades mais notáveis como política de incentivo a CT&I é o fato de os fundos basearem-se, conceitualmente, em modernas teorias de inovação, deixando para trás o processo linear até então seguido (Pereira, Hasegawa, & Azevedo, 2006).

O modelo sistêmico de inovação, que passou a ser a base teórica dessa nova política de ciência e tecnologia, reconhece que as áreas do conhecimento e os campos de pesquisa são cada vez mais interdependentes e interativos, envolvendo diversos atores e múltiplas instituições com papéis e funções diferenciadas (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos [CGEE], 2006Centro de Gestão e Estudos Estratégicos [CGEE]. (2006). Metodologia de avaliação de resultados e impacto dos Fundos Setoriais: Relatório final . Brasília: CGEE.).

Para que os Fundos Setoriais se caracterizassem como esse novo modelo de inovação, eles tinham como objetivo (Galvão, 2007Galvão, A. C. F. (2007). Fundos Setoriais como instrumentos da nova política de CT&I: Propostas e referenciais para avaliação. Seminário Internacional Avaliação de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação - Diálogos entre Experiências Internacionais e Brasileiras . Rio de Janeiro: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.):

  • Focal - maior comprometimento do setor privado na formulação da agenda, nas decisões de aplicação de recursos e execução dos projetos:

    • - empresa como foco da demanda tecnológica;

    • - ambiente favorável às parcerias entre governos, institutos de ciência e tecnologia e empresas;

    • - estratégias definidas pelos principais atores do setor.

  • Difuso - fortalecimento das atividades de CT&I no País, com ênfase ao apoio às inovações nos setores selecionados:

    • - infraestrutura de pesquisa e recursos humanos;

    • - desconcentração regional;

    • - cooperação.

Com a adoção da abordagem sistêmica, o setor empresarial foi colocado em destaque, e os arranjos cooperativos, universidade - centro de pesquisa - empresa, foram o meio para se promover o financiamento e a execução da pesquisa científica e tecnológica pela empresa (Bagattolli, 2008)Bagattolli, C. (2008). Política científica e tecnológica e dinâmica inovativa no Brasil Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil..

2.4. Características dos fundos setoriais

Os recursos provenientes das arrecadações para cada fundo são canalizados para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e administrados pela FINEP, ambos sob responsabilidade do MCTI. O CNPq e a FINEP são as agências encarregadas de administrar esses recursos, de acordo com as diversas modalidades.

A gestão dos fundos ficou a cargo de comitês gestores, um para cada fundo, presidido por um representante do MCTI. Cada Comitê Gestor é composto por representantes de ministérios afins, agências reguladoras, comunidade acadêmica, setor empresarial e agências do MCTI, FINEP e CNPq. Esse modelo de gestão compartilhada, constituído pela participação de diversos setores da sociedade tomando decisões sobre a aplicação dos recursos, é condizente com um dos objetivos dos Fundos Setoriais, ou seja, o de articular a interação dos vários atores envolvidos na implementação de políticas públicas de CT&I, dando especial atenção à participação empresarial (Pacheco, 2007Pacheco, C. A. (2007). As reformas da política nacional de ciencia, tecnología e inovação no Brasil (1999-2002) (Manual de Políticas Públicas). Santiago: CEPAL.).

Os Fundos Setoriais possuem também outras características importantes, como: obrigatoriedade de, no mínimo, 30% dos recursos serem destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; viabilização de instrumentos para a consolidação e a ampliação do sistema de CT&I de maneira consistente e sustentável; implementação de programas integrados e de redes cooperativas envolvendo o setor empresarial; fortalecimento das relações entre universidades - empresas - centros de pesquisa.

Cada fundo, balizado por sua diretriz estratégica e por seu plano de investimento, apresenta mecanismos de fomento para a implementação de suas ações. Esses mecanismos, utilizados pelo CNPq e pela FINEP, visam ao apoio financeiro a projetos que se encaixem nas demandas criadas pelo Comitê Gestor. Cada agência lança, então, instrumentos de convocação de propostas de financiamento, que podem ser feitas de três maneiras, dependendo do tipo de demanda em questão (MCTI, 2011Ministério da Ciencia, Tecnologia e Inovação [MCTI]. (2011, 10 dezembro) Fundos setoriais (FNDCT: Relatórios). Brasília: Ministério da Ciencia, Tecnologia e Inovação. Disponível em http://sigcti.mct.gov.br/fundos/rel/ctl/ctl.php?act=portal.index - vazio
http://sigcti.mct.gov.br/fundos/rel/ctl/...
):

  • Editais Públicos - também nomeados de chamada pública, essa demanda é utilizada quando se define uma ou mais áreas temáticas ou setores estratégicos de interesse dos programas de pesquisa cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo. A convocação das propostas é pública e são selecionados os projetos que melhor atendam às especificações da chamada.

  • Carta-Convite - nessa demanda, cada fundo convida instituições a apresentar propostas de projetos que visam à geração de produtos ou processos produtivos inovadores que contribuam para a superação de obstáculos ou conduzam a inovações estratégicas para o setor. As propostas apresentadas pelas instituições são pré-qualificadas e, posteriormente, avaliadas.

  • Encomenda - essa demanda é utilizada em caso de urgência ou especificidade, em que se encomenda a uma instituição específica de reconhecida competência o desenvolvimento de um projeto, estudo ou evento estratégico.

Para Pereira et al. (2006)Pereira, N. M., Hasegawa, M., & Azevedo, A. M. (2006). Relatório de aderências dos Fundos Setoriais: Relatório final . Brasília: CGEE., as características dos Fundos Setoriais, ou seja, mobilizar diversos agentes do processo inovativo na política de C&T, com destaque à empresa e o estímulo ao surgimento e à consolidação de redes de cooperação para a pesquisa, corroboram a negação à linearidade de tal processo. Além disso, a garantia da constância de recursos para as políticas de ciência e tecnologia, uma maior eficiência na gestão (permitida pela gestão compartilhada) e o foco dado a setores tidos como estratégicos para a economia brasileira a transformam em uma política inovadora para o País.

2.5. Alguns dados sobre os fundos setoriais

As expectativas quanto à implementação dos Fundos Setoriais eram grandes (Pereira, 2005Pereira, N. M. (2005). Fundos Setoriais: Avaliação das estratégias de implementação e gestão (TD 1136). Brasília: IPEA.). As estimativas sobre o aumento dos recursos que seria adicionado ao orçamento do MCTI, além da vinculação dessas receitas, garantiriam o fluxo financeiro às atividades de CT&I, superando a crônica instabilidade de recursos para P&D científico-tecnológico no País (Pacheco, 2007Pacheco, C. A. (2007). As reformas da política nacional de ciencia, tecnología e inovação no Brasil (1999-2002) (Manual de Políticas Públicas). Santiago: CEPAL.). Na Figura 1, apresenta-se a execução orçamentária do FNDCT entre os anos 1980 e 2005.

Figura 1
A Evolução da Execução Financeira do FNDCT (1980-2005)

Os dados contidos na Figura 1, embora um pouco defasados, mostram que, a partir da criação dos Fundos Setoriais em 1999, e com a implementação dos demais fundos ao longo de 2001 e 2002, não só se passou a manter um fluxo contínuo de orçamento, como ele foi aumentando ao longo do tempo. De acordo com o próprio FNDCT (FINEP, 2010Financiadora de Estudos e Projetos [FINEP]. (2010). Subvenção econômica para inovação . Brasília: Fundos Setoriais - FNDCT.), os Fundos Setoriais promoveram a revitalização do FNDCT, viabilizando e ampliando seus recursos imediatamente após sua instituição.

Os recursos provenientes dos Fundos Setoriais, como se pode observar na Figura 2, continuaram a aumentar após 2006. Entre o que se pode destacar aqui, tem-se o fato de que, embora tenha havido estagnação mundial nos últimos anos, resultado da crise de 2008, a arrecadação dos fundos continuou ascendente. Além disso, observa-se nessa Figura que a execução dos recursos fica aquém de sua arrecadação, mostrando uma certa folga de recursos para o investimento em ciência e tecnologia.

Figura 2
Evolução dos Recursos Arrecadados e Executados pelos Fundos Setoriais (em Milhões de Reais)

Na Figura 3 apresenta-se a execução dos recursos provenientes da arrecadação dos Fundos Setoriais por tipo de desembolso. Os recursos gerados pela arrecadação de cada fundo são destinados a diversos instrumentos de política de CT&I, entre eles projetos específicos de cada Fundo Setorial, Subvenção Econômica, Ações Transversais e Recursos sob supervisão do FNDCT. Vale destacar que, após a instituição de ações transversais, 50% dos recursos arrecadados por fundo deveriam ter esse destino. O que se observa, por meio da Figura 3, é que, ao longo dos anos, menos da metade dos recursos dos Fundos Setoriais está sendo destinado a projetos específicos de cada fundo, fazendo com que o conceito de setorização dos recursos de ciência e tecnologia venha se dizimando ao longo dos anos.

Figura 3
Evolução da Execução dos Recursos Provenientes dos Fundos Setoriais por Tipo de Desembolso (em Milhões de Reais)

Quanto à obrigatoriedade de, no mínimo, 30% dos recursos serem destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que se observa é que isso não foi cumprido em alguns anos (Figura 4). De acordo com o FNDCT (FINEP, 2010Financiadora de Estudos e Projetos [FINEP]. (2010). Subvenção econômica para inovação . Brasília: Fundos Setoriais - FNDCT.), ainda que o CNPQ e a FINEP se preocupem em contemplar essa exigência legal da regionalização dos recursos, muitos dos fundos não conseguem projetos o suficiente para atingir os percentuais almejados. Essa situação ocorre por diversas razões, seja devido a problemas no julgamento dos editais, atraso ou cancelamento na contratação dos projetos, seja pela própria configuração dos setores, como no caso do CT-Aeronáutico, em que a maior parte das empresas de ciência e tecnologia desse setor estão localizadas na região Sudeste do País.

Figura 4
Evolução da Execução Orçamentária dos Fundos por Região (em Porcentagem)

Com relação aos projetos aprovados, os números chamam bastante atenção. Desde a criação do primeiro fundo, o CT-Petro, em 1999, já foram apoiados mais de 24.700 projetos. Na Figura 5, apresenta-se a evolução desse número e mostra-se que o número de projetos aprovados teve seu ápice no ano de 2008, seguido por uma ligeira diminuição em 2009 e uma diminuição abrupta em 2010. Essa queda absoluta no número de projetos em 2009 representa que o valor dos projetos aprovados nesse ano superaram, em média, os do ano anterior, uma vez que o orçamento executado nesse período foi maior do que em 2008. Já no ano de 2010, pode-se observar que a queda no número de projetos acompanha a diminuição no orçamento executado no período.

Figura 5
Evolução do Número de Projetos Aprovados com Recursos dos Fundos Setoriais

Ainda sobre os projetos aprovados, o que se observa é uma variância significativa quando relacionados ao número de projetos (acumulado) aprovado por fundo (Figura 6). Embora só tenha sido aprovada em 2004, cinco anos após a criação dos fundos, a ação transversal é responsável por mais de 9.300 projetos, representando 37,7%. Vale lembrar que, institucionalmente, 50% dos recursos arrecadados por fundo devem ser destinados a esse tipo de ação. Destaca-se, ainda, o número de projetos aprovados por instrumento de subvenção e outros do FNDCT, que ultrapassam os 2.500 projetos. Esse representativo de 10% do total, somado aos 37,7% do Fundo Transversal, mostra que os Fundos Setoriais estão perdendo sua visão setorial não só em valores financeiros (Figura 3), mas também em quantidade de projetos aprovados.

Figura 6
Número de Projetos Aprovados por Fundo (1999-2010)

3. METODOLOGIA

No presente trabalho, a proposta foi avaliar se os Fundos Setoriais alteraram o modelo de política de promoção de CT&I no Brasil, passando a estimular a interação dos diversos atores no processo inovativo, com foco na empresa.

Para tanto, foi selecionado o Fundo Setorial Agronegócio (CT-Agro), sendo ele o terceiro fundo (entre os verticais) que mais arrecada recursos, atrás somente do CT-Petro e do CT-Energ. Em número de projetos (ainda entre os Fundos Verticais), o CT-Agro ocupa a segunda colocação, logo atrás do CT-Petro, o que mostra a preocupação do Comitê Gestor dos Fundos com a inclusão da pesquisa científica e tecnológica no setor de agronegócio. Além disso, o agronegócio foi, em 2010, responsável por 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) com mais de 170 bilhões de reais gerados por esse setor, caracterizando esse segmento como essencial para a economia brasileira.

Para a definição de indicadores que avaliassem a consolidação de um modelo setorial de inovação, foram entrevistados responsáveis por formulação de indicadores de CT&I, os quais indicaram os objetos de análise apontados a seguir.

  • Demandas - para avaliar a preocupação do Comitê Gestor do CT-Agro, representado pelas agências de fomento responsáveis pelas demandas, em estimular a interação dos diversos atores com foco na empresa, foi efetuado um levantamento de todos editais / chamadas públicas lançados com recursos desse fundo. Em cada uma dessas demandas, o objetivo era saber se havia a especificação de prioridade a projetos que contemplassem a participação da empresa.

  • Projetos - para analisar se houve a participação da empresa nos projetos financiados com recursos do CT-Agro, foi realizado um levantamento de todos os projetos aprovados por esse fundo, verificando a participação ou não da empresa.

Para se obter esses dados, foram contatados gestores dos Fundos Setoriais que indicaram a disponibilidade de ambos os objetos de análise por meio de análise documental. Quanto ao horizonte temporal, o período abrangido neste estudo é de 2002, quando foi lançada a primeira chamada pública do CT-Agro, até outubro de 2010, quando a base de dados do Sig/Fundos Setoriais foi atualizada pela última vez, tratando-se, portanto, de um estudo populacional. Além disso, foram analisados demandas e projetos das duas agências responsáveis pelos recursos dos Fundos Setoriais: FINEP e CNPq.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Análise das demandas do CT-Agro

O primeiro edital com participação do CT-Agro foi lançado em dezembro de 2002 pelo CNPq. Essa seleção pública, chamada Edital Universal CNPq nº 01/2002, foi criada com recursos de todos os fundos existentes na época, representando todas as áreas do conhecimento científico tecnológico.

A partir daí, foram lançados editais anualmente, tanto universais quanto com recursos específicos do CT-Agro. A Figura 7 mostra a distribuição dos editais por ano.

Figura 7
Distribuição dos Editais e Chamadas Públicas do CT-Agro por Ano

Pode parecer estranha essa disparidade entre os anos 2008/2009 e os demais, mas, se comparada aos dados da Figura 8, que mostra os valores arrecadados e pagos pelo CT-Agro, o que se pode ver é certo acompanhamento do orçamento com o número de editais lançados no mesmo período. Além disso, não se pode deixar de recordar o fato de que os editais são só um tipo de instrumento de fomento do CT-Agro, representando, assim, somente uma parte das demandas criadas em cada um dos anos.

Figura 8
Evolução dos Valores Arrecadados e Pagos pelo CT-Agro (em Milhões de Reais)

O edital lançado em 2002 não fazia menção alguma à priorização de propostas que apresentassem ações cooperativas, nem quanto à participação de empresas, nem quanto à cooperação entre instituições. Em ambos os editais de 2003, essa situação se repete: nenhuma referência é feita à priorização de projetos que contemplem a cooperação de empresas ou de outras instituições.

A partir de 2004, essa condição se altera. O primeiro edital lançado nesse ano (Edital Universal CNPq 19/2004) passa a priorizar ações que apresentem cooperação universidade/empresa, mostrando que essa agência de fomento começa a dar importância a propostas que incluam a empresa em pesquisa e desenvolvimento.

Esperava-se que, a partir de 2004, se tivesse ressaltado a importância de projetos cooperativos e os editais passassem a indicar essa priorização em seus documentos. Dos 33 editais, 14 indicam que a participação de empresas no projeto é critério positivo para o julgamento da proposta, enquanto 13 editais indicam a cooperação multi-institucional como pontos positivos nas propostas submetidas. Na Figura 9, apresenta-se a distribuição dos projetos, por indicação da priorização de propostas, que contemplem cooperação com empresas ou instituições.

Figura 9
Distribuição dos Projetos, por Indicação da Priorização de Propostas, que Contemplem Cooperação com Empresas ou Instituições (em Porcentagem)

O que se analisa, a partir da Figura 9, é que menos da metade (42%) dos editais se preocupa em priorizar propostas que incluam empresas em seus projetos. Isso mostra que, embora um dos principais objetivos dos Fundos Setoriais seja a inclusão do setor empresarial no processo inovativo para a consolidação de um modelo sistêmico, as agências de fomento não têm se preocupado em priorizar em seus editais projetos que contemplem a coparticipação de empresas.

Indo mais além, somente 39% dos editais (Figura 9) contemplam prioritariamente projetos que possuam composição de parcerias entre instituições. Mais uma vez, isso vai contra o modelo sistêmico que deu embasamento à criação dos Fundos Setoriais, uma vez que, para a sua efetividade, é essencial que haja a interação de agentes e instituições distintas trabalhando em rede.

Ainda conforme a Figura 9, o que se apresenta é que 43% dos editais não chamam a atenção para a participação de empresas, tampouco para as parcerias multi-institucionais, ignorando cooperações e sistemas de qualquer modalidade.

Em conclusão, o que se pode observar é que, apesar de a política de Fundos Setoriais ter sido fundamentada no modelo sistêmico de inovação, em que há diversos atores trabalhando em rede e a presença do setor empresarial é vital, e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação afirmar a preferência por projetos que contem com a participação de empresas (MCTI, 2011Ministério da Ciencia, Tecnologia e Inovação [MCTI]. (2011, 10 dezembro) Fundos setoriais (FNDCT: Relatórios). Brasília: Ministério da Ciencia, Tecnologia e Inovação. Disponível em http://sigcti.mct.gov.br/fundos/rel/ctl/ctl.php?act=portal.index - vazio
http://sigcti.mct.gov.br/fundos/rel/ctl/...
), essa prioridade ainda não é realidade nos editais lançados pelo CNPq. Isso mostra que, por parte da oferta de recursos para ciência e tecnologia (tendo como foco o CT-Agro), ainda não há preocupação concreta em se direcionar o financiamento a projetos que tenham caráter sistêmico, seja priorizando a cooperação institucional, seja incluindo a empresa no processo inovativo.

4.2. Análise dos projetos do CT-Agro

O CT-Agro teve sua primeira demanda lançada em 2002, quando foi criado o Fundo. Desde então, foram viabilizadas diversas iniciativas de fomento. A Tabela 1 mostra como se distribuíram os projetos aprovados e seus recursos para cada uma das demandas entre as principais modalidades de fomento de 2002 a outubro de 2010.

Tabela 1
Número de Projetos e Recursos Aprovados por Tipo de Demanda

Assim como os demais fundos, são variados os tipos de demanda utilizados pelo CT-Agro. O mecanismo de fomento mais popular é o edital, também nomeado de chamada pública. Esse mecanismo, que pressupõe a competição e a seleção das melhores propostas sobre o tema, foi a forma de fomento mais frequente, representando mais de 95% dos projetos. Embora, em número de projetos, o edital seja dominante, em recursos aplicados essa realidade não é a mesma. O orçamento aprovado para esse tipo de demanda representou somente 55% do total. Então, esses projetos receberam, em média, em torno de 92 mil reais.

O edital pode, ainda, ser classificado de duas maneiras: Demanda Induzida e Demanda Espontânea. O Edital de Demanda Induzida é aquele que possui um objetivo específico, atendendo a um tema exclusivo, que foi definido por metas e prioridades elaboradas pelo Comitê Gestor. Já no Edital de Demanda Espontânea, o apoio é dado sem direcionamento a um tema ou objetivo específico, sendo os pesquisadores livres para elaborar projetos de interesse. Dos editais lançados, somente um é de Demanda Espontânea, com a aprovação de apenas um projeto com essa propriedade, sendo os demais editais de Demanda Induzida. Essa característica do fundo, ou seja, de ter a grande maioria de seus projetos aprovada por meio de Demandas Específicas, é condizente com o modelo de demanda pull (dinâmica que vê o mercado como principal determinante da inovação), uma vez que, a partir de deficiências observadas pelo Comitê Gestor, são selecionados projetos científicos que as corrijam.

A Encomenda é a forma de fomento que consiste em um mecanismo auxiliar a ser utilizado em caso de uma demanda específica, seja ela do governo, seja do setor produtivo. Além disso, essa forma de fomento foi criada para ser utilizada em caso de urgência, sendo encomendados projetos a institutos, universidades ou centros de pesquisa especialistas no assunto proposto. A Encomenda aprovou somente 4,2% dos projetos no período, mas utilizou 44% do orçamento, sendo que cada projeto recebeu, em média, mais de R$ 1,6 milhão.

A Carta-Convite segue a mesma lógica da Encomenda, sendo que, nesse caso, algumas instituições são convidadas a propor projetos para uma demanda específica. Ela foi utilizada somente uma vez, com dois projetos aprovados, no primeiro ano do fundo (2002). Cada projeto dessa categoria de demanda recebeu, em média, mais de R$ 1,3 milhão.

Então, pode-se dizer que, em termos financeiros, o CT-Agro está dividido em duas estratégias. A primeira delas está relacionada a projetos de grande valor associado, em que instituições de excelência são convidadas a ofertar um produto com base em uma demanda criada tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. Por outro lado, na segunda estratégia, poucos recursos são destinados a projetos que cumpram as diretrizes estratégicas propostas pelo fundo.

A distribuição regional dos recursos é uma informação fundamental para os Fundos Setoriais, uma vez que um dos objetivos dos fundos era a desconcentração regional da produção científica e tecnológica no Brasil. Nesse sentido, ficou especificado que 30% dos recursos dos Fundos Setoriais deveriam ir obrigatoriamente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Na Figura 10, apresenta-se a distribuição dos projetos do CT-Agro em duas grandes regiões: Norte, Nordeste e Centro-Oeste; Sul e Sudeste.

Figura 10
Distribuição em Duas Grandes Regiões dos Projetos do CT-Agro

De acordo com essa Figura, constata-se que, em número de projetos, o objetivo de distribuição regional está sendo atingido, com 45% desses projetos sendo aplicados por instituições e universidades presentes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Por outro lado, cabe destacar, com a Tabela 2, que o Norte é responsável por somente 5,6% dos projetos, o que coloca essa região em certo isolamento.

Tabela 2
Número de Projetos e Recursos Aprovados por Região

Quando se comparam em termos de recursos tomados (Figura 11), as informações são ainda mais animadoras. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são responsáveis pelo recebimento de 58% dos recursos do CT-Agro, atendendo à preocupação prevista nos Fundos Setoriais.

Figura 11
Distribuição dos Recursos do CT-Agro em Duas Grandes Regiões

Do lado oposto, analisando-se as três regiões separadamente (Tabela 2), houve concentração de recursos no Centro-Oeste, responsável por 42,6% do orçamento. Isso coloca a região Norte com somente 3,8% dos recursos, recebendo menos de R$ 9 milhões em todo o período. Essa situação mostra que, embora esteja sendo atendida a exigência de utilização de, no mínimo, 30% dos recursos dos fundos, o Norte permanece como uma região isolada. Essa deficiência de recursos para a região Norte poderia ser corrigida caso as demandas especificassem recursos para essa região prioritariamente, como foi feito com as demais regiões.

4.3. Participação das empresas no CT-Agro

A política dos Fundos Setoriais é baseada em um modelo setorial sistêmico de inovação, em que diversos atores tra balham em rede e o setor produtivo, como foco da demanda tecnológica, tem papel de destaque. Nesse sentido, o que essa política propunha era a inclusão da empresa no processo inovativo, a fim de que ela pudesse se beneficiar dos resultados da inovação, promovendo competitividade e desenvolvimento.

Assim, a proposta dos fundos é a constituição de redes cooperativas, que direcionem atividades de pesquisa e desenvolvimento, e a formação de recursos humanos, que atendam aos interesses das empresas de cada setor.

Por força da legislação brasileira, que não permite o financiamento de P&D a fundo perdido direto a empresas, as universidades e centros de pesquisa têm que atuar necessariamente como instituições proponentes dos projetos; as empresas, quan do presentes em determinados projetos, são necessariamente ligadas a uma instituição de pesquisa.

Nesse contexto, a fim de verificar a formação de redes cooperativas - universidades, centros de pesquisa, empresas -, procedeu-se à identificação dos projetos aprovados pelo CT-Agro que apresentam cooperação de outra(s) instituição(ões) além da proponente. E, a partir daí, separaram-se os projetos que possuíam a participação de empresas.

Dessa forma, foram encontrados 70 projetos aprovados com recursos do CT-Agro que contemplam a cooperação interinstitucional. Entre os órgãos que participaram dos projetos, há universidades, Embrapa, fundações, institutos de pesquisa, além de agências do governo, associações e até mesmo ministérios. Quanto à participação financeira, foram destinados a esses projetos mais de R$ 32 milhões.

A Figura 12 apresenta os resultados obtidos na identifica ção de projetos que contam com a participação de empresas no CT-Agro.

Figura 12
Projetos Aprovados pelo CT-Agro com Participação de Empresas e suas Respectivas Demandas (de 2002 a Outubro de 2010)

Dos 1.427 projetos aprovados com recursos do CT-Agro, somente 24 contam com a participação de empresas em suas propostas, representando menos do que 2% do total de projetos. Essa fraca participação do setor empresarial na composição do fundo leva a crer que os esforços para a consolidação de um sistema setorial de inovação estão longe de ser satisfatórios.

O grau de participação das empresas nos Fundos Setoriais também é medido pelo volume de recursos aplicados nos projetos. Nessa direção, a Tabela 3 apresenta os projetos aprovados que possuem participação da empresa e seus respectivos valores contratados. Essa informação é relevante, uma vez que a participação da empresa nos fundos se dá por meio de contrapartida financeira ou técnica (desde que a última seja mensurável), dando aos projetos maior margem de financiamento.

Tabela 3
Valor Contratado pelos Projetos Aprovados com Participação de Empresas no CT-Agro (de 2002 a Outubro de 2010)

Dessa forma, quanto ao grau de recursos contratados, os projetos do CT-Agro seguem o mesmo caminho. Dos R$ 227.128.673 contratados com recursos do CT-Agro, R$ 15.846.108 foram destinados a projetos que apresentam a empresa como participante, representando menos do que 7% do total. Essa tímida participação da empresa, também quanto aos recursos financeiros, corrobora o fato de que o setor produtivo ainda não tem o seu lugar nos projetos de ciência e tecnologia.

Diante dos resultados apresentados, pode-se inferir que, embora a criação dos Fundos Setoriais tenha buscado implementar um modelo setorial sistêmico de inovação, dando foco principal ao setor produtivo, isso não tem ocorrido. A inclusão da empresa no modelo inovativo tem sido dificultada por diversos motivos. O primeiro deles é o fato de a legislação brasileira não permitir que recursos de P&D sejam liberados a fundo perdido diretamente a empresas, obrigando os recursos sempre a passar por universidades e centros de pesquisa. Ainda quanto à legislação brasileira, conforme colocado por alguns gestores contatados, outras políticas de estimulo a CT&I têm atrapalhado a inclusão do setor privado em projetos dos Fundos Setoriais, como seria o caso da Lei do Bem, que oferece subvenção às empresas.

Um terceiro fato está relacionado a editais e chamadas públicas lançados pelas agências de fomento. Somente 42% dessas demandas, como foi destacado, preocupam-se em dar prioridade a propostas que incluam a empresa em seus projetos, negligenciando o setor produtivo nos demais casos.

Outro fato pertinente é que apenas três projetos aprovados estão classificados em programas do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI) relacionados às empresas, indicando uma preocupação muito pequena quanto a temas que incluam a empresa por parte das instituições proponentes. Por fim, está o fato de que menos de 2% dos projetos do CT-Agro contam com a cooperação de empresas, advertindo para o fato de que a presença do setor produtivo em seus projetos é, ainda, uma exceção.

Nessa direção, conclui-se que a política de promoção de CT&I no Brasil continua seguindo um modelo linear, uma vez que os recursos dos fundos são direcionados a instituições de pesquisa, principalmente a universidades e centros de pesquisa de excelência no setor, sendo responsabilidade delas a produção da inovação. A inclusão do setor produtivo está muito aquém do que se espera para que haja um efetivo envolvimento desse setor, a fim de caracterizar o modelo como sistêmico. Por outro lado, a maioria dos projetos aprovados segue um objeto de pesquisa priorizado pelo Comitê Gestor do Fundo (composto, também, por integrantes do setor produtivo), configurando o modelo demand pull, dinâmica que vê o mercado como principal determinante da inovação tecnológica. Assim, pode-se classificar o modelo científico tecnológico brasileiro como linear impulsionado pela demanda.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, teve-se como objetivo investigar se os Fundos Setoriais redefiniram o modelo de promoção de ciência, tecnologia e inovação como proposto originalmente pela política, passando de uma lógica ofertista-linear para uma lógica sistêmica. Além disso, buscou-se classificar essa política dentro dos principais modelos de inovação, caso os Fundos Setoriais não configurassem o modelo sistêmico proposto.

Pode-se concluir que, embora a criação dos Fundos Setoriais tenha buscado implementar um modelo setorial sistêmico de inovação, dando papel principal ao setor produtivo, isso não tem ocorrido. Esse foco central dado à inclusão do setor empresarial ainda está limitado à sua participação nos comitês gestores dos fundos, cuja responsabilidade está nas decisões de aplicação dos recursos e temas de interesse do setor.

Portanto, a política de promoção de CT&I no Brasil continua seguindo um modelo linear, uma vez que os recursos dos fundos são direcionados a instituições de pesquisa, principalmente a universidades e centros de pesquisa de excelência no setor, sendo responsabilidade delas a produção da inovação. Por outro lado, como a maioria dos projetos aprovados segue um objeto de pesquisa priorizado por seu comitê gestor, eles seguem a dinâmica inovativa priorizada pela demanda. Em outras palavras, os Fundos Setoriais mantêm o modelo linear de inovação, mas, agora, induzido pela demanda.

Há um ponto, em especial, que se deve ressaltar aqui. O fato de o setor empresarial não ter sido incluído na produção de ci ência e tecnologia no País não quer dizer, necessariamente, que os Fundos Setoriais falharam em termos de política de CT&I. Os Fundos Setoriais são, por si só, uma política inovadora para o contexto brasileiro, uma vez que garantiram a constância de financiamento para P&D, com base em uma legislação que desvinculava seus recursos do orçamento restrito da época em que foram criados.

Além disso, os fundos passaram a focalizar os setores individualmente, dando ênfase às particularidades de cada um, assim como pregado pelo modelo setorial. Mais ainda, os fundos procuraram descentralizar os recursos de C&T para regiões menos privilegiadas, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que, como consta em dados do CT-Agro, tem sido alcançado ao longo dos anos.

Os Fundos Setoriais são, então, uma política sem precedentes para a pesquisa científica e tecnológica no Brasil, mesmo que mantendo um modelo linear de inovação. Cabe agora estudar os resultados dessa política, analisando se os produtos gerados por esses bilhões de reais investidos em projetos de CT&I têm retornado à sociedade em termos de desenvolvimento.

Uma limitação deste trabalho foi o fato de se estudar somente um dos 14 Fundos Setoriais Verticais; entretanto, espera-se que ele seja representativo das informações constantes nos demais fundos. O que se recomenda, então, é que este trabalho seja replicado para os demais fundos, a fim de corroborar as conclusões aqui encontradas.

  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO
    (De acordo com as normas da American Psychological Association[APA])
    Gomes, V. C., Oliveira, L. G. de, Machado, S. H. S., & Sousa, L. C. de. (2015, julho/agosto/setembro). Os fundos setoriais e a redefiniçao do modelo de promoção de ciência, tecnologia e inovação no Brasil: uma análise à luz do CT-Agro. Revista de Administração – RAUSP, 50 (3), 353-368. doi: 10.5700/rausp1205

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2012
  • Aceito
    13 Fev 2015
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