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Intuição: o discurso da literatura

Intuition: the discourse of literature

Resumos

Neste artigo, temos por objetivo apresentar o conceito de intuição na literatura geral e resgatar, na literatura de enfermagem, qual tratamento tem sido dado a esta temática. Apresentamos, sucintamente, os achados da literatura, onde a intuição aparece como um atributo inato e acessível ao ser humano. Nos posicionamos favoráveis à união dos aspectos racional e intuitivo do nosso ser como uma forma de desenvolvimento pessoal e ampliação das possibilidades de compreender e ajudar as pessoas.

Práticas Alternativas; Abordagem Holística


The purpose of this article is to present the concept of intuition in the literature in general and review how this theme has been considered in the nursing literature in particular. The findings in the li terature where intuition appears as an innate and accessible attribute of the human being are presented in short. The authors assume a favorable position concerning the association of the rational and intuitive aspects of the human being as a. hind of personal development and amplification of the possibilities to understand and help people.

Holism; Alternatives Practices


ARTIGOS ORIGINAIS

Intuição: o discurso da literatura* * Trabalho apresentado como nota prévia no 45º Congresso Brasileiro de Enfermagem, Recife-Olinda, 1993.

Intuition: the discourse of literature

Ilda Estefani Ribeiro MartaI; Ani Fabiana BertonII

IEnfermeira, Professor II da Disciplina Enfermagem Materno- Infantil da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Fernandópolis-SP. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação, área Enfermagem Fundamental, da EERP-USP

IIEnfermeira, Professor I da Disciplina Enfermagem Psiquiátrica da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Fernandópolis-SP. Mestranda do Programa de Pós-Graduação, área Enfermagem Psiquiátrica, da EERP, USP

RESUMO

Neste artigo, temos por objetivo apresentar o conceito de intuição na literatura geral e resgatar, na literatura de enfermagem, qual tratamento tem sido dado a esta temática. Apresentamos, sucintamente, os achados da literatura, onde a intuição aparece como um atributo inato e acessível ao ser humano. Nos posicionamos favoráveis à união dos aspectos racional e intuitivo do nosso ser como uma forma de desenvolvimento pessoal e ampliação das possibilidades de compreender e ajudar as pessoas.

Unitermos: Práticas Alternativas. Abordagem Holística.

ABSTRACT

The purpose of this article is to present the concept of intuition in the literature in general and review how this theme has been considered in the nursing literature in particular. The findings in the li terature where intuition appears as an innate and accessible attribute of the human being are presented in short. The authors assume a favorable position concerning the association of the rational and intuitive aspects of the human being as a. hind of personal development and amplification of the possibilities to understand and help people.

Unitermos: Holism. Alternatives Practices.

APRESENTAÇÃO

O interesse em estudar este assunto surgiu de nossas vivências, enquanto pessoas, enfermeiras e docentes.

Estas vivências, cada vez mais, foram se caracterizando por um contínuo andar ao redor de fenômenos experienciados pelos seres humanos, buscando a compreensão de tais experiências.

Estamos, há aproximadamente seis anos, participando de um grupo voluntário de atendimento, cuja assistência procura auxiliar pessoas nas relações consigo próprias, com o outro e com o ambiente.

Nossa prática, dentro deste grupo, tem se concretizado através de uma assistência similar à técnica do Toque Terapêutico, descrita pela enfermeira Dolores Krieger** ** Ver KRIEGER, D. The therapeutic touch: how to use your handsto help or to heal. Englewood cliffs, Prentice-Hall, 1979. .

A vivência nesta prática, que estendemos a alunos e pacientes, nos tem instigado no sentido de buscar a compreensão de percepções que se nos afiguram, em especial, a intuição.

Desta forma, como um início do caminhar em busca desta compreensão, dirigimo-nos à bibliografia que versa sobre o assunto.

Este artigo tem, portanto, o objetivo de apresentar o conceito de intuição na literatura geral e resgatar, na literatura de enfermagem, qual tratamento tem sido dado a esta temática.

INTUIÇÃO - NA LITERATURA GERAL

Partindo de uma abordagem holística, CREMA (1989) afirma que o homem e o universo encontram-se em indissolúvel diálogo e cumplicidade, respondendo-se mútua e instantaneamente, através de infindáveis eventos que se intercruzam.

O pensar de BURDEN (1985) está de acordo com a afirmação anterior ao admitir que somos parte de um Todo. Cada um de nós é dotado de uma qualidade, de um princípio ou aspecto de consciência, que podem, por meio da educação, ser introduzida em nossa percepção cotidiana, trazendo consigo o material acumulado pelo Todo.

Para essa autora, a intuição é uma identificação com uma ordem de inteligência superior, inerente à natureza, e acessível ao homem no estado de sensibilidade aguda.

De acordo com CREMA (1989), pesquisas recentes em neurofisiologia experimental demonstram que, embora funcionando como um circuito integral, os hemisférios cerebrais possuem funções especializadas distintas. O hemisfério cerebral esquerdo representa o substrato neurofisiológico das nossas funções cognitivas verbais, de raciocínio e lógica formal, linear, controlando as funções analíticas referentes ao uso da palavra, da abstração, classificação e comparação, estando mais ligado às gravações de experiências passadas. O hemisfério cerebral direito representa a sede de nossas funções de compreensão, intuição, captação de imagens, melodias e de totalidades, mais ligado ao desconhecido.

Para SAGAM, citado por CREMA (1989), não há como dizer se os padrões extraídos pelo hemisfério direito são reais ou imaginários sem submetê-los à verificação do hemisfério esquerdo. Por outro lado, o mero pensamento crítico, sem vislumbres criativos e intuitivos, é estéril e condenado.

CAPRA (1985), ao fazer um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, considera a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades racionais e intuitivas. Desta forma, o físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional, o místico através de uma extrema especialização da mente intuitiva.

Para o autor, estas duas abordagens são diferentes, mas complementares. Nenhuma pode ser compreendida sem a outra, nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo.

Concordando com esta afirmação, CREMA (1989) estabelece um paralelo:

"assim como o pássaro necessita de duas asas para voar, também o ser humano necessita dos seus dois hemisférios cerebrais para evoluir e enfrentar o colossal desafio de nosso tempo." (P. 57)

A crise de fragmentação que vivemos, segundo este autor, é um sintoma de que hipertrofiamos nosso analítico hemisfério esquerdo, necessitando, agora, acelerarmos o pleno despertar de nosso meditativo hemisfério direito.

BURDEN (1985) acredita que a humanidade está evoluindo, não apenas biologicamente, mas também em consciência. Está subindo do nível instintivo para o intelectual e deste para o intuitivo.

Para esta autora, não é possível descrever verbalmente o significado, natureza e função da intuição, pois a intuição deve ser compreendida pela intuição.

Coloca que a intuição é chamada por diferentes nomes e encarada de diferentes ângulos, tais como "algo que se manifesta com a ajuda do terceiro olho"; "algo que vem de Deus"; ou "algo que se manifesta através de pressentimentos e impressões instantâneas inicias das pessoas."

Esta autora lembra que, muitas vezes, no início do processo intuitivo, algumas pessoas revelam a capacidade de pressentir o conteúdo da correspondência, antes mesmo dela chegar, ou tomam conhecimento da aproximação de uma visita, embora esta não tenha sido anunciada.

Para BURDEN (1985), apesar de parecerem surpreendentes e engraçadas, essas experiências não são importantes, a menos que nos levem aos recessos mais profundos da intuição. São vistas pela autora como formas inferiores de percepção psíquica, que não nos fazem melhores ou mais úteis, assim como não nos fazem mais felizes.

A importância de se preocupar com a intuição, para BURDEN (1985), está no fato de que ela proporciona uma progressiva compreensão dos panoramas da sabedoria verdadeira, não acessível ao intelecto, o que contribui para um estado de paz e criatividade; e, principalmente, na obrigação de todos os que compreendem a situação em ajudar a humanidade na fase difícil de uma necessária etapa evolutiva.

INTUIÇÃO - NA LITERATURA DE ENFERMAGEM

Na literatura de enfermagem norte-americana, até o momento, encontramos vários trabalhos versando sobre intuição. Dentre eles, REW; BARROW (1987), com o objetivo de encontrar referências ao conceito de intuição, analisaram 14.971 trabalhos de enfermeiros, publicados no American Journal of Nursing, no período de 1900 a 1985.

Os autores encontraram, em 50 trabalhos, conceitos relacionados à intuição, tais como instinto de mulher, criatividade e percepção rápida.

Apenas um artigo tratava diretamente sobre intuição. Este trabalho incentivava as enfermeiras a usarem a avaliação formalizada e não a intuição. Esta autora colocava que a prática e o ensino de enfermagem, na década de 60, eram principalmente de natureza intuitiva, e que uma abordagem mais científica era necessária. REW; BARROW (1987) chamam a atenção para a existência de uma contradição neste artigo, demonstrada quando, ao tecer comentários, a autora assegurou que a criatividade, assim como dados obtidos através de uma avaliação formal, são necessários para se fazer uma avaliação acurada e diagnóstico.

Nesta mesma pesquisa, REW; BARROW (1987) procuraram por atributos da intuição, explicitados nos artigos pesquisados. Relataram ter encontrado os termos insight, definido como a habilidade para ver e compreender claramente a natureza interna das coisas, especialmente pela intuição; instinto, definido como conhecimento obtido sem raciocínio formal; intuição apareceu ligada com referências à criatividade e habilidade para prever o futuro, sendo aludida também como atributo feminino.

Os autores verificaram que alguns artigos tratavam do fenômeno intuição enquanto conhecimento adquirido como um todo, imediato e sem o processo de raciocínio analítico.

REW; BARROW (1987) concluem que, embora existam referências à intuição, existe uma escassez de relatos de experiências com este fenômeno.

Encontramos tais relatos em um artigo publicado por ALAN (1987), onde são citadas entrevistas realizadas em trabalho anterior com enfermeiras holísticas.

O conhecimento intuitivo foi referido em uma variedade de formas, quando as enfermeiras entrevistadas falavam de suas próprias práticas, em especial na execução do toque terapêutico.

Estas referências são explicitadas a seguir em alguns trechos da fala das enfermeiras entrevistadas por AGAN (1987):

"Estou trabalhando em alguém, e alguma coisa me diz para cuidar de certa área do corpo.

" (p.67) ".. eu sinto quando aquilo é necessário." (p.67)

"Eu recebo a informação sobre as clientes, ela vem para minha cabeça ... está lá. E durante um longo tempo, eu nunca soube o que fazer com isto. Agora eu apenas digo a elas. Eu digo: eu tive esta idéia, vou apresentá-la a você, e você decide se está certo ou não. Em nove a cada dez vezes eu acerto... Eu quero usar este conhecimento de uma forma que ajude as pessoas a ver o que podem não estar vendo..." (p. 67)

De forma geral, os enfermeiros entrevistados por AGAN (1987) acreditam que esse conhecimento é alguma coisa que todos têm e precisam encontra em si mesmos. Uma dessas enfermeiras acredita que, em várias técnicas alternativas, utilizadas nos cuidados à saúde, os profissionais têm acesso a este conhecimento através da intuição e podem compartilhar com outras pessoas.

Outra enfermeira participante da pesquisa de AGAN (1987) afirma que:

"Subconscientemente, todos nós sabemos alguma coisa ... todos vamos aprender tudo de novo quando morrermos. Você apenas esquece, quando nasceu nesta dimensão em particular. É apenas tentar entrar em contato com aquilo que já sabemos." (p.68)

Na pesquisa de LENERS (1992), realizada com 40 enfermeiras, podemos também encontrar dados relativos à experiência intuitiva.

De acordo com esta autora, as enfermeiras, com experiência entre um e dois anos, expressaram a incapacidade de confiar em suas intuições; as enfermeiras, com experiência entre três e oito anos, expressaram autoconfiança cada vez maior em reconhecer e confiar na intuição; e, para as enfermeiras com mais de oito anos de experiência, a intuição parece ser uma habilidade inata a ser utilizada.

Os entrevistados referiram, entre outros pontos importantes, que a habilidade de uma enfermeira em ter uma relação profunda com um paciente, influenciava a quantidade e qualidade das intuições sobre este paciente. Quanto mais profunda a relação, mais freqüentes e importantes eram as intuições. LENERS (1982) destaca que a expressão "mais profunda" parece não ter relação com a longevidade da relação. As relações profundas enfermeira-cliente eram freqüentemente relatadas por enfermeiras de pronto-socorro e de cuidados intensivos, que tinham pouco tempo de contato com os clientes, antes das experiências de intuição.

Durante os seis anos de atuação no grupo, anteriormente citado, tem sido possível para nós experienciarmos momentos de profunda interação com clientes, durante a aplicação do toque terapêutico.

Autoras que praticam o toque terapêutico também fazem referências à intuição. Dentre elas, KRIEGER (1993) afirma que mensagens ou pistas, em relação ao cliente, podem ser captadas de maneiras sutis, através da intuição.

Neste sentido, THAYER (1990) lembra, ainda, que para detectar o momento de cessar a aplicação de energia, no Toque Terapêutico, o profissional deve ouvir a quaisquer noções intuitivas.

Na literatura de enfermagem brasileira, até o momento, encontramos referência à intuição no trabalho de SILVA (1993). Em suas reflexões, esta autora relata experiências intuitivas no cuidado a pessoas com AIDS e considera o processo intuitivo como "um dos requisitos básicos para o verdadeiro e efetivo processo de cuidar". (p. 95)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como dissemos, este artigo constitui um início do caminhar em busca da compreensão da intuição, e deriva da nossa necessidade de buscar maiores informações, na literatura, a respeito deste fenômeno, que experienciamos na prática do toque terapêutico e em outras situações de interação com clientes.

Nesta busca, encontramos vários artigos versando sobre esta temática, principalmente escritos por enfermeiros norte-americanos, não sendo possível, entretanto, citar todos por uma questão de espaço.

Nos trabalhos referenciados, a intuição aparece como um atributo inato e acessível ao ser humano.

Considerando a complexidade da vida e suas relações, acreditamos na importância da união dos aspectos racional e intuitivo do nosso ser, no intuito de maior desenvolvimento pessoal, ampliando assim as possibilidades de compreender e ajudar as pessoas.

A intuição nos afigura, portanto, como um elemento importante a ser utilizado por nós enfermeiros no processo de cuidar, possibilitando-nos uma consciência mais ampla do outro e de nós mesmos, tornando a interação menos reducionista e fragmentada.

  • 1. AGAN, R. D. Intuitive knowing as a dimension of nursing. Adv. Nurs. Sci, v.10, n.1, p.6370, 1987.
  • 2. BURDEN, V. O processo da intuição: uma psicologia da criatividade. Trad. SILVA, D. C. da. São Paulo, Pensamento, 1985.
  • 3. CAPRA, F. O Tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo, Cultrix, 1985.
  • 4. CREMA, R. Introdução A visão holística: breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo, Summus, 1989.
  • 5. KRIEGER, D. Accepting your power to heal: the personal practice of therapeutic touch. New Mexico, Bear & Company, 1993.
  • 6
    __________ The therapeutic touch: how to use your hands to help or to heal. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1979.
  • 7. LENERS, D. W. Intuition in nursing practice - deep connections. J. Holist. Nurs., v.10, n.2, p.137-53, 1992.
  • 8. REW, L.: BARROW, E. M. Intuition: a neglected hallmark of nursing knowledge. Adv. Nurs. Sci. , v.10, n.1, p.49-62, 1987.
  • 9. SILVA, A. L. da. Reflexões sobre a experiência de uma enfermeira no cuidar de clientes com AIDS, com base no modelo homodinâmico. Rev. Gaúcha Enferm., v.14, n.2, p.90-101, 1993.
  • 10.THAYER, M. B. Touching with intent: using therapeutic touch. Pediatr. Nurs., v.16, n.1, p.70-2, 1990.
  • *
    Trabalho apresentado como nota prévia no 45º Congresso Brasileiro de Enfermagem, Recife-Olinda, 1993.
  • **
    Ver KRIEGER, D. The therapeutic touch: how to use your handsto help or to heal. Englewood cliffs, Prentice-Hall, 1979.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 1997
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